Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
201/11.6IDPRT.P1-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PAULO FERREIRA DA CUNHA
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
FRAUDE FISCAL
IMPOSTOS MUNICIPAIS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 05/05/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: VERIFICADA A OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I -   Nos acórdãos em cotejo (recorrido e fundamento – este último, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 2.ª Secção Criminal, Processo n.º 9287/13.8TBVNG.P2, prolatado em 11-04-2019) pode-se com evidência aquilatar que há uma situação homóloga, fática e jurídica: versam sobre idêntico tipo de realidade e é a mesma a questão-de-direito. Contudo, a solução de direito não foi coincidente.

II - Em ambos os casos, o arguido era sócio-gerente de uma sociedade anónima “que se dedicava à construção de prédios para venda; compra e venda de imóveis; compra, venda e revenda dos adquiridos para esse fim; arrendamento e trespasse de imóveis de e para a sociedade; constituição e comercialização de loteamentos”. Em representação dessa sociedade, o arguido deu destino diverso a um imóvel adquirido, anteriormente para revenda (com a consequente isenção de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis), nele construindo imóveis, não declarando o novo destino dado ao prédio e não pagando o IMT devido, por ter ocorrido a caducidade da isenção da qual tinha beneficiado aquando da aquisição do prédio, assim como não solicitando, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desde essa data, a liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis. Agindo assim, causaram uma diminuição no montante devido em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, consequentemente obtendo vantagem patrimonial para as sociedades de que eram (respetivamente) gerentes administradores. Sabiam bem não ter direito a esses ganhos.

III - O acórdão recorrido, aplicando o art. 103, n.º 1, al. b), do RGIT considerou que os arguidos com a sua conduta preencheram os elementos objetivo e subjetivo do crime referido, crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103, n.º 1 al. b), do RGIT uma vez que, tendo ocorrido a caducidade da isenção, dado que o prédio foi adquirido para revenda, e foi destinado à construção, o arguido não solicitou a liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis. O que levou a que não fosse liquidado o tributo devido por aquela aquisição, por via do que a sociedade não pagou o IMT devido nesse valor total, obtendo assim uma vantagem patrimonial a que não tinha direito. Relevando, portanto, a ocultação de facto – o terem dado destino diverso ao terreno adquirido para a revenda – por omissão, que deveria ter sido declarado à Administração Tributária. Em conclusão, para este Acórdão mostra-se preenchido o tipo em causa.

IV - O acórdão fundamento decidira diversamente: considerou que o sujeito passivo que obteve a isenção do pagamento de IMT (relativamente à aquisição de imóveis para revenda), que caduca por efeito do decurso do prazo de três anos, não tem qualquer dever legal especial de informar a administração fiscal do decurso de tal prazo e da caducidade (ope legis) da sua isenção. A si incumbiria, somente, solicitar a sua liquidação no prazo de 30 dias contado do termo do referido prazo. E não significando o seu silêncio (a ausência de solicitação da liquidação) qualquer ocultação de factos que devam ser revelados à administração tributária. Donde resulta que não preencheria tal comportamento o tipo objetivo do crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo art. 103, n.º1, al. b), do RGIT.

V - Em conclusão: os acórdãos recorrido e fundamento foram proferidos no domínio da mesma norma – o art. 103, n.º 1, al. b), do RGIT, com situações fácticas idênticas e, contudo, resultaram em soluções hermenêuticas não apenas diferentes, mas até antagónicas, sendo, pois, de dar por verificada a oposição de julgados em relação à questão de direito em causa, e assim determinar o prosseguimento do processo – art. 441, n.º 1, in fine, do CPP.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I

Relatório



1. AA, devidamente identificado nos autos, veio, em 24-02-2020, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação ……… de 11-09-2019, considerando existir oposição de julgados entre esse e o decidido no acórdão do Tribunal da Relação ……. Secção Criminal, Processo n.º 9287/13……, prolatado em 11-04-2019.


2. Foram as seguintes as Conclusões da motivação do referido recurso:

1) A decisão recorrida traduz-se no acórdão do Tribunal da Relação ………. Secção Criminal, de 11/09/2019, no âmbito do Processo n.º 201/11……., que julgou improcedente o recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca …….., Juízo Local Criminal ………, Juiz …., que condenou o Arguido pela prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punível pelo artigo 103.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, na pena de 250 dias de multa, à razão diária de €8,00, perfazendo o total de €2.000,00.

2) O Acórdão fundamento é o proferido pelo Tribunal da Relação ……., … Secção Criminal, de 11/04/2019, no âmbito do Processo n.º 9287/13………, que julgou procedente o recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca ……., Juízo Local Criminal ………., Juiz ….., que condenou o Arguido pela prática absolveu o Arguido da prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punível pelo artigo 103.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, na pena de 200 dias de multa, à razão diária de €6,00, perfazendo o total de €1.200,00.

3) Ambos os acórdãos dizem respeito a factos praticados após 2006, e, portanto, no âmbito da redacção pela Lei n.º 6-A/2005, de 30/12, ao artigo 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.

4) Ambos os acórdãos assentam em factualidade que se traduz na omissão de solicitação da liquidação do IMT no prazo de 30 dias após a caducidade da respectiva isenção.

5) No acórdão recorrido tal factualidade foi subsumida na alínea b) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT, ao passo que no acórdão fundamento se considerou que a omissão de solicitação da liquidação do IMT não pode ser considerada como “ocultação de factos ou valores” para efeitos do preenchimento do ilícito típico de fraude fiscal.

6) O crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103.º, n.º 1,

7) A alínea b) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT exige uma conduta de efectiva ocultação de factos ou de valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária, o que não se verifica no presente caso.

8) Para constituir facto típico, a ocultação em causa tem que corresponder a uma acção cujo efeito seja a colocação fora do conhecimento da Administração Fiscal de determinados factos ou valores.

9) Pelo contrário, a obrigação de solicitar a liquidação do IMT na sequência da caducidade da isenção não tem como objectivo cientificar a Administração Fiscal sobre as aquisições efectuadas e respectivos valores, pois de tais factos sempre aquela tem sempre conhecimento, quer por via da actualização das inscrições matriciais no que respeita à propriedade dos imóveis pela sociedade arguida, nos termos do disposto no artigo 13.º do CIMI, quer por via da comunicação notarial das escrituras, nos termos do disposto no artigo 49.º do CIMT.

10) Não é susceptível de ocultação aquilo que já é conhecido.

11) O próprio sistema baseia-se no pressuposto de que a Administração Fiscal não depende da iniciativa do sujeito passivo do imposto para proceder à liquidação oficiosa do IMT, nos termos do disposto nas normas supra citadas.

12) Tal circunstância é ainda mais evidente nos presentes autos, na medida em que o Arguido comunicou à Administração Fiscal a construção de um prédio em regime de propriedade horizontal no prédio adquirido para revenda, ao qual foi atribuído um novo artigo matricial.

13) Por consequência, se a declaração de solicitação de liquidação do IMT não tem o escopo ou o efeito de dar a conhecer à Administração Fiscal as transmissões, e respectivos valores, sobre as quais incide o imposto, em virtude de aquela já possuir tal conhecimento, a omissão de apresentação de tal declaração não é subsumível na alínea b) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT.

14) Os factos pelos quais o Arguido foi condenado são, na realidade, puníveis como contra-ordenação, e não como crime, nos termos do disposto no artigo 114.º, n.ºs 1, 2 e 5, alínea c), do RGIT.

15) A jurisprudência igualmente tem entendido desta forma, como resulta, a título exemplificativo, dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 01/10/2014, Proc. 01665/13, 07/10/2015, Proc. 0218/15, e 23/03/2018, Proc. 076/18, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

16) Entende o Arguido que deverá ser fixada jurisprudência com o seguinte sentido: “A omissão de solicitação da liquidação do IMT não constitui ocultação de factos ou valores para efeitos do artigo 103.º, n.º 1, alínea b), do RGIT”.

Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido e fixando-se jurisprudência no sentido acima proposto, assim fazendo V. Exas. a tão

costumada JUSTIÇA.”


3. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em douto Parecer, entendendo ser de considerar verificada e existência entre os dois acórdãos de oposição de julgados em relação à questão de direito em causa. Entendendo que se deverá determinar o prosseguimento do processo - artigo 441, n.º 1, do Código de Processo Penal in fine.

 

4. Foi cumprido o disposto no art. 417, n.º 2 do CPP, não tendo havido qualquer resposta.


Sem vistos, dada a presente situação pandémica, na vigência de estado de calamidade, cumpre apreciar e decidir em conferência.



II

Dos Acórdãos



Particularmente relevantes se afigura os seguintes segmentos dos Acórdãos em cotejo, sem prejuízo, como é óbvio, da atenção que merece a integralidade dos mesmos:



A

Do Acórdão recorrido


Com interesse para a decisão a proferir, é o seguinte o teor do Acórdão recorrido:

“Factos Provados:

1 - A arguida "Gaya Internacional - Sociedade de Construções, SA", encontra-se colectada pelo 2° Serviço de Finanças de …, estando enquadrada, em sede de IVA, no regime de isenção previsto no art. 9o do CIVA e tributada em sede de IRC no regime geral pelo exercício da actividade principal de construção de edifícios residenciais e não residenciais, a que corresponde o CAE 41200, e actividade secundária de compra e venda de bens imobiliários a que corresponde o CAE 68100.

2 - Os arguidos BB e AA são sócios gerentes dessa sociedade desde 08/11/2001, tendo sido nomeados seus administradores aquando da sua transformação em sociedade anónima por deliberação de 25/06/2008 registada na Conservatória do Registo Comercial em 1/7/2008.

3 - Por escritura pública de compra realizada no junto do notário CC, em …….., em 17 de Janeir0 de 2007, a sociedade arguida "Gaya Internacional - Sociedade de Construção, S.A", representada pelo arguido BB, na data sócio gerente e actualmente administrador, adquiriu uma parcela de terreno destinada a construção urbana, sita na Rua ……, freguesia……., concelho ……, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número três …….. e inscrita na matriz urbana sob o artigo ……, freguesia ……, do concelho  ……, pelo valor de € 830.000,00 (oitocentos e trinta mil euros).

4 - Na data foi exibida certidão emitida em 15/1/2007 pelo 2o Serviço de Finanças de …, de onde constava que a sociedade arguida estava colectada pela actividade de compra de bens 3 - Por escritura pública de compra realizada no junto do notário CC, em ………, em ………. de 2007, a sociedade arguida "Gaya Internacional - Sociedade de Construção, S.A", representada pelo arguido BB, na data sócio gerente e actualmente administrador, adquiriu uma parcela de terreno destinada a construção urbana, sita na Rua ……, freguesia …., concelho …, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número …. e inscrita na matriz urbana sob o artigo …, da freguesia…, do concelho…, pelo valor de € 830.000,00 (oitocentos e trinta mil euros) imobiliários e que exerceu normalmente aquela actividade no ano transacto, tendo sido declarado que o imóvel se destinava a revenda, motivo pelo qual, naquele acto, beneficiou da isenção do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), nos termos do nº 1 do artigo 7o do Código do Imposto sobre as Transmissões Onerosa (CIMT).

5 - Porém, a sociedade e os arguidos BB e AA decidiram dar destino diverso àquele prédio, não o revendendo mas antes decidindo nele construir uma habitação multifamiliar, tendo solicitado à Câmara Municipal o alvará de construção que obteve o nº …/07 e que foi emitido em …/…./2007.

6 - Em 16/12/2009 a sociedade arguida "Gaya Internacional-Sociedade de Construção, S.A" participou a conclusão da construção no artigo urbano ……. - ………, de um prédio em regime de propriedade horizontal ao qual foi atribuído o novo artigo com o número ……. com as respectivas fracções.

7 - Os arguidos, sociedade "Gaya" e seus administradores, BB e AA, sabiam que tinham o prazo de 30 (trinta) dias a contar da data em que deram destino diferente ao prédio adquirido para revenda para solicitarem a liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT).

8 - Mais sabiam que estavam obrigados a pagar o IMT por se ter dado a caducidade da isenção da qual tinham beneficiado aquando da aquisição do prédio.

9 - O imposto devido pela aquisição do referido prédio ascende à quantia de € 53.950 (cinquenta e três mil novecentos e cinquenta euros) que corresponde à aplicação da taxa de 6,5% sobre o valor de aquisição que foi de € 830.000,00.

10 - Ao não declararem o novo destino dado ao prédio e ao não pagarem o tributo devido à Administração Tributária, os arguidos agiram de comum acordo, com o intuito de beneficiarem a arguida "Gaya, Internacional - Sociedade de Construções, SA", causando uma diminuição no montante de € 53.950,00, em sede de Imposto Municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, assim obtendo vantagem patrimonial para a sociedade arguida a que sabiam não ter direito.

11 - Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

12 - 0 arguido BB é casado, tem dois filhos menores, reside em ... onde trabalha.

13 - Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.

14 - O arguido AA é solteiro e reside no ... onde trabalha.

15 - Não são conhecidos antecedentes criminais.

16 - A sociedade arguida foi declarada insolvente por sentença proferida em 4/6/12 e ainda não transitada em julgado, no âmbito do processo de insolvência nº 91/12…. do 3o Juízo do Tribunal do Comércio…, conforme certidão de fls. 296 e ss.

17 - O valor do tributo devido em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis está integralmente por liquidar.


*


 (…)

Qualificação Jurídica

Aos arguidos vem imputada a prática, em autoria material, de um crime de fraude fiscal p. e p. pelo art. 103°, n. 1, al. b) do RGIT aprovado pela Lei 15/2001, de 516, sendo a sociedade arguida criminalmente responsável por força do disposto pelo art. 7o do mesmo diploma legal.

Este preceito prescreve o seguinte:

1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.

a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável

b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;

c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a € 15.000 (conforme alteração introduzida pela Lei 60-A/2005 de 30/12).

3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.

A fraude fiscal pode ter lugar por uma de três vias:

- Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;

- Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;

- Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

Como refere Alfredo José de Sousa, in Infracções cais (Não Aduaneiras), 3a ed., pág. 87 e ss, em anotação ao art. 23° do RGIFNA, mas cuja actualidade se mantém, para o preenchimento do tipo é exigível que o agente vise obter vantagem patrimonial indevida, existe uma intenção defraudatória dirigida à obtenção de vantagens patrimoniais indevidas e consequentemente à diminuição das receitas.

Como decorre do tipo legal em questão, não é elemento do tipo a existência condutas descritas no tipo visem a obtenção de vantagens fiscais causar diminuição das receitas tributárias.

Do mesmo modo, e porque necessariamente interligadas, também não é necessário que o agente obtenha efectivamente a vantagem patrimonial ilegal que pretende obter, uma vez que o crime foi configurado como um crime de perigo tendo o legislador optado "por privilegiar o desvalor da acção" (cf. Alfredo José de Sousa, Infracções Fiscais (não aduaneiras), 3a ed., pág. 92).

Efectivamente; o crime consuma-se "mesmo que nenhum enriquecimento venha a ter lugar" e não ocorra "o resultado lesivo para o património fiscal" (cf. Ac. da R.P. de 03/04/2002, publicado na Internet, em www.dqsi.pt/itrp).

A consumação não depende, por isso, da efectiva obtenção das vantagens patrimoniais indevidas. O crime consuma-se quando o agente, com a intenção de lesar, patrimonialmente, o Fisco, atenta contra a verdade e transparência exigidos na relação Fisco-contribuinte, através de qualquer das modalidades de falsificação previstas no nº 1 do referido art. 103°, ainda que nenhum dano/enriquecimento indevido venha a ter lugar.

No nº 1 do artigo 103° descrevem-se as condutas mediante as quais pode ter lugar a fraude fiscal, podendo o crime ser praticado por accão ou omissão.

É o que decorre da al. b) do nº 1 do aludido preceito.

Deste modo a falta de apresentação de declarações que devam ser prestadas ou apresentadas "a fim de que a administração fiscalmente fiscalize, determine, avalie ou controle matéria colectável, se consubstanciar "ocultação de factos ou valores" que delas devem constar integrará igualmente este crime. Ponto é que o agente queira a ocultação dos factos ou valores com a falta de apresentação da declaração com vista ao não pagamento total do imposto.

A vantagem patrimonial ilegítima pretendida tem que ser superior a €15.000, que corresponde ao montante da diminuição da "receita tributária" que com a ocultação ou alteração de factos ou valores se visiou indevidamente obter- art. nº do RGIT na redacção introduzida pela Lei 60-A/2005 de 30/12 (na anterior redacção do preceito o montante era apenas de €7.500).

Essa vantagem patrimonial ilegítima pretendi corresponder ao montante imposto que o sujeito passivo pretendeu deixar de pagar em consequência da declaração "defraudada" ou da sua omissão. E este montante há-de ser apurado pela Direcção Geral das Contribuições e Impostos, fixando a matéria colectável por métodos indiciários e procedendo à liquidação adicional do imposto.

A nível subjectivo o dolo, ainda que eventual essencial deste crime e há-de consistir na intenção de praticar a "ocultação/aliteração de factos ou valores" ou de celebrar o "negócio simulado", com a consciência de que visam a obtenção de vantagem patrimonial ilegítima - não pagamento do imposto a menos do que é devido, ou reembolso do imposto - com a consequente diminuição das receitas tributárias. Para a punição do agente basta comprovar que quis as respectivas acções ou omissões e que elas eram adequadas à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e à consequente diminuição das receitas tributárias, em valor superior a € 15.000.

No caso está em causa a ocultação de valores por ter caducado a isenção do pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e não ter sido solicitada junto dos serviços da administração tributária a liquidação desse tributo.

Conforme resulta dos autos a arguida "Gaya Internacional - Sociedade de Construções, SA", colectada pelo 2° Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia, está enquadrada, em sede de IVA, no regime de isenção previsto no art. 9o do CIVA e é tributada, em sede de IRC, no regime geral pelo exercício da actividade principal de construção de edifícios residenciais e não residenciais e actividade secundária de compra e venda de bens imobiliários. Sendo os arguidos BB e AA seus sócios gerentes desde 08/11/01, tendo sido nomeados seus administradores aquando da sua transformação sociedade anónima, por deliberação de 25/06/08, registada na Conservatória do Registo Comercial em 1/7/08.

Também se demonstrou que, por escritura pública de compra realizada no junto do notário CC, em ……, em …. de 2007, a sociedade arguida "Gaya Internacional", representada pelo arguido BB, na data sócio gerente e actualmente seu administrador, adquiriu uma parcela de terreno destinada a construção urbana sita na Rua ……., na freguesia ……, concelho …….., descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número …….. e inscrita na matriz urbana sob o artigo …, pelo valor de € 830.000 (oitocentos e trinta mil euros). E que, na data da escritura foi exibida certidão emitida em 15/1/07 pelo 20 Serviço de Finanças………, de onde constava que a sociedade estava colectada pela actividade de compra de bens imobiliários e que exerceu normalmente aquela actividade no ano transacto, tendo ainda sido declarado que o imóvel se destinava a revenda, motivo pelo qual, naquele acto, beneficiou da isenção do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT).

Todavia, a sociedade e os arguidos BB e AA decidiram dar destino diverso àquele prédio, não o revendendo, mas antes nele construir uma habitação multifamiliar tendo, para o efeito, solicitado à Câmara Municipal o alvará de construção que obteve o n.º …/07 e que foi emitido em …/…/07. Sendo que, em 16/12/09, a sociedade arguida participou a conclusão da construção no artigo urbano …. da freguesia ……, de um prédio em regime de propriedade horizontal ao qual foi atribuído o novo artigo com o número 6054 com as respectivas fracções.

Também se provou que os arguidos sabiam que, por terem dado destino diferente ao prédio adquirido para revenda, estavam obrigados a pagar o IMT, por se ter dado a caducidade da isenção da qual tinham beneficiado aquando da aquisição do prédio, e que dispunham do prazo de 30 (trinta) dias a contar desde essa data para solicitarem a liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e não o fizeram.

E que, ao não declararem o novo destino dado ao prédio e ao não pagarem o tributo devido à Administração Tributária, actuaram de comum acordo, com o intuito de beneficiarem a arguida "Gaya, Internacional SA", causando uma diminuição no montante de € 53.950 (cinquenta e três mil novecentos e cinquenta euros) em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões onerosas de Imóveis, que corresponde à aplicação da taxa de 6,5% sobre o valor de aquisição que foi de € 830.000, assim obtendo vantagem patrimonial para a sociedade arguida a que sabiam não ter direito. Tendo agido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Vejamos, então o que a propósito dispõe o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (DL 287/03 de 12/11 - CIMT).

Segundo dispõe o seu art. 5o:

1 - A incidência do IMT regula-se pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária.

2 - A obrigação tributária constitui-se no momento em que ocorrer a transmissão

3 - (... )

E segundo o art. do mesmo diploma legal:

1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n° 1 do artigo 109.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda.

2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda.

3 - Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove

o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim.

4 - Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transacção,

Já quanto à caducidade da isenção prevê o art. 11° do diploma em análise, no seu n. 5, que A aquisição a que se refere o artigo 7. ° deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.

Ora, nos termos do n. 1 do art. 34° do mesmo diploma no caso de ficar sem efeito a isenção ou a redução de taxas, nos termos do artigo 11°, devem os sujeitos passivos solicitar, no prazo de 30 dias, a respectiva liquidação.

Pedido esse que é efectuado em declaração de modelo oficial e deve ser entregue no serviço de finanças da localização do imóvel - d. n. 2 do mesmo preceito na redacção vigente à data.

Temos, portanto, por assente que, não obstante a caducidade da isenção, por via de o prédio ter sido adquirido para revenda, mas ter-lhe sido dado destino de construção, não foi solicitada a liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, o que levou a que não fosse liquidado devido por aquela aquisição no valor de € 53.950, por via do que a sociedade não pagou o IMT devido nesse valor total, alcançando assim vantagem patrimonial a que não tinha direito.

Mostra-se, por isso, comprovada a ocultação de valores que deveriam ter sido declarados à administração tributária por parte do contribuinte "Gaya Internacional, S.A".

Por outro lado, porque se provou que os arguidos, sócios e gerentes dessa sociedade desde 08/11/01 e, posteriormente, seus administradores, por deliberação de 25/06/08, registada na Conservatória do Registo Comercial em 1/7/08, decidiram dar destino diverso da revenda ao prédio adquirido e que, não obstante soubesse que, por o terem feito, estavam obrigados a pagar o IMT, atenta a caducidade da isenção da qual tinham beneficiado aquando da aquisição do prédio, e de que dispunham do prazo de 30 (trinta) dias a contar dessa data para solicitarem a liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, não o fizeram e que ao assim procederem actuaram de comum acordo, com o intuito de beneficiarem a arguida "Gaya, Internacional SA", causando uma diminuição no montante de € 53.950 (cinquenta e três mil novecentos e cinquenta euros) em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, assim obtendo vantagem patrimonial para a sociedade arguida a que sabiam não ter direito, tendo agido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, também os elementos subjectivos do tipo se mostram preenchidos. Ao actuarem da forma descrita fizeram-no com dolo directo art. 14°, n. 1 do Código Penal.

Não se apuraram quaisquer circunstancias susceptíveis de afastarem a ilicitude e/ou a culpa dos agentes.

A sociedade "Gaya Internacional - Sociedade de Construções, SA" é penalmente responsável nos termos do disposto pelo art. 7o, n.o 1 e n.o 3 do RGIT porquanto o facto foi praticado por quem actuou em termos de exprimir ou vincular a vontade da pessoa colectiva, procurando a satisfação dos seus interesses.

(…)

Recurso em matéria de Direito

Repetindo-se, basicamente, a argumentação que se utilizou para invocar os vícios da decisão sobre a matéria de facto, argumenta-se que «a mera não solicitação da liquidação do IMT não preenche o tipo objectivo do crime em causa».

Alega-se que o preenchimento da alínea b) do n.° 1 do art.° 103. ° do RGIT exige uma conduta activa de ocultação de factos ou valores não declarados.

Defende-se que os factos são apenas puníveis como contra-ordenação, e não como crime, nos termos do disposto no artigo 114. °, n.°s 1, 2 e 5, alínea c), do RGIT.

Sem razão.

O crime em causa pode ser cometido por acção ou por omissão, tal como referido na decisão recorrida: "desde que a falta de apresentação de declarações que devam ser prestadas ou apresentadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável, se consubstancie na ocultação de factos ou valores que delas devem constar", o crime mostrar-se-à praticado. "Ponto é que o agente queira a ocultação dos factos ou valores com a falta de apresentação da declaração com vista ao não pagamento total do imposto".

No caso, "não obstante a caducidade da isenção, por via de o prédio ter sido adquirido para revenda, mas ter-lhe sido dado destino de construção, não foi solicitada a liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, o que levou a que não fosse liquidado o tributo devido por aquela aquisição no valor de € 53.950, por via do que a sociedade não pagou o IMT devido nesse valor total, alcançando assim vantagem patrimonial a que não tinha direito".

Daqui resulta a ocultação de facto - o terem dado destino diverso ao terreno adquirido para a revenda -, por omissão, que deveria ter sido declarado à Administração Tributária.

Em conclusão, mostra-se preenchido o tipo em causa.

(…)

Em conclusão, o recurso mostra-se improcedente.


*

Nos termos relatados, decide-se julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido/condenado AA, mantendo-se a Sentença recorrida.”

B

Do Acórdão fundamento


Importam-nos especialmente os seguintes passos do Acórdão fundamento:

“2. Dos factos

Com relevância para a decisão da causa resultam provados os seguintes factos:

2.1. A sociedade comercial “C…, SA”, foi constituída em 2002 e dedica-se à construção de prédios para venda; compra e venda de imóveis; compra, venda e revenda dos adquiridos para esse fim; arrendamento e trespasse de imóveis de e para a sociedade; constituição e comercialização de loteamentos.

2.2. Na sua qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais encontra-se colectada em sede Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) pelo exercício da actividade principal de “construção de edifícios residenciais e não residenciais”, CAE ….., e actividade secundária de “compra e venda de bens imobiliários”, CAE ….., pelo Serviço de Finanças …….

2.3. A sociedade arguida começou por ser uma sociedade por quotas, passando a partir de 01/07/2008 a assumir a forma de sociedade anónima.

2.4. Nos anos de 2006 a 2008, o arguido era gerente e /ou administrador da sociedade, consoante o caso, e como tal seu legal representante.

2.5. Com o inicio da actividade referida, devidamente declarado às finanças, a sociedade arguida vinculou-se às inerentes obrigações fiscais, nomeadamente, as de entregar à Administração Tributária as quantias devidas a titulo de Imposto Municipal sobre as Transmissões (IMT) referentes aos imóveis por si transaccionados (adquiridos/revendidos).

2.6. De tais obrigações fiscais tinha o arguido perfeito conhecimento, bem sabendo que estavam legalmente obrigados a entregar ao Estado – Fazenda Nacional – nos prazos fixados na Lei, as quantias devidas a título de tal imposto.

2.7. No entanto, o arguido com o objectivo de não liquidar o IMT e consequente não pagamento do imposto devido, por ter sido dado um destino diferente aos prédios rústicos a seguir referidos adquiridos para revenda, não solicitou no prazo legalmente previsto a liquidação do IMT, obtendo, assim, vantagem correspondente ao valor de imposto devido.

2.8. Assim:

2.8.1. Por escritura pública de permuta realizada em 30 de Junho de 2006, realizada perante o Notário E…, no seu Cartório Notarial, sito na Rua …, n.º …, em…….., o arguido D…, actuando na qualidade de sócio gerente da sociedade arguida C…, SA e em representação desta, permutou com F… o prédio rústico sito no Lugar …, freguesia …, inscrito na matriz sob o artigo ….81, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número…..01, pelo valor de €517.500,00 e com G… um prédio rústico, com a área de cinco mil seiscentos e oitenta e nove metros quadrados, situado no lugar …, freguesia …, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1205, pelo preço total 435.000,00€, declarando o arguido no momento da escritura que os imóveis em causa se destinavam a revenda.

2.8.2. Por escritura pública de compra e venda realizada em 02 de Setembro de 2008, realizada perante o Notário E…, no seu Cartório Notarial, sito na Rua …, n.º …, em Santa Maria da Feira, o arguido B…, actuando na qualidade de presidente do conselho de administração da sociedade arguida C…, SA e em representação desta, comprou a H… e I… o prédio rústico sito nos limites dos lugares de … e …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob o artigo …., com o valor patrimonial de 52,73€m descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número mil seiscentos e noventa e três, pelo preço total de €515.000,00, declarando o arguido no momento da celebração da escritura que o imóvel em causa se destinava a revenda.

2.8.3. Por escritura pública de compra e venda realizada em 25 de Julho de 2008, realizada perante a Notária J…, no seu Cartório Notarial, sito na Av. …, n.º …./…., …, …. - …, Porto, B… e D…, actuando na qualidade de administradores da sociedade arguida “C…, SA” e em representação desta, compraram a K… e L… o prédio urbano composto por terreno para construção denominado lote A-8.10, sito em …, Rua …, …, freguesia de …, Concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob o artigo …., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o numero três mil quinhentos e quarenta e cinco, pelo preço total de €500.000,00, declarando os arguidos no momento da celebração da escritura que o imóvel em causa se destinava a revenda.

2.9. Nessa sequência da permuta e compra e venda efectuadas, as transmissões em causa ficaram isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis com o fundamento no artigo 7.º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, ficando tal exarado nas referidas escrituras públicas.

2.10. A isenção de IMT, pela aquisição de prédios para revenda, prevista no artigo 7.° do CIMT, está condicionada a que o adquirente exerça normal e habitualmente essa actividade e que os prédios assim adquiridos sejam revendidos, sem que seja novamente para revenda, no prazo de 3 anos, caducando a isenção caso não se verifique essa revenda, no prazo legal, ou logo que se verifique que foi dado um destino diferente aos prédios adquiridos para revenda, em conformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 11°, do CIMT.

2.11. Os mencionados imóveis não foram alienados no prazo de três anos, como referido na escritura pública, sendo devida a liquidação do imposto - IMT - pela referida aquisição.

2.12. Contudo, a sociedade, através de D… e B…, não entregou no Serviço de Finanças da localização do Imóvel (nos termos do artigo 34.º, n.º 2, do CIMT) a correspondente declaração relativa à aquisição do imóvel, não solicitando a respectiva liquidação de IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões), no prazo de 30 dias a contar da data em que isenção ficou sem efeito (nos termos do artigo 34.º e 36.º, n.º 6).

2.13. Nem o fizeram após terem sido notificados para demonstrar o cumprimento dos requisitos de que dependeu a atribuição da isenção em causa.

2.14. Por escritura publica de compra e venda realizada em 14 de Dezembro de 2007, realizada perante o notário M…, no seu cartório notarial sito em …, Freguesia de …, o arguido B…, actuando na qualidade de sócio gerente da sociedade arguida “C…, Lda” e em representação desta, comprou a N…, O…, P… e Q… a parcela de terreno para construção urbana sito em …, …, ... descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número nove mil oitocentos e setenta e cinco, inscrito na matriz sob o artigo ….., pelo valor de €285.000,00, declarando o arguido no momento da celebração da escritura que o imóvel em causa se destinava a revenda.

2.15. Nessa sequência, a transmissão em causa ficou isenta de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis com o fundamento no artigo 7.º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, ficando

tal exarado na referida escritura pública.

2.16. O mencionado imóvel não foi alienado no prazo de três anos, como referido na escritura pública.

2.17. A sociedade, através do arguido não entregou no Serviço de Finanças da localização do Imóvel (nos termos do artigo 34.º, n.º 2, do CIMT) a correspondente declaração relativa à aquisição do imóvel, não solicitando a respectiva liquidação de IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões), no prazo de 30 dias a contar da data em que isenção ficou sem efeito (nos termos do artigo 34.º e 36.º, n.º 6).

2.18. Nem o fez após a sociedade arguida ter sido notificada para demonstrar o cumprimento dos requisitos de que dependeu a atribuição da isenção em causa.

2.19. Em 27-06-2008 foi emitido pela Câmara Municipal de ... o alvará de construção n.º 537/2008, autorizando a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, naquele artigo, prédio esse que foi efectivamente construído pela sociedade arguida e participada a sua conclusão à matriz predial urbana da freguesia de … - ...., em 18-05-2010, tendo dado origem ao artigo ….., fracções A, B e C.

2.20. O artigo … urbano de … (lote de terreno), deu origem ao artigo ….. (também lote de terreno), com a participação de um modelo 1 do IMI em

26-11-1008, com motivo de prédio melhorado, e que se traduziu num aumento da área total do terreno de 1.832,22 m2 para 2.048,91 m2.

2.21. A Câmara Municipal de ... emitiu alvará de construção n.º 537/2008, emitido em 27-06-2008, autorizando a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, piscinas e muros de vedação, no artigo ….. urbano de ….

2.22. Em 18-05-2010, a sociedade arguida participou através da declaração modelo 1 do IMI, a conclusão da construção, do prédio em regime de propriedade horizontal, no lugar de …, …, ao qual foi atribuído o artigo n.º ….. urbano da freguesia de … - ..., com as fracções A, B e C, construído no artigo ….. (lote de terreno), e participado à matriz, em 26-11-2008, como proveniente do artigo ….., também lote de terreno, artigo este adquirido em 14-12-2007, com a indicação de destinado a revenda.

2.23. Em 18-05-2010 foi o artigo ….. (terreno para construção) desactivado, por ter dado origem a um novo artigo.

2.24. O IMT não pago é de €32.879,60, €15.500, €25.750 e €18.525, respectivamente.

2.25. Ao não solicitar a liquidação de IMT tal como devia e podia, no prazo legal de 30 dias após a caducidade da isenção, os arguidos, na qualidade de legais representantes da sociedade arguida e agindo em nome desta, agiram no propósito, que lograram alcançar, de evitar a liquidação daquele imposto.

2.26. Com a conduta dos arguidos a sociedade arguida omitiu valores que efectivamente auferiu, obtendo, assim, um benefício pecuniário a que não tinha direito à custa do erário público da Fazenda Nacional e em detrimento do Estado.

2.27. Ao não entregar a declaração em causa, a que sabia estar legalmente obrigado, o arguido enquanto legal representante da sociedade, omitiu ao Fisco as transacções efectuada e os respectivos valores, impedindo que a Administração Fiscal tivesse conhecimento dos lucros obtidos, conseguindo, assim, obter uma vantagem patrimonial que pretendiam, no valor de €32.879,60, €15.500,00, €25.750,00 e €18.525,00., por aplicação das taxas e regras de tributação aos valores de aquisição dos artigos urbano …., rústicos …. e …., todos da freguesia de …, ... e artigo …., de …, ….

2.28. Até à presente data e sem qualquer causa justificativa, a sociedade, através do arguido, não regularizou a sua situação fiscal e nada pagou à Fazenda Publica a titulo de IMT e recusam-se a satisfazer as suas obrigações fiscais em divida, encontrando-se o Estado patrimonialmente prejudicado naqueles valores resultante da aplicação do taxa de 5% e 6,5% consoante se trate de prédios rústicos ou urbanos (nos termos dos artigos 12.º, n.º1, 18.º, n.º 2 e 17.º, n.º, 1, al. c) e d), do CIMT).

2.29. O arguido estava consciente das obrigações que sobre ele impedia de entregar à Administração Fiscal os supra referidos montantes de IMT, que era devido ao Estado a título de tal imposto e que, não obstante, integraram no seu património e no da sociedade arguida.

2.30. Actuando por si e na qualidade de legal representante da sociedade arguida, actuando em nome e no interesse colectivo desta.

2.31. Ao não entregar a respectiva declaração respeitante à aquisição ocorrida, actuou com o intuito de omitir o lucro da sociedade arguida, de molde a não pagar ao Estado o IMT que era devido, fazendo-o seu e da sociedade arguida, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia, que se destinava aos cofres do Estado, pelo que não o podiam utilizar em seu benefício pessoal ou em proveito daquela sociedade, bem assim como não o podia integrar no seu património ou no daquela.

2.32. Actuou com o objectivo de se locupletar com tais quantias, obtendo, para si e para a empresa arguida, um enriquecimento patrimonial ao qual sabia não ter qualquer direito, bem como com o propósito de causar o correlativo prejuízo ao Estado Português, como de facto causou pois, ao não entregarem à Administração Fiscal aqueles montantes de IMT diminuíram as receitas tributárias e, por via disso, lesaram o erário público da Fazenda Nacional naquele montante global que não entrou nos cofres do Estado, e de forma indirecta a generalidade dos contribuintes cumpridores.

2.33. Para além disso, ao actuar como actuaram, isto é, ao não entregarem no prazo legal de 30 dias ao Fisco as declarações para não pagar o IMT devido, ofenderam e colocaram em crise a segurança e o tráfico jurídico, em especial o tráfico probatório que tais documentos visam atestar, violando, desse modo, a verdade e a transparência fiscal e, consequentemente, impediram o Estado Português de concretizar a sua pretensão de lhe ver revelados todos os factos fiscalmente relevantes, lesando também, e por via disso, o regular funcionamento do sistema tributário e a realização da justiça fiscal, pondo ainda em causa os deveres de lealdade e colaboração que devem pautar as relações tidas com a Fazenda Nacional, defraudando-a através do não pagamento de tais montantes de IMT.

2.34. O arguido agiu de forma livre, voluntária, deliberada bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

2.35. A administração fiscal, por via das actualizações das inscrições matriciais quanto á propriedade dos imoveis da sociedade tinha conhecimento dos factos que motivavam a liquidação de IMT,

2.36. Do CRC do arguido nada consta.

Com relevância para a decisão da causa não se provou que:

- o arguido actuou com a intenção de obter benefícios fiscais em sede de IRC.


*


(…)

4. Enquadramento Jurídico - Penal

O arguido vem acusado da prática, como autor material, de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 104°, n.° 1 da Lei n.° 15/2001, de 05.06. (doravante designado, apenas, pela sigla RGIT.

Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no artº 103º, que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. (…) Por outras palavras, constituem fraude fiscal as condutas tipificadas nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 103º do RGIT (ocultação de factos ou valores fiscalmente relevantes ou celebração de negócio simulado) que sejam pré-ordenadas à não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou à obtenção de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição de receitas tributárias (É elemento do tipo, a “diminuição de receitas fiscais ou tributárias”).

Disto resulta que este ilícito, á semelhança dos demais crimes fiscais, tem subjacente a existência de uma relação tributária, impondo deveres ao “sujeito passivo”, cujo incumprimento traduz a infracção fiscal.

A noção de relação jurídica fiscal, ou relação tributária é uma relação complexa, quanto aos seus elementos (titulares activos, sujeitos passivos e conteúdo). Quanto ao conteúdo, a par da relação tributária clássica entre os contribuintes, por um lado, e a administração tributária, por outro, há relações que se desenvolvem entre os próprios particulares, como as que se traduzem no dever de reter o imposto alheio, no dever de repercutir o imposto, no direito do sub-rogado, no direito de regresso (vide CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Coimbra, 2005, pág. 236.) O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, e a tributação do património pessoal ou real deve concorrer para a igualdade entre os cidadãos, conforme consagrado nos arts. 103º, n.º 1, e 104º, n.º 3 da CRP, pelo que é da maior evidencia, quer no plano teórico quer no plano prático, que o lançamento dos impostos, mostrando-se a coberto da tutela da lei ordinária, sustentada pela lei fundamental, reclama para a sua cobrança um regime punitivo deferido ao Estado, sem o qual aquela superior e pública finalidade se mostraria seriamente comprometida, integrando-se, como se integra, o delito de fuga aos impostos naquilo que se apelida de «delinquência patrimonial de astúcia». (cfr. ac. do STJ de 9-03-05, consultado no mesmo site). Sobre a matéria, salienta-se a obra “O crime de fraude fiscal no novo Direito Penal Tributário Português, dos professores Figueiredo Dias e Costa Andrade (RPCC, ano 6º, Jan-Março, p. 76), onde a dado passo pode ler-se: “ O imposto apresenta-se como o meio privilegiado ao dispor de um Estado de Direito para assegurar as prestações sociais, que tornam possível, na conhecida fórmula de Fosthoff, que o cidadão viva não só no Estado, mas também do Estado. (…) A consciência colectiva adquiriu (ou pretende-se que adquira, acrescentamos nós) o sentimento de que o não pagamento de impostos é ofensivo da igualdade tributária dos cidadãos, da proporcionalidade contributiva, inviabilizando a fuga aos impostos a realização das finalidades do Estado, fazendo-as recair agravadamente sobre outros, inscrevendo-se o direito penal fiscal num movimento de eticização, obediente aos princípios da legalidade, igualdade e justiça social, com apoio nos arts. 101º a 104º da Constituição da República Portuguesa.”

Ao nível do IMT a obrigação de liquidação do imposto devido recai sobre o devedor ( a denominada obrigação declarativa), como decorre do disposto no artº 19º, do C.I.T. De resto, o art. 30º da Lei Geral Tributária, ao definir o objecto da relação jurídica tributária, refere expressamente como integrando tal relação, “o direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto”.

O fim desta ilicitude é, de forma clara e directa uma ocultação da informação dirigida à Administração Fiscal, a qual tem como competência, no âmbito das suas funções, a fiscalização, avaliação e controlo da matéria colectável.

“C…, S.A” e o arguido são titulares de relações jurídico tributárias, pois entre estes e a administração fiscal, por força das actividades económicas desenvolvidas pela sociedade arguida se estabeleceu uma relação que lhes impõe inúmeros deveres, como seja o de declarar efectuar a liquidação do IMT devido pelas aquisições realizadas, logo que caduque o facto que motivou a isenção – artº 11º e 19º, do CIMT.

Com efeito, a isenção de IMT, pela aquisição de prédios para revenda, prevista no artigo 7° do CIMT, está condicionada a que o adquirente exerça normal e habitualmente essa actividade e que os prédios assim adquiridos sejam revendidos, sem que seja novamente para revenda, no prazo de 3 anos, caducando a isenção caso não se verifique essa revenda, no prazo legal, ou logo que se verifique que foi dado um destino diferente aos prédios adquiridos para revenda, em conformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 11°, do CIMT.

E, como resulta dos factos provados (…)

Ou seja, caduco o fundamento que motivou a isenção, o arguido apesar de consciente do dever de auto - liquidar o respectivo imposto, assim não fez, sabendo que com a sua conduta punha em crise a confiança no sistema fiscal e nos documentos que lhe servem de suporte.

Alega aquele que dessa omissão nenhum prejuízo resultou para a administração fiscal, que tinha em seu poder os elementos que permitiam aquela liquidação, como viria a suceder, em obediência ao disposto no artº 36º, do CIMT, com base no quer consta das escrituras publicas comunicadas à administração fiscal, pelo que não se pode falar em ocultação de factos que ponham fora do conhecimento da administração fiscal dados relevantes ao apuramento de imposto devido e, consequentemente, não se mostram preenchidos os elementos objectivos do tipo de ilícito.

Salvo o sempre devido respeito, discordamos da posição assumida pelo arguido.

Com efeito, se é verdade que o tipo abstractamente configurado na norma legal carece de concretização, de factualização, para que seja possível, em concreto, a imputação do crime, não é menos verdade que a mera ocultação de factos ou valores é um dos elementos do crime de fraude fiscal. Ou seja, neste tipo de crime, não importa que a administração fiscal dispusesse ou não de elementos que lhe permitissem a liquidação do imposto devido, uma vez que estamos perante uma situação em que o imposto é auto - liquidável – artº 19º, do CIMT, ou seja, impende sobre o devedor a obrigação de proceder á entrega da pertinente declaração de liquidação, de declarar a verdade fiscal, de efectuar o pagamento por sua iniciativa, de molde a permitir a cobrança atempada das receitas fiscais, não cumprindo, prima facie; à administração fiscal essa liquidação, fiscalização, que poderia nem ocorrer, não fosse, para acautelar situações como a dos autos, a obrigação de terceiros comunicarem á administração fiscal a realização de negócios em relação aos quais é devido o imposto.

Mais se diga que tratando-se, como se trata nos autos, de situação de caducidade da isenção, melhor controlada pelo contribuinte, este encontra-se numa posição privilegiada para saber quando efectuar a liquidação. Não o fazendo, a administração fiscal pode nem sequer detectar em prazo a situação e liquidar o imposto, com o inerente perigo de comprometimento da arrecadação de impostos.

No preceito em apreço, pune-se a omissão de um dever tributário que é imposto sobre o devedor ou quem o representa, de declarar o imposto devido, independentemente do conhecimento pela administração tributária dos elementos necessários àquela liquidação. Dai que a jurisprudência fale em crime de perigo abstracto, ou seja, não se exige a prova de que a conduta do devedor comprometeu a liquidação do imposto, antes que assim poderia suceder.

E, no caso dos autos, dúvidas não temos que aquela omissão, não fora a actividade de ente alheio ao obrigado fiscal, aquela omissão poderia conduzir ao não pagamento do IMT devido.

Assim, mostrando-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do tipo de crime, concluímos que o arguido, com a sua conduta, constituiu-se autor do crime pelo qual vinha acusado.


*

I.2. Recurso do arguido (conclusões que se reproduzem parcialmente).

2.) O Arguido alegou factos concretos na contestação no sentido de que a Administração Fiscal possui sempre todas as informações necessárias para proceder à liquidação do IMT independentemente da solicitação dessa liquidação pelo sujeito passivo e que efectivamente possuía tais informações, como, aliás, seria normal, no que respeita ao caso sub judice, não dependendo de qualquer comunicação do Arguido para esse escopo.

3.) Com efeito, constam da contestação, além do mais, os seguintes factos: “Pelo contrário, a obrigação de solicitar a liquidação do IMT na sequência da caducidade da isenção não tem como objectivo cientificar a Administração Fiscal sobre as aquisições efectuadas e respectivos valores, pois de tais factos sempre aquela teve conhecimento, pelas seguintes vias: - Actualização das inscrições matriciais no que respeita à propriedade dos imóveis pela sociedade arguida, nos termos do disposto no artigo 13.º do CIMI; - Comunicação notarial das escrituras, nos termos do disposto no artigo 49.º do CIMT. Ora, não é susceptível de ocultação aquilo que já é conhecido. O próprio sistema baseia‐se no pressuposto de que a Administração Fiscal não depende da iniciativa do sujeito passivo do imposto para proceder à liquidação oficiosa do IMT, nos termos do disposto nas normas supra citadas. Tal circunstância é ainda mais evidente na situação referente ao imóvel ….., na medida em que no mesmo foi construído um prédio em regime de propriedade horizontal, o que foi comunicado pela sociedade arguida à Administração Fiscal, na sequência do que lhe foi atribuído o novo artigo …...”.

4.) Trata-se de factos relevantes para a decisão da causa e, como tal, integram o objecto do processo, tal como o mesmo é delimitado (cfr. artigo 339.º, n.º 4, do Código de Processo Penal).

5.) Na primeira sentença proferida pelo Tribunal a quo existia uma omissão total relativamente a tais factos, o que deu origem à anulação da mesma, mantendo-se, porém tal vício na segunda sentença, de que ora se recorre, posto que o Tribunal a quo somente de forma muito parcial, fragmentária e selectiva se pronunciou sobre os factos alegados na contestação do Arguido, ora recorrente.

6.) Com efeito, surpreende-se na sentença de que ora se recorre o seguinte facto provado: “2.35. A administração fiscal, por via das actualizações das inscrições matriciais quanto à propriedade dos imóveis da sociedade tinha conhecimento dos factos que motivaram a liquidação de IMT.”.

7.) Tal facto provado, todavia, e como facilmente se percebe no cotejo com a contestação, não passa de um tímido reflexo do que efectivamente ali foi alegado pelo Arguido, ora recorrente.

9.) É substancialmente diferente dar como provado que a Administração Fiscal tinha conhecimento dos factos que motivaram a liquidação de IMT do que dar como provado que aquela sempre teve conhecimento das aquisições efectuadas e respectivos valores, quer por via da actualização das inscrições matriciais, quer por via da comunicação notarial das escrituras, quer, ainda, por via da comunicação feita pela sociedade arguida da construção de um imóvel em regime de propriedade horizontal no imóvel …...

14.) (..) nada, a esse nível, fez constar do segmento dos factos não provados e tampouco da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, pelo que padece a sentença da nulidade cominada no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, que o Arguido aqui suscita, para os devidos efeitos legais.

19.) (…) reconhecendo o Tribunal a quo que tais questões foram alegadas pelo Arguido e pronunciando-se, inclusivamente, sobre elas na fundamentação de direito da sentença, não se compreende a razão pela qual não se pronunciou sobre elas na fundamentação de facto, como se lhe impunha, nos termos do disposto nos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

20.) Como se verá infra, para efeitos do crime pelo qual o Arguido foi condenado, “ocultação” tem que ter o significado de impedir ou obstar ao conhecimento, pelo que é absolutamente necessário para a boa decisão da causa saber se a administração fiscal sempre teve conhecimento das transacções e valores necessários para proceder à liquidação do IMT ou se, pelo contrário, estava, para esse efeito, dependente da solicitação de tal liquidação pela sociedade arguida.

21.) Ainda que se não entenda verificar-se a nulidade cominada no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do código de Processo Penal, estamos, manifestamente, pelo menos, perante o vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do mesmo diploma legal, que o Arguido aqui suscita, para os devidos efeitos legais.

23.) Mas tal situação acaba igualmente por estar relacionada com outro problema da sentença, que se traduz na contradição insanável da fundamentação.

24.) Concatenando os vários segmentos da fundamentação da sentença, verifica-se claramente que, por um lado, o Tribunal a quo baseou toda a fundamentação de facto na ideia de que o Arguido “omitiu” algo da Administração Fiscal, repetindo sistematicamente nos factos provados que o mesmo “omitiu” “valores” “auferidos” ou “lucros obtidos” pela sociedade arguida, assim como as “transacções efectuadas e

respectivos valores”, por mero efeito da não solicitação da liquidação do IMT, e, por outro, que admitiu na fundamentação de direito que a Administração Fiscal tinha conhecimento dos factos relevantes para proceder à respectiva liquidação oficiosa, sem depender da solicitação do Arguido, como se pode verificar pela leitura do segmento da fundamentação de direito supra citado.

25.) Tal contradição torna-se ainda mais evidente na medida em que dos factos provados constantes de 2.19. a 2.23. consta que a sociedade arguida edificou um prédio em regime de propriedade horizontal no imóvel inscrito na matriz predial urbana de … sob o artigo ….. e que tal facto foi formalmente participado à mesma matriz, através do modelo 1 do IMI, dando origem ao novo artigo matricial ……, correspondente a prédio em regime de propriedade horizontal.

26.) É certo que na fundamentação de direito o Tribunal a quo desvalorizou o facto da Administração Fiscal possuir conhecimento dos factos relevantes para a efectiva liquidação do IMT, independentemente da respectiva solicitação pelo Arguido, mas isso significa ignorar que o crime imputado ao Arguido se consubstancia na conduta típica de “ocultar” “factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária”, nos termos do disposto no artigo 103.º, n.º 1, alínea b), do RGIT.

28.) (…) a sentença não poderia basear toda a factualidade provada na ideia de que o Arguido efectivamente ocultou algo da Administração Fiscal e, simultaneamente, admitir na fundamentação de direito que tal ocultação não existiu, considerando-a, enfim, irrelevante no que diz respeito ao preenchimento do tipo objectivo de um ilícito típico que assenta, justamente, na ideia de “ocultação”.

29.) Acresce ainda que, na sequência da anulação da primeira sentença, da sentença de que ora se recorre veio a constar um novo facto provado, que é o seguinte: “2.35. A administração fiscal, por via das actualizações das inscrições matriciais quanto à propriedade dos imóveis da sociedade tinha conhecimento dos factos que motivaram a liquidação de IMT.”

30.) Mesmo não reflectindo tal facto o que efectivamente foi pelo Arguido alegado na sua contestação, conforme supra explanado, parece-nos inequívoco que o mesmo é contraditório com outros factos provados, supra transcritos, cujo significado é o não conhecimento pela Administração Fiscal dos elementos necessários à liquidação do IMT e na ocultação desses elementos pelo Arguido.

31.) O que não pode ocorrer, por encerrar uma manifesta contradição, é a Administração Fiscal não ter conhecimento e ter conhecimento, em simultâneo, bem como lhe ter sido ocultado, mas ter conhecimento, em simultâneo.

32.) Por consequência, incorre a sentença no vício de contradição insanável da fundamentação, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, o que o Arguido suscita, para os devidos efeitos legais.

35.) Da mera leitura da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto pode facilmente concluir-se que a mesma é manifestamente lacunar relativamente às diversas asserções que o Tribunal a quo fez constar dos factos provados.

36.) É possível, desde logo, assinalar na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto dois níveis diferentes de fundamentação, pois, se, por um lado, os meios de prova referentes aos negócios jurídicos, respectivas datas e valores, assim como em relação à liquidação do IMT correspondente a cada um deles, são merecedores de exame concreto, por outro, os demais “factos” provados são totalmente omitidos na motivação em termos de exame concreto.

37.) Encontram-se nesta situação as seguintes asserções: - 2.26., 2.27., 2.28., 2.29., 2.31, 2.32. 2.33. dos factos provados (…)

38.) O primeiro grupo de alusões de natureza conclusiva que constam dos segmentos acima transcritos a que importa fazer referência são de “a sociedade arguida omitiu valores que efectivamente auferiu”, “o arguido enquanto legal representante da sociedade, omitiu ao Fisco as transacções efectuadas e os respectivos valores, impedindo que a Administração Fiscal tivesse conhecimento dos lucros obtidos” e “Ao não entregar a respectiva declaração respeitante à aquisição ocorrida, actuou com o intuito de omitir lucro da sociedade arguida” (2.26., 2.27. e 2.31 dos factos provados).

39.) Ainda se compreenderia a afirmação de que o Arguido “omitiu” as “transacções efectuadas e os respectivos valores”, desde que estivesse inserida na fundamentação de direito, e de acordo com uma noção muito ampla do conceito derivado do verbo “omitir”, uma vez que efectivamente não solicitou a liquidação do IMT (pese embora a Administração Fiscal tivesse conhecimento dos dados necessários para proceder a tal liquidação).

40.) Mas no que concerne à conclusão de que o Arguido “omitiu” “valores auferidos” e “lucros obtidos”, não há esforço de entendimento possível que permita identificar o percurso lógico seguido pelo Tribunal a quo, até porque – cabe sublinhar – tais expressões deveriam corresponder a factos concretos carecedores de outros meios de prova para além de testemunhas.

41.) A expressão “omitiu” tem natureza manifestamente conclusiva, o que significa que não poderia integrar o elenco factual, merecendo outrossim lugar na fundamentação de direito, mediante a integração por factos concretos que tivessem resultado provados ou não provados.

54.) A motivação da sentença não permite perceber de que forma chegou o Tribunal a quo à conclusão de que o Arguido actuou com o objectivo de se “locupletar” dos valores correspondentes ao IMT, quando, por um lado, não existe prova – que tenha sido objecto de exame crítico do Tribunal a quo – de que o Arguido tenha embolsado quaisquer valores, e, por outro, a única conduta que poderia ser ao mesmo assacada é a de não ter solicitado a liquidação do IMT.

55.) Outra conclusão a que o Tribunal a quo incorrectamente inseriu na fundamentação de facto é de que o Arguido se recusa a satisfazer as obrigações fiscais em causa (2.28. dos factos provados, supra transcrito).

56.) A palavra “recusam-se” é uma conclusão que não pode ser retirada simplesmente do facto de não ter sido pago, mas sim de factualidade concreta que não ficou a constar da fundamentação de facto.

63.) De qualquer forma, o IMT não é um imposto de substituição, em que o obrigado tem que transferir para o Estado um determinado valor que lhe foi entregue pelo sujeito passivo da relação jurídico‐tributária, situações que normalmente são tratadas em sede de abuso de confiança fiscal.

64.) Mesmo que se admita que, embora forçadamente, se possa chegar à conclusão – mas não em sede de factos provados, como ocorre na sentença – de que os valores devidos a título de IMT integraram o património da sociedade arguida, é totalmente impossível chegar à conclusão de que tais valores integraram o património do Arguido.

65.) É, pois, impossível entender de que forma o Tribunal a quo chegou a tal conclusão, uma vez que nada vem reflectido na motivação da decisão sobre a matéria de facto a esse propósito.

70.) Acresce que o Arguido foi condenado a título doloso, para o que, igualmente, não foi produzida prova e tampouco se distingue no segmento da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto qualquer menção à apreciação da prova para efeitos da factualidade referente à dimensão subjectiva do crime.

71.) Pelo supra explanado, é manifesto que o Tribunal a quo não procedeu a um exame crítico das provas que permitisse chegar às conclusões ora em apreço, o que conduz, inexoravelmente, a uma evidente situação de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, o que o Arguido aqui suscita, para os devidos efeitos legais.

72.) Em sede de mérito, sem prescindir no que respeita às questões supra suscitadas, não podemos concordar com o entendimento jurídico perfilhado pelo Tribunal a quo, na medida em que a mera não solicitação da liquidação do IMT não preenche o tipo objectivo do crime em causa.

85.) (…) o preenchimento da alínea b) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT exige, porém, uma conduta de efectiva ocultação de factos ou de valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária, o que não se verifica no presente caso.

86.) Para constituir facto típico, a ocultação em causa tem que corresponder a uma acção cujo efeito seja a colocação fora do conhecimento da Administração Fiscal de determinados factos ou valores.

87.) Pelo contrário, a obrigação de solicitar a liquidação do IMT na sequência da caducidade da isenção não tem como objectivo cientificar a Administração Fiscal sobre as aquisições efectuadas e respectivos valores, pois de tais factos sempre aquela teve conhecimento, pelas seguintes vias: - Actualização das inscrições matriciais no que respeita à propriedade dos imóveis pela sociedade arguida, nos termos do disposto no artigo 13.º do CIMI; - Comunicação notarial das escrituras, nos termos do disposto no artigo 49.º do CIMT.

88.) Não é susceptível de ocultação aquilo que já é conhecido, baseando-se o próprio sistema no pressuposto de que a Administração Fiscal não depende da iniciativa do sujeito passivo do imposto para proceder à liquidação oficiosa do IMT, nos termos do disposto nas normas supra citadas.

89.) Tal circunstância é ainda mais evidente na situação referente ao imóvel ….., na medida em que no mesmo foi construído um prédio em regime de propriedade horizontal, o que foi comunicado pela sociedade arguida à Administração Fiscal, na sequência do que lhe foi atribuído o novo artigo …...

90.) Por consequência, se a declaração de solicitação de liquidação do IMT não tem o escopo ou o efeito de dar a conhecer à Administração Fiscal as transmissões, e respectivos valores, sobre as quais incide o imposto, em virtude de aquela já possuir tal conhecimento, a omissão de apresentação de tal declaração não é subsumível na alínea b) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT.

91.) Os factos pelos quais o Arguido foi condenado são, na realidade, puníveis como contra-ordenação, e não como crime, nos termos do disposto no artigo 114.º, n.ºs 1, 2 e 5, alínea c), do RGIT.

95.) Nem todas as omissões referentes a obrigações perante a Administração Fiscal são tipificadas como crime, como se tem vindo a explanar, impedindo o princípio da legalidade consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, previsto no artigo 1.º, n.º 1, do Código Penal, que se considere como ocultação algo que efectivamente o não é, sendo igualmente certo que o n.º 3 do mesmo artigo 1.º proíbe expressamente o recurso à analogia.

96.) Por consequência, padece de inconstitucionalidade material o artigo 103.º, n.º 1, do RGIT, por violação do artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, na interpretação segundo a qual pode subsumir‐se no elemento típico objectivo de ocultação a mera omissão de não solicitação de liquidação do IMT, ainda que a administração fiscal tenha conhecimento e esteja na posse de todos os elementos necessários para proceder à liquidação do imposto.

97.) Padece a mesma norma de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da intervenção mínima, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, na interpretação segundo a qual a mera omissão de solicitação da liquidação do IMT pode ser considerada como ocultação de factos, apesar dos mesmos serem do conhecimento da administração tributária, para efeitos de preenchimento do ilícito típico previsto naquela norma.

(…)

II.3. Do erro de julgamento relativamente à decisão sobre a matéria de direito.

Reside, neste segmento recursivo, a verdadeira discordância do recorrente e com toda a razão, nos termos infra expostos.

O imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) incide, objectivamente, sobre as transmissões, a titulo oneroso, do direito de propriedade sobre imóveis situados no território nacional e, subjectivamente, sobre o adquirente, constituindo-se no momento em que ocorrer a transmissão (artigos 1º, nº1, 2º, nº1, 4º e 5º, nº2, do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis aprovado pelo Decreto-Lei nº287/2003, de 12 de Novembro e doravante designado por CIMT).

A sua liquidação, porque precede o acto ou facto translativo dos imóveis e condiciona a sua celebração e/ou o seu registo predial (artigos 48º, 49º e 50º do CIMT), é de iniciativa do interessado (artigo 19º, nº1, do CIMT).

São isentas de IMT as transmissões objectivamente previstas que sejam destinadas para revenda e subjectivamente efectuadas por sociedade comercial ou pessoa singular cuja actividade normal e habitual tenha por objecto a compra de prédios para revenda, certificada pelos serviços de finanças (artigo 7º, nºs 1, 2 e 3 do CIMT), isenção reconhecida a requerimento do comprador junto dos serviços competentes para a decisão antes da liquidação que seria de efectuar não fosse tal isenção (artigo 10º, nº1, do CIMT).

A isenção caduca, fica sem efeito, logo que se verifique que:

1. aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente;

2. os mesmos não foram revendidos dentro de prazo de três anos ou;

3. os mesmos foram revendidos para nova revenda (artigo 11º, nº5, do CIMT).

Neste caso, deve o sujeito passivo solicitar, no prazo de 30 dias, a respectiva liquidação (artigo 34º, nº1, do CIMT). Se a mesma não for pedida, as finanças promovem a sua liquidação oficiosa e notificam o sujeito passivo para pagar no prazo de 30 dias, sem prejuízo dos juros compensatórios e da sanção que ao caso couber, seguindo-se a competente execução fiscal no caso de não cumprimento daquela obrigação.

O tipo legal objectivo da fraude fiscal consiste na ocultação de factos (ou valores não declarados) que devam ser revelados à administração tributária e que vise a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias (artigo 103º, nº1, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei nº15/2001, de 05 de Junho).

Este tipo legal de ilícito, de perigo (em relação ao bem jurídico protegido – o património do Estado na sua componente tributária) e de mera actividade (em relação à conduta), reconduz-se a um crime de perigo abstracto concreto (ou crime de aptidão – Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, UCE, 2018, pág.225 – ou de resultado cortado – Jakobs, citado por Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, O crime fiscal no novo direito penal tributário português, RPCC, ano 6º, fasc.1º, pág.78).

Os últimos autores citados referem que, no que respeita ao tipo objectivo, será apenas necessário o atentado à verdade ou transparência corporizada nas diferentes modalidades de falsificação previstas e que existe consumação ainda que nenhum dano/enriquecimento indevido venha a ter lugar (ob. cit., pág.91).

A sociedade comercial representada pelo recorrente adquiriu, para declaradamente revender no âmbito da sua actividade comercial certificada pela administração fiscal, quatro imóveis (tendo beneficiado da isenção do IMT), e não procedeu à revenda dos mesmos no prazo de três anos contado das respectivas aquisições, facto que decorre inexoravelmente do decurso do tempo e que opera por mero efeito da lei.

A administração tributária tem conhecimento:

- das isenções (as escrituras públicas foram-lhe comunicadas);

- da certificação da actividade da sociedade comercial adquirente (que emitiu) que lhe permitiu obter o reconhecimento das isenções nos negócios jurídicos de aquisição dos imóveis;

- do percurso do registo predial dos direitos inscritos relativamente aos imóveis (relativamente aos quais tem acesso directo) e, principalmente;

- das inscrições matriciais dos imóveis (de que é editora e gestora).

A ausência de solicitação da liquidação do IMT (no caso de caducidade da sua isenção pelo decurso do prazo para revenda) por parte do sujeito passivo representa uma omissão, seguramente, mas versará sobre uma declaração de factos (não ter revendido o imóvel nos três anos subsequentes ao reconhecimento da isenção) que o sujeito passivo tem obrigação de revelar à administração fiscal?

A resposta terá de ser negativa.

Não existe qualquer dever legal de informar a administração fiscal do decurso do prazo de três anos sem revenda dos imóveis (entendido como facto) mas, tão só, por força da caducidade da isenção do IMT, solicitar a sua liquidação no prazo de 30 dias contado do termo do referido prazo (dito de forma mais clara, o imposto surge na esfera patrimonial do sujeito passivo no primeiro dia após o decurso do prazo de três anos, entendido como razoável para a celebração do acto de revenda por parte de quem, profissional, habitual e normalmente desenvolve tal actividade, reconhecida pela administração fiscal em todos e cada um dos negócios jurídicos de aquisição dos imóveis).

Não se deve obnubilar a existência das chamadas obrigações acessórias do sujeito passivo que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações e prestação de informações (cfr. artigo 31º, nº 1, da Lei Geral Tributária, aprovada pela Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro).

Tal obrigação adquire contornos de dever legal de informação quando os factos que a administração fiscal desconhece se localizam na esfera do conhecimento ou ciência privativa do sujeito passivo (no caso das pessoas colectivas, sem natureza biopsicológica, dos seus representantes) e os mesmos são insusceptíveis de serem objecto de conhecimento pela administração fiscal (por mero exemplo, veja-se a desnecessidade de cumprimento do dever de o sujeito passivo declarar alterações, para efeitos de tributação do IVA, de qualquer dos elementos constantes da declaração de início de actividade quando as alterações resultem de factos sujeitos registo na conservatória do registo comercial e a entidades inscritas no ficheiro central de pessoas colectivas não submetidas a registo comercial- artigo 32º, nºs 1 e 2, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado aprovado pelo Decreto-Lei nº 102/2008, de 20 de Junho)

Tal dever legal, onde a ocultação de informação é susceptível de preencher o tipo objectivo do crime de fraude fiscal, encontra-se disperso por várias normas, adquirindo uma particular acuidade, pela similitude significativa no âmbito do destinatário normal e comum da norma jurídica, entre a isenção fiscal e o benefício fiscal. Tal dever é estabelecido em sede de benefícios fiscais, relativamente aos factos que possam fazer cessar a situação em que o benefício se baseava e que a administração tributária não conheça – artigo 9º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 215/89, de 01 de Julho).

A omissão verificada traduz um pura situação de incumprimento de uma obrigação tributária (o sujeito passivo e a administração fiscal sabem que após o decurso do prazo de três anos [facto futuro] o primeiro, se não proceder à revenda do imóvel [facto incerto] vê surgir a obrigação tributária na sua relação tributária por força da caducidade da sua isenção) e deve ser tratada como tal, não configurando qualquer tipo legal de crime por ausência, desde logo, dos seus elementos do tipo objectivo.

Em conclusão, de natureza sintética: o sujeito passivo que obteve a isenção do pagamento de IMT (relativamente à aquisição de imóveis para revenda) que caduca por efeito do decurso do prazo de três anos não tem qualquer dever legal especial de informar a administração fiscal do decurso de tal prazo e da caducidade (ope legis) da sua isenção mas, apenas, de solicitar a sua liquidação no prazo de 30 dias contado do termo do referido prazo, não significando o seu silêncio (a ausência de solicitação da liquidação) qualquer ocultação de factos que devam ser revelados à administração tributária e, nesse sentido, não preenchendo tal comportamento o tipo objectivo do crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103º, nº 1, alínea b), do RGIT.

Nestes termos será a sentença revogada e o arguido absolvido do crime cuja prática lhe era imputada.


*


III. Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, absolvendo o recorrente B… da prática do crime pelo qual foi pronunciado.”



III

Fundamentação

A

Questões Processuais Prévias



1. Não se vislumbram quaisquer motivos que impeçam o conhecimento do recurso por este Supremo Tribunal de Justiça.

O acórdão recorrido foi notificado ao Ministério Público por termo, em 16.09.2019, e aos demais sujeitos processuais, por via eletrónica, no dia 13-09-2019. O ora recorrente recorreu então para o Tribunal Constitucional, recurso que não foi admitido por despacho proferido no dia 06-11-2019, notificado eletronicamemte ao recorrente e ao MP, em 08-11-2019. Inconformado, o recorrente reclamou para o TC, em 16-11-2020, sendo, por acórdão deste alto Tribunal, de 16/01/2020, indeferida a reclamação. Decisão que notificada aos sujeitos processuais, por carta registada, remetida no dia 17.01.2020 e ao MP, por termo lavrado nos autos, nesse mesmo dia, pelo que o acórdão transitou em julgado no dia 30 de Janeiro de 2020.

Considerando o prazo para o recurso de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão - artigo 438, n.º 1, do CPP - e tendo sido ele interposto em 24-02-2020, conclui-se que é tempestivo.

Assim sendo, os pressupostos formais da admissão do recurso, designadamente a legitimidade e a tempestividade, encontram-se verificados, de acordo com os arts. 437, n.º 5 e 438, n.º 1, do CPP.

É certo que o Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto não foi, por lapso, notificado do requerimento de interposição de recurso. Porém, a omissão de tal ato processual consubstancia simples irregularidade, prevista no artigo 123, n º 1, do Código do Processo Penal. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto considerou (afigura-se-nos que bem) que, por razões de economia e celeridade processuais, não ser de arguir a mesma. E também não se crê que se deva agora dar-lhe relevância.

2. É consensual que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certas questões legalmente determinadas – arts. 379, n.º 2 e 410, n.º 2 e 3 do CPP – é pelas Conclusões apresentadas em recurso que se recorta ou delimita o âmbito ou objeto do mesmo (cf., v.g., art. 412, n.º 1, CPP; v. BMJ 473, p. 316; jurisprudência do STJ apud Ac. RC de 21/1/2009, Proc. 45/05.4TAFIG.C2, Relator: Conselheiro Gabriel Catarino; Acs. STJ de 25/3/2009, Proc. 09P0486, Relator: Conselheiro Fernando Fróis; de 23/11/2010, Proc. 93/10.2TCPRT.S1, Relator: Conselheiro Raul Borges; de 28/4/2016, Proc. 252/14.9JACBR., Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos).

3. O que está em questão, substancialmente, é saber se se a omissão de solicitação da liquidação do IMT constitui «ocultação de factos ou valores» para efeitos do preenchimento do tipo objetivo do crime de fraude do artigo 103, n º 1, alínea b), da Lei n º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT). E se os dois acórdãos em apreço sobre essa questão dissentem.



B

Do Direito em Geral


1. Importa, antes de mais, ter presente o sistema normativo em que se enquadra a presente questão.

Dispõe o art. 437, n.º 1, do CPP, sobre o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que

Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.”.

Mais prevê o n.º 2 do mesmo preceito legal que

É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça”.

E de acordo com o n.º 3 do mesmo normativo, se entende que

“Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida.”, sendo que, nos termos do n.º 4

Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado”.

De acordo com o n.º 5 do mesmo preceito legal, têm legitimidade para interpor este recurso extraordinário, o arguido, o assistente e as partes civis, sendo o mesmo obrigatório para o Ministério Público.

Para além disso, estabelece o art. 438.º, do CPP, no seu n.º 1, que

O recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em primeiro lugar”,

mais prevendo, no seu n.º 2, que

No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.”.


2. Neste contexto legal, a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da existência de determinados pressupostos formais e substanciais. Para usar as palavras do Acórdão deste STJ, de 13-02-2013, proferido no processo n.º 561/08.6PCOER-A.L1.S1

 “entre os requisitos de ordem formal contam-se: legitimidade do recorrente, que é restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis; interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis; não ser admissível recurso ordinário; interposição no prazo de 30 dias a partir do trânsito da decisão proferida em último lugar; identificação do acórdão que está em oposição com o recorrido, não podendo ser invocado mais do que um acórdão; trânsito em julgado de ambas as decisões. São requisitos de ordem substancial: existência de oposição entre dois acórdãos do STJ, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão de uma Relação e um do STJ; a oposição referir-se à própria decisão e não aos fundamentos; identidade fundamental da matéria de facto”.

3. Donde se poderá concluir que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação dos seguintes requisitos formais e substanciais (arts. 437 e 438, n.ºs 1 e 2, do CPP).

Brevitatis causa, de entre vária jurisprudência, atente-se na síntese do Sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 27/01/2010, proferido no Proc.º n.º 6463/07.6TDLSB.L1-A.S1:

“I - A oposição relevante de acórdãos só se verifica quando, nos acórdãos em confronto, existam soluções de direito antagónicas e, não apenas, contraposição de fundamentos ou de afirmações, soluções de direito expressas e não implícitas, soluções jurídicas tomadas a título principal e não secundário.

II - As soluções jurídicas opostas devem reportar-se a uma mesma questão fundamental de direito, no quadro da mesma legislação aplicável e de uma mesma identidade de situações de facto.

III - A justificação da oposição de julgados, enquanto pressuposto do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, constitui um ónus do recorrente e corresponde à explicitação por ele, da causa de pedir quanto à fixação pretendida: por essa via, o recorrente indica as razões em que funda a alegada oposição de julgados, mencionando claramente a questão jurídica controversa.

IV - Têm-se por verificados os pressupostos de interposição do aludido recurso, se acórdãos fundamento e recorrido foram proferidos no âmbito da mesma legislação, ambos se referem à mesma norma, aludem a uma situação de facto idêntica e concluem diferentemente relativamente à questão de direito, ocorrendo manifesta oposição de julgados.”


Sintetizando:

3.1. São requisitos de ordem formal:

1. a legitimidade do recorrente (sendo esta restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis); e interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis (já que tal recurso é obrigatório para o MP);

2. a identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição, e, se este estiver publicado, o lugar da publicação; com justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência;

3. O trânsito em julgado de ambas as decisões;

4. a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito da decisão proferida em último lugar;

3.2. São requisitos de ordem substancial:

1. existência de oposição entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão da Relação e um do Supremo Tribunal de Justiça;

2. verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões;

3. oposição referida à própria decisão e não aos fundamentos (as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções opostas para a mesma questão fundamental de direito);

4. as decisões em oposição sejam expressas;

5. identidade de situações de facto.


4. Especificamente no que concerne aos requisitos substanciais, para que se verifique a oposição de julgados, é necessária a existência de decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, proferidas no domínio da mesma legislação, e bem assim que estas decisões se apresentem como julgados expressos e não meramente implícitos.

Ou seja, a exigência de oposição de julgados é de considerar-se preenchida quando, nos acórdãos em confronto, manifestamente e de modo expresso (e não apenas tacitamente), sobre a mesma questão fundamental de direito, se acolham soluções opostas, no domínio da mesma legislação.

Neste sentido, poder-se-á ver, inter alia, o Acórdão do STJ de 27-04-2017, Proc. n.º 1/17.0YFLSB.S1-A – 5.ª Secção:

“II - Para definir a oposição de julgados exige-se que, além de antagónicas, as asserções de direito tenham que ser expressas, pois o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência só se justifica em casos absolutamente nítidos de contradição entre tribunais superiores sobre determinada questão jurídica, devidamente fundamentada em qualquer deles. III - Os dois acórdãos têm de assentar em soluções opostas, a oposição deve ser expressa e não tácita, ou seja, tem de haver uma tomada de posição explícita e divergente quanto à mesma questão de direito.” .

5. A estes requisitos de ordem substancial, a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça aditou a necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito. Ou seja, impõe-se que as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as situações.

Quer isto dizer que a mesma norma ou segmento normativo tem de ser aplicada(o) com sentidos opostos a situações fácticas “iguais” ou, pelo menos, equivalentes. Mesmo que a diferença factual de ambos os processos, a do Acórdão recorrido e a do Acórdão fundamento, seja inelutável, por dizer respeito a acontecimentos históricos diversos, terá de se tratar de diferenças factuais inócuas que nada interfiram com a feição jurídica do caso – terá de haver, por assim dizer, uma homologia substancial, para além dos epifenómenos, dos pormenores, dos detalhes, que naturalmente sempre mudam, de caso para caso. Se assim não fosse, não poderia nunca aplicar-se este requisito, pela diversidade normal e evidente das coisas humanas e sociais.

Veja-se quanto a esta matéria, v.g., o Acórdão do STJ de 27-06-2019, Proc. n.º 4/18.7GBSBG.C1-A - 5.ª Secção, que refere expressamente a “identidade substancial” como mínimo relevante:

IV - Para além dos requisitos formais, o recurso de fixação de jurisprudência terá que cumprir requisitos substanciais que se traduzem numa oposição expressa, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão de direito, tendo subjacente uma identidade de situações de facto ou pelo menos uma identidade substancial, de tal forma que em ambos os casos se exigisse uma mesma solução de direito” .

Compreende-se que assim seja, com as cautelas hermenêuticas aduzidas, já que a falta de identidade dos factos poderia explicar a prolação de soluções jurídicas díspares: apenas sobre a mesma situação de facto se pode verificar se existe ou não oposição de soluções de direito, isto é, apenas perante identidade (ou pelo menos profunda homologia) de pressupostos de facto se pode avaliar da existência/inexistência de oposição de soluções de direito. Sendo a identidade absoluta difícil de encontrar, excecionam-se, naturalmente, os casos em que as diferenças factuais são inócuas e, por isso, em nada interferem com a feição ou aspeto jurídico do caso.


6. Naturalmente, de acordo com o art. 441, n.º 1, do CPP, se ocorrer motivo de inadmissibilidade ou o tribunal concluir pela não oposição de julgados, o recurso é rejeitado; se concluir pela oposição, o recurso prossegue.



C

Factos e Direito no Caso



1. O problema que se põe na oposição que deve verificar-se entre Acórdãos para a consideração da ocorrência da necessidade de fixação de jurisprudência não é meramente uma questão de Direito, mas começa, precisamente, nos factos.

Como já foi reconhecido por este Supremo Tribunal de Justiça, v.g. no Acórdão STJ 206/16.0T9FND.C1-A.S1, de 24/06/2020:

“A identidade das situações de facto subjacente aos dois acórdãos em conflito é que permitiria estabelecer uma comparação que venha a concluir que, quanto à mesma questão de direito, existem soluções opostas e a necessidade de a questão decidida em termos contraditórios ser objeto de decisão expressa (as soluções em oposição têm de ser expressamente proferidas).” (Sumário, VI).

Importa pois, cotejar a factualidade em causa em cada um dos Acórdãos em confronto. E depois apreciar se as soluções jurídicas respetivas serão antinómicas ou não. Como é óbvio, não se podem considerar contraditórias, neste contexto, soluções sobre questões de facto diversas. Antes mesmo, pois, de as analisar de iure, há que aquilatar das situações de facto.

Como claramente se expressa no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19-04-2017, Proc. n.º 168/13.6TACTX.L1-A.S1:

"A oposição de julgados, como pressuposto do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, implica que os acórdãos em confronto - recorrido e fundamento – se hajam debruçado e pronunciado sobre a mesma questão de direito, com consagração de soluções divergentes, perante situações ou casos idênticos, devendo a oposição reflectir-se expressamente nas decisões, razão pela qual só ocorre oposição relevante quando se verifiquem decisões antagónicas e não apenas mera contraposição de fundamentos ou de afirmações.

II - Só se pode considerar ocorrer identidade de situações ou casos quando a matéria de facto (os factos dados por provados na decisão proferida sobre a matéria de facto) é coincidente.

III - Não sendo a matéria de facto igual ou equivalente não se poderá concluir que a divergência do resultado decisório resulta de diferente interpretação e aplicação da mesma norma jurídica, ou seja, que se verifica oposição em termos de direito." (sublinhado nosso).


5. Não é, evidentemente, esta a sede para desenvolver teorização sobre os factos por que o recorrente foi condenado (nem o seu enquadramento criminal), mas estritamente de a essa matéria ter presente, em pano de fundo, apenas no que possa interessar ao quid sub judice: ou seja, aquilatar se se encontram preenchidos ou não, no caso, os requisitos para a admissão no Supremo Tribunal de Justiça deste recurso para fixação de jurisprudência.


6. Uma comparação a empreender tem de verificar a homologia de situações e crimes, com soluções jurídicas contudo diversas.


7. Uma vez elencados os traços gerais sobre a admissibilidade do recurso para fixação de jurisprudência, analisemos o caso em apreço.


8. Note-se, antes de mais, numa primeira análise macroscópica, a diferente abordagem dos Acórdãos em apreço:

Diz o Sumário do Acórdão fundamento:

“I - O tipo legal objetivo da fraude fiscal consiste na ocultação de factos (ou valores não declarados) que devam ser revelados à administração tributária e que vise a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias (artigo 103º, nº 1, b), do Regime Geral das Infrações Tributárias aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de junho).

II - O sujeito passivo que obteve a isenção de IMT (relativamente à aquisição de imóveis para revenda) que caduca por efeito do decurso do prazo de três anos não tem qualquer dever legal especial de informar a administração fiscal do decurso de tal prazo e da caducidade (ope legis) da sua isenção, mas, apenas, de solicitar a sua liquidação no prazo de 30 dias contado do termo do referido prazo, não significando o seu silêncio (a ausência da solicitação da liquidação) qualquer ocultação de factos que devam ser revelados à administração tributária e, nesse sentido, não preenchendo tal comportamento o tipo objetivo do crime de fraude fiscal, previsto e punível pelo artigo 103º, nº 1, b), do R.G.I.T.”

Por seu turno, assim reza, a certo passo, o Acórdão recorrido:

“O crime em causa pode ser cometido por acção ou por omissão, tal como referido na decisão recorrida: "desde que a falta de apresentação de declarações que devam ser prestadas ou apresentadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável, se consubstancie na ocultação de factos ou valores que delas devem constar", o crime mostrar-se-à praticado. "Ponto é que o agente queira a ocultação dos factos ou valores com a falta de apresentação da declaração com vista ao não pagamento total do imposto".

No caso, "não obstante a caducidade da isenção, por via de o prédio ter sido adquirido para revenda, mas ter-lhe sido dado destino de construção, não foi solicitada a liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, o que levou a que não fosse liquidado o tributo devido por aquela aquisição no valor de € 53.950, por via do que a sociedade não pagou o IMT devido nesse valor total, alcançando assim vantagem patrimonial a que não tinha direito".

Daqui resulta a ocultação de facto – o terem dado destino diverso ao terreno adquirido para a revenda –, por omissão, que deveria ter sido declarado à Administração Tributária.

Em conclusão, mostra-se preenchido o tipo em causa.”


9. Dos passos anteriormente transcritos e demais conteúdo dos Acórdãos em cotejo se pode com evidência aquilatar que há uma situação, fática e jurídica, que versa sobre o mesmo tipo de realidade e o mesmo tipo de questão-de-direito.

No que concerne a situação de facto, ela é, com efeito, muito idêntica:

Em ambos os casos, o arguido era sócio-gerente de uma sociedade anónima “que se dedicava à construção de prédios para venda; compra e venda de imóveis; compra, venda e revenda dos adquiridos para esse fim; arrendamento e trespasse de imóveis de e para a sociedade; constituição e comercialização de loteamentos”.

Em representação dessa sociedade, o arguido deu destino diverso a um imóvel adquirido, anteriormente para revenda (com a consequente isenção de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis), nele construindo imóveis, não declarando o novo destino dado ao prédio e não pagando o IMT devido, por ter ocorrido a caducidade da isenção da qual tinha beneficiado aquando da aquisição do prédio, assim como não solicitando, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desde essa data, a liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.

Agindo assim, causaram uma diminuição no montante devido em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, consequentemente obtendo vantagem patrimonial para as sociedades de que eram (respetivamente) gerentes administradores. Sabiam bem não ter direito a esses ganhos.

Esta a situação de facto, muito idêntica.

Com a sua conduta, os arguidos em um e outro dos processos praticaram o crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103 n.º 1 al. b), do RGIT? Essa questão teve que ser em ambos os casos ponderada. E assim há identidade ou homologia de situações de direito.

Porém, diferente foi o resultado da ponderação de jure.

O acórdão recorrido, aplicando o artigo 103 n.º 1, al. b), do RGIT considerou que os arguidos com a sua conduta preencheram os elementos objetivo e subjetivo do crime referido, uma vez que: tendo ocorrido a caducidade da isenção, dado que o prédio foi adquirido para revenda, e foi destinado à construção, o arguido não solicitou a liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, o que levou a que não fosse liquidado o tributo devido por aquela aquisição no valor de € 53.950, por via do que a sociedade não pagou o IMT devido nesse valor total, obtendo assim uma vantagem patrimonial a que não tinha direito.

Relevando, portanto, a ocultação de facto – o terem dado destino diverso ao terreno adquirido para a revenda – por omissão, que deveria ter sido declarado à Administração Tributária. Em conclusão, para este Acórdão mostra-se preenchido o tipo em causa.

Pelo contrário, o acórdão fundamento, decidiu, com dados semelhantes, de facto e de direito, mas diversamente: aplicando a mesma norma legal, e em similar enquadramento factual, considerou que o sujeito passivo que obteve a isenção do pagamento de IMT (relativamente à aquisição de imóveis para revenda), que caduca por efeito do decurso do prazo de três anos, não tem qualquer dever legal especial de informar a administração fiscal do decurso de tal prazo e da caducidade (ope legis) da sua isenção.

A si incumbiria, somente, solicitar a sua liquidação no prazo de 30 dias contado do termo do referido prazo. E não significando o seu silêncio (a ausência de solicitação da liquidação) qualquer ocultação de factos que devam ser revelados à administração tributária. Donde resulta que, não preencheria tal comportamento o tipo objetivo do crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103, n.º 1, alínea b), do RGIT.


10. Em conclusão: os acórdãos recorrido e fundamento foram proferidos no domínio da mesma norma – o artigo 103, n.º 1, alínea b), do RGIT, e, contudo, resultaram em soluções hermenêuticas não apenas diferentes, mas mesmo antagónicas. Sendo, em nome da unidade do direito, a sua certeza e segurança, necessário dar por verificada a oposição de julgados em relação à questão de direito em causa, e assim se deverá determinar o prosseguimento do processo – artigo 441, n.º 1, do Código de Processo Penal in fine.



IV

Dispositivo



Nestes termos, acorda-se em conferência, na 3.ª Secção (Criminal) do Supremo Tribunal de Justiça, dada a oposição dos julgados, em dar provimento ao recurso. Cumprido o determinado no art. 440 do CPP, mutatis mutandis, determina-se que o recurso prossiga, nos termos do art. 441, n.º 1, 2.ª parte, do mesmo diploma legal.


Sem custas.


Supremo Tribunal de Justiça, 5 de maio de 2021


Ao abrigo do disposto no artigo 15.º-A da Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, o relator atesta o voto de conformidade da Ex.ma Senhora Juíza Conselheira Adjunta, Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida.


Dr. Paulo Ferreira da Cunha (Relator)

Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)