Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
168/18.0T8FVN.C2.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: PRIVAÇÃO DO USO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
RETIFICAÇÃO DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 11/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RERVISTA
Decisão: DEFERIDA A RECLAMAÇÃO, PROCEDENDO-SE AO ESCLARECIMENTO
Sumário :
O dano da privação do uso, tal como calculado pelo tribunal de 1.ª instância, é indemnizado por um valor de 8.655,00 euros à data da sentença (acrescido de juros de mora desde a citação), a que acresce um valor de 15,00 euros por dia, desde a data da sentença até efetivo pagamento da indemnização
Decisão Texto Integral:   

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1. AA e Generali Seguros, S.A., Autor e Ré respetivamente, tendo sido notificados do Acórdão deste Supremo Tribunal, de 14 de julho de 2022, que revogou parcialmente o acórdão recorrido, e repristinou a sentença do tribunal de 1.ª instância, vieram  requerer, nas suas palavras, o seguinte: “(…) subsistindo dúvidas na interpretação a dar quanto ao valor da condenação pela privação de uso e quanto às custas, vêm requerer os seguintes esclarecimentos quanto à interpretação a dar às seguintes questões”.


2. Por acórdão proferido em Conferência, em 27 de setembro de 2022, este Supremo Tribunal caraterizou este requerimento como um pedido de aclaração, legalmente inadmissível, uma vez que o Código de Processo Civil em vigor não consagra a possibilidade de aclaração das obscuridades ou ambiguidades da decisão ou dos seus fundamentos, nos termos que resultavam da alínea a) do n.º 1 do artigo 669.º do anterior código, pelo que não decidiu o pedido solicitado.


3. Inconformado vem, agora, o autor, AA, apresentar novo requerimento em que solicita a nulidade do acórdão proferido em 14 de julho, por entender ser o seu dispositivo ambíguo e obscuro, com o seguinte fundamento:

«1 – Deverá este S.T.J, uma vez declarado que seja a nulidade do acórdão proferido, porque ininteligível quanto ao valor do dano de privação do uso, e em consequência ser o mesmo substituído por outro mais explicito onde seja condenada a Ré a proceder à liquidação do uso, mas contabilizando-o desde o 21º dia após a ocorrência do sinistro, ou pelo menos desde a data em que terminou o uso do veículo de substituição, de acordo com o facto nº 23 dos factos provados, até à data em que venha a ocorrer a liquidação por parte da Ré seguradora e à taxa diária de 15,00€ e não apenas no valor que a 1ª instância liquidou na data em que a sentença foi proferida ( 11/7/2019), uma vez que o A. continuou sem poder usar o seu veículo.

2 – Não sendo declarada a nulidade do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, apesar de haver sido reconhecido que o A. tem direito a ser indemnizado pelo dano de privação do uso, e substituído por outro que conceda ao A. o direito a ser pago por tal dano, mas até à data em que ocorra a liquidação e à taxa diária de 15,00€, verifica-se um enriquecimento ilegítimo da Ré à custa do A. e premear-se-á a inércia daquela na não resolução atempada do sinistro, ou seja na liquidação de tal dano, quando o A. até peticionou que a sua liquidação viesse a ocorrer em execução da liquidação de sentença.

- Declarando a sua nulidade nos termos do artº 615 nº1 / C do C.P.C., e retificando o que ininteligível está, em conformidade com o aqui alegado, VV.Exªs farão a costumada justiça».

 

4. A Seguradora, Generali Seguros, S.A., ré, apresentou resposta, em que sustentou o seguinte:  

«1) A Ré não pode concordar com o entendimento do Autor, uma vez que as duas sentenças de 1ª instância decidiram atribuir um valor com recurso à equidade e não dar provimento ao pedido de condenação em liquidação e o Autor quando recorreu pelas duas vezes para o Tribunal da Relação não se insurgiu contra esta decisão.

2) O Autor quando apresentou os dois recursos para o Tribunal da Relação e depois, um terceiro, para o Supremo Tribunal de Justiça apenas reclamou do valor atribuído e não recorreu do facto de o tribunal não ter condenado a Ré no pagamento em liquidação de sentença;

3) Face ao exposto, a Ré entende que a absolvição da Ré do pedido de condenação em liquidação de sentença ou de um valor que se continuasse a vencer até ao pagamento já transitou;

4) Motivo pelo qual, se requer que o pedido de nulidade do Acórdão seja julgado improcedente e em consequência a Ré seja apenas condenada no pagamento que foi fixado em 1ª Instância».


5. Dada a persistência do conflito entre as partes; entende este Supremo Tribunal de Justiça decidir a questão agora colocada, que reside em saber qual o alcance do dispositivo do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que repristinou a sentença do tribunal de 1.ª instância, e como calculou esta sentença a indemnização pelo dano da privação do uso.


Cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação


1. Sobre a questão agora suscitada diz a sentença do tribunal de 1.ª instância, repristinada pelo Supremo Tribunal de Justiça, o seguinte:

«Deste modo, o Autor tem direito a ser ressarcido pelo dano da privação do uso, ou seja, após cessar a utilização do veículo de substituição e até efectivo pagamento da indemnização devida.

Para calcular a quantia devida pela privação do uso, importa atentar na utilização que o Autor fazia do seu veículo, bem como, que desde 14/12/2017 o Autor deixou de beneficiar de veículo de substituição e ainda não recebeu qualquer indemnização da Ré, por isso, de acordo com a equidade deve ser fixada desde já a quantia global de €8.655,00, correspondente aproximadamente à quantia diária de €15,00».


2. Ora, da leitura deste excerto da sentença resulta claro que a indemnização atribuída para compensar o dano da privação do uso foi determinada à razão de 15,00 euros por dia desde a data em que o autor deixou de dispor do veículo de substituição até efetivo e integral pagamento e que o valor de 8.655, 00 euros consiste apenas no que é devido até à data da prolação da sentença. A este valor deve somar-se juros de mora desde a citação e até efetivo pagamento, e acrescer ainda a quantia de 15, 00 euros por dia desde a data da sentença até à data de efetivo pagamento da indemnização.  

A referência à equidade serve apenas para indicar que o valor de 8.655,00 euros é aproximadamente equivalente a 15,00 euros por dia, desde a data em que o autor deixou de ter um veículo de substituição para o seu trabalho até à data da sentença, mas não significa que o valor da indemnização se esgote nessa quantia. A sentença refere ainda um critério estritamente matemático para cálculo da indemnização desde a data da sentença: o valor de 15,00 euros por dia a partir da data da sentença e até efetivo pagamento da indemnização.


3. Assim, procede-se à retificação do acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, em 14 de julho de 2022, aditando-se o seguinte ao seu dispositivo:

«O valor da indemnização, pelo dano da privação do uso, em que a ré vinha condenada pelo tribunal de 1.ª instância, é o seguinte:

a) 8.655,00 euros acrescidos de juros de mora desde a citação até efetivo integral pagamento e

b) 15 euros por dia desde a data da sentença até efetivo pagamento da indemnização» 


4. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

I – O dano da privação do uso, tal como calculado pelo tribunal de 1.ª instância, é indemnizado por um valor de 8.655,00 euros à data da sentença (acrescido de juros de mora desde a citação), a que acresce um valor de 15,00 euros por dia, desde a data da sentença até efetivo pagamento da indemnização.


III– Decisão

Pelo exposto, decide-se deferir a reclamação e retificar o dispositivo do acórdão de 14 de julho, nos termos descritos. 

Custas pela reclamada.


Lisboa, 8 de novembro de 2022


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Vaz Tomé (2.ª Adjunta)