Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1100/11.7TBCHV-B.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÂO
Relator: PIRES DA ROSA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
EXPROPRIAÇÃO TOTAL
TEMPESTIVIDADE
REQUERIMENTOS
RECURSO SUBORDINADO
Data do Acordão: 09/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: EXPROPRIAÇÕES / DIREITO PROCESSUAL
Legislação Nacional: NCPC: 629.º, N.º 2, AL. D), 671.º,
CÓD. DAS EXPROPRIAÇÕES /91: ART. 53.º;
CÓD. DAS EXPROPRIAÇÕES /99: ART. 3.º, N.º 2, 52.º, N.º 1, 55.º, 66.º, N.º5,
Jurisprudência Nacional: AC. STJ 22-10-2009, AGRAVO 900/05.1TBLSD.S1
AC. STJ DE 10-10-2013, REVISTA 408/03.3TBRMZ.E1.S1
AC. STJ DE 27-05-2010, REVISTA 7652/05.3TBMTS.P1.S1
AC. STJ DE 22-01-2009, AGRAVO N.º 3963/08, 2.ª SECÇÃO
Sumário :
I - Não é admissível recurso para o STJ de decisões interlocutórias, processuais ou mesmo substantivas, proferidas no âmbito de processos de expropriação, uma vez que todas elas são passos de um caminho a caminho da decisão final: o acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização e do qual não é admissível recurso nos termos do art. 66.º, n.º 5, do CExp/99.

II - Tal regra é excepcionada no caso de se mostrar preenchida a previsão do art. 692.º, n.º 2, do CPC, nomeadamente em caso de contradição entre o acórdão recorrido e outro, dessa ou doutra Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito.

III - Existe oposição de julgados se no acórdão recorrido se entendeu que o requerimento de expropriação total tem de ser apresentado dentro do prazo inicial do recurso, não se compadecendo o art. 55.º, n.º 1, do CExp/99 com a interpretação de que tal requerimento pode ter lugar aquando do recurso subordinado, e no acórdão fundamento se entendeu que a referência feita, ao aludido art. 55.º, n.º 1 (do mencionado código), se reporta ao prazo para interpor recurso, seja ele principal ou subordinado.

IV - Prevendo o art. 55.º do CExp/99 que o requerimento de expropriação total tenha de ser apresentado dentro do prazo de recurso da decisão arbitral, nenhuma razão existe para que se entenda que tal pedido necessariamente terá de ser formulado dentro do prazo de interposição de recurso independente, podendo-o ser com a interposição de recurso subordinado.

V - A tal entendimento não obstam argumentos de celeridade, posto que a formulação do pedido de expropriação total dentro do prazo de interposição do recurso subordinado não tem qualquer efeito retardador: a entidade expropriante continua a ter os mesmos 20 dias para responder, quer ao pedido de expropriação total, quer ao recurso subordinado.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Nos autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante

CÂMARA MUNICIPAL DE CHAVES

e são expropriados

AA

BB

CC

DD

foi adjudicada à entidade expropriante a propriedade das parcelas de terreno

nº6, com a área de 2699,62 m2, a destacar de um prédio rústico inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de … com os n.ºs … e descrito na Conservatória de Registo Predial de Chaves sob o n.º … ( tendo a parcela a destacar as seguintes confrontações: norte com EE (parcela 2) e Município de Chaves (parcela 3), a nascente com a Canelha de …, sul com os próprios e a poente com a parcela sobrante );

nº7, com a área de 3 892,49 m2, a destacar de um prédio rústico inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de … com os n.ºs … e descrito na Conservatória de Registo Predial de Chaves sob o n.º …, tendo a parcela a destacar as seguintes confrontações: norte com os próprios, nascente com a Canelha de …, Sul com FF e outros e a poente com os próprios e parcela sobrante.

A entidade expropriante, inconformada com o valor da avaliação referente a essas parcelas, veio interpor recurso das decisões arbitrais.

Notificados, vieram os expropriados: (i) formular pedido de expropriação total, quer das partes sobrantes das parcelas expropriadas quer da parcela nº8; (ii) responder ao recurso da expropriante; (iii) interpor recurso subordinado da decisão arbitral.

A fls. 250 dos autos veio o Município de Chaves responder ao requerimento de expropriação total, pugnando pela sua improcedência.

Sobre tal requerimento de expropriação total veio a recair decisão – constante dos autos a fls.56 e segs. – que deferiu a expropriação das parcelas sobrantes com os nºs 6 e 7.

De tal decisão, bem como da decisão que admitiu tal requerimento “por legal e tempestivo”, veio recorrer a Câmara Municipal de Chaves (cf. alegações de fls. 693 e ss.) tendo o Tribunal da Relação do Porto, primeiro por decisão singular ( fls. 429 a 432 v.), posteriormente confirmado por acórdão de fls. 456 e segs, revogado a decisão recorrida, não se admitindo o pedido de expropriação total por extemporâneo, assim ficando prejudicado o conhecimento do 2.º recurso.

Inconformados, vêm agora os expropriados interpor recurso para este STJ, invocando oposição entre o Acórdão recorrido e outro, proferido igualmente pela Relação do Porto, a 18-06-2008, no âmbito do processo 3982/08.

Concluem os expropriados:

1. O acórdão recorrido está em oposição com o acórdão fundamento, referido no texto de que se junta certidão, ambos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto, no ponto em que divergem, na interpretação do art.55º, nº1, do CExpropriações99, aprovado pela Lei nº168/99, de 18 de Setembro, quanto ao prazo para os expropriados pedirem a expropriação total, pois enquanto o acórdão recorrido limita temporalmente essa possibilidade aos 20 dias do prazo para o recurso principal da decisão arbitral, já o acórdão fundamento acolhe a interpretação que alarga essa possibilidade até ao fim do prazo do recurso subordinado uma vez que este sempre tem por objecto a decisão arbitral e é processado antes da realização da avaliação final, considerada nos arts.61º e 62º do citado Código.

2. Pelo bem fundado do acórdão fundamento, em termos técnico-jurídicos e de justiça material, afigura-se, e pede-se, que esse Supremo Tribunal de Justiça opte por pacificar a divergência, uniformizando, pelo acolhimento, em substância, da posição que aquele assumiu, justificadamente, face à letra do preceito em causa e à interpretação sistemática do mesmo, designadamente a resultante da sua interpretação histórica.

Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.

Sendo a decisão recorrida de Janeiro de 2014 aplica-se aqui o novo regime dos recursos constante do NCPCivil, o CPCivil na versão introduzida pela Lei 41/2013, de 26 de Junho.

Dispõe o seu art.671º, nº1 que cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou alguns dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos,

acrescentando o nº2 que os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objecto de revista: a) nos casos em que o recurso é sempre admissível…

É um facto que a decisão sobre o requerimento de expropriação total é incidental no processo de expropriação litigiosa, não conhecendo – a decisão que recai sobre tal requerimento – do mérito da causa.

Assim, só será possível admitir recurso de revista para o STJ se se entender que, no presente caso, independentemente da natureza da decisão recorrida e das especialidades próprias do processo de expropriação, seria sempre admissível recurso, nos termos em que o art.629º, nº2 – no caso, a al. d ) – no-lo diz: estar o acórdão da Relação em contradição com outro dessa ou doutra Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito …

Conforme tem sido largamente decidido por este STJ, em processo de expropriação não há, para além da Relação – e fora dos casos excepcionais em que o recurso é sempre admissível – recurso de decisões interlocutórias, processuais ou mesmo substantivas, visto que essas decisões são – todas elas – passos de um caminho a caminho da decisão final: o acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização e do qual não é admissível recurso nos termos do art.66º, nº5, do CExpropriações99 ( neste sentido Ac. de 22-10-2009, Agravo n.º 900/05.1TBLSD.S1 – de que foi Relator o ora relator – e Ac. de 10-10-2013, Revista 408/03.0TBRMZ.E1.S1, Relator João Trindade ).

A regra é, então, a não admissibilidade de recurso para o STJ quer do acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização quer das decisões interlocutórias nele proferidas.

Tal regra é, porém, excepcionada no caso de se mostrar preenchida a previsão do art.629º, nº2 ( neste sentido, ainda no âmbito do anterior CPCivil, o nosso acórdão de 27-05-2010, proferido na Revista 7652/05.3TBMTS.P1.S1 ).

Assim, apenas será de conhecer da presente revista se concluirmos que existe, de facto, contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.

E existe.

Dois acórdãos estão em oposição entre si, na solução dada a uma determinada questão jurídica, quando as premissas e os pressupostos que estão na base dessa decisão sejam semelhantes.

Perante situações semelhantes ( do ponto de vista da questão jurídica fundamental ) em que sejam preconizadas soluções diversas, e só perante elas, podemos concluir pela oposição entre acórdãos.

Para se considerar que existe oposição entre dois acórdãos exige-se que, para além de versarem sobre a mesma matéria, tenham na base uma realidade, uma situação de facto semelhante na sua essência, que não justifique um tratamento diferente ( neste sentido ver, entre outros, Ac. do STJ de 22-01-2009, Agravo nº3963/08, 2ª secção, Ferreira de Sousa).

É isso mesmo que se verifica aqui.

Na verdade,

no acórdão recorrido:

a) o requerimento de expropriação total foi feito aquando da resposta/contra-alegações ao recurso intentado pela Câmara Municipal de Chaves, no mesmo momento em que os expropriados intentaram recurso subordinado.

b) a 1.ª instância admitiu-o liminarmente e a Relação, por decisão singular confirmada posteriormente por acórdão, entendeu que a expressão, constante do art.55º, n.º 1, do CExpropriações99 - dentro do prazo do recurso - se refere ao início do prazo para recorrer, não se compadecendo a sua formulação aquando da interposição de recurso subordinado, que sempre será extemporâneo.

c) por estas razões, a Relação revogou a decisão recorrida e não admitiu – por extemporâneo – o requerimento de expropriação total.


no acórdão fundamento ( acórdão da Relação do Porto, constante de fls. 472 e segs):

a) os expropriados interpuseram recurso subordinado da decisão arbitral, tendo nesse mesmo requerimento formulado o pedido de expropriação total do prédio onde se inseria a parcela expropriada;

b) a 1ª instância admitiu o recurso subordinado, mas indeferiu o pedido de expropriação total com fundamento na sua extemporaneidade, sendo que o Tribunal da Relação do Porto entendeu que o prazo para apresentação do pedido de expropriação total é o do recurso da decisão arbitral, razão pela qual se o expropriado pode optar por interpor recurso principal ou recurso subordinado, tem de se entender que o prazo para requerer a expropriação total tem de ser alargado ao prazo para interpor recurso subordinado.

Assim, estando os expropriados em tempo para interpor recurso subordinado, estão igualmente em tempo para requerer a expropriação total.

Ou seja: efectivamente as soluções adoptadas no acórdão recorrido e no acórdão-fundamento são diversas e versam sobre a mesma questão – tempestividade de apresentação do requerimento de expropriação total – razão pela qual a oposição de julgados se verifica.


~~


Assente que o STJ pode conhecer da presente revista – por se verificar a necessária oposição de julgados – resta apreciar a questão de saber até que momento é possível requerer a expropriação total: só no prazo de interposição de recurso principal da decisão arbitral? Ou ainda no requerimento de interposição de recurso subordinado?.

No anterior CExpropriações91 - art.53º - a tramitação do pedido de expropriação total devia ocorrer na fase administrativa, de modo a que, num mesmo momento, os árbitros pudessem proceder à avaliação da parte objecto de declaração de utilidade pública e da parte restante.

Assim, no âmbito daquele código, se o pedido não fosse formulado dentro de 7 dias, após a notificação da constituição da arbitragem, extinguia-se o correspondente direito ( art.279º do CPCivil ).

Com o CExpropriações99 o incidente foi transposto para a fase judicial.

Atendendo a que o poder dos árbitros finda com a notificação da respectiva decisão às partes, se aqueles não tiverem procedido à avaliação da parte não abrangida pela declaração de utilidade pública, se o expropriado pretender a expropriação total terá de interpor recurso do acórdão arbitral.

A situação de expropriação total não se configura como uma verdadeira e autónoma expropriação.

Com efeito, como se dispõe no art.3º, nº2 quando seja necessário expropriar apenas parte de um prédio, pode o proprietário requerer a expropriação total (a) se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio; (b) se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente.

Do lado do proprietário, que se vê atingido por uma declaração de utilidade pública que afecta parte de um prédio da sua titularidade, temos não uma livre vontade de alienar, mas sim um exclusivo propósito de evitar um prejuízo maior, em consequência do fraccionamento do imóvel.

Do lado do expropriante também não temos um acto livre de aquisição da parte não abrangida, mas sim um ónus, que se pode traduzir numa quase compra forçada.

Dito isto:

o art.55º do CExpropriações99, no seu nº1, dispõe que dentro do prazo de recurso da decisão arbitral podem os interessados requerer a expropriação total, nos termos do nº2 do art.3º.

Entendeu o acórdão recorrido que esta referência a dentro do prazo de recurso da decisão apenas se pode identificar com o prazo previsto no art.52º, nº1, do mesmo diploma, que estatui que o recurso da decisão arbitral deve ser interposto no prazo de 20 dias a contar da notificação realizada nos termos da parte final do nº5 do artigo anterior …

Mas este nº1 não acaba aqui. Continua … sem prejuízo do disposto no CPCivil sobre interposição de recursos subordinados, salvo quanto ao prazo…

Expressamente o legislador previu e salvaguardou, aqui, a aplicação do disposto no CPCivil a propósito do recurso subordinado.

E se assim é – e é assim - e se o art. 55º do CExpropriações99 prevê que o requerimento de expropriação total seja feito dentro do prazo do recurso da decisão arbitral…, nenhuma razão obste a que se entenda que o pedido de expropriação total possa ser feito quer no requerimento de interposição de recurso independente da decisão arbitral, quer no requerimento de interposição de recurso subordinado como entendeu o acórdão-fundamento.

Com efeito, uma vez notificado da decisão arbitral o expropriado ou se conforma perante a perspectiva de o processo terminar nesta fase, recebendo a quantia arbitrada ( evitando eventuais incómodos e custos que um processo judicial sempre acarreta ) ou, confrontado com o inconformismo da expropriante, procura salvaguardar todos os seus interesses pedindo a expropriação integral do bem.

Aliás, a formulação do pedido de expropriação total dentro do prazo de interposição do recurso subordinado não tem qualquer efeito retardador: a entidade expropriante continua a ter os mesmos 20 dias para responder, quer ao pedido de expropriação total, quer ao recurso subordinado.

No que aqui importa:

tendo os expropriados interposto recurso subordinado, e sendo o mesmo tempestivo, é igualmente tempestivo o requerimento de expropriação total pelos mesmos apresentado.

Procede o recurso de revista.


~~


Decisão

Na procedência do recurso, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido e considerando-se tempestivo o requerimento de expropriação total formulado pelos expropriados.

Em consequência, deverão os autos baixar ao tribunal recorrido para que conheça do mérito do recurso, na parte cuja apreciação ficou prejudicada pela decisão agora revogada.

Sem custas.

Notifique.

Lisboa, 18 de Setembro de 2014

 

João Pires da Rosa (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova