Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6158/18.5T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
MATÉRIA DE FACTO
ERRO DE JULGAMENTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 01/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho (enquanto vertente patrimonial do denominado “dano biológico”), segundo um juízo equitativo, varia essencialmente em função dos seguintes factores: (i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente); (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente; (iii) as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências).

II. Esclarece-se que se deve atender à esperança média de vida do lesado e não à sua previsível idade de reforma, na medida em que a afectação da capacidade geral tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado, tanto directas como indirectas.

III. Não pode deixar de se atribuir relevância económica ao trabalho das denominadas “lides domésticas”, seja em si mesmo considerado, seja pelos custos da sua realização por terceiro.

IV. No caso dos autos, não obstante ter ficado provado, de forma algo imprecisa, que a autora tinha uma dupla actividade profissional, de de explicadora e de empregada doméstica, a factualidade provada demonstra que existe uma acentuada conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias desta última actividade profissional da lesada, razão pela qual não poderá deixar de ter repercussão negativa ao nível dos proventos obtidos com a mesma actividade. Demonstra também que as ditas lesões afectam significativamente a capacidade da lesada para a realização das suas próprias lides domésticas, o que não pode deixar de se reconhecer revestir valor económico.

V. Assim, e ainda que, designadamente em razão da idade da lesada à data do acidente (59 anos), não seja provável que tenham sido afectadas potencialidades de aumento de ganho no exercício da profissão (ou profissões) habituais ou no exercício de outras actividades económicas (ver factor (iii) enunciado em I.), a conjugação dos demais factores relevantes (indicados em I. como (i), (ii) e (iv)) permite concluir ser mais justo e adequado o montante indemnizatório (€25.000,00) fixado pela 1.ª instância para reparar o “dano biológico”, na sua vertente patrimonial, do que o montante (€7.500,00) fixado pela Relação, razão pela qual, neste particular, é de repristinar o decidido pela 1.ª instância.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA propôs acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Seguradoras Unidas, S.A., pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 67.354,00, acrescida de juros legais, assim como a pagar-lhe a quantia que se vier a apurar em liquidação, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, em consequência de acidente de viação, devido a conduta culposa do condutor de veículo segurado na R..

Contestou a R., impugnando os invocados danos e concluindo dever a causa ser julgada em função da prova a produzir.

Por sentença de 21 de Outubro de 2020, foi proferida a seguinte decisão:

«Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação e, em conformidade, condeno a Ré SEGURADORAS UNIDAS, SA a pagar à Autora AA:

- a quantia a liquidar em incidente ulterior a título de danos patrimoniais por perda de retribuição com o limite do pedido, relativo à retribuição que a Autora deixou de auferir no período que mediou entre 03-07-2016 a 18-10-2016, inclusive, acrescido de juros de mora vencidos desde data da citação da Ré, à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa;

-    a quantia a liquidar em incidente ulterior a título de danos patrimoniais relativo e despesas com transportes, consultas médicas, tratamentos de fisioterapia e medicamentos, acrescida de juros contados desde a citação da Ré, à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa;

-    bem assim o montante que se liquidar em incidente ulterior, relativo a danos patrimoniais futuros respeitantes ao valor da terapêutica a que a Autora terá que se submeter em virtude das lesões que sofreu e seu ulterior agravamento, acrescido de juros de mora vencidos desde a citação da Ré, à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa;

-   a quantia de €25.000 a título de dano biológico, acrescida de juros contados à taxa anual de 4% desde a presente decisão até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal dessa taxa; e

-   ainda a quantia de €20.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros contados à taxa anual de 4% desde a presente decisão até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal dessa taxa.

No mais, absolvo a Ré do peticionado.». [negritos nossos]

Inconformada, interpôs a R. recurso para o Tribunal da Relação ..., pedindo a alteração da decisão de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão 21 de Abril de 2021, foi proferida a seguinte decisão:

«Pelo acima exposto, se acorda em, concedendo parcial provimento ao recurso, alterar a decisão recorrida, condenando-se a R. apelante a pagar à A. apelada a quantia de € 27.500, acrescida de juros legais, desde a data da decisão em 1ª instância - absolvendo-a do demais peticionado. Custas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.». [negrito nosso]


2. Vem a A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

«I. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., que decidiu julgar parcialmente procedente o recurso de apelação deduzido pela ré, ora recorrida, Seguradoras Unidas, S.A., e, em consequência, revogar e modificar a Douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, decisão com a qual a autora, ora recorrente, se não conforma.

II. Ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação ... proferiu Acórdão que, nos termos do disposto no artigo 674.º, número 1 do Código de Processo Civil, se revela: a) nulo por violação da delimitação do objecto de recurso em clara violação do disposto no artigo 635.º do Código de Processo Civil e, ainda, do disposto no artigo 615.º, número 1, alínea d) do mesmo diploma legal; b) nulo por falta de fundamentação em violação do disposto no artigo 609.º e 615.º, número 1, alínea b) e 607.º, número 3, todos do Código de Processo Civil; c) viola o disposto nos artigos 483.º, 563.º, 564.º e 566.º, ambos do Código Civil, considerando que o montante fixado a título de indemnização pelo dano biológico não se coaduna com os princípios indemnizatórios, não satisfazendo as exigências que os normativos legais e a tendência jurisprudencial determina, nem mesmo aquilo que decorre da imprescindível aplicação de juízos de equidade.

III. Acresce ainda que, ao decidir como decidiu, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... incorre em manifesto lapso de valoração da prova com influência directa numa incorrecta aplicação do direito aos factos.

IV. Pugnou a ré Seguradoras Unidas, S.A., com as suas alegações de recurso de apelação, pela revisão dos montantes indemnizatórios arbitrados a título de indemnização a atribuir à autora pelo dano biológico e danos não patrimoniais, e, ainda, a análise da prova produzida, nomeadamente a análise dos pontos 27, 28, 34, 41 e 42 do elenco dos factos provados, com influência directa na decisão; reclamando assim, a ré Seguradoras Unidas, S.A., pela sua absolvição no pagamento de danos patrimoniais futuros, nomeadamente, por referência a despesas a suportar pela autora com despesas com transportes, consultas médicas, tratamentos de fisioterapia e medicamentos e, ainda, as respeitantes ao valor da terapêutica a que a autora terá que se submeter virtude das lesões que sofreu e seu ulterior agravamento.

V. Julgando parcialmente procedente o recurso interposto, decidiu o Tribunal da Relação ...: a) pela retirada dos questionados pontos 41. e 42. do elenco dos factos provados, passando os mesmos a constar do elenco dos factos não provados; b) pela redução do montante indemnizatório arbitrado à autora a título de indemnização pelo dano biológico sofridos; e, ainda, c) pela revogação da condenação da ré Seguradoras Unidas, S.A., no pagamento da quantia a liquidar em incidente ulterior e por referência a diferentes danos.

VI. Sucede que ao decidir pela revogação da condenação da ré no pagamento, à autora, da quantia a liquidar em incidente ulterior a título de danos patrimoniais por perda de retribuição com o limite do pedido, o Tribunal da Relação ... violou o expressamente previsto no número 4 do artigo 635.º e o previsto no número 1 e 2 do artigo 639.º, ambos do Código de Processo Civil, pelo que é nula a sua decisão no que à questão mencionada e correspondente trecho decisório diz respeito, uma vez que a quantia a liquidar em incidente ulterior a título de danos patrimoniais por perda de retribuição com o limite do pedido, não foi objecto de recurso por parte da ré Seguradoras Unidas, S.A.

VII. Esmiuçadas as alegações de recurso da ré Seguradoras Unidas, S.A. na sua íntegra, e atentas ainda as suas conclusões de recurso, não ocorre qualquer discórdia ou impugnação quanto às quantias a liquidar, à autora, em incidente ulterior a título de danos patrimoniais por perda de retribuição com o limite do pedido, termos em que, tal questão jamais poderia ser apreciada em sede de recurso, não podendo, aquela instância, se pronunciar sobre a mesma.

VIII. A definição e delimitação do objecto do recurso como forma de circunscrever o campo de intervenção da instância superior de recurso encarregada do julgamento, resulta de forma inequívoca dos artigos 635.º e 639.º do Código de Processo Civil, pelo que, ao decidir como decidiu, i.e., o Tribunal da Relação ... violou o disposto no número 4 do artigo 635.º e o disposto no número 1 e 2 do artigo 639.º, ambos do Código de Processo Civil, termos em que a decisão por si proferida é nula.

IX. Por seu turno, o acórdão em crise no presente recurso, na parte que respeita à alteração do elenco dos factos provados, bem como na parte em que procede à redução da compensação arbitrada à recorrida, ora recorrente, pelo dano biológico, é nulo, nos termos do disposto no artigo 609.º e 615.º do Código de Processo Civil, por falta de fundamentação.

X. Entendeu o Tribunal da Relação ... proceder à alteração da matéria de facto, nomeadamente retirando do elenco dos factos provados a factualidade elencada nos pontos 41 e 42, sem, contudo, fazer qualquer referência a que concreta prova lançou mão para considerar, in casu, os factos 41 e 42 como não provados, fazendo apenas uma enunciação genérica.

XI. A fundamentação da decisão, com o devido respeito – que muito é – é absolutamente parca, genérica, sem especificação da prova concreta para a decisão levada a cabo, olvidando todas aquelas que são as legais exigências para a fundamentação da matéria de facto, nomeadamente e entre as demais, a indicação, de forma clara, os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva ou negativa, a especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

XII. É, pois assim, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação ..., nula por violação do, devidamente conjugado e articulado, disposto nos artigos 607.º, 609.º, 615.º, 662.º e 195.º, todos do Código de Processo Civil.

XIII. Simultaneamente, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação ... revela-se, ainda, contraditória, uma vez que, à prova produzida em sede de prova testemunhal, dá, por um lado, elevada valoração e, por outro lado, a desvaloriza – concretizando: salienta o depoimento da testemunha marido da autora (ao qual se refere como sendo credível) como suficiente para concluir pela prova do ponto 34 do elenco dos factos provados, mas insuficiente para concluir no mesmo sentido quanto à factualidade descrita nos factos 41 e 42.

XIV. Por seu turno, e ainda quanto à factualidade descrita nos factos 41 e 42, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação ... demonstra um claro erro na valoração da prova produzida, na medida em que os factos a que respeitam consubstanciam factos subjectivos da autora, ora recorrente, em nada contribuindo qualquer prova documental, mais do que a prova produzida pela mesma e por quem todos os dias com ela convive – e cujo depoimento, nomeadamente do seu marido, recorde-se, em ambas as instâncias, foi considerado credível.

XV. Além do mais, ao contrário do que fez o Tribunal da Relação ..., sempre estaria este vinculado à restante factualidade provada nos presentes autos, nomeadamente, as concretas sequelas sofridas pela autora e a zona das mesmas, a comprovada e provada rigidez da coluna cervical, após subluxação de C5-C6 tratada cirurgicamente, que a autora mantém e que lhe causam dores frequentes e limitação funcional, para, recorrendo a um percurso lógico simples e à regras da experiência, concluir que tais sequelas implicam para a autora a realização de terapêutica ocasional, sendo pois inquestionável que a mesma recorra, periodicamente, a massagista e consulta de osteopatia para alívio da dor e desconforto que sente.

XVI. Inexistiam, pois assim, quaisquer fundamentos para que o Tribunal da Relação ... procedesse à modificação da matéria de facto – sendo certo que, mesmo existindo, aquela instância de recurso não o demonstrou, não especificou, nem fundamentou, termos em que a sua decisão enferma de nulidade, por violação do disposto nos artigos 662.º, número 2, alínea c), artigo 607.º, número 4 e artigo 615.º, número 1, alínea b) e d), todos do Código de Processo Civil, pelo que se impõe a sua revogação e, consequentemente, a manutenção da decisão proferida pelo Tribunal de 1.º Instância.

XVII. Já no respeitante à redução da indemnização pelo dano biológico arbitrada à ora recorrente, o Tribunal da Relação ..., ao reduzir para € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) tal montante, sem que para tanto fundamentasse de facto e de direito a sua decisão, violou o disposto no artigo 154.º e nos números 3 e 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil e ainda o disposto no número 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que é, assim, nula, nos termos do disposto na alínea b) do número 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, nula.

XVIII. Esmiuçada a decisão proferida, ora objecto de recurso, não se descortina o que esteve na génese de uma redução tão descomunal do valor arbitrado para compensação do dano não patrimonial sofrido pela ora recorrente em consequência do acidente dos autos, uma vez inexistirem qualquer motivo de direito, nem tão pouco de facto, com influência positiva ou negativa directa no que havia sido fixado em primeira instância.

XIX. Compreende-se, tão só, que o Tribunal da Relação ... desconsiderou toda a factualidade que integra o elenco dos factos provados e que, entre o demais, comprova de forma indubitável, a gravidade das lesões sofridas pela autora e a igual gravidade das sequelas de ficou a padecer e que, de forma permanente e irremediavelmente, a afectam e limitam no seu dia a dia, quer num domínio pessoal, quer num domínio profissional.

XX. O artigo 615.º do Código de Processo Civil, nomeadamente na alínea b) do seu número 1, cumina a nulidade para a decisão que não especifique os fundamentos de facto e de direito em que se alicerça, conforme expressamente exige o artigo 607.º do Código de Processo Civil nos seus números 3 e 4, bem como o artigo 154 do mesmo diploma e, ainda, o disposto no número 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa.

XXI. Ao Tribunal da Relação ... não se dispensava a invocação dos fundamentos de direito para a tomada da sua decisão, nem tão pouco a referência aos critérios utilizados para a tomada de decisão, como fossem, entre os demais, os da equidade e da ponderação casuística à luz das regras da experiência comum; nem tão pouco contando a decisão ora objecto de recurso com qualquer ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto.

XXII. A parca referência – que uma só é – a uma decisão jurisprudencial, não cumpre as exigências legais já supra destacadas, na medida em que, não obstante a sua referência, nenhuma especificação e fundamentação, em concreto, é feita à sua aplicação ao caso concreto.

XXIII. Compreende-se assim que bem andou o Tribunal de 1.º Instância que, na sua decisão e para efeitos da fixação do montante indemnizatório a atribuir a título de dano biológico sofrido pela autora, respeitou todos os parâmetros a que estava vinculado – e cujo longo alcance se retira do teor da sua decisão – pelo que não existiam quaisquer razões para a sua alteração, pugnando assim a autora, ora recorrente, pela sua manutenção, em consequência da revogação da decisão proferida pelo Tribunal da Relação ....

XXIV. Não bastando, a decisão ora objecto de recurso mostra-se ainda contraditória, na medida em que ajuizou – mal! – e como se retira do seu teor, um quantum indemnizatório enquanto «montante equivalente ao capital produtor do rendimento de que o lesado ficou privado, que se extinguirá no termo do período provável na sua vida activa», ou seja, entendido como uma «indemnização por danos futuros, nomeadamente decorrentes de incapacidade permanente», muito embora tal montante se revelar absolutamente parco e incapaz de ressarcir a autora, ora recorrente, pelo dano biológico por esta sofrido, alcançando-se tal conclusão se ao recurso às fórmulas matemáticas aplicáveis aos processos decorrentes de acidentes de trabalho se se tivesse recorrido.

XXV. A decisão ora objecto de recurso incorre assim em erro na determinação do valor da indemnização, violando o disposto nos artigos 483.º, 563.º, 564.º e 566.º, ambos do Código Civil, na medida em que o montante fixado a título de indemnização pelo dano biológico na sua vertente de dano patrimonial futuro, e no parco valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros ), não se coaduna com os princípios indemnizatórios, não satisfazendo, por isso, as exigências que os normativos legais, bem como a tendência jurisprudencial determina, nem mesmo aquilo que decorre da imprescindível aplicação de juízos de equidade, na medida em que, o valor atribuído não é suficiente para indemnizar os danos patrimoniais futuros, sejam eles danos emergentes ou lucros cessantes, decorrentes do dano biológico sofrido pela autora, ora recorrente – termos em que, dever-se-á manter a condenação da ré no pagamento, à autora, da quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de dano biológico, acrescida de juros contados à taxa anual de 4% desde a presente decisão até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal dessa taxa.

XXVI. Por fim, importa ainda atender à parte da decisão que, limitando a indemnização da autora ao montante indemnizatório total de € 27.500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros), revoga a condenação referente aos danos cujo apuramento havia sido relegado para ulterior liquidação, i.e., a referente aos danos futuros, em consequência da decisão de julgar não provados o constante dos questionados pontos 41 e 42, uma vez que, nos termos em que foi proferida, a decisão ora objecto de recurso incorre em manifesto erro na determinação da indemnização devida pela ré ora recorrida, lapso que determinou uma incorrecta aplicação do direito aos factos apurados, tendo violado, por erro de interpretação e aplicação, os artigos 495.º, número 2, 496.º, número 1 e 562.º, todos do Código Civil.

XXVII. Mesmo se concebendo, por mera cautela de patrocínio, a desintegração dos pontos 41 e 42 do elenco dos factos provados, nele se mantêm os restantes factos que apontam para a necessidade de a ora recorrente recorrer, de forma permanente, a consultas médicas, tratamentos de fisioterapia, demais terapêutica e ao consumo de medicamentos, pelo que se mostra inquestionável que a mesma suportará despesas e demais prejuízos patrimoniais com tais consumos e terapêuticas e – naturalmente – transportes inerentes à realização das mesmas, nomeadamente os elencados, entre os demais, nos pontos 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38 e 40; o que nos permite concluir que, não só não existiam quaisquer fundamentos para a revogação, pelo Tribunal da Relação ... revogar a decisão do Tribunal de 1.º Instância no respeitante às quantias relegadas para ulterior liquidação atenta a natureza de danos futuros das mesmas, como permite concluir que, tendo-o feito, mal considerou as circunstâncias do caso concreto, i.e., mal valorou a prova produzida, tendo incorrido em manifestos lapsos de valoração da prova, que afluíram numa manifesta incorrecta aplicação do direito aos factos, mais que apurados, devidamente provados – o mesmo se dizendo quanto à condenação da ora recorrida no pagamento das quantias relegadas para ulterior liquidação aferidas a propósito das perdas salariais sofridas pela ora recorrente.»

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da decisão da 1.ª instância.

A Recorrida contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

«1. O Acórdão do Tribunal da Relação ... não padece de qualquer nulidade ou invalidade de natureza alguma, mostrando-se a decisão proferida em conformidade com a prova produzida em audiência de julgamento, respectiva fundamentação, também devidamente enquadrada em face dos dispositivos legais devidamente aplicáveis, nos termos supra expostos, devendo manter-se integralmente.

2. O objecto do recurso de Apelação, interposto pela Seguradora, que é aqui Recorrida, incluía toda e qualquer condenação referente a danos patrimoniais relegados, danos futuros e, bem assim, aos montantes indemnizatórios arbitrados pelo Tribunal a quo.

3. Como se refere no recurso (de Apelação): “a Seguradora, aqui, Recorrente não aceita e refuta totalmente a condenação referente aos danos patrimoniais relegados, aos danos futuros, e bem, assim os montantes indemnizatórios arbitrados pelo Tribunal a quo.”

4. Sendo aí também referido que: “Não se conformando, por outro lado, a Recorrente, e a par do referido, com o teor dos pontos 27, 28 34, 41 e 42 da matéria de facto provada — que se encontram incorrectamente julgados que, pelas razões que explicaremos, e face aos elementos de prova constantes neste processo, não podem merecer por parte do Meritíssimo Senhor Juiz a quo a análise e as respostas exaradas na douta sentença.”

5. A Seguradora não aceitou a resposta dada ao ponto 34 da lista de factos provados — o qual versava sobre os rendimentos auferidos — invocando no recurso, por si, interposto a manifesta falta de suporte documental e prova idónea sobre o exercício da sua actividade profissional e remuneração auferida pela aqui Recorrente.

6. De resto, nenhuma prova foi produzida, nem qualquer factualidade se apurou, quanto a quaisquer perdas de rendimentos futuros, que, reitere-se, não se aceitam nem reconhecem.

7. O Acórdão do Tribunal da Relação ... discriminou os factos que considerou provados, indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final, tudo em plena conformidade com o disposto no art.º 607.º do Código de Processo Civil,

8. O vício de nulidade do Acórdão, invocado pela Recorrente — o qual não se admite e refuta totalmente — não se satisfaz nem preenche com a falta e/ou deficiência de fundamentação que, reitere-se, no caso, não se reconhecem e refutam totalmente.

9. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11.01.2018, processo n.º 2685/15.4T8MTS.P1 e, também, a doutrina e jurisprudência maioritária que: “Se, bem ou mal, o tribunal fundamenta a decisão, não ocorre nulidade da sentença por falta de fundamentação (art.º 615º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil).“(…) este vício penaliza a falta absoluta de fundamentação da decisão, não padecendo desse vício aquela que contém uma fundamentação deficiente medíocre ou mesmo errada. Este é o entendimento praticamente uniforme na doutrina e na jurisprudência. Uma errada, insuficiente ou incompleta fundamentação não afeta o valor legal da decisão.

10. A quantia reclamada pela Autora, aqui Recorrente, a título de dano biológico (€ 25.000,00) é manifestamente excessiva e infundada, pelo que não poderá ser atribuída nos termos em que consta da sentença recorrida, tal como o Tribunal da Relação ... entendeu e concluiu.

11. Cumpre salientar, que, contrariamente ao alegado, e considerando a factualidade provada nestes autos, não tem, no caso, qualquer cabimento, fundamente e/ou justificação legal a condenação quanto a quaisquer danos ou necessidades futuras — as quais são inexistentes.

12. Como se disse no recurso de Apelação – acolhido e corroborado pelo Tribunal da Relação ... — não é verdade que a Autora, aqui Recorrente, por conta do acidente de viação de 03.07.2016, tenha e/ou mantenha a necessidade de realizar sessões de fisioterapia, massagens e/ou, de resto, qualquer outro tratamento, como resulta, desde logo, da simples leitura do Relatório do INML.

13. As conclusões do relatório de avaliação do dano corporal (elaborado em 20.01.2020), e junto a estes autos, tal como a restante documentação clínica, são, claras e inequívocas, e o que identificaram e atribuíram à Autora, foi: uma sequela de “rigidez na coluna cervical, após subluxação de C5-C6”, enquadrável no código Md803 da tabela de avaliação do dano corporal em Direito Civil”.

14. Tendo, por outro lado, concluído que:

“- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 18/10/2016;

- Período de Défice Funcional Temporário total fixável em 3 dias;

- Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 105 dias;

- Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável em 108 dias;

- Quantum Doloris fixável no grau 4/7;

- Défice Funcional permanente da integridade Física-Psíquica fixável em 9 pontos;

- As sequelas descritas são, em termos de Repercussão permanente na Actividade Profissional.

São compatíveis com o exercício da atividade habitual (...) e exigem esforços suplementares (...);

- Dano Estético Permanente fixável no grau 2/7;

- Poderá necessitar esporadicamente a medicação analgésica.”

15. Em termos de necessidades e/ou dependências permanentes o relatório pericial (aceite pelas partes) concluiu que a Recorrente poderá (ou não) e esporadicamente, necessitar de medicação analgésica.

16. O que, repita-se, foi aceite e dado como provado pelo Tribunal de 1.ª Instância e pelo Tribunal da Relação ... que, no ponto 32 da lista de factos provados, referem: “No futuro poderá necessitar esporadicamente de medicação analgésica”.

17. É, por isso, inaceitável e inconcebível que – e nada mais tendo sido provado quanto a eventuais danos futuros – a Autora, Recorrente, pugne pela atribuição de um valor indemnizatório ou por uma condenação referente a necessidades futuras com consultas médicas, tratamentos de fisioterapia, medicamentos ou qualquer terapêutica, despesas, transportes, perdas salariais ou outras, não apuradas nem identificadas nestes autos — como demonstra a lista de factos considerados provados pelo Tribunal da Relação ....

18. Não se alcança, por outro lado, qual o fundamento científico ou clínico para tal pretensão, sendo que tal necessidade (de fisioterapia, terapêutica ou qualquer outra), tal como o respectivo nexo causal, não se encontram minimamente identificados na avaliação do dano corporal efectuada pelo INML, nem em qualquer outro documento e/ou prova médica. O mesmo sucedendo com as alegadas (mas não provadas) perdas salariais.

19. O Acórdão recorrido deverá, pois, manter-se nos exactos termos em que foi proferido, que estão em plena consonância com a prova produzida em audiência de julgamento.».

   Cumpre apreciar e decidir.


3. Vem provado o seguinte:

1 - A A. nasceu a ...-...-57.

2 - No dia ...-7-2016, no cruzamento da Rua ... com a Rua do ..., em ..., concelho de ..., ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos com matrícula ...-...-OB e o ...-...-XP.

3 - O veículo com matrícula ...-...-OB, ligeiro de passageiros era conduzido por BB, marido da A.

4 - A A. seguia como passageira no banco da frente do veículo com matrícula ...-...-OB.

5 - O veículo com matrícula ...-...-XP, ligeiro de passageiros, destinava-se ao transporte público de passageiros como táxi.

6 - O veículo com matrícula ...-...-OB circulava na Rua do ....

7 - O veículo com matrícula ...-...-XP circulava na Rua ....

8 - Antes do cruzamento daquelas artérias e donde provinha o veículo com matrícula ...-...-XP existe sinalização vertical do tipo B2 "STOP".

9 - Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o condutor do veículo com matrícula ...-...-OB ao chegar ao cruzamento com a Rua ... é surpreendido pelo veículo com matrícula ...-...-XP à sua direita que não lhe cede a passagem e lhe vai embater do lado direito.

10 - A colisão deu-se entre a frente do veículo com matrícula ...-...-XP e a lateral direita veículo com matrícula ...-...-OB.

11 - Ao local deslocou-se a PSP e o INEM que prestou os primeiros socorros à A. que, em consequência do embate, sofreu ferimentos.

12 - Participado o sinistro à R. esta assumiu a responsabilidade pelo mesmo.

13 - À data do acidente supra descrito a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo automóvel com a matrícula ...-...-XP encontrava-se transferida para a R. mediante contrato de seguro, do ramo automóvel, titulado pela apólice n° ...72 conforme teor da cópia das respetivas condições particulares e gerais a fls. 38-40, 68-86, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.

14 - Como consequência do acidente, a A. sofreu traumatismo da coluna cervical.

15 - Após o acidente, a A. foi de imediato socorrida e em consequência transportada, onde foi observada pela Neurocirurgia, apresentando-se com escala de Coma de Glasgow de 15, sem alterações da força muscular ou da sensibilidade álgica, após referir cervicalgias e parestesias mal definidos do membro superior esquerdo, negando hipostesia.

16 - Ainda neste serviço, foi submetida a TC da coluna que revelou anterolistese de grau I de C5 sobre C6; alargamento do espaço interespinhoso C5-C6 (lesão ligamentar), presença de alterações degenerativas moderadas plurisegmentares, tendo-lhe então sido diagnosticada subluxação de C5-C6, sem encravamento facetário.

17 - Foi então transferida para o Hospital ... e, no dia 4-7-2016, foi submetida a intervenção cirúrgica que consistiu numa artrodese de C5-C6 com abordagem anterior.

18 - Teve alta hospitalar no dia ...-7-2016, orientada para a consulta externa, com indicação para manter colar cervical e manter abstenção laboral e de condução.

19 - Posteriormente passou a ser seguida em regime de consulta na especialidade de neurocirurgia e ortopedia, no referido Hospital, com uso de colar de Philadelphia.

20 - Em ...-7-2016 referia queixas de hipostesia do membro superior esquerdo, sem défices de força muscular, tendo-lhe sido diagnosticada radiografia.

21 - No dia ...-8-2016 não referia queixas, apresentando boa cicatrização da ferida, tendo indicações para retirar o colar de Philadelphia e colocar colar mole.

22 - Em ...-6-2017 consta ainda que radiografia funcional não evidenciava instabilidade ou subsidende; referia dor à mobilização do ombro esquerdo, dor à palpação do ombro esquerdo, dor à palpação do tendão longo do bicípite homolateral, tendo-lhe sido pedida eletromiografia e RM da coluna cervical.

23 - Realizou programa de fisioterapia, na M..., com melhoria da sua situação clínica em relação à mobilidade da coluna cervical, mantendo algumas queixas álgicas.

24 - No dia ...-9-2017 foi submetida a RM da coluna cervical, que revelou: "(...) sinais de intervenção cirúrgica com fusão somática C5-C6, com abordagem anterior. (...) incipientes peocidências discais canalares em C6-C7, C7-D1 e D3-D4, com muita discreta repercussão no espaço subaracnoideu anterior, mas sem evidentes sinais de conflitos de estruturas nervosas (...).

25 - Em ...-7-2017 foi submetida a ecografia do ombro esquerdo, que revelou: "(...) processo degenerativo (...) alguma heterogeneidade da ecogenicidade nas fibras anteriores do tendão do músculo supra-espinhoso, compatível com processo de tendinose (...) tensosinuvite da longa porção do bicípite braquial, conforme se extrai de fls. 19, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.

26 - Do relatório do Centro Médico de ..., datado de ...-9-2017, consta: "Omalgia esquerda desde há 3 meses de evolução com limitação nas cargas, esforços e posicionamentos (...) EO-F-70"; A-60°; FM 4/5 (...), tendo-lhe sido sugeridas sessões de fisioterapia, constando de técnicas especiais de cinesiterapia, massagem manual, estimulação elétrica neuromuscular e mecanoterapia para fortalecimento muscular, que fez.

27 - Como consequência directa e necessária do acidente a A. apresenta as seguintes sequelas:

a) Ráquis: cicatriz nacarada, quase inaparente, transversal, na região cervical anterior à direita da linha média, a nível da prega cutânea anatómica, quase invisível à distância social, medindo 4 cm de comprimento; superiormente a atras descrita, vestígio cicatricial nacarado, quase inaparente com 0.5 cm de diâmetro; sem dor à palpação das apófises espinhosas;

b) contracturas dos músculos paravertebrais bilateralmente e do trapézio;

c) rigidez da coluna cervical em todos os movimentos, mais acentuada na rotação e inclinação direitas.

28 - Atualmente, a A. mantém rigidez da coluna cervical, após subluxação de C5-C6 tratada cirurgicamente, com dores frequentes e limitação funcional, implicando terapêutica ocasional.

29 - A data de consolidação médico legal das lesões sofridas pela A. na sequência do acidente é fixável em ...-10-2016, tendo este sofrido de: um período de défice funcional temporário total fixável em 3 dias (entre ...-7-2016 e ...-7-2016); um período de défice funcional temporário parcial fixável em 5 dias; um período de incapacidade temporária profissional total de 108 dias (entre ...-7-2016 a ...-10-2016); com um sofrimento físico e psíquico vivenciado durante o período de danos temporários, considerando as lesões do mesmo resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados, quantificável num grau 4 numa escala de 7 de gravidade crescente.

30 - A A. ficou a padecer, consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo, de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 9 pontos de 100 [código Md803], sendo tais sequelas permanentes compatíveis com o exercício da atividade profissional de ... e exigem esforços suplementares no exercício da actividade profissional de ....

31 - A A. padece de um dano estético fixado em termos médico-legais no grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta as características morfológicas da cicatriz descritas.

32 - No futuro poderá necessitar esporadicamente a medicação analgésica.

33 - A A. sentiu dores durante a período de internamento e bem assim após a alta, sendo esta com controlo da dor mediante a toma regular de analgésicos.

34 - À data do acidente a A. prestava ... remunerada.

35 - A A., actualmente ..., por desempregada, executa tarefas que implicam o uso frequente dos membros superiores, inferiores e posições de ortostatismo.

36 - A A. atualmente, em virtude das supra descritas sequelas permanentes, está limitada nas tarefas que enquanto ... pode fazer.

37 - A A. tem atualmente, em virtude das supra descritas sequelas permanentes, dores.

38 - O que lhe causa ainda incómodos e preocupações, em deslocações a consultas e tratamentos.

39 - Devido às sequelas supra descritas, tem a A. dificuldade: na condução de veículos automóveis; em realizar grandes deslocações a pé; em elevar objectos acima do ombro; em passar a ferro; em usar uma mala a tiracolo.

40 - Devido às sequelas supra descritas, tem a A. dificuldade em encontrar posição confortável para dormir por ter de mudar de posição muitas vezes durante a noite.

41 – [Dado como não provado pela Relação: Devido às sequelas supra descritas, tem a A. recorrido periodicamente a massagista e consulta de osteopatia para alívio da dor e desconforto que sente.]

42 - [Dado como não provado pela Relação: Com consultas, deslocações a partir do domicílio, medicamentos e tratamentos de fisioterapia no Centro Médico de ..., Lda, a A. teve despesas.]

43 - Por discordar do grau de incapacidade fixado pela R., foi a A. avaliada em consulta de avaliação de dano corporal em direito civil com o Dr. CC e para aquilatar das sequelas sofridas, pela qual despendeu 150 €.

44 - Antes do acidente a A. era uma pessoa alegre e com força de viver, depois do acidente a A. ficou triste e limitada.


4. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

- Nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC);

- Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação (art. 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC) e por violação das regras dos arts. 607.º, n.º 3 e 609.º do CPC;

- Erro na valoração da prova ao dar como não provados os factos 41. e 42.;

- Erro de direito na fixação da indemnização por dano biológico;

- Erro de direito ao revogar a condenação referente aos danos cujo apuramento havia sido relegado para ulterior liquidação.


5. Antes de apreciar as questões recursórias, recorde-se que a 1.ª instância condenou a R. Seguradora a pagar à A.:

- A quantia a liquidar em incidente ulterior a título de danos patrimoniais por perda de retribuição com o limite do pedido, relativa à retribuição que a A. deixou de auferir no período que mediou entre 03-07-2016 a 18-10-2016, inclusive, acrescido de juros de mora vencidos desde data da citação da R., à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa;

- A quantia a liquidar em incidente ulterior a título de danos patrimoniais relativa a despesas com transportes, consultas médicas, tratamentos de fisioterapia e medicamentos, acrescida de juros contados desde a citação da R., à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa;

- O montante que se liquidar em incidente ulterior, relativo a danos patrimoniais futuros respeitantes ao valor da terapêutica a que a A. terá que se submeter em virtude das lesões que sofreu e seu ulterior agravamento, acrescido de juros de mora vencidos desde a citação da R., à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa;

- A quantia de € 25.000,00, a título de dano biológico, acrescida de juros contados à taxa anual de 4% desde a decisão da 1.ª instância até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal dessa taxa; e

- A quantia de € 20.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros contados à taxa anual de 4% desde a decisão da 1.ª instância até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal dessa taxa.

Tendo o acórdão da Relação julgado parcialmente procedente a apelação:

- Condenou a R. a pagar à A. a quantia de €27.500,00, «acrescida de juros legais, desde a data da decisão em 1ª instância», sendo €20.000,00 a título de danos não patrimoniais e €7.500,00 a título da vertente patrimonial do dano biológico;

- Absolveu a R. do demais peticionado.


6. Suscita a Recorrente a questão da nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC), «uma vez que a quantia a liquidar em incidente ulterior a título de danos patrimoniais por perda de retribuição com o limite do pedido, não foi objecto de recurso por parte da ré Seguradoras Unidas, S.A.».

Está em causa a revogação, pelo acórdão recorrido, do primeiro segmento da decisão condenatória da 1.ª instância: condenação na «quantia a liquidar em incidente ulterior a título de danos patrimoniais por perda de retribuição com o limite do pedido, relativo à retribuição que a Autora deixou de auferir no período que mediou entre ...-07-2016 a...-10-2016, inclusive, acrescido de juros de mora vencidos desde data da citação da Ré, à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa».

Compulsado o recurso de apelação da R. seguradora, verifica-se que, das respectivas conclusões, consta o seguinte:

- «Em face da prova produzida nesta audiência de julgamento, a Seguradora/Recorrente não aceita e refuta totalmente a condenação referente aos danos patrimoniais relegados, aos danos futuros, e bem, assim aos montantes indemnizatórios arbitrados pelo Tribunal a quo». (concl. 2.ª);

- «Entende ainda a Recorrente que a matéria constante do ponto 34 dos factos provados não poderia ter sido considerada provada por manifesta falta de suporte documental, que seria o meio de prova idóneo para a prova da actividade profissional e remuneração da Recorrida». (conc. 14.ª)

- «Não existe nos autos qualquer documentação e/ou registo referente à actividade profissional da Recorrida, seus termos, vínculo ou condições contratuais, sendo que, à data, a Recorrida não tinha registo de qualquer remuneração junto da Segurança Social». (concl. 15.ª)

Perante o teor das conclusões do recurso de apelação, nas quais se impugna expressamente a condenação em quantia a liquidar por perda de remuneração durante o período de incapacidade laboral temporária, conclui-se pela não verificação da invocada nulidade por excesso de pronúncia. Poderá, quando muito, ocorrer erro de julgamento (o qual será apreciado infra, no ponto 11. do presente acórdão), mas não vício gerador de nulidade da decisão.


7. Quanto à questão da nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação (art. 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC), e ainda por violação dos arts. 607.º, 609.º, 662.º e 195.º do CPC, alega a Recorrente o seguinte:

- «O acórdão em crise no presente recurso, na parte que respeita à alteração do elenco dos factos provados, bem como na parte em que procede à redução da compensação arbitrada à recorrida, ora recorrente, pelo dano biológico, é nulo, nos termos do disposto no artigo 609.º e 615.º do Código de Processo Civil, por falta de fundamentação».

- «Entendeu o Tribunal da Relação ... proceder à alteração da matéria de facto, nomeadamente retirando do elenco dos factos provados a factualidade elencada nos pontos 41 e 42, sem, contudo, fazer qualquer referência a que concreta prova lançou mão para considerar, in casu, os factos 41 e 42 como não provados, fazendo apenas uma enunciação genérica».

- «A fundamentação da decisão, com o devido respeito – que muito é – é absolutamente parca, genérica, sem especificação da prova concreta para a decisão levada a cabo, olvidando todas aquelas que são as legais exigências para a fundamentação da matéria de facto, nomeadamente e entre as demais, a indicação, de forma clara, os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva ou negativa, a especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

- «É, pois assim, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação ..., nula por violação do, devidamente conjugado e articulado, disposto nos artigos 607.º, 609.º, 615.º, 662.º e 195.º, todos do Código de Processo Civil».

Compulsada a fundamentação do acórdão recorrido, verifica-se que a decisão de dar os factos 41. e 42. como não provados foi assim fundamentada:

«Ao invés, se entende carecida de demonstração, uma vez que se não acha suportada por qualquer prova, nomeadamente documental, a matéria, relativa a alegadas despesas com consultas, deslocações, medicamentos e tratamentos, à qual se referem os pontos 41 e 42.

Mantendo-se, assim, na factualidade provada os pontos 27, 28 e 34, altera-se a decisão, julgando-se não provado o constante dos questionados pontos 41 e 42.

Decorrendo da matéria de facto - com a operada alteração - não ter resultado provada a concreta ocorrência, quer de perdas salariais, quer das invocadas despesas, nomeadamente respeitantes a tratamentos futuros, cujo apuramento foi relegado para ulterior liquidação, restringe-se o ressarcimento da apelada aos quantitativos emergentes dos demais danos, patrimoniais e não patrimoniais.».

E que, a respeito da apreciação da indemnização por dano biológico, se afirmou o seguinte:

«Adopta-se a orientação de acordo com a qual, pese embora revista o denominado dano biológico natureza, simultaneamente, patrimonial e não patrimonial, deve a indemnização por danos futuros, nomeadamente decorrentes de incapacidade permanente, corresponder a montante equivalente ao capital produtor do rendimento de que o lesado ficou privado, que se extinguirá no termo do período provável da sua vida activa (cfr. ac. STJ, de 10/12/2019, www.dgsi.pt).

Em tais termos, considerado que a lesada auferiria retribuição equivalente ao mínimo nacional, a sua idade, à data do acidente (59 anos), o provável final da respectiva vida activa, a incapacidade permanente de que ficou afectada (fixada em 9 pontos) e a taxa de remuneração de capital actualmente praticada, corresponderá, no caso, a € 7.500 o montante adequado a compensar o dano, a esse título, pela mesma sofrido».

Temos assim que, ainda que de forma breve e sucinta, o tribunal a quo fundamentou a decisão de ambas as questões em causa, concluindo-se pela não verificação da arguida nulidade por falta de fundamentação.


8. Relativamente à questão do invocado erro do acórdão recorrido na valoração da prova, ao dar como não provados os factos 41. e 42., questão que também surge alternativamente qualificada como causa de nulidade, alega a Recorrente o seguinte:

- A decisão proferida pelo Tribunal da Relação ... revela-se, ainda, contraditória, uma vez que, à prova produzida em sede de prova testemunhal, dá, por um lado, elevada valoração e, por outro lado, a desvaloriza – concretizando: salienta o depoimento da testemunha marido da autora (ao qual se refere como sendo credível) como suficiente para concluir pela prova do ponto 34 do elenco dos factos provados, mas insuficiente para concluir no mesmo sentido quanto à factualidade descrita nos factos 41 e 42.»

- «Por seu turno, e ainda quanto à factualidade descrita nos factos 41 e 42, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação ... demonstra um claro erro na valoração da prova produzida (...)».

Importa assinalar, por um lado, que a contradição relevante como causa de nulidade da decisão (art. 615.º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do CPC) é a contradição entre a decisão e a fundamentação de direito e não uma eventual contradição interna da factualidade dada como provada; e, por outro lado, que o erro na apreciação da prova não pode ser sindicado pelo Supremo Tribunal de Justiça, salvo nas hipóteses excepcionais previstas na segunda parte do n.º 3 do art. 674.º do CPC, que aqui não ocorrem nem, aliás, foram invocadas.

Deste modo, conclui-se pela não verificação da arguida nulidade e pelo não conhecimento do invocado erro de julgamento da matéria de facto.


9. Passemos a apreciar a questão do invocado erro de direito na fixação da indemnização por dano biológico.

Antes de mais, e nas palavras da relatora do presente acórdão (em «O conceito de dano biológico como concretização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos danos – Breve contributo», Revista Julgar, n.º 46, em curso de publicação), assinale-se que:

 «Coexistem na doutrina e na jurisprudência diferentes acepções de dano biológico. Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, actualmente o significado com que mais frequentemente tal expressão é aquele que correspondente à de consequências patrimoniais da incapacidade geral ou genérica do lesado, aferida em função das Tabelas de Incapacidade Geral Permanente em Direito Civil. Mas este significado coexiste com outros, designadamente com o de dano biológico como consequência não patrimonial de uma lesão psicofísica. É, por isso, conveniente que, ao fazer-se uso da dita expressão (seja num texto de índole doutrinal seja numa decisão judicial), se comece por definir a acepção em que a mesma é utilizada.».

Nos presentes autos, resulta do teor da fundamentação da sentença que nela se visou reparar a «incapacidade permanente de que a Autora ficou a padecer, dano biológico, numa vertente dita patrimonial, que engloba a perda da capacidade de ganho e todas as repercussões na sua vida laboral, também futura, pelos esforços acrescidos que sempre terá que suportar». Significa isto que, ao atribuir indemnização por dano biológico no montante de € 25.000,00, pretendeu o tribunal de 1.ª instância indemnizar a perda de capacidade geral de trabalho.

Esta conclusão não é afectada pela apreciação feita pelo acórdão da Relação, o qual, pronunciando-se em termos significativamente lacónicos, reduziu para € 7.500,00 o quantitativo indemnizatório respeitante à vertente patrimonial do dano biológico, com a seguinte fundamentação (que aqui se transcreve de novo):

«Adopta-se a orientação de acordo com a qual, pese embora revista o denominado dano biológico natureza, simultaneamente, patrimonial e não patrimonial, deve a indemnização por danos futuros, nomeadamente decorrentes de incapacidade permanente, corresponder a montante equivalente ao capital produtor do rendimento de que o lesado ficou privado, que se extinguirá no termo do período provável da sua vida activa (cfr. ac. STJ, de 10/12/2019, www.dgsi.pt).

Em tais termos, considerado que a lesada auferiria retribuição equivalente ao mínimo nacional, a sua idade, à data do acidente (59 anos), o provável final da respectiva vida activa, a incapacidade permanente de que ficou afectada (fixada em 9 pontos) e a taxa de remuneração de capital actualmente praticada, corresponderá, no caso, a € 7.500 o montante adequado a compensar o dano, a esse título, pela mesma sofrido.».

Temos, pois, que, na linha da apreciação feita pelas instâncias, a questão da indemnização do dano biológico será reapreciada no presente acórdão, utilizando a expressão no sentido de afectação da capacidade geral de trabalho.

Feito este esclarecimento – essencial para se saber aquilo que, efectivamente, está em causa – consideremos a factualidade provada relevante:

1 - A A. nasceu a ...-...-57.

2 - No dia ...-7-2016 (...) ocorreu um acidente de viação (...).

30 - A A. ficou a padecer, consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo, de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 9 pontos de 100 [código Md803], sendo tais sequelas permanentes compatíveis com o exercício da atividade profissional de ... e exigem esforços suplementares no exercício da actividade profissional de ....

34 - À data do acidente a A. prestava ... remunerada.

35 - A A., actualmente ..., por desempregada, executa tarefas que implicam o uso frequente dos membros superiores, inferiores e posições de ortostatismo.

36 - A A. atualmente, em virtude das supra descritas sequelas permanentes, está limitada nas tarefas que enquanto ... pode fazer.

39 - Devido às sequelas supra descritas, tem a A. dificuldade: na condução de veículos automóveis; em realizar grandes deslocações a pé; em elevar objectos acima do ombro; em passar a ferro; em usar uma mala a tiracolo.

Na linha do tratamento da questão da indemnização por perda de capacidade geral de trabalho realizado pelos acórdãos deste Supremo Tribunal de 20/10/2011 (proc. n.º 428/07.5TBFAF.G1.S1), de 10/10/2012 (proc. n.º 632/2001.G1.S1), de 07/05/2014 (proc. n.º 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 19/02/2015 (proc. n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 04/06/2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 07/04/2016 (proc. n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1), de 14/12/2016 (proc. n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1), de 16/03/2017 (proc. n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1), 25/05/2017 (proc. n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1),  de 09/11/2017 (proc. n.º 2035/11.9TJVNF.G1.S1), de 01/03/2018 (proc. n.º 773/07.0TBALR.E1.S1) e de 29/10.2020 (proc. n.º 111/17.3T8MAC.G1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt, entende-se que:

- De acordo com o regime do n.º 3 do art. 566.º do Código Civil, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, a indemnização deve ser fixada equitativamente dentro dos limites que o tribunal tiver como provados (art. 566.º, n.º 3, do Código Civil);

- Não existindo, como sucede no caso dos autos, limites de danos que o tribunal tenha dado como provados, a equidade constitui o único critério legalmente previsto para a fixação da indemnização devida;

- A atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de trabalho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores:

(i) A idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a respectiva esperança média de vida à data do acidente);

(ii) O seu grau de incapacidade geral permanente;

(iii) As suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências;

(iv) A conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui tendo em conta as suas qualificações e competências).

- Esclarece-se que se deve atender à esperança média de vida do lesado (à data do acidente) e não à sua previsível idade de reforma, na medida em que a afectação da capacidade geral tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado, tanto directas como indirectas;

- Não pode deixar de se atribuir relevância económica ao trabalho das denominadas “lides domésticas”, seja em si mesmo considerado, seja pelos custos da sua realização por terceiro. A respeito do valor económico deste tipo de trabalho, autonomamente considerado, pronunciou-se este Supremo Tribunal no acórdão de 03/12/2015 (proc. n.º 3969/07.0TBBCL.G1.S1) e no já referido acórdão de 29/10.2020 (proc. n.º 111/17.3T8MAC.G1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Aplicando estes parâmetros ao caso dos autos, temos que:

- A lesada tinha 59 anos à data do acidente;

- Ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 9 pontos de 100;

- À data do acidente a lesada prestava ... remunerada;

- As sequelas permanentes de que ficou a padecer são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional de ... e exigem esforços suplementares no exercício da sua actividade profissional de ...;

- À data da propositura da acção a lesada estava desempregada, executando tarefas das suas lides domésticas;

- Em virtude das suas sequelas permanentes, está limitada nas tarefas que, enquanto doméstica, pode realizar na sua própria casa;

- Assim como, devido às ditas sequelas, tem a A. dificuldade na realização de diversas tarefas da vida diária, tais como na condução de veículos automóveis, em realizar grandes deslocações a pé, em elevar objectos acima do ombro, em passar a ferro, e até simplesmente em usar uma mala a tiracolo.

Vejamos.

Não obstante ter ficado provado, de forma algo imprecisa, que a A. tinha uma dupla actividade profissional, de “explicadora” e de “empregada doméstica”, a factualidade provada demonstra claramente que existe uma acentuada conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias desta última actividade profissional da lesada, razão pela qual tais lesões não poderão deixar de ter repercussão negativa ao nível dos proventos obtidos com a dita actividade. Demonstra ainda que as ditas lesões afectam significativamente a capacidade da lesada para a realização das suas próprias lides domésticas, o que, como se assinalou supra, não pode deixar de se reconhecer revestir valor económico.

Assim, e ainda que, designadamente em razão da idade da lesada à data do acidente (59 anos), não seja provável que tenham sido afectadas potencialidades de aumento de ganho no exercício da profissão (ou profissões) habituais ou no exercício de outras actividades económicas (ver factor (iii) supra enunciado), a conjugação dos demais factores relevantes (supra indicados em (i), (ii) e (iv)) permite concluir ser mais justo e adequado o montante indemnizatório (€ 25.000,00) fixado pela 1.ª instância para reparar o dano biológico, na sua vertente patrimonial, do que o montante (€ 7.500,00) fixado pela Relação, razão pela qual, neste particular, é de repristinar o decidido na 1.ª instância.


10. Por último, apreciemos a questão do invocado erro de direito ao revogar a condenação referente aos danos cujo apuramento havia sido relegado para ulterior liquidação.

O acórdão recorrido revogou a condenação da R. a pagar à A. as seguintes parcelas:

- A quantia a liquidar em incidente ulterior a título de danos patrimoniais por perda de retribuição com o limite do pedido, relativa à retribuição que a A. deixou de auferir no período que mediou entre 03-07-2016 a 18-10-2016, inclusive, acrescido de juros de mora vencidos desde data da citação da R., à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa;

- A quantia a liquidar em incidente ulterior a título de danos patrimoniais relativa a despesas com transportes, consultas médicas, tratamentos de fisioterapia e medicamentos, acrescida de juros contados desde a citação da R., à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa;

- O montante que se liquidar em incidente ulterior, relativo a danos patrimoniais futuros respeitantes ao valor da terapêutica a que a A. terá que se submeter em virtude das lesões que sofreu e seu ulterior agravamento, acrescido de juros de mora vencidos desde a citação da R., à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa.

Insurge-se a A. contra a revogação destes segmentos decisórios da sentença.

Vejamos.

Tendo a Relação dado como não provados os pontos 41. e 42. da matéria de facto («Devido às sequelas supra descritas, tem a A. recorrido periodicamente a massagista e consulta de osteopatia para alívio da dor e desconforto que sente»; «Com consultas, deslocações a partir do domicílio, medicamentos e tratamentos de fisioterapia no Centro Médico de ..., Lda, a A. teve despesas»), decisão que, conforme apreciado supra, ponto 8. do presente acórdão, não é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, conclui-se pela improcedência da impugnação da A., nesta parte.

Na verdade, e diversamente do alegado pela Recorrente, ter ficado provado que «No futuro [a A.] poderá necessitar esporadicamente a medicação analgésica» (facto 32) não basta para preencher o critério normativo da causalidade consagrado no art. 563.º do CC («danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão»). Ver, a este respeito, o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/11/2021 (proc. n.º 590/13.8TVLSB.L1.S1), consultável em www.dgsi.pt.

Já no que se refere à condenação em quantia a liquidar em incidente ulterior, a título de danos patrimoniais por perda de retribuição, com o limite do pedido, relativo à retribuição que a A. deixou de auferir no período que mediou entre 03/07/2016 e 18/10/2016, tendo a Relação mantido o facto provado 34. («À data do acidente a A. prestava ... remunerada») e tendo ficado provado que ocorreu «um período de incapacidade temporária profissional total de 108 dias (entre 3-7-2016 a 18-10-2016)» (facto 29), deve reconhecer-se assistir razão à Recorrente, sendo de repristinar, nesta parte, o decidido pela 1.ª instância.


11. Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, decidindo-se:

a) Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de €45.000,00 (sendo €25.000,00 a título danos patrimoniais futuros e €20.000,00 a título de danos não patrimoniais);

b) Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia a liquidar em incidente ulterior a título de danos patrimoniais por perda de retribuição com o limite do pedido, relativa à retribuição que a Autora deixou de auferir no período que mediou entre 03/07/2016 e 18/10/2016, inclusive, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação da Ré, à taxa anual de 4%, até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal daquela taxa;

c) No mais, manter a decisão recorrida.


Custas pela Recorrente e pela Recorrida, na proporção de 50% para cada uma das partes.


Lisboa, 12 de Janeiro de 2022


Maria da Graça Trigo (relatora)

Maria Rosa Tching

Catarina Serra