Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
486/07.2TTSTS.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
Data do Acordão: 01/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário : I - No âmbito da LAT a responsabilidade agravada tipificada no art. 18.º, n.º 1 está dependente da alegação e prova, de um comportamento culposo da entidade empregadora ou seu representante, ou a violação das regras de segurança e o nexo de causalidade entre a violação e o acidente.

II - O estabelecimento do nexo de causalidade, juridicamente relevante para o efeito da imputação de responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito (acção ou omissão) praticado pelo agente tenha actuado como condição da verificação de certo dano, apresentando-se este como consequência normal, típica ou provável daquele.

III - Não se retirando da matéria de facto apurada nos autos que o acidente tenha resultado da falta de observação das regras de segurança no trabalho, não se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade agravada da empregadora.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                               I –

1.

AA, residente em Nine, Vila Nova de Famalicão, e BB, com aquela residente, representadas pelo Ministério Público, intentaram a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra “Trabalhos de Engenharia Civil – CC & Cª Ld.ª”, com sede na Rua …, … e “DD Seguros S.A.”, com sede na Avenida de …., nº …, Porto, peticionando:

A) A título principal, contra a 1ª R.:

a) - uma pensão anual, a atribuir à A. viúva, com início reportado a 23/09/2007, no valor de 6.852,60 euros, actualizável, com reporte, sucessivamente às datas de 01/01/2008 e 01/01/2009;

b) - uma pensão anual, a atribuir à A. filha, com início reportado a 23/09/2007, no valor de 6.852,60 euros, actualizável, com reporte, sucessivamente às datas de 01/01/2008 e 01/01/2009;

c) - subsídio por morte, no valor de 4.836,00 euros, sendo ½ a atribuir a cada uma das AA.;

d) - a título de reparação por despesas de funeral, suportadas pela A. Maria, a quantia de 3.224,00 euros;

e) - a título de despesas em transportes para comparência a actos judiciais, a quantia de 20,00 euros;

f) - juros de mora sobre as respectivas quantias, desde a data do vencimento.

B) A título subsidiário, contra a 2ª R.:

a) - uma pensão anual, a atribuir à A. viúva, com início reportado a 23/09/2007, no valor de 2.055,78 euros, actualizável, com reporte, sucessivamente às datas de 01/01/2008 e 01/01/2009;

b) - uma pensão anual, a atribuir à A. filha, , com início reportado a 23/09/2007, no valor de 1.370,52 euros, actualizável, com reporte, sucessivamente às datas de 01/01/2008 e 01/01/2009;

c) - subsídio por morte, no valor de 4.836,00 euros, sendo ½ a atribuir a cada uma das AA.;

d) - a título de reparação por despesas de funeral suportadas pela A. Maria, a quantia de 3.224,00 euros;

e) - a título de despesas em transportes para comparência a actos judiciais, a quantia de 20,00 euros.

f) - juros de mora sobre as respectivas quantias, desde a data do vencimento.

Para o caso de se entender que o acidente não se verificou devido a falta de observância das regras de segurança por parte da 1ª R., pedem as AA. a condenação apenas da 2ª R. a pagar todas as quantias acima referidas em B).

Alegaram para o efeito, em resumo útil, que o seu marido e pai foi vítima de um acidente de trabalho mortal, tendo o mesmo sido causado porque a entidade patronal não cumpriu as prescrições mínimas de segurança para realização de trabalhos de construção civil junto de uma linha aérea de média tensão.

2.

O Instituto de Segurança Social veio deduzir pedido de reembolso, peticionando o pagamento da quantia de € 3.843,77 relativa a pensões de sobrevivência pagas às AA., afirmando que as mesmas continuarão a ser pagas.

3.

Contestou a 1.ª R. recusando qualquer responsabilidade pela verificação do acidente, pois que os trabalhadores da R., incluindo o sinistrado, se encontravam a trabalhar no local, a mais de 4 metros de distância da linha de electricidade, não tendo sido violadas quaisquer das normas legais invocadas. Mais excepcionou a caducidade do direito de intentar esta acção.

Contestou a 2.ª R. defendendo a responsabilidade da 1.ª R. na verificação do acidente, e alegando que o mesmo só aconteceu porque aquela violou normas legais que impõem restrições à execução de trabalhos juntos das linhas de tensão de electricidade.

A 1.ª R. contestou ainda o pedido de reembolso formulado pelo ISS, alegando inexistir qualquer fundamento legal para o mesmo e respondeu à matéria da contestação da 2.ª R., reafirmando os factos alegados na sua contestação.

4.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de caducidade do direito de acção, seleccionando-se a matéria de facto assente e a controvertida.

Discutida a causa – no decurso da qual o ISS veio ampliar o pedido formulado, alegando ter procedido ao pagamento da quantia de €6.595,71, no período de 06/2008 a 10/2010, nos termos que constam de fls. 521, o que não mereceu oposição e foi deferido – o Tribunal respondeu à base instrutória e proferiu sentença, julgando a causa parcialmente procedente e condenando as RR. em conformidade, tudo como consta do dispositivo a fls. 550-552.

5.

Inconformada, a co-R. patronal interpôs recurso de Apelação, mas o Tribunal da Relação do Porto não lhe concedeu provimento, antes confirmando, por unanimidade, a sentença recorrida.

É desse Acórdão que, ainda irresignada, a co-R. empregadora traz a presente Revista, cuja motivação remata com a formulação das seguintes conclusões:

A) O Tribunal "a quo" efectuou uma errónea e infundamentada aplicação do art. 349.º do Cód. Civil quando se serviu de uma presunção judicial para dar como provado os itens 7 e 8 da Base Instrutória (itens O e P dos Factos Provados, a morte do sinistrado por electrocussão, por contacto deste ou do equipamento que manuseasse com a linha de média tensão), sem sequer apurar se o mesmo seria possível, tendo em conta a altura dessa mesma linha.             

B) Com efeito, tal ilação só faria sentido se se provasse que a mesma se encontrava acessível em altura a um eventual contacto por parte do sinistrado ou da escada que manuseava, ou seja seria necessário determinar a concreta altura dos fios condutores e não apenas que a sua altura é superior a 7 metros.

C) E não se diga, como fez o douto acórdão recorrido, que os fios se situavam a menos de 12 metros, pois não só tal facto não resulta dos Factos Provados, como são meras suposições tecidas pela Mm.ª Sr.ª Juíza da 1.ª Instância aquando da inspecção ao local, sem qualquer suporte científico ou técnico: Tal resulta de uma percepção a olho nu, num local de reconhecido difícil acesso e pouca visibilidade e cuja constatação nem sequer ficou plasmada na respectiva acta de inspecção ao local (pelo que a Ré patronal foi surpreendida pela mesma, na sentença, sem ter tido qualquer hipótese de reagir), pelo que a mesma tem de ser encarada com extrema cautela, sob pena de estarmos a retirar conclusões injustas e precipitadas com consequências gravíssimas no futuro e sobrevivência da Ré, entidade patronal.

Não nos podemos esquecer que, apesar da diligência de inspecção ao local, não foram tiradas quaisquer medições, com especial relevância para a altura da linha de média tensão.

D) Tanto mais que da restante prova produzida em audiência de julgamento (cfr. fotografias de fls. 47, principalmente fotografia 1, ponto G, GG e HH dos Factos Provados e depoimentos das testemunhas EE e FF) indicia precisamente que a linha de média tensão em causa se encontrava a uma altura inacessível para o trabalhador em causa.

E) Assim, resulta evidente que os itens 7 e 8 da Base Instrutória foram incorrectamente julgados, pois desconhecendo-se a altura concreta das linhas em questão, não se pode recorrer às presunções judiciais para os considerar provados, pelo que a resposta a estes quesitos deve ser alterada para "Não Provado";    

F) Por outro lado, o douto acórdão recorrido efectuou ainda uma errónea e infundamentada aplicação dos arts. 490.º/2 e 712º do Cód. Processo Civil, pois o item 12.º da Base instrutória foi expressamente aceite por todas as partes (Autores, Ré Seguradora, Ré entidade patronal e interveniente acidental), não estando, ao contrário do que refere o douto Acórdão recorrido, em contradição com a defesa da Ré seguradora no seu conjunto.

G) Com efeito, esse item 12.º da Base Instrutória deve ser considerado provado por acordo, tendo em conta as próprias declarações/confissões prestadas por todas as partes (Autora, Ré Seguradora, Ré patronal e interveniente Segurança Social) nos seus articulados (cfr. art. 11.º, alínea k) da p.i.; art. 3.º da Contestação da Ré seguradora; art. 21.º da Contestação da Ré patronal, art. 1.º do articulado da interveniente Segurança Social).

H) No entanto, sobre esta matéria, o douto Tribunal "a quo" entendeu que "... por se encontrar   em   contradição   com   a   defesa   considerada   no   seu   conjunto, designadamente com a defesa da ré seguradora, não se pode afirmar um acordo nos seus articulados relativamente ao ponto 12.º, ressalvando que o mesmo entrava em contradição com os itens 30 e 32 da mesma base instrutória.

I) No entanto, tal entendimento parte desde logo de premissas erradas: os itens 30 e 32 da base instrutória não fazem parte da defesa da Ré seguradora conforme consta no douto Acórdão recorrido. Com efeito, tal factualidade foi alegada pela Ré patronal nos seus articulados e não pela Ré seguradora.

 Consequentemente, nunca poderia estar em contradição com a defesa da seguradora, pelo que o mesmo teria de se considerar provado, atento o disposto nos arts. 490.º/2 e 712.º do Cód. Processo Civil.

J) Por outro lado, importa ainda salientar que, ao contrário do que refere o douto acórdão recorrido, não existe qualquer contradição entre os itens 12.º, 30.º e 32.º da base instrutória, pois é irrelevante quem advertiu o trabalhador em causa ou se tal ocorreu no início da obra. Relevante é o facto de o mesmo ter sido advertido da existência dos fios eléctricos e das respectivas distâncias de segurança e sobre essa matéria não existe qualquer contradição.

Assim, mesmo nessa óptica, sempre o item 12 da base instrutória teria de se considerar provado por acordo das partes na seguinte parte: "No início da obra, os trabalhadores foram advertidos para se manterem a mais de três metros das linhas eléctricas."

K) Consequentemente, o item 12.º da Base Instrutória deve ser considerado "provado" ou pelo menos provado na parte: "No início da obra, os trabalhadores foram advertidos para se manterem a mais de três metros das linhas eléctricas."

L) Deste modo, importa salientar que a alteração da matéria de facto, nos termos supra expostos, tem necessariamente por consequência a absolvição da Ré entidade patronal no pedido deduzido pelas Autoras.

M) Mas ainda que assim não se entenda, o certo é que não existem no nosso ordenamento normas expressas que impusessem à entidade patronal a adopção das medidas concretas referidas nos itens T, U, V, X, 2 e AA dos Factos Assentes.

N) Com efeito, relativamente às medidas previstas nos itens T, V e X dos Factos Provados (corte de fornecimento, ligação em curto circuito à terra os condutores na zona de trabalhos, colocação de obstáculos e sinais de aviso, elevação da linha), não faria qualquer sentido que para a realização de trabalhos tão simples, a executar a mais de 4 metros de distância dos referidos fios condutores e sem que existisse qualquer necessidade, de passar por baixo dos mesmos, fosse exigível adoptar medidas tão complexas e perigosas como as aí descritas.

O) Na verdade, resulta do item 12 da Base Instrutória e itens G, FF, GG, HH, JJ, dos Factos Provados que foram tomadas as medidas adequadas e suficientes aos trabalhos em causa (nomeadamente planeamento dos trabalhos antes de os iniciar, de modo a não ter de passar por baixo dos fios condutores e a manter sempre uma distância superior a 4 metros dos fios condutores, os avisos antecipadamente, quer da existência dos mesmos, quer para não se aproximar a menos de3 m. de distância dos mesmos), tendo em conta a fácil e rápida execução dos trabalhos, a distância em que os mesmos se desenrolavam em relação aos condutores (a mais de 4 metros na horizontal, tendo em conta os seus eixos) e a desnecessidade quer de passar por baixo, quer de aproximar-se a menos de 4 m dos mesmos.

P) Além disso, não existe qualquer norma específica que estipule a obrigação de proceder ao corte de fornecimento e à ligação, em curto-circuito, à terra os condutores na zona de trabalhos ou a sua elevação. E mesmo as obrigações de sinalização, ou colocação de obstáculos, só são obrigatórias quando é necessária a passagem de veículos ou pessoas por baixo dos condutores, conforme resulta dos n.ºs 5 e 6 do art. 4.º da Portaria 101/96, de 03/04, o que, como vimos já, não aconteceu no presente caso.

Q) Por outro lado, importa salientar que o douto Acórdão recorrido, apesar de reconhecer que as obrigações referidas em T e X apenas fazem sentido nos trabalhos realizados dentro da área de segurança, entendeu que as obrigações descritas V não se aplicam a trabalhos realizados dentro dessa área de segurança, mas sim na proximidade desta.

R) No entanto, tal entendimento não faz sentido, atento o referido teor dos referidos n.ºs 5 e 6 do art. 4.º da referida Portaria 101/96, de 03/04. Com efeito, em virtude do disposto nesse preceito legal, a colocação de barreiras ou avisos utiliza-se quando não for possível desviar os cabos eléctricos ou colocá-los fora de tensão (obrigação que só ocorre quando os trabalhos se realizam infringindo a distância de segurança).

Ou seja, tal significa que essas medidas são alternativas entre si, sendo exigíveis nas mesmas circunstâncias. Assim, se não for exigível desviar os cabos ou colocá-los fora de tensão, também não será exigível proceder à colocação de sinais ou obstáculos.

S) Deste modo, a adopção das medidas descritas nos itens T, V e X dos Factos Provados (corte de fornecimento, ligação em curto-circuito à terra dos condutores na zona de trabalhos, colocação de obstáculos e sinais de aviso, elevação da linha), não era exigível, dadas as concretas circunstâncias em que se realizava a obra.

T) Relativamente às fichas de procedimento de segurança (item Q dos Factos Provados), importa esclarece que ainda que tivessem sido elaboradas apenas diriam por escrito exactamente estas ordens/instruções que foram efectivamente dadas ao sinistrado, pelo que não pode existir qualquer nexo de causalidade entre a sua não elaboração formal (por escrito) e a ocorrência do acidente em causa.

U) Acresce que o referido art. 7.º, al. d), do Decreto-Lei n.º 273/2003 não define o que se entende por trabalhos "na proximidade" de linhas de média tensão e alta tensão. Entendendo a Ré patronal que estando provado que os trabalhos seriam realizados a uma distância superior a 4 metros de distância, considerando os respectivos eixos na horizontal, dos condutores, e estando estes a 12 metros de altura, não se enquadram na noção de "proximidade" prevista nesse preceito legal, pelo que "também por isso não era obrigatória a elaboração das fichas de procedimento de segurança”.

V) Relativamente à falta de formação (itens Z e AA dos Factos Provados), importa ainda salientar a extrema simplicidade dos trabalhos da responsabilidade do sinistrado, pois só tinha de segurar a escada, vigiar a mesma e passar os materiais ao colega.

 W) Além disso, não existe qualquer norma específica que estipule a obrigação de dar formação especial ao trabalhador em causa, naquelas circunstâncias concretas.

X) Relativamente à falta de designação de pessoa para vigiar a escada (item U dos Factos Provados), importa salientar que, conforme resulta dos itens J e M dos Factos Provados, encontravam-se 2 trabalhadores a exercer funções com a escada em causa: enquanto o EE instalava os suportes na parede, o sinistrado segurava na escada e passava-lhe as ferramentas do solo. Assim, resulta evidente que essa tarefa de vigiar e segurar a escada pertencia ao próprio sinistrado. Não fazia sentido a entidade patronal designar outra pessoa para vigiar o sinistrado para uma tarefa tão simples...

Y) Além disso, não existe qualquer norma específica que estipule a obrigação de designar uma pessoa para vigiar o movimento da escada;

Z) Importa ainda realçar que nem a Autora, nem a Ré seguradora alegaram e muito menos provaram, como lhes competia, o nexo da causalidade entre o eventual incumprimento dessas normas invocadas e o acidente em causa e do nexo de causalidade entre o incumprimento dessas normas e o acidente.

AA) Com efeito, sobre esta matéria importa desde logo realçar o sumário do douto Acórdão do STJ de 18/05/2011, Processo n.º 414/06.2TTVFXL1.S1, Relator: Fernandes da Silva, segundo o qual " (...) I - A mera inobservância de (identificadas) regras de segurança, higiene e saúde no trabalho não acarreta automaticamente a responsabilidade do empregador, pelo que quem invocar como fundamento do seu direito o quadro tipificado no art. 18.º, n.º 1 da LAT, terá de alegar e provar, enquanto elementos constitutivos do seu direito, a culpa (dolo ou negligência, quanto à primeira hipótese de agravamento da responsabilidade); a violação das regras de segurança e o nexo de causalidade entre a violação e o acidente. II - Contendo-se o procedimento do empregador dentro das obrigações gerais postuladas pelo art. 273.º do Código do Trabalho, considerando a inexistência de normação expressa que impostasse outras (específicas) condições de segurança, não se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilização do empregador. (...)"

BB) Face ao exposto, estes itens Q, T, U, V, X, Z, e AA dos Factos Provados, só por si, são insusceptíveis de fundamentar a condenação da Ré/entidade patronal no pedido das Autoras, pelo que a presente acção deve ser julgada não provada e improcedente relativamente à Ré ‘ Trabalhos de Engenharia Civil, Ld.ª’, absolvendo-a do pedido, com as consequências legais.

CC) O douto acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 349.º do Cód. Civil e nos arts. 490.º/2 e 712.º do Cód. Processo Civil.

Termina clamando pela concessão de provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Acórdão recorrido e substituindo-o por outro que decida absolver a Ré/entidade patronal do pedido.

As AA., com o continuado patrocínio oficioso do M.º P.º, contra-alegaram, aduzindo, antes do mais, que a ora suscitada questão do nexo de causalidade é uma questão nova, não cabendo o seu conhecimento em sede de Revista.

Concluem pela improcedência das questões colocadas ou, no máximo, caso proceda a absolvição da recorrente, pela subsistência da responsabilidade da Seguradora, nos termos em que foi condenada subsidiariamente na 1.ª Instância.

                                              ___

Colheram-se os vistos.

Cumpre decidir.                                           

                                               II –

AO ‘thema decidendum’:

São questões a dilucidar e resolver – como deflui das conclusões da motivação do recurso – as seguintes:

- Da aplicação da presunção judicial (art. 349.º do Cód. Civil);

- Da aplicação dos arts. 490.º/2 e 712.º do C.P.C.

- Da inexistência de norma específica atinente às regras de segurança e do nexo de causalidade entre o eventual incumprimento das normas invocadas e o acidente.

                                        

B – Fundamentação.

B.1 – De Facto.

Vem dada como assente a seguinte factualidade:

A - À data do acidente adiante descrito, a A. era casada com GG, tendo ambos contraído casamento em ---.

B - Sendo filha de ambos, BB, nascida em ---.

C - No dia 22 de Setembro de 2007, pelas 14h 30m, junto à antiga Fábrica do Rio Vizela, em Vila das Aves, Santo Tirso, o trabalhador/sinistrado GG foi vítima de um acidente.

D - Quando trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da 1.ª R., exercendo as funções correspondentes à sua categoria profissional de ”Servente”.

E - Mediante a retribuição base mensal de € 406,50, percebida 14 vezes no ano (€ 406,50 x 14), acrescida da quantia mensal de € 105,60 (€ 4,80 x 22), percebida 11 vezes no ano [(€ 4,80 x 22) x 11], a título de subsídio de alimentação, o que perfaz a retribuição anual global, ilíquida, de € 6.852,60.

F - O acidente ocorreu no âmbito da execução, pelo sinistrado e outros colegas, de trabalhos de colocação de suportes na parede exterior de um pavilhão industrial daquela antiga fábrica, exigindo a utilização de um escada metálica móvel, a qual tinha cerca de 7 metros de altura, no seu ponto mais elevado.

G - O último suporte a ser colocado pelos trabalhadores referidos, encontrava-se localizado a mais de 4 metros de distância do condutor de linhas aéreas, não necessitando de passar por baixo do mesmo.

H - Na referida obra, para além do acidentado, trabalhavam EE e FF.

I - O trabalhador sinistrado encontrava-se a desempenhar as aludidas funções de acordo com as instruções da empregadora, transmitidas através do seu superior hierárquico.

J - O sinistrado e EE procediam à colocação de suportes para fixação de um tubo nas paredes do edifício, de modo a encaminhar as águas do rio – situado nas traseiras do pavilhão industrial - para a frente do mesmo.

L - Com a duração aproximada de meio-dia de trabalho.

M - Enquanto o EE instalava os respectivos suportes, o GG (falecido) segurava a escada e passava-lhe as ferramentas no solo.

N - Entre o rio e o pavilhão existe um desnível acentuado, sendo a parte junto ao rio a mais baixa.

O - O sinistrado, ao efectuar um movimento de arrastamento/deslocação da escada, desencadeou o contacto com a linha aérea de média tensão 15 KW que alimenta o PT daquela antiga unidade fabril.

P - Assim produzindo uma descarga eléctrica (electrocussão), que atingiu a vítima, provocando-lhe as lesões descritas no relatório da autópsia junto aos autos – de fls. 131 a 140 - e que aqui se dá por reproduzido na íntegra.

Q - Para a referida obra, a 2.ª R. não elaborou quaisquer fichas de procedimentos de segurança.

R - O pavilhão industrial onde decorria a obra tinha aspecto de velho e de estar desactivado.

S - Na linha não existia qualquer sinalização.

T - Não foi cortado o fornecimento de energia à linha e ligado em curto-circuito à terra dos condutores na zona de trabalhos.

U - Não foi designada qualquer pessoa para cuja única missão seria vigiar atentamente o movimento do equipamento de trabalho para impedir que este se aproximasse perigosamente dos condutores eléctricos em tensão, avisando o utilizador do equipamento de forma oportuna.

V - Não foram colocados obstáculos e sinais de aviso de perigo eléctrico a distâncias apropriadas paralelamente aos condutores da linha.

X - Apesar de estarem a decorrer trabalhos sob uma linha de média tensão (15 KV) não foi adoptada qualquer medida, designadamente pedido de elevação da linha ou corte temporário da linha à EDP[1].

Z - O trabalhador sinistrado não recebeu formação sobre os riscos especiais, tais como os realizados nas proximidades de linhas de média e alta tensão.

AA - Não possuía formação sobre os outros riscos inerentes ao trabalho que estava a desenvolver.

BB - Era o primeiro dia que o trabalhador se encontrava no exercício destas tarefas.

CC - A empregadora não indagou junto do dono da obra sobre a actividade ou inactividade da linha aérea de média tensão.

DD - Nem comunicou a realização das obras em apreço à EDP.

EE - No momento da execução dos trabalhos, o chefe/responsável pela execução dos trabalhos era o FF, cunhado do sinistrado, por ser o trabalhador mais experiente (tinha mais de 15 anos de experiência na execução daquele tipo de trabalhos) e por o gerente da firma se encontrar de baixa por doença.

FF - Na manhã desse dia, antes de iniciar os trabalhos, os trabalhadores em causa reuniram-se para planear o serviço, tendo o referido FF, em representação da firma, explicado o modo como o serviço seria efectuado.

GG - Os trabalhadores em causa desceram para o nível do rio pelo lado oposto ao local onde se situavam os fios condutores e iniciaram a colocação dos suportes na parede do pavilhão, a cerca de 6 metros de altura, separados cerca de 5/6 metros uns dos outros.

HH - A saída da obra era efectuada pelo local por onde entraram (no lado oposto ao local onde se encontravam os fios condutores), pelo que não precisavam de passar por baixo dos fios condutores.

II - Os fios condutores passavam a uma altura superior àquela em que o sinistrado e o EE se encontravam a trabalhar, estando a uma distância do solo superior a 7 metros.

JJ - A FF e EE foi dada informação que devem manter sempre uma distância mínima de segurança de 3-4 metros de qualquer fio condutor de electricidade, independentemente da respectiva tensão.

LL - As lesões sofridas pelo sinistrado determinaram-lhe, como consequência directa e necessária, a morte.

MM - À data em que ocorreu o acidente e no que ao A. concerne, a 1.ª R. tinha a responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho transferida para a 2.ª R., através de contrato titulado pela apólice nº10/101385, documentada nos autos.

NN - Responsabilidade reportada a uma retribuição mensal de € 406,50, percebida 14 vezes no ano (€ 406,50 x 14), acrescida, a título de subsídio de alimentação, do valor de € 4,80 em 22 dias do mês, percebido 11 vezes no ano (€4,80 x 22 x 11), o que perfaz o montante global de retribuição coberta de € 6852,60.

OO - No âmbito do presente processo judicial, a 1.ª A. teve que se deslocar a este Tribunal para a realização da tentativa de conciliação (dia 30-06-2008; cfr auto de fls 155 e ss).

PP - A A. pagou já à empresa que efectuou o funeral do marido as respectivas despesas.

QQ - O sinistrado tinha 1,65m de altura.

RR - Na diligência de tentativa de conciliação, realizada neste Tribunal no dia 30-06-2008, as partes presentes assumiram as seguintes posições:

I – A 1.ª A. (então acompanhada por mandatária que juntou procuração aos autos), por si e em representação de sua filha menor BB, prestou as seguintes declarações:

a) O acidente ocorreu no dia 22-09-2007 quando o sinistrado trabalhava sob as ordens e fiscalização da entidade patronal “ Trabalhos de Engenharia Civil - CC & Companhia, Limitada”;

b) Em consequência do acidente o sinistrado sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia que lhe determinaram a morte;

c) À data do acidente o sinistrado tinha a categoria profissional de servente auferindo a retribuição anual ilíquida de € 406,50 x 14 + € 4,80 x 22 x 11;

d) Aceitar o acordo proposto, nos termos já a seguir explicitados;

II – Acordo proposto pelo M.º P.º:

a) para a beneficiária/viúva:

- pensão anual e vitalícia no valor de € 2.041,26, com início reportado a 23-09-2007, actualizável anualmente e aumentada a partir da idade da reforma ou de doença que afecte sensivelmente a capacidade de trabalho;

- o valor de € 2.418,00, a título de subsídio por morte (1/2 do valor global de €4.836,00, já que este deve ser repartida em partes iguais por cônjuge e filha);

- o valor de € 3.224,00, a título de despesas de funeral;

- o valor de € 20,00, a título de despesas de transporte em deslocação ao tribunal:

b) para a beneficiária/filha:

- pensão anual e vitalícia no valor de € 1.360,84, com início reportado a 23-09-2007, actualizável anualmente e aumentada a partir da idade da reforma ou de doença que afecte sensivelmente a capacidade de trabalho;

- o valor de € 2.418,00, a título de subsídio por morte (1/2 do valor global de €4.836,00, já que este deve ser repartida em partes iguais por cônjuge e filha);

III- A R. Seguradora declarou que:

a) Reconhece o acidente dos autos como de trabalho;

b) Aceita como retribuição transferida: € 406,50 x 14 + € 4,80 x 22 x 11;

c) Não aceita pagar quaisquer quantias, pois não aceita qualquer responsabilidade pelo presente acidente, uma vez que o mesmo se ficou a dever a violação das medidas de segurança por parte da entidade patronal e ainda por o sinistrado se encontrar sob a influência do álcool.

IV - A R. patronal declarou que:

a) Reconhece o acidente dos autos como de trabalho;

b) Reconhece o nexo de causalidade entre o referido acidente e as lesões descritas no relatório de autópsia;

c) Não aceita pagar qualquer quantia que se relacione com os presentes autos, por entender que não lhe podem ser imputadas, uma vez que o salário auferido pelo sinistrado se encontra totalmente transferido para a seguradora e foram cumpridas as regras de segurança exigíveis para a situação em apreço.

SS - Com base no falecimento, em 2007/09/22, do beneficiário n.º … –

GG - em consequência do acidente a que dizem respeito os autos, foram requeridas ao Centro Nacional de Pensões, pela viúva, AA, por si, e em representação da filha menor BB, as respectivas prestações por morte as quais foram deferidas.

TT - Em consequência o CNP pagou à viúva e filha do beneficiário, a título de pensões de sobrevivência, no período de 2008/06 a 2010/10, o montante global de €6.595,71, sendo 4.946,89 € à viúva e 1.648,82 € à filha, com o valor mensal actual de € 147,82 para a viúva e € 49,27 para a filha.

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B.2 – O Direito.

1. A primeira questão.

Põe-se em causa, nesta e na questão seguinte, a decisão da matéria de facto fixada pelas Instâncias, com reedição, em termos muito próximos, da pretensão e argumentos formulados no precedente recurso de Apelação, concretamente no que respeita aos pontos 7, 8 e 12 da Base Instrutória.

Aduz-se, num primeiro momento, que foram incorrectamente julgados os itens 7 e 8 da Base Instrutória, devendo a resposta dada a estes quesitos ser alterada para ‘não provado’.

Alega a recorrente, para o efeito – respeitam a esta temática as asserções conclusivas de A) a E) do respectivo alinhamento – que o Tribunal ‘a quo’ fez uma errónea e infundamentada aplicação do art. 349.º do Cód. Civil quando se serviu de uma presunção judicial …para dar como provado que a morte do sinistrado foi devida a electrocussão por contacto deste, ou do equipamento que manuseava, com a linha de média tensão, sem sequer apurar se o mesmo seria possível, tendo em conta a altura dessa mesma linha.

Vejamos.

Ao Supremo Tribunal – vocacionado, enquanto Tribunal de revista, para conhecer, por via de regra, da matéria de Direito, 'ut', então, art. 26.º da Lei n.º 3/99, na alteração introduzida pela Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro, e, ora, art. 33.º da Lei n.º 52/2008, (LOFTJ), de 28 de Agosto, compaginado(s) com os arts. 721.º e 722.º do C.P.C. – compete fundamentalmente apreciar a justeza da aplicação do direito substantivo, aplicando definitivamente aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado.

A decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do art. 722.º – art. 729.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.[2] – em cujos termos o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Além disso, a intervenção do S.T.J., neste âmbito, circunscreve-se à possibilidade de mandar ampliar a decisão de facto – n.º 3 do art. 729.º – fazendo devolver o processo ao Tribunal recorrido, de modo a que se constitua base suficiente para a decisão de direito, ou quando ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.

Considerou-se que o Supremo – como diz Abrantes Geraldes[3] – não deveria ficar indiferente a erros de apreciação da prova que resultem da violação de direito probatório material, podendo constituir fundamento de revista a violação de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova ou que fixe a respectiva força probatória.

Afinal, em tais situações defrontamo-nos com verdadeiros erros de direito que, nesta perspectiva, se integram nas competências do Supremo.

(Assim, também, Amâncio Ferreira, ‘Manual’, 8.ª edição, pg. 248).

A compreensão alargada do que possam constituir, nesta sede, verdadeiros erros de direito, leva a que se contemplem, no entendimento do autor citado (ibidem), v.g., situações em que tenham sido desatendidos os efeitos legais de uma declaração confessória (n.º 1 do art. 358.º do Cód. Civil) ou do acordo das partes.

E convocam-se aí alguns Arestos deste Supremo Tribunal, a que nos reportamos, em que se considerou, nomeadamente, poder sindicar-se o uso de presunções judiciais ou ilações lógicas, se tal actividade tiver ofendido qualquer norma legal e padecer, por via disso, de ilogicidade, ou tiver partido de factos não provados.

É no entendimento de que as presunções judiciais (ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – art. 349.º/1 do Cód. Civil) não são propriamente um genuíno meio de prova, na dimensão constante do art. 341.º do Cód. Civil, mas antes meios lógicos ou indutivos através dos quais se alcança a inferência, o facto desconhecido (daí que seja também chamada de prova conjectural[4]) que se admite a competência do Supremo Tribunal para verificar, apenas na perspectiva da legalidade do seu uso, se se cometeu ou não erro de direito na opção/critério da sua utilização, ou seja, se era ou não permitido, no caso, o uso da presunção[5].

O juízo de facto propriamente dito, alcançado e fixado por essa via, não é susceptível de apreciação enquanto objecto do recurso de revista.

Ora, tudo visto, e movendo-nos estritamente nos limites deste definido âmbito, constata-se que nada obstava ao legítimo uso da presunção judicial – arts. 349.º e 351.º do Cód. Civil.

Alegaram as arguentes que a afirmação da morte do sinistrado por electrocussão por contacto directo deste, ou do equipamento que manuseava, com a linha de média tensão, só faria sentido se se provasse que essa linha se encontrava acessível em altura a um eventual contacto por parte do sinistrado ou da escada que manuseava, sendo essencial para o efeito saber a altura da respectiva linha.

Visto o teor dos referidos pontos 7 e 8 da B.I. e considerados os factos conhecidos de que se partiu (a chamada base da presunção), o facto presumido (que é, no essencial, a descarga eléctrica/electrocussão, desencadeada na sequência do movimento da escada que o sinistrado manipulava), assentando necessariamente num fundado juízo de probabilidade, não enferma de qualquer ilogicidade, não sendo essencialmente determinante, no raciocínio indutivo da respectiva operação mental, saber-se exactamente a que altura se encontrava a dita linha condutora de energia.

Improcede, pois, a pretensão consubstanciada nas conclusões A) a E).

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2. A segunda questão.

Continuamos no campo da pretendida alteração da decisão de facto, valendo aqui tudo quanto acima se expendeu acerca das estreitas limitações deste Supremo Tribunal em sede da definição da matéria de facto relevante, que, como se lembra, é residual.

Pretendeu a co-R./patronal que o item 12.º da Base Instrutória seja considerado ‘provado’, ou, pelo menos, provado em parte, nos termos que adianta: ‘No início da obra os trabalhadores foram advertidos para se manterem a mais de três metros das linhas eléctricas’.

Alegou a recorrente, para o efeito, que tal item foi expressamente aceite por todas as partes nos respectivos articulados, não estando em contradição com a defesa da R. Seguradora no seu conjunto, como se refere no Acórdão recorrido, pelo que foram errada e infundadamente aplicados os arts. 490.º/2 e 712.º do C.P.C.   

Sem prejuízo do sobredito no que respeita à admissibilidade do uso da presunção judicial, importa deixar a nota de que – no que respeita aos poderes do S.T.J. neste âmbito, concretamente no que tange à atendibilidade, ou não, dos factos plenamente provados no processo/articulados, mas não seleccionados como tal – não é unânime o entendimento Jurisprudencial.

 Há uma parte que sustenta a tese de que constitui matéria de facto valorar a força probatória do acordo das partes.

No sentido oposto – o de que o S.T.J. não está impedido de se servir de factos que, apesar de não retidos pela Relação, se devam considerar adquiridos desde a 1.ª Instância, uma vez admitidos por acordo, e desde que se mostrem necessários à aplicação do regime jurídico adequado – veja-se, por todos, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 4 de Junho de 2003, publicado na C.J./S.T.J., Ano XI, Tomo II, pg. 275.

 (Aí se referem as duas posições sobre que a questão sujeita, com indicação dos respectivos fundamentos e decisões em conformidade, a que nos reportamos).

Entende-se neste Aresto – também com respaldo no convocado princípio da aquisição processual – que o S.T.J., (citamos), …está a verificar, no âmbito dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 722.º, n.º2, do C.P.C., se houve ou não ofensa de disposição expressa da lei sobre determinado meio de prova, designadamente dos arts. 480.º e 490.º do C.P.C., que regem sobre uma forma específica (confissão ‘ficta’) da prova por confissão judicial a que aludem os arts. 355.º a 358.º do Cód. Civil. Havendo evidente erro na fixação dos factos materiais da causa por não se ter atendido à confissão, do que resultou ofensa das referidas disposições expressas da lei que fixam a força deste meio de prova, há que dar como verificados, nos termos do art. 722.º, n.º2, do C.P.C. os factos plenamente provados nesses termos, fazendo-os acrescer aos que as Instâncias deram como provados nas respostas aos quesitos’…

Todavia, mesmo na linha do sobredito entendimento, os termos em que se delineia a problemática enunciada não deixam concluir – e menos, seguramente – estar-se, in casu, perante factos plenamente provados, pese embora, num primeiro conspecto, isso possa parecer formalmente evidente.

É que – como se explicita no Acórdão revidendo, v.g. a fls. 722-723, em termos compreensíveis – o desenvolvimento da defesa, com a alegação da materialidade que levou à elaboração dos quesitos 30, 31 e 32, (independentemente da parte que a articulou), acaba, de algum modo, por obliterar a percepção liminar de que se tenha aceitado, sem reserva, o que as AA. adiantaram genericamente no ponto 11, k),  da P.I., pois essa putativa aceitação sempre se encontraria realmente em contradição com a defesa considerada no seu conjunto

(Dir-se-á que se a invocada aceitação/acordo das partes relativamente ao ponto 12.º da B.I. já existia nos articulados, como ora se alega, a correspondente factualidade não deveria ter sido incluída e ficado, sem reacção, no elenco dos factos controvertidos…

Isso sem embargo de se reconhecer que a selecção da matéria de facto, tenha ou não sido objecto de reclamação, não transita em julgado, como reflecte Miguel Teixeira de Sousa[6], não sendo adequado, pois, falar-se de preclusão).

Soçobram consequentemente as conclusões sob F) a K).

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3. A questão terceira: violação das regras de segurança.

Propugna a R./recorrente que não existem no nosso ordenamento normas expressas que lhe impusessem a adopção das medidas concretas referidas nos itens Q, T, U, V, X, Z e AA dos Factos Assentes.

E, concretizando, mais alega que não existem quaisquer normas legais que imponham as medidas previstas nos itens U, T, Z e AA, enquanto que relativamente às medidas previstas nos itens Q, V e X, as mesmas só seriam necessárias caso os trabalhos em causa tivessem de ser realizados dentro da distância de segurança de 4 metros do condutor das linhas eléctricas.

E mesmo que se considere que tais obrigações se impunham, o certo é que não foi alegado e muito menos provado o nexo de causalidade entre o eventual incumprimento dessas normas e o acidente em causa.

As Instâncias convergiram no entendimento de que a reparação das consequências do acidente verificado deve ser (agravadamente) imputada à entidade empregadora, a R./recorrente.

O Acórdão sub judicio, mantendo a sentença aí recorrida, fundamentou-‑se nos termos seguintes:

«Apesar de não se alterar a matéria de facto, vejamos se é de manter a sentença recorrida.

Na aplicação do direito, a Mm.ª Juíza a quo fundamentou:

             “Começam as AA. por indicar o art. 29.º, nº1, alínea a), do Decreto Regulamentar nº1/92, de 18/02.

Nesta norma estabelece-se a “distância dos condutores aos edifícios”, determinando a lei que as linhas serão estabelecidas por forma a observar-se, nas condições de flecha máxima, que “em relação às coberturas, chaminés e todas as partes salientes susceptíveis de ser escaladas por pessoas, os condutores nus deverão ficar, desviados ou não pelo vento, a uma distância D, em metros, arredondada ao decímetro, não inferior à data pela expressão D = 3,00 + 0,0075 U, em que U em Kilovolts é a tensão nominal da linha”, não devendo o valor D ser inferior a 4 metros.

Note-se que o diploma em causa se destinou a fixar as condições técnicas a que deve obedecer o estabelecimento e a exploração das linhas eléctricas nele referidas, com vista à protecção de pessoas e coisas e à salvaguarda dos interesses colectivos – art. 1.º do Decreto Regulamentar em causa.

Não está assim em causa na previsão normativa a realização de obras ou trabalhos de construção civil próximo das linhas áreas pressupostos pelo diploma, sendo essa a situação em causa nestes autos.

A distância mínima dos referidos 4 metros foi assim definida para o estabelecimento da linha, em relação a edifícios ou outras construções, sendo que, por um lado, tal distância foi observada, e que, por outro, tal imposição é efectuada a quem estabelece a linha e não a quem trabalha junto dela (embora se retire da imposição a perigosidade inerente à execução de trabalhos a uma distância inferior aos referidos 4 metros, certo é que a norma em causa não os impede).

Já o Decreto-Lei 273/2003, de 29/10, veio definir condições de segurança no trabalho desenvolvido em estaleiros temporários ou móveis, pois que, como se refere no respectivo preâmbulo, estas são frequentemente muito deficientes e estão na origem de inúmeros acidentes de trabalho.

Considerando o trabalho que o sinistrado se encontrava a executar, não existem dúvidas que aquele se insere no âmbito da previsão normativa deste diploma – respectivo art. 2º.

No art. 7.º do Decreto-Lei em apreço estabelece-se que o plano de segurança e saúde deve prever medidas adequadas a prevenir os riscos especiais para a segurança e saúde dos trabalhadores decorrentes de trabalhos efectuados na proximidade de linhas eléctricas de média e alta tensão (alínea d)), sendo que a elaboração deste plano de segurança impende sobre o dono da obra, e é obrigatória em obras sujeitas a projecto – n.º4 do art. 5.º.

Ora, o dono da obra é, na definição deste diploma, a pessoa, singular ou colectiva, por conta de quem a obra é realizada, não estando provado que a mesma fosse, no caso concreto, a empregadora (e não o era efectivamente) – art. 3.º, n.º 1, alíneas f), e g)).

No caso concreto, a obra em causa não está sujeita a projecto, pelo que não era obrigatória a elaboração de um plano de segurança.

Não sendo este obrigatório, estabelece o art. 14.º do mesmo diploma a obrigatoriedade da entidade executante – pessoa singular ou colectiva que executa a totalidade ou parte da obra, autorizada mediante contrato de empreitada pelo dono da obra para a executar (na parte que é aplicável à situação dos autos nos termos do art. 1.º, n.º1, alínea h)) – de elaborar fichas de procedimentos de segurança para os trabalhos que comportem os riscos referidos no art. 7.º citado.

Nessas fichas, da responsabilidade da aqui entidade patronal, cuja não elaboração é geradora de ilícito contra-ordenacional, deveriam estar contidos os elementos relativos às medidas de prevenção a adoptar tendo em conta os trabalhos a realizar.

Ora, na situação dos autos, tais fichas não foram elaboradas nem foram tomadas quaisquer medidas de prevenção relacionadas com a execução das obras nas proximidades de uma linha de média tensão.

(…)

Releva nesta matéria, ainda, o disposto na Portaria 101/96, de 03/04, mantida em vigor pelo art. 29.º do DL 273/2003 já citado, pois que nela se refere que as instalações eléctricas de energia eléctrica devem ser verificadas e claramente assinaladas, sendo os cabos eléctricos existentes desviados da área do estaleiro ou colocados fora de tensão ou, sempre que tal não seja possível, devem ser colocadas barreiras ou avisos que indiquem o limite de circulação permitido a veículos e o afastamento das instalações.

Ora, na situação em apreço, a empregadora não realizou quaisquer destas diligências, tendo enviado os seus trabalhadores para a obra sem identificar minimamente os riscos a que os mesmos se sujeitavam. Não os identificando, não foi capaz, naturalmente, de prevenir a ocorrência de quaisquer acidentes relacionados com a linha de média tensão existente no local. (…)”

A recorrente afirma que as obrigações constantes nos itens Q, T, U, V, X, Z e AA dos Factos Provados só seriam devidas caso os trabalhos tivessem de ser realizados dentro da distância de segurança de 4 metros do condutor de linhas eléctricas, o que comprovadamente – itens G e HH – não sucedeu. Afirma ainda que os trabalhos, estando a ser realizados a uma distância superior a 4 metros, considerando os respectivos eixos na horizontal, dos condutores, e estando estes situados a 12 metros, não se enquadram na noção de “proximidade” constantes do art. 7.º, al. d), do Decreto-Lei n.º. 273/2003.

Quanto à segunda questão, fica precludida pela não alteração da prova, visto que não se provou a altura dos condutores. Relativamente à primeira, é discutível se as obrigações ditas não cumpridas nos pontos T e X não respeitam apenas aos trabalhos realizados dentro da área de segurança – em que seria inevitável que essa distância fosse aumentada ou que a potência fosse cortada. No entanto, quanto aos pontos U e V, é claro que não se referem, tais obrigações, a trabalhos realizados dentro da área de segurança, mas sim na proximidade desta – e portanto com a potencialidade, ou o perigo, de a invadirem.

Não vemos assim, e em conclusão, que haja contradição entre os factos e o direito aplicados, e não havendo lugar à alteração da matéria de facto, entendemos dever manter a sentença recorrida.

(…) Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida».

Tudo revisto.

É antiga a preocupação do legislador de assegurar aos trabalhadores o direito à prestação da sua actividade em condições de higiene, segurança e saúde.

Tal reconhecimento assumiu, há muito, foros de dignidade Constitucional, com assegurado direito a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional – art. 59.º da C.R.P., n.º1, alíneas c) e f).  

Em seu desenvolvimento, a Lei n.º 100/97[7], (NLAT), de 13 de Setembro, complementada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, que a regulamentou – sucedendo, no plano da lei ordinária, à Lei n.º 2.127, de 3.8.1965 – é o regime jurídico infortunístico basilar onde se contém a solução para o presente litígio, lembrado que o infortúnio sujeito ocorreu em 22 de Setembro de 2007.

Nos casos especiais de reparação – situação contemplada nos arts. 18.º, n.º 1 e 37.º, n.º 2, e aqui equacionável – a responsabilidade agravada naquele prevista recai, em primeira linha, sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais salvaguardadas na presente legislação.

Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar da falta de observação, por banda da entidade empregadora, das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão nos termos constantes das alíneas a) e b) do art. 18.º/1, (agravadamente em relação às prestações normais), ou seja, nos casos de morte, como o sujeito, serão iguais à retribuição que o sinistrado auferia.

Esta responsabilidade agravada do empregador funda-se, pois, numa de duas causas: o comportamento culposo e a inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.

E embora a questão não se suscite, in casu, sempre se deixa referido que, no que tange à prova da culpa, é entendimento firmado neste Supremo Tribunal e Secção – conforme, inter alia, Acórdãos de 18.4.2007 e de 3.12.2008, citados no Acórdão de 8.6.2011, este tirado na Revista n.º 1530/04.0TTCBR.C1.S1 – que a mesma se tem por indispensável relativamente ao primeiro fundamento, sendo desnecessária no segundo.

(Diferentemente, no que tange ao necessário nexo de causalidade entre a falta de observação das ditas regras e a produção do acidente, cuja prova impende, conforme arts. 342.º/1 e 487.º/1 do Cód. Civil, sobre quem pretenda tirar proveito da responsabilidade agravada, no caso, as AA. e a co-R. Seguradora).

É pacífico que a mera inobservância de (identificadas) regras de segurança, higiene e saúde no trabalho não acarreta automaticamente a responsabilidade do empregador.

Quem invocar como fundamento do seu direito o quadro tipificado no art. 18.º/1 da NLAT, terá de alegar e provar, enquanto elementos constitutivos do seu direito, no que a este ponto respeita, a culpa (dolo ou negligência, quanto à primeira hipótese de agravamento da responsabilidade), a violação das regras de segurança e o nexo de causalidade entre a violação e o acidente – art. 342.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil.

(Cfr., por todos, além do citado nas alegações da recorrente[8], o Acórdão deste Supremo Tribunal de 2.7.2008, in CJ/S.T.J., Ano XVI, Tomo II, pg. 291).

Isto posto.

3.1 - Importa começar por averiguar da violação de regras relativas à segurança no trabalho.

E, se sim, quais os preceitos legais ou regulamentares infringidos, e em que termos.

Quedou-se a sentença condenatória – e o Acórdão revidendo que, assim, a confirmou – pela imputada inobservância da exigência decorrente do art. 14.º do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, conjugado com o disposto na Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, considerando que, não sendo obrigatória, no caso, a elaboração de um plano de segurança, era todavia exigível a elaboração de fichas de procedimento de segurança para os trabalhos que comportem os riscos referidos no art. 7.º do mesmo diploma.

Nessas fichas, da responsabilidade da entidade empregadora, deveriam conter-se elementos relativos às medidas de prevenção a adoptar, tendo em conta os trabalhos a realizar, o que não aconteceu, não tendo sido tomadas quaisquer medidas de prevenção relacionadas com a execução das obras nas proximidades de uma linha de média tensão.

E mais resulta da referida Portaria, mantida em vigor pelo art. 29.º do identificado Decreto-Lei, que as instalações eléctricas devem ser verificadas e claramente assinaladas – consigna-se ainda na fundamentação jurídica expendida, como acima transcrito – sendo os cabos eléctricos existentes desviados da área do estaleiro ou colocados fora de tensão ou, sempre que tal não seja possível, devem ser colocadas barreiras ou avisos que indiquem o limite de circulação permitido a veículos e o afastamento das instalações.

A R. patronal não realizou qualquer destas diligências e se as tivesse efectuado o acidente que vitimou o sinistrado não teria ocorrido. Por isso se lhe imputou a responsabilidade.

Como resulta da factualidade estabelecida, o acidente a que respeitam os Autos ocorreu no âmbito de um serviço, com a duração aproximada de meio dia, que consistiu na colocação de suportes, nas paredes exteriores traseiras de um pavilhão industrial de uma antiga fábrica, instalada nas margens do rio Vizela, suportes esses que serviriam para a fixação de um tubo para condução de água das traseiras para a frente da referida estrutura e cuja colocação demandava a utilização de uma escada metálica móvel, que tinha, no caso, cerca de 7 metros de altura, no seu ponto mais elevado.

O sinistrado, que era o primeiro dia em que se encontrava no exercício destas tarefas, exercia as funções correspondentes à categoria profissional de ‘servente’, sendo sua única tarefa a de segurar a escada em que subia o seu companheiro de trabalho, EE, para ir fixando os suportes referidos, passando-lhe aquele também as ferramentas desde o solo.

O EE ia-os colocando espaçadamente, separados cerca de 5-6 metros uns dos outros.

O último deles encontrava-se já fixado e implantado a mais de 4 metros de distância do condutor das linhas aéreas, não necessitando de passar por baixo das mesmas.

Na manhã desse dia, antes de iniciar esse serviço, os trabalhadores reuniram-se para o planearem, tendo o responsável pela sua execução, FF, enquanto o membro mais experiente e na ausência do gerente da R., explicado o modo como o serviço seria efectuado.

Os trabalhadores em causa desceram para o nível do rio, pelo lado oposto ao local onde se achavam situados os fios condutores de electricidade e iniciaram a colocação dos suportes na parede do pavilhão, sendo que, uma vez concluída a tarefa, a saída do local da obra era efectuada pelo mesmo sítio por onde entraram, ou seja, não precisavam de passar por baixo dos fios condutores.

Os fios condutores passavam a uma altura superior àquela em que o sinistrado e o EE se encontravam a trabalhar, estando a uma distância do solo superior a sete metros.

Aos trabalhadores FF e EE foi dada a informação de que deviam manter sempre um distância mínima de segurança de 3-4 metros de qualquer fio condutor de electricidade, independentemente da respectiva tensão.

Com este quadro de facto – que melhor se visualiza, no que tange à configuração do cenário em que se desenrolou o serviço em causa, conferindo os suportes fotográficos que integram os Autos a fls. 44, 47 e 48 – podemos ora aquilatar da exigência ou não das referidas regras de segurança.

Não seria irrazoável – diremos – admitir-se que a natureza do trabalho a realizar não demandasse uma particular preocupação/prevenção do empregador relativamente às linhas de condutores de electricidade que entroncavam nas traseiras do pavilhão.

Com efeito – para além da circunstância de o pavilhão industrial onde decorreu a obra apresentar um aspecto de velho e de estar desactivado, sem qualquer sinalética, ut factos sob R. e S., no elenco respectivo – a planeada localização do tubo cujos suportes estavam a ser fixados e o facto de o acesso e saída do local se fazerem pelo lado oposto àquele em que os fios condutores acediam ao pavilhão não implicavam, à partida, um evidente risco de proximidade com os mesmos.

 À remota possibilidade de aproximação, momentânea ou acidental, na realização daquele trabalho, sempre se oporia a informação dada ao trabalhador que executava a instalação, que sabia dever manter-se sempre uma distância mínima de segurança.

(A função do sinistrado, relembra-se, era apenas a de segurar na escada e passar as ferramentas ao outro trabalhador, o EE).

Mas, admitindo que sim, vejamos então se o empregador se acha/va obrigado, como se considerou, à observância da invocada disciplina constante do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, (cujo art. 29.º manteve em vigor o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41.821, de 11 de Agosto de 1958, até que seja emitido novo Regulamento de Segurança para os Estaleiros da Construção,) e da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, disciplina compaginada, no que tange nomeadamente às obrigações gerais do empregador elencadas no seu art. 22.º, com o que adrede se dispõe nos arts. 272.º, n.ºs 1 a 3, b) e 273.º, n.ºs 1 a 3, do Código do Trabalho/2003.

Não se tratando, como bem se ajuizou, de realização de obra sujeita a projecto, não era por isso obrigatório o plano de segurança e saúde, de acordo com o n.º 4 do art. 5.º do Diploma.

Resta saber se era exigível ao empregador, enquanto entidade executante, a elaboração, no caso, de fichas de procedimentos de segurança.

Nos termos do art. 14.º/1 deste Decreto-Lei, sempre que se trate de trabalhos em que não seja obrigatório o plano de segurança e saúde …mas que impliquem riscos especiais previstos no artigo 7.º, a entidade executante deve elaborar fichas de procedimentos de segurança para os trabalhos que comportem tais riscos e assegurar que os trabalhadores intervenientes na obra tenham conhecimento das mesmas. 

Os riscos especiais potencialmente implicados seriam os aludidos na alínea d) do art. 7.º: trabalhos efectuados na proximidade de linhas eléctricas de média e alta tensão.

Em nosso entendimento, a natureza do serviço a efectuar (simples afixação de alguns suportes, para sustentação de um tubo na parede do edifício, que nem sequer foram fixados por baixo dos condutores eléctricos, sendo que o último dos quais, mais próximo dos condutores, distava destes mais de 4 metros,) não envolvia, em condições de normalidade, a necessidade de prevenção a que faz apelo a norma, para além do conhecimento decorrente da informação que foi dada ao trabalhador que realizou a tarefa da sua colocação.

Este trabalhador, o EE, tinha já concluído a tarefa (o último suporte a ser colocado já o fora) quando o sinistrado deslocou a escada no movimento que desencadeou a descarga eléctrica fatal.

Mas mesmo que se entendesse que a utilização da escada na afixação dos referidos suportes, porque a efectuar na proximidade de linhas eléctricas (no caso de média tensão), implicava risco especial, a induzir o dever de elaboração das faladas fichas de procedimentos de segurança – constituindo o empregador na inobservância dessa regra sobre segurança no trabalho – ainda assim não resulta dos factos materiais provados a necessária relação de causa-efeito, num processo de causalidade adequada, entre essa omissão e a produção do acidente que vitimou o sinistrado.

O mesmo se diga relativamente às exigências decorrentes da Portaria 101/96, cujos cuidados postulados, em consonância com a prescrição constante do art. 162.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil acima identificado, também não se impunham, em rigor, ao empregador, pois pressupõem, a nosso ver, que a actividade/área do estaleiro se desenvolva dentro da zona de proximidade de linhas eléctricas, noção de proximidade que se nos afigura ser a inferior ao limite de quatro metros, como resulta da regra constante do art. 29.º/1 do Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18 de Fevereiro – relembramos o teor dos pontos de facto sob as alíneas G) e HH).

Com efeito:

Segundo o entendimento pacificamente reconhecido e seguido, cremos que nemine discrepante, o art. 563.º do Cód. Civil (‘a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão’) acolheu, nesta matéria, a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, segundo a qual o estabelecimento do nexo de causalidade, juridicamente relevante para o efeito da imputação de responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito (acção ou omissão) praticado pelo agente tenha actuado como condição da verificação de certo dano, apresentando-se este como consequência normal, típica ou provável daquele.

Como se extractou, em conformidade, no Acórdão deste S.T.J., de 8.6.2011, tirado na Revista n.º 1530/04.0TTCBR.C1.S1, 4.ª Secção, reportando-se ao Acórdão de 21.6.2007, proferido no Proc. n.º 534/2007:

«No que ao nexo de causalidade concerne, perfilhando uma teoria de formulação negativa, tal como foi formulada por Enneccerus-Lehmann, para se usarem os ensinamentos de Antunes Varela (‘Das Obrigações em Geral’, Vol. I, 748), “o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente (…) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto”, sendo que, no juízo de prognose, em ‘condições regulares, desprendendo-nos da natureza do evento constitutivo de responsabilidade, dir-se-ia que um facto só deve considerar-se causa (adequada) daqueles danos (sofridos por outrem) que constituem uma consequência normal, típica, provável dele”; (Cfr., também, Almeida Costa, in ‘Direito das Obrigações’, 3.ª Edição, 518, para quem ‘o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre, por sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas em circunstâncias anómalas ou excepcionais’ e ainda Pessoa Jorge, ‘Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil’, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 392, que defende que a ‘orientação hoje dominante é que a considera causa de certo efeito a condição que se mostra, em abstracto, adequada a produzi-lo’, traduzindo-se essa adequação em ‘termos de probabilidade, fundada nos conhecimentos médios: se, segundo a experiência comum, é lícito dizer que, posto o antecedente x se dá provavelmente a consequência y, haverá relação causal entre eles’)». 

Assim, não se retirando da matéria de facto estabelecida que o acidente tenha resultado – nos termos da sobredita causalidade adequada – da falta de observação de/das regras sobre segurança no trabalho, não se mostram preenchidos os pressupostos da pretendida responsabilização da co-R. empregadora.

Impendia, como já se deixou dito, sobre a parte que pretendia prevalecer-se da responsabilidade agravada da R. patronal, e dela tirar proveito, a alegação e prova da inobservância das regras atinentes à segurança no trabalho e à existência do nexo de causalidade entre essa inobservância e o acidente.

A pronúncia sobre a inverificação desta condição da pretendida responsabilização agravada da co-R. patronal não constitui conhecimento de questão nova, que foi aliás oportunamente tratada na sentença da 1.ª Instância e proposta no objecto da impugnação dirigida ao Tribunal a quo, como se constata na proposição conclusiva sob a letra T) do respectivo acervo.                                                           

Não se extraindo da factualidade retida que o acidente em causa tenha resultado (causalmente) da inobservância de regras sobre segurança no trabalho por banda da entidade empregadora, não se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilização da R./recorrente nos termos previstos nos arts. 18.º/1 e 37.º/2 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, procedendo, pois, as razões que enformam as proposições conclusivas.

A absolvição da R. patronal do pedido impõe a consequente condenação da co-R. Seguradora como única responsável pela reparação das consequências infortunísticas em que fora já condenada subsidiariamente.

                                               __

                                               III –

                                        DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se conceder a Revista e, em consequência:

1 – Absolve-se a R. patronal «Trabalhos de Engenharia Civil – CC, & C.ª Ld.ª» do pedido;

2 – Condena-se a co-R. Seguradora «HH, Companhia de Seguros, S.A.» a pagar às AA.:

a)AA:

1 - A pensão anual e vitalícia de € 2.055,78, com início a 23.9.2007 (dia seguinte ao da morte do sinistrado), actualizada e actualizável nos termos legais, por referência a 1.1.2008, 1.1.2009, 1.1.2010 e anos seguintes, a ser paga adiantada e mensalmente até ao 3.º dia do mês a que respeitar, correspondendo a cada prestação 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal pagos, respectivamente, nos meses de Maio e Novembro (pensão que passará para € 2.701,04 a partir da idade da reforma por velhice ou no caso de doença que afecte sensivelmente a capacidade de trabalho da A.) e a que se deduzirão os valores que vierem a ser pagos, a final, ao ISS/CNP, correspondentes às quantias entretanto pagas por este Instituto à A.;

2 – A quantia de € 1.612,00, a título de despesas de funeral;

3 – A quantia de € 2.418,00, a título de subsídio por morte;

4 – Juros de mora, à taxa legal devida, desde o vencimento de cada mensalidade da pensão e desde a citação quantos às demais quantias e, em qualquer dos casos, até integral pagamento;

b)À A. BB:

1 – A pensão anual e temporária de € 1.370,52, com início em 23.9.2007 (dia seguinte ao da morte do sinistrado), actualizada e actualizável nos termos legais, por referência a 1.1.2008, 1.1.2009, 1.1.2010 e anos seguintes, a ser paga nos termos sobreditos quanto à primeira A., sendo os subsídios de férias e de Natal pagos também respectivamente nos meses de Maio e Novembro de cada ano, tudo até perfazer os 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando/se afectada de doença que a incapacite sensivelmente par ao trabalho, deduzindo-se o montante que vier a ser pago, a final, ao ISS/CNP, correspondente às quantias entretanto pagas por este Instituto à A.;

2 – A quantia de € 2.418,00, a título de subsídio por morte;

3 - Juros de mora nos sobreditos termos.

c) – A pagar ao Instituto da Segurança Social a quantia liquidada de € 6.595,71, acrescida dos demais valores comprovadamente pagos entretanto às AA., com juros de mora legais.

Custas pela R. Seguradora nas Instâncias e neste Supremo Tribunal.

  

Lisboa, 5 de Janeiro de 2012

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Sampaio Gomes

___________________
[1] - Já com a redacção alterada nos termos do Acórdão da Relação, a fls. 721 v.º.
[2] - Na versão aplicável, a anterior à entrada em vigor das alterações aportadas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
[3]  - ‘Recursos em Processo Civil – Novo Regime’, edição de Dez./2007, pg. 367 e também pgs. 429-30, da 3.ª edição/2010.
[4]  - Apud Manuel de Andrade, ‘Noções Elementares de Processo Civil’, Coimbra Editora, 1976, pg. 214.
[5]  - No mesmo sentido o Acórdão do S.T.J. de 6.5.2010, in www.dgsi.pt.
[6]  - In ‘Estudos sobre o novo Processo Civil’, Lex, pg. 314.
[7]  - A este diploma pertencem as normas adiante referidas sem menção de origem.
[8]  - Acórdão de 14.11.2007, Processo O7S2193, in www.dgsi.pt.