Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1747/20.0T8AMT-H.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: REFORMA DO ACORDAO
NULIDADE
PARECERES
DOCUMENTOS
Data do Acordão: 11/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: INDEFERIDA A REFORMA E A NULIDADE ARGUIDAS E RECTIFICADO UM LAPSO MATERIAL DO ACÓRDÃO.
Sumário :

I- Dispõe o artigo 616º, nº2 do CPCivil, no que tange á reforma da decisão, aplicável aqui por força do preceituado no artigo 679º do mesmo diploma:

«1 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.».

II- Os pareceres jurídicos juntos pelas partes, relevam ao nível do estudo e do enquadramento das questões de natureza jurídica suscitadas por aquelas, dando o seu contributo para o esclarecimento do julgador, não impondo a Lei que os mesmos sejam objecto de tratamento particular, nomeadamente que haja pronunciamento específico, destinando-se apenas a leitura e eventual dilucidação pelo Tribunal das problemáticas abordadas, como deflui do disposto no artigo 651º, nº2 do CPCivil, não sendo tais pareceres os documentos aludidos naquela alínea b) do apontado artigo 616º, nº2 do CPCivil que possam conduzir a uma solução inversa à tomada.

III- Inêxiste omissão de pronuncia se o Tribunal não se debruça sobre questões abordadas nos pareceres juntos, além do mais porque aquelas não foram objecto de pronunciamento quer nas conclusões de recurso, quer no Aresto em impugnação.

Decisão Texto Integral:


PROC 1747/20.0 T8AMT-H.P1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SODIBAIÃO – SUPERMERCADOS, LDA e AA Autores e Recorrentes nos autos que intentaram contra Imoalcanena – Sociedade Imobiliária, SA e ITMP Portugal – Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, SA notificados do Acórdão proferido em 28 de Setembro pp que negou provimento à Revista que interpuseram e manteve a decisão plasmada no Acórdão recorrido, vêm requerer a reforma e arguir a nulidade do mesmo nos seguintes termos:

«1) Salvo o devido respeito, que muito é, os Sr.es Conselheiros não terão analisado nem

valoraram devidamente:

a. Os pareceres jurídicos oferecidos pelas Partes;

b. Os contratos de constituição de direito de superfície e de trespasse carreados para os autos pelos restantes franquiados “I...”.

2) Com efeito, no penúltimo parágrafo da pág. 5 do acórdão reclamando, escreve-se que “foram juntos aos autos Pareceres jurídicos subscritos pelos Exºs Senhores Doutores Pedro Pais de Vasconcelos (Rés) e Paula Costa e Silva (Autora).”

3) Quando, na verdade, o parecer subscrito pela Ex.ma Doutora Paula Costa e Silva foi apresentado pelas… Rés!

4) Pior: no acórdão reclamando “esquece-se”, pura e simplesmente, de fazer referência ao parecer jurídico subscrito pelo Exº Doutor Agostinho Cardoso Guedes, o qual foi trazido aos autos pela Autora, nas suas alegações recursórias de apelação!

5) De igual sorte, não é feita qualquer alusão aos pareceres jurídicos elaborados pelos Doutores Nuno Castro Marques (Autora) e Rúben Bahamonde (Rés), relativos à conformidade dos contratos, aqui em apreço, com o direito europeu da concorrência, igualmente oferecidos em sede de recurso de apelação interposto perante o Venerando Tribunal da Relação do Porto.

6) Pergunta-se:

a) Será que estes pareceres foram efetivamente lidos?

b) Ou será que a omissão da sua referência resulta do facto de, a eles, não ter sido atribuída qualquer relevância?

7) Certo é que, para além de terem sido olvidados, o Tribunal não justifica sequer a sua exclusão.

ACRESCE QUE,

8) O acórdão aqui em crise tão-pouco se debruça sobre uma questão profusamente esgrimida no parecer subscrito pelo Doutor Agostinho Guedes1: a junção aos autos de seis contratos de constituição de direito de superfície e de sete contratos de trespasse, cujo clausulado é absolutamente idênticos àqueles que foram outorgados pela Sodibaião – prova inequívoca de que estamos perante verdadeiros contratos de adesão.

9) Elemento probatório a todos os títulos relevantes, porquanto comprova à saciedade a absoluta impossibilidade de os Aderentes “I...” negociarem minimamente o teor dos contratos que lhes são … impostos pelas sociedades Recorridas.

10) Outrossim, o acórdão reclamado também não se pronuncia, e muito menos de forma justificada e fundamentada, sobre outra questão basilar enunciada no recurso e tratada de forma esclarecida pelo Ex.mo Sr. Dr. Nuno Castro Marques, relativamente ao pedido do reenvio prejudicial para o TJUE, o que evidencia mais uma vez o grave “pecado” da omissão de pronúncia por parte do nosso Reverendíssimo STJ, que no nosso sistema judicial deverá funcionar como ultima ratio para a garantia dos direitos e interesses dos sujeitos processuais.

11) Sendo que neste caso concreto existem fortes razões e fundamentos para que seja julgado procedente o mencionado pedido de reenvio prejudicial, conforme bem resulta das alegações apresentadas e do referido parecer jurídico, que aqui se renovam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

EM CONSEQUÊNCIA,

12) Conforme resulta do disposto no artigo 615, n.º 1, al. d) do C. P. Civil, aplicável ex vi art.s 666.º, n.ºs 1 e 2, e 685.º, do mesmo diploma legal, “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”

13) Aliás, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que “quanto à nulidade prevista pela al. d) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC (2013) – omissão de pronúncia -, a mesma está diretamente relacionada com o comando que se contém no n.º 2 do art. 660.º, de acordo com o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Ocorrendo aquela nulidade, tal implica a anulação do acórdão recorrido, devendo o processo baixar ao tribunal recorrido, a fim de ser proceder à reforma da decisão anulada, pelos mesmos juízes, quando possível, nos termos do art. 784.º. n.º 2 do NCPC (2013).” 2

14) Tal é, manifestamente, o caso do acórdão em crise, o qual ignorou em absoluto a existência de três (!) pareceres jurídicos, os quais analisaram exaustivamente diversas questões de natureza jurídica – intrinsecamente conexionadas com a causa de pedir dos autos,

15) Violando desta forma, por omissão, o seu dever de pronúncia (e, concomitantemente, de fundamentação).».

As Rés, aqui Recorridas não responderam.

Vejamos.

Dispõe o artigo 616º, nº2 do CPCivil, no que tange á reforma da decisão, aplicável aqui por força do preceituado no artigo 679º do mesmo diploma:

«2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.».

Não se vislumbra do argumentário apresentado pelos Autores, Recorrentes/Reclamantes, que haja sido cometido qualquer lapso/erro na determinação dos normativos aplicáveis ao caso e/ou na qualificação da materialidade fáctica que impusessem uma decisão diversa da produzida; tão pouco vem imputada a existência de documentação e/ou qualquer meio de prova plena que conduzissem a um diferente desfecho.

O que os Autores arvoram, como lapso susceptível de impor uma decisão diversa, tratou-se de um mero lapso material de escrita, manifesto aliás, ao identificar o parecer da professora Paula Costa e Silva como sendo da Autora, quando afinal das contas o foi pelas Rés, o que aqui desde já se rectifica nos termos do disposto no artigo 614º, nº1 do CPCivil e se passará a ler.

No que tange à omissão completa do parecer jurídico subscrito pelo Exº Doutor Agostinho Cardoso Guedes o qual foi trazido aos autos pela Autora, nas suas alegações recursórias de apelação, bem como a circunstância de não ter sido feita qualquer alusão aos pareceres jurídicos elaborados pelos Doutores Nuno Castro Marques (Autora) e Rúben Bahamonde (Rés), relativos à conformidade dos contratos, aqui em apreço, com o direito europeu da concorrência, igualmente oferecidos em sede de recurso de apelação interposto perante o Venerando Tribunal da Relação do Porto, ao contrário do que é porfiado pelos Recorrentes, ora Reclamantes, não cabia a este Órgão emitir qualquer pronunciamento sobre os mesmos, em primeiro lugar por se tratarem de pareceres jurídicos que foram dirigidos ao segundo grau em sede de recurso de Apelação, e, em segundo lugar, por de qualquer forma sempre ser de entender que os pareceres relevam ao nível do estudo e do enquadramento das questões de natureza jurídica suscitadas pelas partes, dando o seu contributo para o esclarecimento do julgador, mas a Lei não impõe que os mesmos sejam objecto de tratamento particular, nomeadamente que haja pronunciamento específico sobre eles, destinando-se apenas a leitura e eventual dilucidação pelo Tribunal das temáticas suscitadas, como deflui do disposto no artigo 651º, nº2 do CPCivil.

Daí que se conclua que tais pareceres não são os documentos aludidos naquela alínea b) do apontado artigo 616º, nº2 do CPCivil que possam conduzir a uma solução inversa à tomada.

No que tange à omissão de pronúncia a que alude o normativo inserto no artigo 615º, nº1, alínea d) do CPCivil, isto é, que este Supremo Tribunal se tenha deixado de pronunciar- sobre questões que devesse apreciar, quais foram no seu dizer, por um lado a questão profusamente esgrimida no parecer subscrito pelo Doutor Agostinho Guedes1: a junção aos autos de seis contratos de constituição de direito de superfície e de sete contratos de trespasse, cujo clausulado é absolutamente idênticos àqueles que foram outorgados pela Sodibaião – prova inequívoca de que estamos perante verdadeiros contratos de adesão.

9) Elemento probatório a todos os títulos relevantes, porquanto comprova à saciedade a absoluta impossibilidade de os Aderentes “I...” negociarem minimamente o teor dos contratos que lhes são … impostos pelas sociedades Recorridas e, por outro a questão basilar enunciada no recurso e tratada de forma esclarecida pelo Ex.mo Sr. Dr. Nuno Castro Marques, relativamente ao pedido do reenvio prejudicial para o TJUE, as Recorrentes, aqui Reclamantes, parecem esquecer que este Órgão jurisdicional apenas está obrigado a conhecer das questões suscitadas pelos mesmos em sede de conclusões de recurso, de harmonia com o preceituado no artigo 637º, nº2 do CPCivil, aplicável ex vi do artigo 679º, sendo certo que as problemáticas que ora se dizem em omissão não foram sequer alvitradas por aqueles nas suas conclusões impugnatórias de Revista, para além do que se disse adrede quanto à apreciação dos pareceres jurídicos em causa, como resulta inequivocamente do acervo conclusivo que se deixou extractado da alínea F) à AA) no Aresto agora em reclamação.

Face à sem razão dos Recorrentes, aqui Reclamantes, óbvio se torna o insucesso da reclamação encetada, excepto quanto à rectificação da apresentação do parecer da Exª Senhora professora Doutora Paula Costa e Silva, como supra se deixou enunciado, passando-se a ler Rés no lugar de Autora como então se escreveu.

Destarte, indefere-se a reforma e nulidade do Acórdão, rectificando-se o lapso de escrita quanto à apresentação dos pareceres em sede de recurso de Revista, os quais foram pelas Rés, o que se corrige e passará a ler nos termos do artigo 614º, nº1 do CPCivil.

Custas pelos Recorrentes com taxa de Justiça em 3 Ucs.

Lisboa, 9 de Novembro de 2022

Ana Paula Boularot (Relatora)

José Rainho

Graça Amaral

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).