Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | DECLARAÇÕES DO ARGUIDO NULIDADE MEIOS DE PROVA EFICÁCIA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO HOMICÍDIO PRIVILEGIADO INFANTICÍDIO | ||
Data do Acordão: | 05/23/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / PRODUÇÃO DE PROVA / SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO. DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA. | ||
Doutrina: | - Adriano Teixeira, Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato, Marcial Pons, 2015; - Américo Taipa de Carvalho, Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal, Liber Discipulorum, Coimbra Editora, p. 317 e ss.; - Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Pena Privativa de Liberdade; - Curado Neves, O homicídio privilegiado na doutrina e na jurisprudência do STJ, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 11, 2001, p. 181; - Fernando Barbosa Ribeiro, O Crime de Infanticídio, Análise Forense sobre a Influência Perturbadora do Parto, (Tese de mestrado em Direito). Março de 2015, Lisboa, p. 41; - Fernando Silva, Direito Penal (AAFDL-1984), II, p. 94 ; Direito Penal Especial, Os Crimes contra as Pessoas, Crimes contra a Vida; Crimes contra a Vida intra-uterina; e Crimes contra a Integridade Física, 4.ª Edição, 2017, Quid Juiris, p. 139-146; - Figueiredo Dias, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 146º (Setembro-Outubro de 2016), n.º 1400, p. 9-10; - José Manuel Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial – Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num processo de Estrutura Acusatória, Publicações Universidade Católica, Porto, 2002, p. 564; - Michelle Taruffo, La motivación de la Sentencia Civil, Editorial Trotta, Madrid, 2011, p. 19; - Sousa e Brito, Direito Penal (AAFDL-1984), II, p. 64; - Taruffo, Michele, Paginas sobre Justicia Civil, Processo e Direito, Marcial Pons, Madrid, 2009, p. 516 e 517. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 355.º, 356.º, 374.º, N.º 2, 379.º, N.º 2 E 410.º, N.º 2, ALÍNEAS A), B) E C). CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 71.º, N.º 1, 131.º, 133.º E 136.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 27-06-2007, CJSTJ, TOMO II, P. 230; - DE 14-07-2010, RELATOR RAÚL BORGES; - DE 11-10-2012, RELATOR MANUEL BRAZ, IN WWW.DGSI.PT; - DE 12-09-2013, RELATOR HENRIQUES GASPAR; - DE 13-11-2013, PROCESSO N.º 33/05.0JBLASB-C1.L1; - DE 13-11-2013, PROCESSO N.º 398/12.8JAPRT.P1.S1; - DE 07-09-2016, RELATOR SANTOS CABRAL,IN ; - DE 28-06-2017, RELATOR MANUEL AUGUSTO MATOS. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO N.º 607/2003. | ||
Sumário : | I - A regra proibitiva contida no art. 355.º, do CPP inculca a necessidade de salvaguarda de exposição do arguido a uma intrusão, desabusada e alheia ao iter processual probatório do processo de formação da convicção do tribunal (de julgamento), de elementos de prova que não hajam sido avaliados e postos à disposição dos sujeitos processuais interessados e involucrados no julgamento do caso desconectado e cindindo a plenitude do referente de defesa do arguido. II - Fincados neste invadeável vector do conceptualismo jus-processual caberá indagar se a utilização de um elemento probatório na indicação dos meios de prova utilizados pelo tribunal para reapreciar a decisão de facto – acompanhada de outros elementos – poderá crismar-se de nulidade susceptível de afectar o julgamento e/ou afectar a validade endo-processual e estrutural de uma decisão judicial. Os actos feridos de nulidade – ou cuja nulidade deva ser declarada por terem sofrido um desvio de formalismo ou injunção negativa de um direito jus-fundamental – não podem deixar de ser apreciados no conspecto jus-processual em que são proferidos e nas consequências e implicações internas (endo-processuais) para que tendem. III - Os actos declarados írritos, como bem se referiu no douto despacho que desatendeu a arguição de nulidade, com as correlativas consequências que daí se pretendiam extrair, só poderiam ter a virtualidade de afectar o libelo acusatório, se da ponderação do conjunto das provas recolhidas, em sede de inquérito, se tornasse de todo em todo impossível constituir um feixe de factos consubstanciadores de um juízo de indiciação criminosa para os arguidos. IV - Os actos nulos só afectam aqueles que deles dependam de forma directa, ou aqueles que por virtude da inutilização que o acto írrito reverbera deixam de poder produzir os efeitos para que estavam destinados se o acto gerador se mantivesse incólume. A inutilização dos actos indicados no despacho sob impugnação não era susceptível de afectar a validade formal e substancial do libelo acusatório, mas tão só os actos que dependessem directamente da sua eficácia interna. V - A nulidade cometida pelo tribunal recorrido não assume relevância no conspecto analítico das provas a que o tribunal recorreu para reapreciar a impugnação efectuada pela recorrente. Assumiria valor decisivo e dirimente de uma ajustada e correcta formação e elaboração da convicção do tribunal se tivesse sido o único e concludente meio de prova a que o tribunal se inerisse para constituir um juízo de culpabilidade do arguido. No entanto, como resulta evidente da justificação/demonstração discorrida no acórdão recorrido, as declarações da arguida compõem, ou são um elemento adjuvante da formação da convicção do tribunal. VI - O art. 374.º, do CPP, ao referir-se, no n.º 2, à obrigação de “fundamentação” da decisão não terá deixado de ter presentes os conceitos que atrás se deixaram esquissados e terá querido inculcar uma função fundamentadora, com explicitação dos “motivos” em que assentam e radicam as premissas, lógico-dedutivas, que justificam as razões pelas quais o proponente (o juiz) assume o juízo valorativo em que se irá verter a solução adoptada. Ao fundamentar o proponente (juiz) exprime ou exterioriza as razões, argumentos e razoamento em que funda a sua convicção valorativa advinda do conjunto de elementos probatórios que lhe foram aportados pelos sujeitos processuais. VII – A motivação é informada, ou perpassada, por um princípio basilar, qual seja o da completude. No entanto, torna-se necessário eliminar um equívoco, consistente em considerar que a motivação é uma espécie de registo do razoamento que o juiz desenvolveu para chegar à decisão. A falta de fundamentação não se confunde, ou não pode ter a mesma dimensão compreensiva, da falta de convencimento que essa fundamentação opera no destinatário. VIII – Se o tribunal recorrido entendeu que a pena aplicada e, consequentemente, a sua justificação/fundamentação eram as adequadas e ajustadas e que, em seu juízo, a impugnação formulada pela recorrente ficava satisfeita com essa explicação, não vemos porque não usar a fundamentação da pena, ineri-la na sua própria decisão e tomá-la como suficiente e capaz para dar solução e resposta à pretensão recursiva que lhe foi pedido resolver. Não ocorre, nesta compreensão da fundamentação da pena, que satisfaz a pretensão da recorrente, falta de fundamentação da decisão sob recurso. IX - A insuficiência da matéria de facto provada para a decisão reconduz-se a uma ausência de materialidade substancial, isto é, uma omissão factual contextualizada que inviabiliza e impede que o tribunal possa validamente operar uma adequada e correcta subsunção à previsão ilícito-material contido no preceito incriminatório da facticidade adquirida para o teor decisório. O tribunal podia e devia ter apurado factos que lhe permitissem obter uma factualidade consistente donde fosse possível extrair um veredicto de direito ajustado ao caso. X - Não cabe na insuficiência da matéria de facto a alegação, ou verificação, de carência ou incapacidade probatória do tribunal para congraçar a realidade que lhe foi posta para julgamento, vale dizer impossibilidade de lograr alcançar um liquet para sustentação dos enunciados fácticos propostos para enformação da realidade jurídica proposta para julgamento. Neste caso do que se tratará é de uma falência probatória ou uma errada apreciação dos elementos de facto que forma aportados para o processo e que o tribunal equacionou de forma não correspondente a um ajuizamento atinado com razão e com o razoamento lógico-racional que, a verificar-se, deverá determinar a falência histórico-factual dos enunciados fácticos que foram propostos ao tribunal para julgamento e segundo as várias soluções de direito que poderiam ser encaradas para a solução do caso. XI - Não se descortina qualquer insuficiência e não se apreciará a impugnação que é adiantada pela recorrente, por convencimento seguro de que a matéria que a recorrente pretende ver discutida está adequadamente julgada e adquirida para resolução do caso. Nem o STJ é a sede adequada para emitir pronúncia sobre a “impugnação” factual adiantada pela recorrente. XII - Posto em dia com os elementos definidores e integradores do crime de homicídio privilegiado, que a recorrente enseja dever ser subsumida à sua conduta, teremos de conceder que quem age com a compassividade que a facticidade evidencia, sem assomo de emotividade ou de sentimentalismo, tanto durante a gravidez, como durante a expelição da criança, como derradeiramente ao ensacar o infante que havia acabado de trazer ao mundo, colocando-o num saco plástico – devidamente embrulhado em peças de roupa – e, finalmente, escondendo-o/guardando num armário/roupeiro à espera de uma boa ocasião para se desfazer do filho mais poderia ver a sua conduta integrada no crime de homicídio qualificado do que no de privilegiado. XIII - A matéria de facto provada não revela, ou evidencia, qualquer factor perturbador ou indiciador desespero. A arguida agiu com total despojamento ou afirmação de respeito pelo ser que pôs no mundo e tomou a decisão de lhe tirar a vida de forma consciente e sem resquício de desespero ou sinal de perturbação pelas consequências. A arguida agiu com impavidez e com o único intuito de se libertar de um “peso” que, certamente, há já algum tempo lhe trazia inquietações e interpelações incómodas no seu local de trabalho. A conduta da arguida, tal como vem narrada e descrita na factualidade provada, não é passível de preencher os elementos integradores do crime infanticídio, tal como ensejava na sua pretensão recursiva. Com este desfeiteamento da pretensão atinente à alteração da subsunção da conduta da arguida ao tipo de homicídio privilegiado e de infanticídio sobre a incriminação pelo tipo ilícito básico operado pelas instâncias, ou seja, de forma definitiva, consumou a arguida um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131.º, do CP. | ||
Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO. Acusada, pelo Ministério Público, junto do tribunal de Leiria, pela prática, em autoria material, e, em concurso efectivo, de dois (2) crimes de profanação de cadáveres previstos e punidos pelo artigo 254º, nº 1; um (1) crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas a) [ascendente da vítima], c) [pessoa particularmente indefesa em razão da idade], j) [frieza de ânimo, reflexão sobre os meios empregados e persistência na intenção de matar por mais de 24 horas]; e 1 (um) crime de profanação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254º, nº 1, alínea a), do Código Penal (quanto ao recém-nascido registado com o nome AA), todos consignados no Código Penal, veio a ser submetida a julgamento BB, [...] Após julgamento, em decisão prolatada, em 8/05/2014, foi decidido: “a) Absolver a arguida da prática do crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo art. 254, 1, al. a) do C. Penal; b) Absolver a arguida da prática do crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo art. 254, 1, al. a) do CPenal; c) Absolver a arguida da prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º, 132º, 2, als. a), c) e j) do C. Penal; d) Condenar a arguida pela prática, como autora material, de um crime de profanação de cadáver (quanto ao recém-nascido registado com o nome AA), p. e p. pelo art. 254, 1, al. a), do C. Penal, na pena de dez meses de prisão; e) Condenar a arguida pela prática, como autora material, de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131º do Código Penal, na pena de 10 anos de prisão; e f) Em cúmulo, condenar a arguida na pena única de 10 anos e 4 meses de prisão.” Por acórdão do tribunal da Relação de Coimbra, datado de 27/05/2015, - fls. 1412-1441 - foi concedido provimento ao recurso interposto pelo MºPº e, em consequência, ordenado o reenvio do processo para novo julgamento a fim de se apurar com toda a clareza se a arguida tomou a decisão de que no final da gravidez daria o seu filho para adopção ou se a mesma foi adiando tal opção ou nem sequer a tenha efectuado – “e, após, ser proferida nova decisão, em conformidade (artº 426º, nº 1 e 426º-A nºs 1 e 2 CPP).” Realizada audiência de julgamento, no tribunal de comarca, em acórdão prolatado, em 9 de Março de 2016, foi decidido (sic): “Nos termos expostos, acordam os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo - relativamente ao objecto do processo delimitado pelo douto Ac. V. TR Coimbra, e ao consequente reenvio para novo julgamento (parcial) ordenado nos termos dos artºs. 426º nº 1 e 426º-A nºs 1 e 2 do CPP - em : i) Julgam a acusação improcedente e não provada relativamente ao imputado crime de homicídio qualificado na forma consumada, p. e p. nos artºs 131º e 132º nºs 1 e 2 als. a), c) e j) do Cod. Penal e, consequentemente, absolvem a arguida BB da prática do imputado crime de homicídio qualificado. Não obstante, operando a respectiva convolação: ii) Condenam a arguida BB pela prática em autoria material de um crime de homicídio simples, na forma consumada, p. e p. no artº 131º do Cod. Penal, na pena de dez anos de prisão. iii) Operando o respectivo cúmulo jurídico da pena supra fixada em i) com a pena de 10 meses de prisão aplicada pela prática do crime de profanação de cadáver fixada na al. c) do dispositivo do douto acórdão de 08/05/2014 proferido nos autos, condenam a arguida BB na PENA ÚNICA de dez anos e quatro meses de prisão.” No recurso interposto da decisão acabada de transcrever, o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão datado de 26 de Outubro de 2016, viria a declarar a nulidade do acórdão recorrido e, em consequência, determinada a sua substituição por outro acórdão que supra a apontada nulidade. iii) Operando o respectivo cúmulo jurídico da pena supra fixada em i) com a pena de 10 meses de prisão aplicada pela prática do crime de profanação de cadáver fixada na al. c) do dispositivo do douto acórdão de 08/05/2014 proferido nos autos, condenam a arguida BB na PENA ÚNICA de dez anos e quatro meses de prisão.” 2. O presente recurso vem assim interposto do Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que decidiu em negar provimento ao recurso apresentado, mantendo o Douto Acórdão de 1.ª Instância, na Integra, e diga-se “d) Condenar a arguida pela prática, como autora material, de um crime de profanação de cadáver (quanto ao recém-nascido registado com o nome AA), p. e p. pelo art. 254, 1, al. a), do C. Penal, na pena de dez meses de prisão [1.ºAcordam os juízes que constituíram o Tribunal Colectivo no Extinto Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos em (…)]; “ ii) Condenam a arguida BB pela prática, como autora material, de um crime de homicídio, p. e p. pelos arts. 131º do Código Penal, na pena de dez anos de prisão. E Consequentemente (acrescento nosso) ii) Operando o respectivo cúmulo jurídico da pena supra fixada em i) com a pena de 10 meses de prisão aplicada pela prática do crime de profanação de cadáver fixada na al. c) do dispositivo do acórdão de 08/05/2014 proferido nos autos, condenam a arguida BB na PENA ÚNICA de dez anos e quatro meses”. [2.ºAcordam os juízes que constituem este Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de Leiria – relativamente ao objecto delimitado pelo douto Ac. VTR Coimbra e o consequente reenvio para novo julgamento (parcial) ordenado nos termos dos artºs. 426.º, n.º1 e 426.º-A, n.ºs 1 e 2 do C.P.P (…)]. 3. A Arguida/Recorrente sustenta o presente recurso nos seguintes pilares: I) QUESTÃO PRÉVIA: - Da nulidade da douta decisão da Relação de Coimbra – Violação dos artigos 355.º, 141.º, n.º 4, 357.º e 355.º e 5.º do C.P.P; - Da nulidade da douta decisão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra: Violação dos artigos 379.º, n.º1, al. c); 374.º, n.º2 e 97.º, n.º5 todos do CPP e 71.º, n.º3 do Código Penal; - Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [artigo 410.º, n.º2, al. a) do C.P.P] – Vício de conhecimento oficioso. II) Da violação do artigo 133.º do C.P, ou em alternativa do artigo 136.º do Código Penal por não subsunção dos factos a tais tipificações legais, com exclusão da aplicação das mesmas; III) Da Suspensão da execução da pena – Violação do artigo 50.º do Código Penal. IV) Da determinação das penas parcelares – Violação das normas do artigo 131º, 254º nº 1, al. c), 71.º, 40.º, n.º1 e nº 2 e 45.º do Código Penal. V) Da Violação do artigo 72.º e 73.º do Código Penal: necessidade de atenuação especial da pena. VI) Determinação da pena única – Violação do artigo 77.º do Código Penal. I) QUESTÃO PRÉVIA: 4. Na esteira do artigo 434.º do C.P.P determina-se que, e transcreve-se “Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º (sublinhado nosso), o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito.” 5. Salvo melhor entendimento, a lei consagra, e face ao evidenciado supra, que não obstante o recurso apresentado apenas deva incidir sobre questão de direito, o Tribunal “ad quem” pode apreciar outras questões. 6. Aliás, às nulidades, em concreto, a que invocaremos relativa aos meios de prova utilizados/analisados (410.º, n.º3 C.P.P) tem sido entendimento e cite-se que “O STJ, enquanto tribunal de revista, cinge o seu poder de cognição matéria de direito, estando fora da sua competência exercer censura sobre a valoração a que as instâncias procederam dos diversos meios de prova. II. Mas a apreciação da legalidade das provas de que o tribunal recorrido se serviu para fixar a matéria de facto, designadamente se elas envolvem violação da lei, cabe ao STJ, porque se está perante matéria de direito. Ac. STJ de 27-01-2009: sumário retirado da CJ (STJ), 2009, T1, pág.208).” 7. E, por outro lado, no que concerne aos vícios daÍ resultantes tem sido entendimento do STJ que “ao pronunciar-se de direito, nos recursos que para si se interponham, o S.T.J. tem que dispor de uma base factual escorreita, no sentido de se apresentar expurgada de eventuais insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos. Por isso conhece dos vícios aludidos por sua iniciativa. Aliás, tem mesmo de os conhecer, nos termos do acórdão para fixação de jurisprudência de 19/10/1995, do Pleno das Secções Criminais deste) S.T.J. (Pº 46580-3ª, in D.R. Iª série – A, de 28/12/2005).” – (Acórdão do STJ de 09-09-2010). Da Nulidade da douta decisão da Relação de Coimbra – Violação dos artigos 355.º, 141.º, n.º 4, 357.º, 355.º e 5,º do C.P.P 8. A ora Recorrente apresentou Recurso junto da Relação de Coimbra sendo Proferido Douto Acórdão que na esteira da inerente fundamentação e aquando da apreciação da matéria invocada pela Arguida ora Recorrente que havia sido dada como provada – Erro de Julgamento - o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra socorre-se das declarações prestadas em 1.º interrogatório - Acta de fls. 77 a 119 – leia-se declarações prestadas perante a JIC e transcritas a fls. 151 a 182. 9. Assim sendo, o douto Acórdão da Relação de Coimbra efectiva uma análise e avaliação/fundamentação, e diremos nós “esmiuçada” do 1.º Interrogatório Judicial (para o qual se remete expressamente no sentido de que se perceba a argumentação infra. 10. E após a análise constatadas supra o Douto Acórdão Proferido pela Relação de Coimbra determina que “como é de fácil constatação, a arguida nunca referiu que desfalecera ou que desmaiara, ao contrario da versão que apresentou em audiência de julgamento, visando convencer o tribunal que a morte do filho fora causada por asfixia devido ao próprio parto e que não conseguiria prestar-lhe auxilio porque desfalecera.”, Mais concluindo que “percebe-se que a arguida faltou à verdade na audiência para se furtar à responsabilidade”; “logicamente as suas declarações não merecem qualquer credibilidade, salvo quanto ao facto notório de que teve fortes dores no parto.” 11. Ora, salvo douto entendimento com tal fundamentação levanta-se questão de direito fundamental, de apreciação do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, e que haverá de conduzir à Nulidade do Douto Acórdão da Relação de Coimbra, porquanto, o Douto Tribunal “a quo” fundamenta a sua convicção em prova que salvo melhor opinião, não foi alvo de valoração na senda da Douta Audiência de Julgamento, e nem o poderia. 12. A Arguida, ora Recorrente, foi ouvida em 1.º Interrogatório Judicial a 04 de Setembro de 2012 perante JIC, ou seja perante Autoridade Judiciária, nos termos do artigo 1.º, al. b) do C.P.P, e à altura da sua audição não se encontrava ainda publicada a Lei 20/2013 de 21 de Fevereiro. 13. Tal diploma (e confrontando a sucessão de leis no tempo) veio introduzir grandes alterações em concreto o disposto no n.º 4 do artigo 141.º do C.P.P quanto ao interrogatório judicial de arguido detido e subsequentemente quanto ao artigo 357.º do C.P.P (utilização em Audiência de declarações prestadas perante Autoridade Judiciária) 14. Ora, à data do 1.º Interrogatório da Arguida, ora Recorrente, ainda não se encontrava em vigor tal versão do artigo 141.º e artigo 357.º ambos do C.P.P com as alterações introduzidas pela Lei 20/2013 de 21 de Fevereiro. 15. Assim, e nesta linha de raciocínio, determina o artigo 355.º do C.P.P e cite-se “1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. 2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.” 16. Assim e salvo melhor entendimento, a convicção e fundamentação tem que assentar e tão só na prova produzida em sede de audiência de julgamento, o mesmo raciocínio se aplicando para a Douta Relação. 17. Ademais, mesmo que o 1.º Interrogatório tivesse ocorrido já com a aplicação à luz da alteração introduzida pela Lei 20/2013, o que não correu (e não se defende face ao principio da Lei mais favorável), certo é que as mesmas declarações (e considerando com aplicável tal lei, o que não se defende) sempre haveriam de ser produzidas em Audiência de Julgamento e aí lidas, o que não se efectivou. 18. Aliás, é perceptível tal necessidade, trazida pelas alterações da Lei 20/2013, à luz dos princípios da imediação e do contraditório. 19. Assim, face ao erro de julgamento invocado pela Arguida/Recorrente perante o Tribunal da Relação de Coimbra, e que entendia que haveriam de ser provados determinados factos fundamentais [em concreto: a) “No de decurso do parto a Arguida sentiu fortes dores, tremores, muito frio”; b) “A Arguida encontrava-se tapada por um lençol, um cobertor de Verão e uma manta”; c)“Após o nascimento e embora tivesse constatado que recém-nascido estava vivo porquanto chorou, a arguida desfaleceu, sendo que quanto recuperou as forças sentiu algo frio junto às suas pernas, sem qualquer movimento e sem qualquer choro”; d) “A Arguida não conseguiu prestar auxílio ao recém-nascido”; e)“Acto consecutivo e não querendo ver o que tinha ocorrido e pretendendo limpar tal imagem, a Arguida embrulhou a criança numa toalha e numa camisola em malha de várias cores – preto, verde, azul e vermelho-, juntamente com a placenta e colocou num saco de plástico amarelo com a cabeça no fundo do mesmo e os pés para cima, o qual atou com duplo nó cego, não mais se preocupando com tal saco”]o Venerando Tribunal da Relação descartou tal possibilidade baseando-se fundamentalmente em prova legalmente proibida formulando a sua convicção com base em declarações prestadas em 1.º Interrogatório Judicial, que não consubstanciam meio de prova tal como já expressado supra. 20. Desta feita, nos termos das disposições conjugadas do artigo 355.º do C.P.P e artigo 122.º, n.º1 do mesmo diploma legal tal violação consubstancia-se como nulidade, que expressamente se argui para os devidos e legais efeitos (neste sentido Acórdão do STJ de 27-06-2007, embora quanto à não leitura de tais declarações em Audiência de Julgamento – artigo 357.º C.P.P). 21. Nestes termos, o douto acórdão da Relação de Coimbra violou o disposto nos artigos 355.º, 141.º, n.º4, 357.º, 355.º e 5.º do C.P.P. porquanto tais norma devem ser interpretadas não olvidando a aplicação da sucessão das leis no tempo, o princípio da lei mais favorável à arguida e mesmo que assim não se entendesse, a utilização/apreciação da prova para formação de convicção não levada a audiência de julgamento (em concreto leitura de declarações em sede de audiência de julgamento), cominando tal violação em nulidade nos termos do artigo 122º do CPP, o que expressamente se argui para os devidos e legais efeitos. Da Nulidade da douta decisão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra: Violação dos artigos 379.º, n.º1, al. c); 374.º, n.º2 e 97.º, n.º5, todos do CPP e 71.º, n.º3 do Código Penal 22. A ora Recorrente na senda de Recurso apresentado perante a Relação de Coimbra evidenciou e para efeitos de apreciação que a pena aplicada quer ao crime de homicídio, quer ao crime de profanação de cadáver se haveriam de fixar junto ao limite mínimo. 23. Face a tal questão levada à apreciação do Venerando Tribunal da Relação, este limita-se a debruçar-se sobre o crime de homicídio e a determinação da medida parcelar quanto ao mesmo, nada evidenciando quanto ao crime de profanação de cadáver apenas constatando e transcreve-se “Ora bem. Tomando em consideração os critérios definidos nos artigos 71.º e seguintes do Código Penal, nomeadamente a culpa da arguida, as exigências de prevenção do crime, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins e motivos que a determinaram, as condições pessoais e económicas da arguida, a sua conduta, a conduta posterior e anterior do facto, consideramos adequada a aplicação à arguida das penas parcelares de 10 anos de prisão e da pena única de dez anos e quatro meses de prisão.” 24. Assim, determina o artigo 374.º, n.º2 do C.P.P e devidamente adaptado, face a Decisão da douta relação que, e transcreve-se “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. 25. E na esteira do artigo 97.º do C.P.P todos os actos decisórios devem ser fundamentados. 26. E, ademais, determina o artigo 71.º, n.º3 do Código Penal que, e transcreve-se “ na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”. 27. No mesmo sentido, para efeitos cominatórios, determina o artigo 379.º, n.º2 do C.P.P que É Nula a Sentença (…) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.” 28. Ora, no caso em concreto o Douto Tribunal “ a quo”, não obstante analise o crime de homicídio simples no âmbito da determinação da medida parcelar da pena, nada diz e neste sentido quanto ao crime de profanação de cadáver, apenas e tão só na operação subsequente de cúmulo jurídico evidencia e gize-se mais uma vez, “Consideramos adequada a aplicação à arguida das penas parcelares de 10 anos de prisão e de 10 meses de prisão e da pena única de dez anos e quatro meses de prisão”. 29. Nestes termos o douto acórdão da Relação de Coimbra violou o disposto nos artigos 379.º, n.º1, al. c); 374.º, n.º2 e 97.º, n.º5, todos do CPP e 71.º, n.º3 do Código Penal porquanto não se pronunciou quanto á questão suscitada, limitando-se a efectivar-lhe referência, sem qualquer fundamentação, ocorrendo assim em nulidade que expressamente se argui perante o Venerando Supremo Tribunal de Justiça. Da Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [artigo 410.º, n.º2, al. c) do C.P.P] – Vício de conhecimento Oficioso. 30. Conforme já evidenciado supra o vício que ora se evidenciará é de mero conhecimento oficioso. Não obstante e a titulo cautelar sempre se dirá, 31. A propósito dos vícios do artigo 410.º, nº2 do C.P.P, determina-se especificamente, e quanto ao que se considera relevante que “(…) a Insuficiência da matéria de facto (al a), do n.º2, do artigo 410.º do C.P.P só se pode ter como existente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão fixada (Ac . STJ de 98.03.11 – Processo 186/98)”. 32. Diga-se ainda a propósito de tal vício que “ A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto na al. a) do n.º2 do artigo 410.º do C.P.P, consiste na formação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto dada como provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta. A referida insuficiência resulta do Tribunal não ter esgotado os seus poderes de indagação relativamente à matéria de facto essencial; no cumprimento dos deveres da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais longe; não o tendo feito, ficaram por investigar factos essenciais, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa (Ac. do STJ de de 98.11.14, Processo n.º 588/98)” 33. A ora Arguida/Recorrente e em sede de recurso apresentado perante ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra evidenciou que o Douto Tribunal de Primeira Instância deu como provada matéria que não o haveria de ter dado e deu como não provados factos que os não haveria de ter dado enquanto tal. 34. Ademais a Arguida ora Recorrente defendeu que deveriam ter sido dados como provados determinados factos diga-se os já evidenciados no ponto 19. das presentes conclusões. 35. Ora, com a fundamentação apresentada pelo Douto Tribunal da Relação de Coimbra, tendo por base prova legalmente inadmissível conforme nulidade invocada anteriormente [questão prévia invocada] o Douto Tribunal da Relação rejeitou por completo os factos que a Arguida entendia que haveriam de ter sio dados como provados. 36. O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra na mesma medida em que rejeita que sejam dada como provados os factos que a Arguida o entende que haveriam de ter sido tidos enquanto tal nomeadamente e quanto aos dois primeiros items [evidenciados no ponto 19. a) e 19 b) das presentes conclusões de Recurso] evidencia que e, transcreve-se “As declarações da arguida salvo quanto à dores horríveis que teve no parto não merecem qualquer credibilidade”, gizando-se mais uma vez “Logicamente as suas declarações não merecem qualquer credibilidade, salvo quanto ao facto notório de que teve fortes dores no parto”. 37. Portanto merecerem credibilidade as dores horríveis sentidas pela arguida, mas não deve ser dado como provado que “No decurso do parto a Arguida sentiu fortes dores, tremores e muito frio”???? 38. Acresce que, e na esteira da Douta Fundamentação o Venerando Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra socorre-se de transcrição de outro Acórdão, que “ a contrario”, e diremos nós, retracta o evidenciando estado de agitação e desassossego aquando de um parto. 39. Mais citando ainda tal Acórdão de onde se faz constar “É fato biológico bem estabelecido que a parturição desencadeia uma subida queda em níveis hormonais e alterações bioquímicas no sistema nervoso central”. 40. De igual forma esguia o douto tribunal “a quo” não dá como provado facto que a Recorrente pretendia ver dado como tal, diga-se: “b) “A Arguida encontrava-se tapada por um lençol, um cobertor de Verão e uma manta”, mas socorre-se de declarações em sede de 1.º Interrogatório ( com as criticas já evidenciadas supra) em que a Arguida falou em mantas, mais evidenciando declarações do Inspector da PJ que fala em lençóis e num edredão ???? 41. Ora, da prova efectivada e diga-se até da própria fundamentação apresentada pelo Douto Tribunal da Relação haveria de ter sido considerados factos fundamentais, havendo os mesmos de ser julgados e subsequentemente provados. 42. Pergunta-se: 1- “é credível que a Arguida tivesse tido dores horríveis (facto que se admite mas não se dá como provado), não se admitindo que pudesse ter tido tremores e frio?????” ( aliás como resulta da prova produzida). 2- Aos olhos do Venerando Tribunal da Relação a Arguida/Recorrente passou inócua a um parto, ao fenómeno atinente ao mesmo e às dores e alterações psicossomáticas naturalmente associadas a tal fenómeno biológico? Porque exclui o douto tribunal a existência in loco, diga-se na cama da arguida de lençóis, um edredão de verão e um manta e que a Arguida/Recorrente pudesse estar coberta pelos mesmos, quando efectiva transcrições onde constata tal existência e tal realidade??? 43. Por outro lado, o Douto Tribunal da Relação fundamenta a sua posição no sentido de que ocorreu asfixia mecânica evidenciando expressamente o douto acórdão que, e cite-se “o Relatório da autópsia de fls. 563 (diremos nós 464 a 475) é claro e preciso ao apontar como causa da morte a asfixia mecânica, provocada por terceiro.” 44. Ora tal extracção, que sustenta a fundamentação do Douto Tribunal da Relação é meramente conclusiva e assenta numa premissa falsa e que não consta do referido documento junto aos autos porquanto: O douto Relatório da autópsia médico-legal apenas fala em asfixia mecânica e não provocada por terceiro; a Arguida em momento algum negou que a criança tivesse chorado; a Arguida prestou declarações antes do Sr. Perito e este aquando do seu depoimento admitiu como cenário de asfixia mecânica da criança o ficar debaixo de uma manta ou cobertor. 45. O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra efectivou raciocínio intelectualmente pouco sério e diremos nos até partindo de premissas falsas (dado que a que o relatório Medico legal não fala a que a asfixia foi produzida por terceiro). 46. Aliás para afastar a matéria de facto que a Arguida, e face à prova produzida entende que deveria ter sido dada como provada, o douto Tribunal da Relação de Coimbra constata e de forma ligeira que “ no lenço, ou na manta, (…) relevante é que arguida o asfixiou”, ou seja, asfixiou, porque asfixiou, não interessa como ou seja não interessa saber em concreto o que ocorreu e como ocorreu. 47. Ora salvo melhor entendimento ao não ser dada como provada tal matéria factual (peticionada pela Arguida/Recorrente – ponto 19 das presentes conclusões de recurso), carecem os autos de elementos fundamentais para a imputação dos factos ao direito e para com segurança se conduzir a uma eventual condenação (que entendemos em moldes diferentes) pelo que incorreu o douto Tribunal da Relação e face a todos os argumentos evidenciados supra em vício disposto no artigo 410.º, nº 2, al. c) do C.P.P. matéria que não obstante de conhecimento oficioso é levada ao conhecimento do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, porquanto se revela fundamental na apreciação do crime de homicídio negligente na esteira do artigo 137.º do Código Penal, que face a tal vício o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra se furtou a apreciar. II) Da Violação do artigo 133.º do C.P, ou em alternativa do artigo 136.º do Código Penal por não subsunção dos factos a tais tipificações legais, com exclusão de aplicação das mesmas. 48. Mantendo-se a matéria de facto dada como provada e como não provada na douta decisão de primeira instância e confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra e não se considerando as questões prévias evidenciadas supra, sempre se dirá, 49. A douta decisão Recorrida, ao contrario do defendido e já evidenciado supra, apenas deu como provado que a Arguida na iminência do parto sentiu dores. 50. O Douto Acórdão de 1.ª Instância, assim como o Douto Acórdão do Vereando Tribunal da Relação de Coimbra afastam a subsunção dos factos dados como provados no crime de Infanticídio, única e exclusivamente na senda da fundamentação de que inexiste matéria de facto dada como provada quanto ao estado puerperal da Arguida/Recorrente, sendo evidenciado e mais em concreto pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que a decisão da Arguida nada teve a ver com parto em si e que foram as características de personalidade da mesma que a levaram a tomar tal decisão. 51. Mais constatando o Douto Acórdão “ a quo” que ambos os relatórios juntos aos autos são unanimes em relatar que as características da Arguida não são resultado do estado de perturbação do parto. 52. Salvo melhor entendimento não é essa a questão crucial, nem o amago da presente tipicidade. Aliás encontra-se provado que a Arguida tem, de facto, características de personalidade influenciadoras do seu estado anímico (matéria de facto dada como provada sobre os pontos 30 a 35 - Decisão do Extinto Tribunal Judicial de ... 08-05-2014), porém, e salvo o maior respeito por entendimento diverso, o cerne, o verdadeiro “amago” de tal tipificação é saber se qualquer mulher, assim como a Arguida/Recorrente, independentemente das suas características de personalidade, é ou não influenciada por estado perturbador iminente a qualquer parto, pelo que, e no caso em concreto as características da Arguida/Recorrente que lhe vem imputas e provadas, por si só, não afastam a existência de estado puerperal. 53. Assim, e nesta linha, o próprio Tribunal de 1.ª Instância efectiva um possível enquadramento dos factos dados como provados em tal tipificação legal, evidenciando e tão só que não consta matéria factual dada como provada capaz de conduzir a tal estado puerperal e aliás para tal afastamento cita acórdão, também ele transcrito pelo Venerando Tribunal da Relação que, sintetiza e diremos nós, alguns paradigmas de tal perturbação e transcreve-se: b) perturbação provocada por mecanismos fiscos e psíquicos – dor. c) Perturbação durante ou após o parto, - representações sociais nefastas e que alteram psicologicamente a mãe; c) A mãe teme a reacção de seus pais, com o parto. 54. Sendo que paralelamente o tribunal “ a quo” constata que inexiste suporte factual provado passível de poder levar a concluir pela existência de influencia perturbadora do estado puerperal admite como provado que: - A arguida sentiu fortes dores abdominais; - A arguida nunca foi correspondida na relação amorosa que teve; - A arguida decidiu não revelar a gravidez, por ser solteira, não ter uma relação de namoro assumida receando desiludir seus pais e ser apontada como galdéria, por residir num meio pequeno.- Dando-se ainda como provadas características que ainda exacerbam mais tais factos. 55. Assim sendo desde logo se diga que se entende que haveria o douto Tribunal a “quo” de ter operado, e face aos factos dados como provados convolação do crime de homicídio simples em infanticídio. 56. Destarte determina o artigo 136.º do Código Penal que, e transcreve-se “ quem matar o filho durante ou logo após o parto e estando ainda sob a sua influência perturbadora, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.” 57. Tal crime, entende-se pela sua essência como especialmente privilegiado em razão da perturbação da mãe (que se encontrava ou se encontra ainda sob a influência perturbadora do parto), não se excluindo que se lhe associem factores de natureza endógena (a mãe encontrar-se numa crise depressiva) ou exógena (seja a manifesta falta de recursos). 58. De igual forma, não se põe de parte que situações honoris causa que determinem ainda hoje a mãe a matar o filho infante (neste sentido M. Miguel Garcia e J. M. Castela Rio, in Código Penal Parte Geral e Especial com notas e comentários, Almedina Editora 2014, página 538 – anotação ao crime de Infanticídio). 59. Ademais, e como se pode ler igualmente no Código Penal anotado de Leal Henriques e Simas Santos, edição 3.ª, 2000, 2.º volume, página 173, comentando o artigo 136.º do Código Penal - Infanticídio “ No direito português a infracção é beneficiada pela lei sob a condição de concorrência de duas ordens de circunstâncias, a saber – uma de carácter temporal – o momento da acção (conduta que teve lugar durante ou logo após o parto); - outra de tipo pessoal – o condicionamento da acção (conduta que teve lugar sob a influência perturbadora do estado puerperal da mãe). 60. Acrescenta-se ainda nesta nota de comentário ao artigo 136.º do CP que “ O Estado Puerperal é um estado psicossomático inerente à mulher, imediatamente antes, durante e logo após o parto, susceptível de alterar a capacidade de entendimento ou de auto inibição” 61. Ora, no caso dos Autos e conforme a matéria de facto dado como provada: a Arguida foi arrastando a situação, sendo que nunca tomou a decisão de a MATAR; do relatórios médico legais resulta que o estado puerperal é um estado momentâneo (sendo os mesmos inconclusivos quanto à sua verificação) são apresentadas características de personalidade da Arguida/Recorrente fortemente marcadas e relacionadas com dificuldade em lidar com situações que não estejam programadas, falta de auto-estima, medo de críticas, isolamento, não é dado como não provada a existência de estado puerperal e tanto o Tribunal de 1.ª Instância, como o Douto Tribunal “a quo” afastam tal enquadramento na esteira do crime de infanticídio evidenciando que inexiste prova factual capaz de constatar o estado puerperal, mas dão como provados factos enquadráveis no paradigmas de tal estado. 62. Assim, sempre se diga que se o Tribunal não conseguir obter certezas susceptíveis de considerar verificada, ou de afastar com segurança, aquela influência perturbadora (que não se encontra afastada na senda da matéria factual dada como provada e face ao evidenciado supra, muito pelo contrário) restar-lhe-á fazer uso do princípio in dubio pro reo nos termos indicados por Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense do Código Penal, pág. 103: «verificado que a conduta como provada, muito pelo contrário) restar-lhe-á fazer uso do princípio in dubio pro reo nos termos indicados por Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense do Código Penal, pág. 103: «verificado que a conduta teve lugar logo após o parto, se o juiz, depois de produzida toda a prova possível, ficar em dúvida insanável sobre se a mãe actuou sob a influência perturbadora daquele, ele deve considerar verificada a tipicidade do art. 136.° e não deve, em alternativa, punir pelos arts. 131.° ou 132.°»). 63. Violou o douto tribunal “a quo” o disposto no artigo 136.º do Código Penal porquanto tal norma deve ser entendida no sentido de que, dados como provados paradigmas do estado puerperal e não a afastando os relatórios médico-legais tal estado é de aplicar a mesma quando não existam certezas capazes de afastar o estado puerperal. 64. Ademais, e caso assim não se entenda, e face ao exposto, o Douto Tribunal “a quo” caiu numa contradição insanável , porquanto dá como provados factos que se integram plenamente nos paradigmas que enuncia como reflexo do estado puerperal e por outro lado evidencia que não existe matéria de facto capaz de o sustentar [ artigo 410.º, n.º3, al c) do C.P.P] 65. Caso não se entenda pela existência de tal estado Puerperal (posição que não se defende) e caso não sejam procedentes as questões prévias apresentadas, mantendo-se a matéria factual dada como provada e não provada sempre se haverá de referir (e reproduzindo mais uma vez praticamente toda a matéria de direito já invocada e cujo raciocínio jurídico naturalmente) que haverá o Venerando Supremo Tribunal de Justiça de efectivar a subsunção dos factos no crime de Homicídio Privilegiado operando a respectiva convolação. 66. O artigo 133.º do Código Penal determina e transcreve-se que “Quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral que diminuam sensivelmente a sua culpa, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos”. 67. O Douto Acórdão da Relação, e já assim o fazia a douta decisão de primeira instância desvaloriza tal figura invocando o estado de tranquilidade da arguida, pós parto, desvalorizando qualquer estado de perturbação emocional, por segundo considera inexistente. 68. O artigo 133º do Código Penal supra transcrito é construído com base em três conceitos-tipo de natureza emocional, embora de forma mais acentuada nuns casos que noutros – a emoção violenta; a compaixão e o desespero; e com base num conceito-tipo de natureza ético-social – um motivo de relevante valor social ou moral. Qualquer destes conceitos-tipo deve sempre ser entendido objectivamente, isto é, é matéria de facto que, ou não exige o recurso a valorações, ou então exige o recurso a valorações em boa medida extra-jurídicas. 69. Ora tais elementos, leia-se a compreensível emoção violenta; a compaixão; o desespero; ou um motivo de relevante valor social ou moral, constituem cláusulas redutoras de culpa, ou cláusulas de privilegiamento, ou elementos privilegiadores, traduzindo estados de afecto vividos pelo agente, ou causas de atenuação especial da pena do homicídio (nesta última acepção, Teresa Quintela, ibidem, pág. 901). 70. Nesta esteira deste raciocínio, a culpa só deverá ter-se por sensivelmente diminuída quando o agente, devido ao seu estado emocional, seja colocado numa situação de exigibilidade diminuída, ou seja, quando actue dominado por aquele estado (isto é, seja levado a matar), no sentido de que não lhe era exigível, suposta a sua fidelidade ao direito, que agisse de maneira diferente, que assumisse outro comportamento. 71. Aliás como afirma Figueiredo Dias (Código Conimbricense, anotação ao artigo 133.º, parágrafo 3, pág. 48), “o efeito diminuidor da culpa ficar-se-á a dever ao reconhecimento de que, naquela situação (endógena e exógena), também o agente normalmente “fiel ao direito” (“conformado com a ordem jurídico penal”) teria sido sensível ao conflito espiritual que lhe foi criado e por ele afectado na sua decisão, no sentido de lhe ter sido estorvado o normal cumprimento das suas intenções”. 72. Ora, mantendo-se a matéria factual tal como se encontra dada como provada (em concreto nos pontos 8), 30, 31, 32), 33), 34), 35 e 45, assim como os factos dados como provados e vertidos em B.8 e B.15 da decisão da matéria de facto dada como provada, no enquadramento jurídico efectivado pelo Venerando Tribunal da Relação não foi dada a devida atenção à matéria de facto dada como provada pelo que sempre haveria a douta decisão final ter efectivado uma análise mais profunda de tais elementos previligiadores em concreto da emoção violenta ou desespero que merecem enquadramento na situação dos autos . 73. Por emoção violenta entende-se o abalo moral ou afectivo; Perturbação, geralmente passageira, provocada por algum facto que afecta o nosso espírito (boa, ou má notícia, surpresa, perigo) – in A Nova Enciclopédia Larousse, vol. 2, pág. 683, 74. Ao nível doutrinário Nelson Hungria, (Comentário ao Código Penal Brasileiro, págs. 123 e ss.) citado nos acórdãos do STJ de 28-09-1994, CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 206; de 11-11-1999, BMJ n.º 491, pág. 78; de 06-03-2003, processo n.º 4406/02 – 3.ª; de 07-06-2006, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 207 e de 12-06-2008, processo n.º 1782/08-3.ª, a emoção “é um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação do sentimento; é uma forte e transitória perturbação da afectividade a que estão ligadas certas variações somáticas ou modificações particulares das funções da vida orgânica. É ela uma descarga nervosa subitânea que, pela sua breve duração, se alheia dos apelos superiores que coordenam a conduta e que, quando atinge o seu auge reduz quase totalmente a vis electiva em face dos motivos e a possibilidade de self control, originando como que a desintegração da personalidade psíquica”. 75. Quanto ao conceito de desespero não é fácil proceder à sua distinção do estado de emoção violenta, não obstante e na tentativa de estabelecer uma fronteira entre os mesmos Amadeu Ferreira (in Homicídio Privilegiado, a págs. 68 a 71) refere: “ Embora muito próximo da emoção violenta, distingue-se dela porque coincide em geral, com situações que se arrastam no tempo, fruto de pequenos ou grandes conflitos que acabam por levar o agente a considerar-se numa situação sem saída, deixando de acreditar, de ter esperança, exigindo a lei não apenas que o agente esteja desesperado, mas que tal desespero diminua consideravelmente a sua culpa, o que só poderá entender-se se levarmos em conta os motivos do autor.” 76. Corroborando tais ideias o Acórdão de 06-03-2003, no processo n.º 4406/02 - 3.ª do STJ, afirma expressamente “que para haver desespero com relevância penal é necessário que a situação em que o arguido se encontra seja extrema, num beco sem saída, em que o agente sinta que chegou ao fim do caminho e que o estado emotivo tenha «natureza passiva, interiorizada, reflexiva, com uma componente intelectual”. 77. Na mesma sequência Acórdão de 14-06-2006, processo n.º 3797/05 - 3.ªdo STJ – Confirma decisão da Relação que reconhece que a arguida agiu dominada por “situação de desespero e de beco sem saída”, engendrada numa relação pessoal assimétrica, em permanente e prolongada espiral de humilhação enquanto mulher, reconduzindo a conduta ao crime de homicídio privilegiado”. 78. Porém certo é e na problemática do homicídio privilegiado não basta a verificação de tais estados previligiadores, in casu como o estado de emoção violenta e o desespero, é necessário compreender o conflito espiritual existente e entender a situação que leva o agente ao crime. 79. Aliás dando sustentação a tal ideia e citando novamente Figueiredo Dias, in Parecer na Colectânea de Jurisprudência 1987, tomo 4, pág. 55, “ Na visão do art. 133º - assente, não em juízos de ponderação ético-jurídicos dos valores conflituantes, mas sim na valoração da situação psíquica que leva o agente ao crime – o que interessa é «compreender» esse mesmo estado psíquico, no contexto em que se verificou, a fim de se poder simultaneamente «compreender» a personalidade do agente manifestada no facto criminoso e, assim, efectuar sobre a mesma o juízo de (des)valor que afinal constitui o juízo de culpa. 80. Acrescenta ainda de forma sábia tal autor que “A compreensibilidade da emoção é mais, assim, o estabelecer de uma relação não desvaliosa entre os factos que provocaram a emoção e essa mesma emoção. Se essa relação for estabelecida, a emoção é compreensível e provoca, portanto, uma diminuição da culpa do agente”. 81. Na aplicação da doutrina aos casos em concreto tem a jurisprudência maioritariamente decidido que a compreensibilidade e perceptibilidade devem ser aferidas em função do padrão de um homem médio, colocado nas circunstâncias do agente, com as suas características, o seu grau de cultura e formação, intentando saber-se se esse, nesse exacto contexto, também reagiria assim, incapaz de se libertar dessa emoção, matando ele próprio. Volvendo ao caso concreto, resulta provado que: 82. A Arguida/Recorrente apercebeu-se que estaria grávida; A Arguida/Recorrente nunca teve grande estabilidade emocional; A Arguida/Recorrente não queria ser apelidada de galdéria num meio pequeno onde vive, ainda mais sustentada com os parcos rendimentos de seus pais; A Arguida/Recorrente é insegura, tem medo de críticas e baixa auto-estima; A Arguida/Recorrente apresenta dificuldades ao nível do controle das emoções e impulsos e não dispõe das melhores condições emocionais; Aquando do momento do parto tais características formam impulsionadas, levando a Arguida à praticas dos factos dados como provados nos autos; O parto exacerbou tais características já presentes na personalidade da Arguida de dificuldades em reagir a situações não programadas e dificuldade em lidar com emoções; Ou seja, a com a eclosão de um acontecimento que surge de forma inopinada, que corresponde a um ímpeto é menos exigível o controlo emocional; A Arguida/ Recorrente foi colocada num beco sem saída; O facto de a Arguida/Recorrente ter sido confrontada com o parto que não previa naquele dia, impulsionou a já sua débil capacidade de lidar com emoções e para resolver problemas para os quais não tenha respostas de rotina preparadas; Arguida apresenta índice de baixa auto estima, isolamento e medo de críticas e saber que poderia ser apontada como uma galdéria e que teria que enfrentar os pais em todo este circunstancialismo criou um estado emocional tal capaz de produzir tal resultado; a Arguida/Recorrente tem uma filha de 6 anos (hoje com mais 5 anos face à data da pratica dos factos). 83. Como refere Fernanda Palma, «As situações têm de ser interpretadas de acordo com o significado particular da honra para a dignidade da pessoa, em função da capacidade de resistência ao meio, dos valores socialmente dominantes e da oportunidade de resistência ao meio, dos valores dominantes e da oportunidade de o agente se desvincular do meio ou aceder aos valores essenciais de respeito pelo outro, próprios de uma sociedade democrática e solidária». 84. Ora a Arguida/Recorrente e não obstante ter sido a causadora do abalo emocional que a dominou, o certo é que face à sua personalidade e o distúrbio que lhe está associado a empurrou para um estado decisório final plenamente enquadrável com os conceitos de compreensível emoção violenta e desespero, pelo que neste confronto de factos e por todos eles deverá operar a convolação do crime de Homicídio simples previsto e punido pelo artigo 131.º pelo qual a Arguida vem condenada no Crime de Homicídio Previsto e Punível pelo artigo 133.º do Código Penal. 85. Violou o douto tribunal “a quo” o disposto no artigo 133.º do Código Penal porquanto tal norma deve ser entendida no sentido de que e face aos factos dados como provados o comportamento da arguida recorrente é integrador do conceito de “emoção violenta compreensível” e “desespero”. 86. Assim, atentas as qualificações jurídicas em causa, quer Infanticídio, quer Homicídio Privilegiado, por não aplicação jurídica do primeiro, atentas as molduras penais de tais crimes sempre haveria o douto Tribunal a “ a quo” de ter ponderado pela aplicação de pena de prisão suspensa na execução nos termos do artigo 50.º do CP, conforme evidenciaremos infra. III) Da Suspensão da Execução da Pena – Violação do artigo 50.º do Código Penal. 87. De acordo com o disposto no art.º 50º do CP a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos deverá ser suspensa sempre que, atendendo à personalidade do agente, às sua condições vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 88. Traduz-se pois na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos e constituindo uma verdadeira pena autónoma, tendo como pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime è às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduz na seguinte proposição: a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 89. Pelo que ponderando o Venerando Supremo Tribunal de Justiça pela subsunção dos factos dados como provados ao crime de Infanticídio, ou em último caso de Homicídio Privilegiado, sempre haverá de ser igualmente ponderada a aplicação de tal mecanismo de suspensão. 90. Assim sendo, esteira do artigo 50.º do Código Penal, supra citado, haverá de ser considerada não a culpa do arguido mas atender às finalidades de prevenção geral e as necessidades de prevenção especial ou de integração. 91. E no caso dos autos pela matéria de facto dada como provada quanto às condições socioeconómicas da arguida e características de personalidade, e toda a matéria factual dada como provada (artigo 83.º das presentes conclusões) sempre haverá de ser concretizado tal juízo de prognose favorável. 92. Aliás sempre se diga que a ora Arguida se encontra em liberdade, plenamente inserida na esteira social [neste sentido relatório social e matéria de facto dada como provada de 36 a 39, 45 a 48, b11) a b17)], trabalhando e sendo acompanhada psicologicamente face ao estado depressivo que desenvolveu na sequência dos acontecimentos. 93. Nesta sequência operando a inerente convolação, do crime de que a arguida vem condenada, quer para o crime de infanticídio, quer para o crime de homicídio privilegiado, e operando o respectivo cúmulo jurídico nos termos do artigo 77.º do Código Penal (e cuja determinação exploraremos infra) sempre haveria de ser aplicada pena não superior a 5 anos de prisão sendo a mesma suspensa na execução nos termos do artigo 50.º e seguintes ainda que devidamente acompanhada por regime de apoio psicológico e psiquiátrico em serviço adequado para o efeito in casu nos termos do artigo 53.º do Código Penal conforme determinação já sentenciada a este nível. 94. Violou o Venerando tribunal da Relação o artigo 50.º do Código Penal, porquanto e a operar-se, quer a convolação do crime de homicídio simples para o crime de infanticídio, quer a ocorrer a convolação para o crime de homicídio privilegiado sempre a após determinação de pena única inferior a 5 anos de prisão, seria de ponderar pela sua suspensão. III) Da Determinação das penas parcelares – Violação das nomas do artigo 131.º, 254.º, n.º1, al. c), 71.º, 40.º, n.º1 e nº 2 e 45.º do Código Penal. 95. Não operando convolação do crime pelo qual vem a Arguida/Recorrente condenada em Infanticídio (artigo 136.º CP) ou Homicídio Privilegiado (artigo 133.º do Código Penal), sempre merecerá igualmente censura a douta decisão na esteira da matéria de direito, porquanto, 96. A recorrente foi condenada pela prática de um crime de profanação de cadáver previsto e punível pelo artigo 254.º, n.º1, al. a) do Código Penal, em concreto na pena de 10 meses de prisão. 97. Assim, aquando da Douta Decisão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, a mesma ocorreu em omissão de pronúncia, quanto à determinação da medida da pena DO crime de profanação de cadáver p. e p. pelo artigo 254.º do Código Penal. 98. Nesta senda, se na douta decisão da Relação não há lugar a qualquer pronuncia com tal medida da pena determina-se na Douta Decisão de 1.ª Instância (face, e diga-se novamente à ausência de pronuncia por parte do Tribunal da Relação de Coimbra) aplicar à Arguida/Recorrente a pena de 10 meses de prisão não sendo a mesma de substituir por multa nos termos do artigo 44.º, pena que e não obstante se admita que a mesma possa não poder ser lavo de apreciação pelo STJ (embora assim não se entenda face à nulidade superiormente arguida por falta de omissão de Pronúncia do Douto Tribunal da Relação de Coimbra sempre a fundamentação evidenciada infra revelará na determinação da medida unitária da pena a aplicar à Arguida/Recorrente) se entende demasiado excessiva, e os argumentos que se evidenciarão sempre haverão de ser valorados na senda da determinação da pena unitária. 99. Assim sendo, o artigo 71.º do Código Penal concretiza a “fórmula” de determinação da medida da pena, sendo que, por outro lado, o artigo 70.º do mesmo diploma legal evidencia a essência do princípio de aplicação da pena de prisão como última ratio. 100. Ora, matéria de facto dada como provada e até da própria fundamentação que determina a aplicação de tal pena (diga-se em 1.ª Instância, face a ausência de pronuncia já por diversas vezes evidenciada), faz-se contar que a Arguida/Recorrente demonstrou pouca reflexão sobre o acto praticado, tanto mais que se ausentou para ser assistida pelo Centro de Saúde de ..., por outro lado as características da Arguida/Recorrente são reveladoras da sua curta maturidade, da sua pouca reflexão, da sua ansiedade generalizada e da sua dificuldade em lidar com situações de tenção, tendo uma personalidade muito virada para o mundo da fantasia. 101. Tais factos haveriam de ter sido merecedores de forte relevo, o que não correu, não considerando igualmente o douto tribunal “a quo” (por omissão de pronúncia), nem o de 1.ª Instância, as circunstâncias em que se desenvolveram os facto e o estado iminente a um parto em qualquer mulher (sucessão momentânea de factos) 102. Perante a conduta da Recorrente, seria ainda possível, face à contextualização dos factos e à personalidade da Arguida/Recorrente, e ressalvando opinião diversa, optar por uma pena de multa, porque adequada às finalidades da punição. 103. De facto, pese embora a pena de multa, neste concreto crime, realize de forma adequada as finalidades da punição, sendo adequada às finalidades de prevenção geral e permita a ressocialização do agente, o Tribunal de 1.ª Instância (e não o douto Tribunal “ quo” porquanto o mesmo apenas manteve tal pena com total ausência de pronúncia e fundamentação) optou por aplicar uma pena de prisão (e não obstante a nulidade arguida supra), em clara violação do artigo 40.º, n.º 1 e 2, artigo 70.º e artigo 77.º, n.º 3, todos do Código Penal, quando estas normas deveriam ser interpretadas no sentido de que a aplicação de uma pena de prisão efectiva é a última das penas a ter em consideração, devendo o tribunal ter em conta os factos que relevam a favor da recorrente e que ainda permitem a aplicação de um pena de multa. 104. De igual forma não tendo o douto Tribunal optado pela substituição da pena de prisão por pena de multa o tribunal de 1.ª Instância e subsequentemente a Douta Relação com o crivo de “mera confirmação” violou o disposto nos artigos 40.º, n.º 1 e 2, 43.º, n.º 1 a artigo 71.º, n.º 1 e 2, e 45.º do Código Penal, ao não ter analisado convenientemente a conduta da recorrente/arguida que denota um grau de culpa e ilicitude diminutos, e por ter aplicado uma pena que não é adequada, nem resulta dos critérios explanados no artigo 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal não tendo procedido sequer à sua substituição dado que a Arguida não tinha condenações anteriores, não praticou mais qualquer crime , encontra-se socialmente inserida e devidamente acompanhada na esteira clinica. 105. Assim, mais uma vez se diga, e não se considerando possível a pronuncia do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, por tal pena parcelar, caso se entenda transitada, sempre todos os aspectos evidenciados supra haverão de relevar na esteira da determinação na pena única, conforme evidenciaremos infra ( artigo 77.º do Código Penal). 106. Vem igualmente a Arguida/Recorrente condenada por um crime de homicídio com pena de 10 anos de prisão (pena determinada pelo Douto Tribunal de Primeira Instância e corroborada pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra) que unicamente transcreve a douta fundamentação de 1.ª Instância. 107. Ora, salvo melhor entendimento a mesma pena aplicada revela-.se excessiva e desproporcional, se não vejamos, 108. Desde logo, e neste sentido, reproduz-se na íntegra o teor do artigo 71.º do Código Penal, já evidenciado anteriormente (e para o qual nos remetemos integralmente no sentido de não obter repetições desnecessárias). 109. Tal crime sustenta moldura penas que se cifra entre os 8 e os 16 anos de prisão. 110. Assim, ponderados os limites da moldura penal deve ainda o Tribunal atender e a quaisquer outras circunstâncias que não fazendo parte do tipo (para que não haja violação do princípio ne bis in idem), deponham contra ou a favor do agente. Assim e para além do mais (como ensina Jorge Figueiredo Dias in "Direito Penal Português – as Consequências Jurídicas do Crime", pág. 245, § 335 v.g., factores relativos à própria vítima - personalidade, concorrência de culpas, etc. - e/ou relacionados com a necessidade de pena - decurso do tempo), 111. Ademais, numa síntese das posições sobre os fins das penas foi feita no Ac. de 10-04-96, Proc. n.º 12/96, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva. Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”. 112. Pelo que, no caso em concreto o Douto Tribunal “ a quo” desvalorizou a matéria que deu como provada em concreto as fortes características de personalidade da Arguida que gizaram a situação nomeadamente ao nível da culpa, a conduta subsequente ao crime que em nada se coaduna com a ocultação de vestígios a própria inserção da Arguida, trabalhando, e o tempo decorrido sobre a prática dos factos, o que deita por terra a ideia invocada de alarme social. 113. A medida parcelar determinada para o crime de homicídio não relevou, e gize-se mais uma vez, a ressocialização da Recorrente, que salvo melhor entendimento, ganha especial relevância no presente caso, não consagrando de igual forma relevante que a Recorrente nunca tinha praticado crimes, sendo que tal episodio se consubstanciou como conduta unitária na sua vida e o tempo decorrido desde as praticas dos factos que lhe vêm imputados. 114. Neste sentido atenta a matéria de facto provada e que teria plena inserção no vertido nos artigos alínea b) c), d) e) e f) do artigo 71.º C.P e parece ter sido deficitariamente relevante da determinação da medida concreta da pena havendo a pena parcelar de ser ponderada adentro do limite mínimo, leia-se os 8 anos. 115. Ocorreu uma violação do artigo 71.º, alíneas b), c), d) e e) do Código Penal porquanto tais normas deveriam ter sido interpretadas no sentido da valorização para além dos elementos do tipo de circunstâncias que militam a favor da arguida/recorrente não revelando única e especialmente ou de forma prevalente a intensidade do dolo. IV) Da Violação dos artigos 72.º e 73.º do Código Penal: Necessidade de Atenuação especial da pena. 116. A douta decisão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra afasta a aplicação da atenuação especial, evidenciando e tão só “ não logra êxito, por ser manifesta a ausência do pressuposto material da atenuação da pena – a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção”, mais determinando que “Aliás, o verdadeiro pressuposto material da atenuação são as exigências de prevenção, na forma de reprovação social do crime e restabelecimento da confiança na força da lei e dos órgãos seus aplicadores e não apenas a ilicitude do facto ou a culpa do agente” Posição com a qual não se concorda e de que igualmente se recorre porquanto, 117. Não obstante a posição defendida quanto à determinação das penas parcelares sempre haveria e para alem do defendido de ter operado atenuação especial das penas, em concreto das respectivas molduras penais. 118. O artigo 72.º do Código Penal contempla uma atenuação especial da pena nos casos expressamente previstos e em geral sempre que houver circunstâncias que diminuem por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente e a necessidade da pena. 119. Trata-se pois de um poder vinculativo, de um poder – dever a que uma vez comprovados os pressupostos legais, a concessão da atenuação especial é um dever a que o Tribunal se não pode subtrair, no caso de atenuação obrigatória (nos casos em que a lei expressamente o refere), ou não pode deixar de ponderar se for facultativa. 120. In casu, não poderá esquecer-se ainda que não o fosse considerado no momento da determinação da qualificação jurídico, diga-se da adequação dos factos ao direito, sempre haverá de considerar a emoção violenta e o desespero e honra, entendidos a titulo excepcional atenuando acentuadamente a culpa do Agente (neste sentido Pinto de Albuquerque, 210, p. 74) e igualmente, portanto, as características de personalidade da Arguida/Recorrente aquando da prática do crime, fortemente gizadas por técnicos/peritos e testemunhas. 121. Por outro lado o próprio decurso do tempo desde a prática dos factos, sem qualquer influência da mesma em tal hiato temporal e a integração social e laboral da Arguida no local onde vive, mesmo após detenção preventiva é igualmente revelador da inadequação do facto à personalidade do agente e sobre a necessidade da pena, gizando-se mais uma vez que a ressocialização da Arguida/Recorrente se revela como factor fundamental. 122. A Arguida/Recorrente está em liberdade e continua a ser acompanhada ao nível clinico tendo o mecanismo subcutâneo implanom, e face ao estado depressivo no decurso de todos os factos vivenciados, sendo acompanhada ao nível psiquiátrico/psicológico. 123. Sujeitar a Arguida a uma pena de prisão é afastá-la da família humilde que a apoia e é afastá-la da sua filha menor, é afastá-la do trabalho que com tanto esforço tem logrado alcançar é impedi-la do acompanhamento psicológico com os médicos que sempre a acompanharam e conhecem tão de perto a sua débil situação. 124. Assim sendo, na esteira do artigo 73.º do C.P, e face aos critérios ai determinados, a moldura abstacta do crime de homicídio p. e p. pelo artigo 131.º do C.P é de pena de prisão de 8 a 16 anos e a do crime de profanação de cadáver ( crime cuja pena se entende por não transitada face à nulidade evidenciada supra) é de pena de prisão de 1 mês a 2 anos ou pena de multa de 10 dias a 240 dias. 125. Encontrando-se especialmente atenuadas tais penas, como defendemos nos termos do artigo 72.º e 73.º, n.º1, al. a) e b) do C.P encontrar-se iam os limites das penas fixados entre 1 anos 7 meses e 6 dias a 12 anos de prisão quanto ao crime de homicídio e de 1 mês a 16 meses de prisão quanto ao crime de profanação de cadáver. 126. Havendo de dentro de tais molduras penais ser fixada as respectivas penas parcelares, face às considerações supra e a pena unitária que analisaremos infra. 127. Pelo que da aplicação dos termos da atenuação especial da pena (artigo 73.º do Código Penal) sempre haveria o douto Tribunal “a quo” de fixar pena , inferior a 5 anos de prisão . 128. Havendo a mesma de ser suspensa na sua execução conforme considerações evidenciadas supra sobre tal instituto. 129. Violou o douto tribunal “a quo” o disposto no artigo 72.º e 73.º do Código Penal, porquanto tais normas devem ser entendidas no sentido de que e face aos factos dados como provados sempre haverá de ocorrer atenuação especial da pena face às exigências de prevenção geral e especial atinentes à arguida/recorrente. V) Determinação da pena única – Violação do artigo 77.º do Código Penal. 130. Ocorrendo atenuação especial das molduras penais (tal como defendido supra) e sendo determinadas e nessa sequência as respectivas penas parcelares, haverá de correr, nos termos legais, a determinação de pena única resultante do cúmulo jurídico havendo a mesma de ser reformada e substancialmente reduzida. 131. O artigo 77.º do Código Penal evidencia a orientação que deve ser seguida aquando da determinação de pena única/unitária, operando o respectivo cúmulo jurídico. 132. Ora a Jurisprudência maioritária e em concreto do STJ tem entendido que a expressão conjunta de factos e personalidade se consubstancia na ilicitude global da conduta do agente. 133. Aliás como refere CRISTINA LÍBANO MONTEIRO em anotação ao acórdão do STJ de 12/07/98 e cite- se “ do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detectar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido, que vai possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”. 134. Neste sentido, e utilizando Acórdão que partilha do entendimento evidenciado, aponta-se o Acórdão do STJ de 09-09-2010 que, citando-se o Professor FIGUEIREDO DIAS (cujo pensamento também aqui se reproduz) transcreve: «Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.» 135. Mais evidenciando tal Acórdão (utilizando novamente as sábias palavras do Professor Figueiredo Dias), que “ a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão, o tipo de conexão, que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária- do agente revelará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo uma “carreira”) criminosa ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) ” 136. Aliás, continuando a citar tal acórdão revelador, no mesmo evidencia-se “Para usar expressões do Presidente desta 5.ª secção, Conselheiro Carmona da Mota, a pena conjunta situar-se-á até onde a empurra o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito” repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia em relação aos já aludidos critérios “da imagem do global ilícito e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar no conjunto de todas elas.” 137. Da matéria de facto dada como provada nada aponta para qualquer reiteração por parte da Arguida/Recorrente, sendo que a pratica dos crimes a ter-se como tal (posição que não se defende face ao já amplamente defendido supra) o foi de forma subsequente, aliás sempre se diga que o próprio Tribunal de 1.ª Instância evidenciou que a prática do crime de profanação de cadáver se evidenciou como um acto pouco refletido, na sequência dos acontecimentos. 138. Ora pegando ainda em tal acórdão, já amplamente citado, o mesmo conclui “que tudo apontará (…) para um “efeito expansivo” de pena mais grave diminuto ou mesmo negligenciável, com a consequente aplicação de uma pena conjunta, muito pouco acima, ou mesmo igual à pena parcelar, mais grave” 139. Assim, defendendo-se a operação de atenuação especial da pena [artigo 72.º e 73.º do C.P., alínea F) do Presente conclusões de Recurso], e na esteira da medida concreta da pena sempre a mesma se cifraria nos 5 anos de prisão, suspensos na execução face aos argumentos já expostos quanto ao Instituto da Suspensão da Execução da Pena. 140. Caso não opere a atenuação especial da pena nos termos do artigo 72.º e 73.º do C.P. sempre a determinação da medida da pena unitária, e face aos crime em causa e à argumentação supra, se cifraria no mínimo, diga-se 8 anos face a toda a factualidade exposta. 141. Violou o douto tribunal da Relação a norma do artigo 77.º do Código Penal, porquanto a mesma não se deve cifrar numa mera operação aritmética havendo sim de conduzir à determinação da pena unitária tendo por base o ilícito global da conduta do agente “a culpa pelos factos em relação”. “1 - A decisão recorrida não sofre dos vícios que a recorrente lhe aponta, tendo apoio na lei a consideração das primeiras declarações da arguida e tendo sido considerados os argumentos que referiu no seu recurso, sendo-o, porém, e justificadamente, em sentido diverso com base nos elementos de prova que dos autos constam, nomeadamente no que se reporta à sua asfixia voluntária e consciente do recém-nascido; 3 - De igual modo encontra-se suficientemente fundamentada a pena única que, mais do que isso, se afigura justa; 4 - A decisão constante do acórdão recorrido é correcta, não havendo violação de qualquer dispositivo legal, pelo que, não merecendo censura, deve a mesma ser mantida e confirmada nos seus precisos termos.” Neste Supremo Tribunal de Justiça, o distinto magistrado do Ministério Público, emitiu parecer, em que estima (sic): “Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 18.10.2017 foi decidido «negar provimento ao recurso, interposto pela arguida mantendo o acórdão recorrido na íntegra». Temos assim, que a arguida BB vem condenada, pela prática, como autora material, de um crime de profanação de cadáver (quanto ao recém nascido registado com o nome de AA, p. e p. pelo art.º 254º, n º 1, alínea a), do CP na pena de dez meses de prisão, e pela prática, em autoria material de um crime de homicídio simples, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 131º do CP, na pena de dez anos de prisão. Em cúmulo jurídico de tais penas parcelares na pena única de dez anos e quatro meses de prisão. Inconformada com o julgado, a arguida dele vem interpor recurso para esta Instância, concluindo nos termos de págs. 2331- 2304. O MP veio responder a págs. 2369-2370v, refutando as críticas dirigidas à decisão sub judicio concluindo, destarte pela improcedência do recurso. Nos termos do art. 412º, n º 1 do CPP, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes de cognição ex officio da instância de recurso. A primeira questão que vem colocada é a da alegada valoração no acórdão recorrido das declarações da recorrente, prestadas à Srª JIC, no âmbito do artº 141º, do CPP. Compulsados os autos, verifica-se que o 1º interrogatório judicial da arguida em situação de detenção, ocorreu em 04-09-2012. A redação do art. 357º, do CPP, vigente nesta data, veio a ser alterada maxime do seu n º 1, alínea b), pela Lei n º 20 / 2013, de 21 de Fevereiro (sendo a vacatio legis fixada em 30 dias). Pelo que, não parece haver margem para dúvidas de que a actual redação no que aqui importa considerar, não se encontrava em vigor à época em que a recorrente prestou as referidas declarações perante a Srª Juíza de Instrução Criminal, como vem afirmado na motivação recursória. Como se sabe ao art. 357º. dispõe hoc die: Reprodução ou leitura permitidas de declarações do arguido 1 - A reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo só é permitida: b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º Compulsando o teor do recurso dirigido ao Tribunal da Relação de Coimbra pela arguida BB, impugnando de facto e de direito, o acórdão condenatório, proferido na 1ª instância, logo se pode verificar que a págs.2251/68 in fine se começou a análise do que a recorrente declarou: «Aquando do 1º interrogatório ocorrido a 4/09/2012 - cfr. acta de fls. 77 a 119 - prestou declarações à JIC transcritas a fls. 151 a 182 - a arguida confirmou que engravidou em Dezembro de [...]» a qual se prolonga até págs. 2254/71. Ora, pelas razões que vimos supra de explicitar, estamos perante um caso de aplicação da lei processual no tempo, regulado pelo artº 5º do CPP. Se a regra geral na matéria é a de que tempus regit actum, a pedra de toque para avaliar da sua aplicabilidade no caso concreto, é justamente o reflexo da nova lei na posição processual do arguido. Dúvidas não restam, que a posição processual da arguida / recorrente, sai aqui enfraquecida, pelo alargamento que a alteração da lei processual permite á valoração de provas existentes no processo, que até então não podiam ser consideradas como foram, sem a sua permissão. Neste conspecto, estamos perante situação em que o tribunal de 2ª instância violou uma proibição de valoração de prova, devendo, a nosso ver, considerar-se que a consideração da mesma, foi um importante factor que alicerçou a decisão do recurso de impugnação da matéria de facto integrado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, ainda que, sem dúvida, não o único. Deve-se assim, a nosso ver, julgar nulo o acórdão recorrido (restrita ao segmento em causa) conquanto a ofensa da proibição da valoração da prova em análise, implica que esse concreto meio de probatório, seja excluído do processo, não sendo pois, considerado nem valorado pelo tribunal, como foi. Nestes termos, somos de parecer que se deve julgar nulo o acórdão sub censura, exclusivamente na parte em que foi se nele se viola uma proibição de valoração de prova, ordenando-se a sua reformulação, quedando-se prejudicada, a apreciação das demais questões objecto do recurso.” I.b). – QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO. “I) - Nulidade da douta decisão da Relação de Coimbra – Violação dos artigos 355.º, 141.º, n.º 4, 357.º e 355.º e 5.º do C.P.P; - Nulidade da douta decisão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra: Violação dos artigos 379.º, n.º1, al. c); 374.º, n.º2 e 97.º, n.º5 todos do CPP e 71.º, n.º3 do Código Penal; - Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [artigo 410.º, n.º2, al. a) do C.P.P] – Vício de conhecimento oficioso. II) Violação do artigo 133.º do C.P, ou em alternativa do artigo 136.º do Código Penal por não subsunção dos factos a tais tipificações legais, com exclusão da aplicação das mesmas; III) Suspensão da execução da pena – Violação do artigo 50.º do Código Penal. IV) Determinação das penas parcelares – Violação das normas do artigo 131º, 254º nº 1, al. c), 71.º, 40.º, n.º1 e nº 2 e 45.º do Código Penal. V) Violação do artigo 72.º e 73.º do Código Penal: necessidade de atenuação especial da pena. VI) Determinação da pena única – Violação do artigo 77.º do Código Penal.”
II.b).1. – Nulidade da decisão recorrida por violação dos artigos 141.º, n.º 4, 357.º e 355.º e 5.º do C.P.P. A recorrente, no que é acolitada pelo Ministério Público, neste Supremo Tribunal de Justiça, requesta a nulidade do acórdão sob sindicância, por o tribunal recorrido, na reapreciação a que procedeu da decisão de facto, i) ter utilizado um meio de prova que lhe estava vedado, notadamente as declarações prestadas pela arguida aquando do primeiro interrogatório perante o Juiz de instrução criminal; ii) por esse meio de prova, tendo em conta o quadro jusprocessual em que foi produzido, não poder ser utilizado como meio de prova, ou só o poder ser dentro de condicionalismo legais estritos; iii) por o referido elemento de prova, atento o circunstancialismo em que poderia ter sido utilizado, não ter sido utilizado pelo tribunal de primeira instância e, portanto não poder sê-lo pelo tribunal recorrido na reapreciação a que procedeu. [[1]] O tribunal recorrido procedeu à reapreciação da impugnação da decisão de facto pre-tendida pela recorrente no tramo de texto do acórdão que a seguir queda transcrito. Os actos feridos de nulidade – ou cuja nulidade deva ser declarada por terem sofrido um desvio de formalismo ou injunção negativa de um direito jusfundamental – não podem deixar de ser apreciados no conspecto jusprocessual em que são proferidos e nas consequências e implicações internas (endoprocessuais) para que tendem. Não se nos afigura despiciendo lembrar, aqui e agora, o que a propósito das consequências e efeitos da declaração de nulidade (absoluta) que deva ser ditada a propósito das proibições de prova, foi escrito pelo Mestre coimbrão, Professor Figueiredo Dias, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 146º (Setembro-Outubro de 2016), nº 1400, págs. 9-10, a propósito de um acórdão do Tribunal Constitucional (nº 607/2003), relatado pelo Professor Rui Moura Ramos: “Ora, venho desde há muito acentuando tanto no meu ensino, como nos meus escritos [[3]], que a matéria processual penal (a relativa quer a problemas fundamentais, quer a meras questões pragmáticas, técnicas e instrumentais) é por sua natureza conflitual, no preciso sentido do conflito entre o dever geral do Estado de realização de um processo penal eficiente, capaz de em tempo côngruo alcançar decisões justas dos casos da vida, e o não menos indeclinável dever estadual de proteção das liberdades fundamentais da pessoa. Tanto o legislador, coma o aplicador do processo penal, têm de ter clara consciência de que, sempre que se alargue ou estreite a consistência de um direito fundamental processualmente relevante, estar-se-á inversamente a estreitar ou alargar a consistência de direitos fundamentais conflituantes, seja de direitos do próprio Estado, de instituições, de corporações ou das vítimas reais e potenciais, que atuam no processo penal ou sofrem, direta ou indiretamente, as suas consequências. Por isso, a correta solução de um questionado problema processual penal tem como suposto decisivo que o aplicador leve previamente a cabo uma operação de ponderação das valorações conflituantes, para se decidir em princípio em favor da valoração que deva reputar-se preferível, por dominante ([4]), Com esta operação de balancing of values não se esgotará porém em todos os casos a tarefa do aplicador, podendo tornar-se ainda indispensável cumprir urna complexa tarefa de harmonização, otimização ou concordância prática ([5]) das valorações conflituantes. Tarefa que implica uma mútua compressão dos valores ou das finalidades em conflito, por forma a atribuir a cada um ou cada uma a máxima eficácia possível. O que quer dizer que de cada valor ou finalidade se deve salvar o máximo conteúdo possível, sem prejuízo da preponderância do valor ou da finalidade que começou por reputar-se dominante. Assim otimizando os ganhos e limitando, na medida viável, as perdas axiológicas e funcionais (neste sentido devendo ser interpretado o art.º 18.° da nossa Constituição da República). Nesta dupla operação intervirão para o aplicador, de toda a forma, duas limitações. Uma limitação relativa, quando suceda que o resultado do conflito de valores seja explicitamente levado a cabo pelo legislador ordinário. Nestes casos, que ocorrerão provavelmente com pequena frequência, o aplicador tem de seguir a imposição da lei ordinária, salvo caso de inconstitucionalidade. Restando saber se, existindo uma declaração legislativa expressa, para que se aceite uma autêntica proibição de prova bastará uma qualquer norma de direito ordinário que a consagre, ou se tornará necessária uma “cobertura” desta por uma norma jurídico-constitucional atinente à defesa dos direitos, liberdades e garantias das pessoas. Sem querer tomar aqui uma posição definitiva sobre a questão ([6]), o disposto no art.º 32.°-8 da Constituição (segundo o qual são “nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”) constituirá porventura base suficientemente ampla e pormenorizada para constituir — e até por excesso, de certa perspectiva já aludida ([7]) que, a ser procedente, deveria conduzir a um seu entendimento restritivo — o fundamento necessário à afirmação de uma proibição de prova. Uma outra limitação (esta sim absoluta) ocorrerá naquelas hipóteses em que a decisão a favor da valoração dominante contrarie a essencial dignidade humana ([8]); caso em que terá de conferir-se à salvaguarda desta dignidade essencial valor decisivo do conflito, ainda mesmo quando tal implique não apenas a diminuição, mas verdadeiramente a aniquilação do valor contraposto. Porque a defesa da dignidade essencial da pessoa constitui limite terminante de toda a intervenção estatal. É justamente a isto que chamo o problema político do processo penal numa democracia constitucional. Um problema político no mais puro e rigoroso entendimento do designativo, na medida em que nele se defrontam duas questões primordiais da função protetora do Estado de Direito: protetora dos direitos humanos fundamentais; mas por igual protetora do conjunto das pessoas constituídas em Estado.” Na verdade, afigura-se-nos, mutatis mutandis, que os órgãos de administração da justiça não podem deixar de proceder a este balancing of values e verificar em cada momento quais as consequências que derivam da declaração de nulidade de um acto judicial. Segundo os tratadistas [[9]] são três os perfis formais sob os quais um acto pode ser examinado: a) – relevância jurídica; b) – perfeição do acto; e c) – eficácia do acto. Pelo primeiro, afere-se a existência jurídica de um acto para produzir efeitos relevantes para o direito, o que equivale a dizer que um acto não pode ser somente materialmente existente, deve sê-lo também do ponto de vista jurídico. Pelo segundo, afere-se o requisitório formal necessário para que corresponda ao modelo de conformidade predisposto, em geral e abstracto, com a lei. Pelo terceiro, o acto existente e perfeito, deve ser eficaz, deve cumprido tempestivamente, no sentido em que devem ser respeitados os termos da lei, por razões de continuidade procedimentar, prevê para a sua apresentação ou deve ser executado após o decurso de um prazo prefixado. Desbordando do primeiro dos perfis enunciados, importa, no caso em apreço, conferir o conceito de nulidade. Segundo os tratadistas supra referidos, “nulidade é a sanção que atinge, tornando-o anulável, o acto não correspondente ao esquema legal – nos casos e nos limites taxativamente previstos – ou seja o acto formalmente perfeito, mas executado sem a observância, prescrita, no caso («appunto»), com a pena de nulidade, de determinados requisitos”. [[10]] As nulidades assumem ou revestem a natureza de absolutas ou relativas, ou ainda, para o regime processual italiano “nulidades de regime intermédio”, “le nullità a regime intermedio”, no que diferem das meras irregularidades, ou seja aquelas imperfeições de actos processuais que, “pela sua menor consistência com respeito á ortodoxia formal ou substancial, não pode ser reconduzida á noção de nulidade e ainda menos à de inexistência”. [[11]] Por consequência é irregularidade “aquela imperfeição que do ponto de vista positivo se traduz numa inobservância da lei (frequentemente susceptível de correcção) e que, do ponto de vista negativo, não alcança aquela consistência que poderia integrar uma verdadeira e própria nulidade”. Os actos nulos só afectam aqueles que deles dependam de forma directa, ou aqueles que por virtude da inutilização que o acto írrito reverbera deixam de poder produzir os efeitos para que estavam destinados se o acto gerador se mantivesse incólume. A inutilização dos actos indicados no despacho sob impugnação não era susceptível de afectar a validade formal e substancial do libelo acusatório, mas tão só os actos que dependessem directamente da sua eficácia interna. A supressão, por invalidade formal, dos actos declarados não inquinou ou inutilizou os demais elementos probatórios que, recolhidos com independência destes, formavam o substrato lógico-material que permitiu concatenar e elencar os factos constitutivos da acusação. O art. 356º, correlato do art. 355º, ambos do CPP, firmam o princípio de que, num processo de natureza e matriz acusatória, toda a prova que vier a servir para assoalhar a convicção do tribunal tem que ser produzida em audiência, em homenagem aos princípios da imediação, da oralidade e do contraditório. [[12]] Proíbe-se que o tribunal possa fazer valer elementos probatórios que não foram submetidos á turiferação dos princípios supra enunciados quando congraçados com o princípio da publicidade. [[13]] Enquanto o método inquisitório se basta, para Luigi Ferraioli, Derecho Y Razón, p. 605, com decisões potestativas, o princípio acusatório tem de assentar num “juicio que se desarrolle com garantias processales en matéria de prueba y de defensa que hacen posible la verificación e le refutación”. Mais adiante é ainda na lição deste autor, ao conformar “el rito y el método e formación de las pruebas” [[14]] que se escora a ideia de que a validade das provas está sujeita ao método legal da sua formação.”Estas impiden, entre otras cosas, que pueda tener relevancia la “ciência privada” del juez a los fines de la convicción de culpabilidad, que debe producirse secundum acta e probata, a difenrencia de la convicción de inocencia que, por la estrutura lógica de la prueba analizada en el apartado 10.7, es posible com independência de cualquier prueba”. Se a lei proíbe a valoração de provas que não hajam sido declaradas em tribunal, para aí poderem ser submetidas ao escrutínio dos sujeitos processuais involucrados no juízo oral, não proíbe que o julgador, que não é um ser asséptico e indemne a toda a compleição probatória que enforma o processo, procure esclarecer o conteúdo de um depoimento, completando-o ou conformando-lhe os contornos de precisão e rigor, com recurso a depoimentos já prestados no processo. Não se trata de “ciência privada” nem de leitura não admitida em julgamento de depoimentos já prestados, mas tão só de conhecimentos adquiridos pelo proceder normal de julgar e percepcionar a realidade processual e a verdade histórica que se constituiu no excurso do procedimento que conduziu à formação de um juízo de probabilidade de culpabilidade que se condensa e acama no libelo acusatório. Já se decidiu, em aresto deste Supremo Tribunal de Justiça, que “tendo o tribunal recorrido utilizado as declarações dos arguidos feitas perante o JIC (mas que não foram lidas em audiência de discussão e julgamento, desde logo porque os arguidos não estiveram presentes naquela fase dos autos), para «contextualizar» as actividades ilícitas dadas como provadas e preencher «lacunas quanto às suas condutas» incorreu na violação do disposto no art. 355º do CPP. II. Essa nulidade cometida na fase de deliberação, afecta apenas esse acto e os subsequentes, mas não fase anterior, a de julgamento propriamente dita.” [[15]] A nulidade cometida – dir-se-ia, com mais propriedade «aludida ou declarada no aresto» - pelo tribunal recorrido não assume relevância no conspecto analítico das provas a que o tribunal recorreu para reapreciar a impugnação efectuada pela recorrente. Assumiria valor decisivo e dirimente de uma ajustada e correcta formação e elaboração da convicção do tribunal se tivesse sido o único e concludente meio de prova a que o tribunal se inerisse para constituir um juízo de culpabilidade do arguido. No entanto, como resulta evidente da justificação/demonstração discorrida no acórdão recorrido, as declarações da arguida compõem, ou são um elemento adjuvante da formação da convicção do tribunal. Decisivo e determinante terão sido a “audição dos depoimentos e declarações indicadas pela recorrente, conjugadas com os relatórios de perícias e de autópsia juntos aos autos (…)” como o tribunal fez questão de vincar. A estes meios de prova adiu o tribunal recorrido as declarações, da arguida, prestadas perante o Juiz de instrução. As declarações prestadas pela arguida são elementos ineridos no processo e acessíveis a todos os sujeitos processuais, não se constituindo elementos de prova ocultos ou sonegados ao controle de todos e qualquer interveniente processual. A redacção conjugada dos artigos 141º, 355º e 357º do Código Processo Penal, na versão anterior a 2013, ressumam um garantismo pouco condizente com exigências de pragmatismo – ámen se fossem os únicos exemplos – que o legislador indígena esbagoou nas versões iniciais deste livro de leis. Arrepiado caminho, e ainda que a versão aplicável deva ser a vigente à data em que as declarações foram prestadas, o facto é que não pode deixar de, na avaliação e análise da relevância do acto nulo no conspecto global do acto afectado, se ter em consideração a exígua ou mesmo írrita influência que a indicação desse meio prova ditou na apreciação da decisão de facto por parte do tribunal recorrido. A questão a que qualquer julgador se deve afincar no momento de apreciar a relevância para a declaração de nulidade relativa – isto é, de baixo valor e intensidade percutora – é se o acto ferido obteria outra configuração na preparação e conclusão da decisão final, o que vale dizer se o acto que se viesse a declarar nulo repercutiria a sua incapacidade produtora de efeitos no eito decisório entretanto assumido no processo. O que no caso valeria por perguntar se, com os elementos probatórios enunciados e utilizados pelo tribunal para reapreciar a decisão de facto – e note-se que no tramo transcrito supra em que o tribunal elenca os meios de prova que utilizou não refere as declarações da arguida (audição dos depoimentos e declarações indicadas pela recorrente, conjugadas com os relatórios de perícias e de autópsia juntos aos autos, é manifesto que os argumentos utilizados pela recorrente não impõem decisão diversa da que foi tomada pela 1ª instância relativamente aos factos impugnados”) a decisão que viria a ser obtida, caso se viesse a declarar nulo o acto decisória, a decisão final viria a ser diversa. Capacitamo-nos que não. O tribunal recorrido retiraria do texto o troço transcrito e manteria o mais decidido. Seria, neste conspecto um acto espúrio e sem efeito útil e ou influência na decisão a declaração de nulidade do acto. A nulidade evidenciada constitui-se como uma manifestação isolada, restrita e confinada a um acto processual, melhor dito a um apartado de um acto jurisdicional, sem repercussão noutro qualquer acto subsequente. Por outro lado a nulidade cometida não se constitui como basilar e determinante da formação decisória e do iter processual, antes, como se evidenciou supra, foi indicada como um elemento entre outros – certamente mais importantes e decisivos – na formação da convicção do tribunal. A declaração de nulidade afectaria tão só uma parte da decisão e expurgada desse pedaço de texto a decisão retomaria a mesma compleição e o mesmo vector decisório. A não afectação ou contaminação de outros actos – que não uma decisão que expurgada desse acto obteria a mesma propensão e configuração conceptual – desaconselha a que se declare a nulidade demonstrada. Razões de não contaminação de outros actos processuais e, acima de tudo, de reduzida ou írrita influência no acto afectado, conduzem à convicção de que a declaração de nulidade se tornaria num acto de efeito perturbador da celeridade processual e da eficácia decisional do processo. Porque assim, embora confirmando a utilização, entre outros meios de prova, indevida das declarações da arguida prestadas perante o JIC, não se extraem ou sacam efeitos processuais (concretos) e, consequentemente, não se declara a nulidade da decisão. II.b).2. – Nulidade da decisão recorrida por violação dos artigos 379.º, n.º1, al. c); 374.º, n.º 2 e 97.º, n.º5 todos do CPP e 71.º, n.º3 do Código Penal. Para a recorrente o tribunal não se aplicou devidamente na explicitação dos motivos e razões por que tendo levado à cognoscibilidade do tribunal recorrido a questão das penas aplicadas pelos crimes de homicídio e profanação de cadáver (a fixar, segundo a recorrente, perto dos limites mínimos), o tribunal conteve-se na explanação motivacional, bastando-se com a (singela) alusão “Ora bem. Tomando em consideração os critérios definidos nos artigos 71.º e seguintes do Código Penal, nomeadamente a culpa da arguida, as exigências de prevenção do crime, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins e motivos que a determinaram, as condições pessoais e económicas da arguida, a sua conduta, a conduta posterior e anterior do facto, consideramos adequada a aplicação à arguida das penas parcelares de 10 anos de prisão e da pena única de dez anos e quatro meses de prisão.” Com esta inópia narrativa, no entender da recorrente, o tribunal teria incorrido na maleita ou vício de falta de fundamentação a proscrever a necessidade de declaração da nulidade da decisão por violação do “disposto nos artigos 379.º, n.º1, al. c); 374.º, n.º2 e 97.º, n.º5, todos do CPP e 71.º, n.º3 do Código Penal porquanto não se pronunciou quanto á questão suscitada, limitando-se a efectivar-lhe referência, sem qualquer fundamentação, ocorrendo assim em nulidade que expressamente se argui perante o Venerando Supremo Tribunal de Justiça”. (conclusões 22 a 29) Discreteando sobre a decisão judicial, Luís Benéytez Merino, magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal Supremo (do reino de Espanha), estima que na primeira linha das considerações a ponderar é “a circunstância de que a decisão judicial se pronuncia sempre perante pessoas: o mandato jurídico, em que, ao fim e ao cabo, se resume a sentença, tem como termino ou destinatário uma pessoa, que resulta especialmente obrigada ou afectada per ele; assim, para pôr um exemplo, no processo penal a sentença condena ou absolve uma pessoa, contra a qual se desenvolveu o processo, sem prejuízo de que, ao mesmo tempo, a sentença afecte de maneira considerável outras pessoas, como o possível prejudicado, assim como a quem haja, eventualmente, actuado como acusador particular, e, desde logo, afecta a sociedade em geral, sempre interessada na correcção da sentença penal, que, por isso, tem como valedor permanente no processo o Ministério Público. O mesmo se pode dizer das demais manifestações do processo. O facto de a sentença se pronuncie perante cidadãos, que ostentam a dignidade de pessoas é a origem e fundamento dessa série de exigências éticas (…). A dignidade da pessoa, que é qualidade inerente aqueles que vão a suportar as consequências da decisão judicial consiste em que se trata de seres humanos dotados de consciência moral, que dizer seres racionais, que possuem inteligência e vontade com a possibilidade consequente de decidir-se a obrar sob o pressuposto da liberdade.” O mandato jurídico em que a sentença se transverte “exige que o dito mandato seja racionalmente aceitável, congruente com o actuado no processo e proferido com clareza suficiente de forma a resultar plenamente inteligível, pois todas essas qualidades da decisão são necessárias para que se produza esse assentimento racional ao mandato da sentença e com ele a consequência do seu acatamento e espontâneo cumprimento.” [[16]] É consabido, e não é demais afirmá-lo, que é através da sentença que o tribunal procede à reconstituição/interpretação de factos históricos, procedendo, depois, à sua integração/valoração à luz de normas jurídicas pré-existentes, concluindo dessa operação com o veredicto jurisdicional que deve ser acatado por aqueles a quem, ou contra quem, o dictum é proferido. Neste proceder/refazer histórico, o tribunal socorre-se de regras de experiência e de métodos lógico – racionais que possibilitem demonstrar a verosimilhança da situação reconstituída com o real acontecido – cfr. Paolo Tonini, La prova Penale, Cedam, 200, apg. 27 e segs. e Winfried Hassemer, Fundamentos del Derecho Penal, Bosch, pag. 179 e segs.(Na acepção deste segundo Autor a reconstituição do sucedido prende-se com o princípio da verdade material e da racionalidade do direito da prova e, ainda, da essência da compreensão (aqui nas vertentes da compreensão cénica e da compreensão textual). No dizer de Andrea António Dália e Marzia Ferraioli “a sentença tem um duplo conteúdo, porque é, a um tempo uma declaração de vontade e um acto de inteligência: exprime a aplicação da norma no caso concreto e dá razão de tal aplicação” – Manuale di Diritto Processuale Penale, Cedam, pag. 749. É com base nas provas que foram adquiridas para o processo (ou no decurso do processo), que o juiz reconstitui o facto histórico cometido pelo imputado (mottivi “in fatto”); logo (a seguir) interpreta a lei e precisa o “fatto típico”, previsto na norma penal incriminadora (mottivi “in diritto”), finalmente valora (aprecia) se o facto histórico “rientra” no facto típico (giudizio di conformitá) – op. loc. cit. pag. 28. O tribunal tem a obrigação de expor as razões de facto e de direito que enformam a sua convicção e justificam a sua decisão, num ou noutro dos sentidos possíveis que qualquer situação histórica pode conter. Não pode o tribunal bastar-se com alusões pervagantes dos momentos probatórios em que se vazou a actividade probatória, nem em asserções apodícticas de juízos adquiridos em concepções pré – estabelecidas. Deve o tribunal expor as razões da sua convicção adquirida num “ragionamento” objectivo, lógico e arrimado às regras comummente assimiladas pelo proceder do homem em sociedade e segundo padrões de razoabilidade e bom senso. A obrigação de motivação dos actos judiciais está consagrada constitucionalmente e tem o seu vazamento em todos os ordenamentos jurídico-adjectivos.(“O juiz deve dar conta dos resultados probatórios adquiridos e dos critérios com base nos quais valorou tais resultados. Deve, portanto, proceder à exposição concisa, mas exaustiva, dos motivos de facto e de direito sobre os quais funda a decisão, com indicação dos elementos de prova que lhe estiveram na base e a enunciação das razões que o induziram a julgar não atendíveis os elementos de prova contrários”). [[21]] Deve, pois, o julgador, quando obtém, e depois propõe e assume, uma determinada convicção, elucidar as pessoas a quem se dirige quais foram os caminhos percorridos para chegar até ela e os meios de prova que valorou e quais desbordou para se alçar à decisão conviccional que verteu no texto decisório. Não basta uma simplista e cómoda alusão que, em relação a um determinado facto ou a um conjunto, mais ou menos alargado de matéria factual, bem com a vaga indicação de que ocorreu ausência de prova. Exige-se que o julgador joeire a prova, indique pontos de convergência e de divergência, suscite e convoque os dissídios entre os distintos elementos probatórios em confronto, procure estabelecer a plataforma de consenso que, razoavelmente, e de acordo com as regras normais do proceder e do agir humano e societário, naquela concreta e histórica situação se apresentam como mais plausíveis, aceitáveis e credíveis, por forma a que a verdade histórica e processual fique inconcussa e se perfile como logicamente compreensível. [[22]] É necessário que aquele que tem a função de julgar, em obediência e com arrimo à lei e ao direito, procure explicitar as razões das suas decisões e, mais ainda, que dê a conhecer o iter racional e lógico por que chegou aquela e não a outra decisão. T. Sauvel, citado por Chaim Perelman, num artigo denominado “Histoire du jugement motivé”, considera que “motivar uma decisão é expressar-lhe as razões. É, deste modo, obrigar quem a toma a tê-las. É afastar toda a arbitrariedade. Somente graças á motivação aquele que perdeu um processo sabe como e porquê. A motivação convida-o a compreender a sentença e não o deixa entregar-se por muito tempo a amargo prazer de “maldizer os juízes”. [[23]] É ainda este autor quem, impressivamente, incute a ideia de que “a sentença motivada substitui a afirmação por um raciocínio e o simples exercício de autoridade por uma tentativa de persuasão. Desempenha, desta forma, no que poderíamos chamar de equilíbrio jurídico e moral do país, um papel absolutamente necessário”. Através da motivação judiciária associa-se a demonstração e a justificação das decisões judiciais, “afirmando-se um lugar onde para usarmos a terminologia de Robert Alexy, se exprime a justificação interna da decisão ou da justeza do dispositivo da aplicação do direito, de feição demonstrativa, e a justificação externa da decisão, justificação propriamente dita dos motivos que determinaram as escolhas, de feição mais argumentativa e que constitui o paradigma de fundamentação de fundamentação em Filosofia”. [[24]] “A justificação judicial pode, portanto, cumprir outras funções: “Trata-se de tratar um ser humano racionalmente, isto é, como um ser racional, explicando-lhe, através das razões porque se pode chegar a uma decisão que afecta adversamente os seus interesses. O próprio Luhman considera necessário “que os não participantes cheguem a uma convicção de que nada de estranho está acontecendo, de que a verdade e a justiça estão sendo estabelecidos com esforço sério, sincero e árduo e que eles também, se for necessário, terão assegurado os seus direitos pelo recurso a esta instituição”. [[25]] A motivação é informada, ou perpassada, por um princípio basilar, qual seja o da completude. Finca-se este princípio na necessidade de uma justificação cabal de todas as razões que determinaram a valoração (lógico-racional), tanto de facto como de direito, em que o Juiz se escorou para conferir determinada opção ou eleição decisória. No ensino de Michele Taruffo o princípio da completude comporta duas implicações. “[A] primeira implicação é que a motivação completa deve incluir tanto a chamada justificação interna, que atende à conexão lógica entre premissas de Direito e premissa de facto (a chamada subsunção do facto à norma) que sustenta a decisão final, como a justificação externa, quer dizer, a justificação das eleições das premissas das quais deriva a decisão final. A justificação externa da premissa de facto da decisão concerne às razões pelas quais o juiz reconstruiu e determinou de uma dada maneira os factos da causa: estas razões referem-se, essencialmente, às provas das quais o juiz se serviu para decidir acerca da verdade ou falsidade dos factos.” [[28]] No entanto, como adverte este autor, torna-se necessário eliminar um equívoco, consistente em considerar que a motivação é uma espécie de registo do razoamento que o juiz desenvolveu para chegar à decisão. “[P]elo que respeita à motivação do juízo de facto, a motivação seria então uma espécie de narrativa (recuento) do que o juiz havia pensado ao praticar as provas, ao valorá-las e ao derivar delas a decisão final. Trata-se de uma concepção errada: há que distinguir entre o razoamento com que o juiz chegou a uma decisão e o razoamento com que o juiz a justifica. O primeiro razoamento tem um carácter heurístico, procede por hipóteses verificadas e falseadas, inclui inferências abdutivas e articula-se numa sequência de eleições até à eleição final sobre a verdade ou falsidade dos factos. A motivação da decisão consiste num razoamento justificado que - por assim dizer - pressupõe a decisão e está dirigida a mostrar que há «boas razões» e argumentos logicamente correctos, para a considerar válida e aceitável. Naturalmente, pode suceder que haja pontos de contacto entre as duas fases do razoamento do Juiz: o juiz que sabe que deve motivar estará induzido a razoar correctamente ainda quando está valorando as provas e formulando a decisão. O mesmo juiz ao redactar a motivação, poderá completar argumentos e inferências que formulou ao valorar as provas e ao configurar a decisão final. Isto não demonstra, sem embargo, que as duas fases de razoamento do juiz tenham a mesma estrutura e a mesma função, nem muito menos que uma possa considerar-se como uma espécie de reprodução da outra,” [[29]/[30]] Assim é que, por exemplo, quando um tribunal procede à reapreciação da decisão de facto deve motivar a sua decisão, conformando e satisfazendo a exigência constitucional imposta aqueles a quem a lei confere o poder de administrar a justiça, e como forma de esse poder aparecer aos olhos dos destinatários de veredicto judiciário legitimado e reconhecido pela racionalidade e vinculação a valores de justiça e não por assumir decisões fundadas na discricionariedade, na irrazoabilidade e no arbítrio. Os destinatários da decisão, porque, de ordinário, são por ela afectados na sua esfera de interesses, devem poder conhecer as razões e motivos porque o tribunal assumiu, ou elegeu, uma determinada opção em detrimento de outra. A realização de um juízo de justiça deve, assim, ser suportada pelo razoamento e pela explicitação dos motivos e razões que determinaram um órgão investidos do poder de julgar opcionou num determinado sentido factual e/ou jurídico. E isto, como se deixou aflorado deve ser assumido tanto na sua vertente endoprocessual como extraprocessual, confirmando desta forma uma das funções determinantes da acção jurisdicional na legitimação interna e externa do processo. [[31]] Entre os aspectos determinantes da função extraprocessual da motivação, Michele Taruffo assinala a instrumentalidade que caracteriza a obrigação constitucional da motivação “[c]om respeito às garantias fundamentais relativas á administração da Justiça: é mediante a motivação, com efeito, que se torna possível controlar se em cada caso se cumpriram efectivamente princípios como o da legalidade ou os atinentes ao “devido processo”. “Outro aspecto relevante de la función de la motivación, que está en el lundamenta de su obligatoriedad, es que induce al juez a demostrar, justificando su decisión, que hay razones válidas para considerar la decisión misma como coherente con el sistema jurídico en el que se inserta. En este sentido, la motivación desarrolla una función de legitimación de la decisión, em cuanto muestra que responde a critérios que guían el ordenamiento y gobiernan la muestra la actividad del juez”. [[32]] Discorrendo sobre a natureza da motivação este autor assevera que não será correcta a ideia que parece querer impor-se de que o juiz deveria reproduzir o percurso lógico e psicológico da decisão que tomou “[a] a decisão estaria motivada sobre a base de uma espécie de explicação, quer dizer sobre a base de momentos e passagens mediante os quais a decisão se foi formando na mente do juiz”. “Este modo de entender la motivación como un discurso que desenhe la formación de la decisión está bastante difundido pero es impropio y está sustancialmente equivocado por varias razones que se pueden indicar sinteticamente.” [[33]] A primeira é que a psicologia da decisão e a estrutura da sentença não são coisas qualitativamente diferentes e deve ser evitada a confusão entre elas. Por outro lado parece óbvia a impossibilidade de, para o juiz, redactar uma espécie de registo ou reconto das suas próprias passagens mentais para explicar como chegou á decisão: “[el] procedimiento mental del juez se desarrolla em vários momentos en el curso del proceso, y sóIo al flnal lleva a cabo la decisión final.” “En otros términos lo que se exige al juez cuando se le impone la obligación de motivación, es suministrar una justificación racional de su decisión, es decir, desarrollar un conjunto de argumentaciones que hagan que su decisión resulte justificada sobre la base de critérios y estándares intersubjetivos de razonamiento. Si se acoge, como parece necesario, la concepción «legalracional» de la justicia, em los términos que han sido establecidos claramente por ejemplo, por Jerzy WROBLEWSKI con referencia a ordenamientos que – como el nuestro – están marcados por el principio de la legalidad, resulta evidente que la motivación de la sentencia consiste precisamente en un discurso justificativo en el que el juez enuncia y desarrolla las «buenas razones» que fundamentan la legitimidad e la racionalidad de la decisón”. [[34]] Arrancando destes ensinamentos, o juiz que reaprecia a prova, em via de recurso, deve “[S]iempre y cuando eI juez haya motivado su razonamiento probatório, el juez ad quem podrá revisar las declaraciones prestadas por los sujetos del proceso, y comprobar que efectivamente eran coherentes, estaban corroboradas, contextualizadas y no contenían detalles oportunistas, siempre que cada uno de esos aspectos sea relevante en el caso concreto, […] El juez de apelación, finalmente, puede hacer algo más que descubrir los errores en el razonamiento probatório de la forma indicada. También puede, a raiz del descubrimiento de dichos errores, valorar conjuntamente toda la prueba practicada y extraer una versión diferente a la afirmada por el juez a quo.” [[35]] Já quanto ao razoamento necessário e institucionalmente validante de uma decisão judicial este Mestre processualista italiano refere que o razoamento do juiz – para aqueles que, como ele, inculcavam à fundamentação (motivação da decisão judicial) uma distinção entre razoamento decisório e razoamento justificativo – se devia desdobrar em dois planos, pois “uma coisa é o procedimento através do qual o juiz chega a formular a decisão final, mediante uma concatenação de eleições, de hipóteses constatadas como falsas ou confirmadas, de mutações que intervêm no curso do processo, de elaborações e valorações que desembocam na decisão final; e outra coisa é o razoamento com o qual o juiz, após haver formulado a decisão final, organiza um razoamento justificativo no qual expõe as «boas razões» em função das quais a sua decisão deveria ser aceitada como válida e compatível.” Refere o autor que esta distinção e forma de enquadrar o razoamento judicial, se equivale ao context of discovery: “que tinha características estruturais próprias: articula-se no tempo, implica a síntese de diversos factores, procede através de abduções e de trial and error, percorre caminhos que logo são abandonados, inclui a influencia de factores psicológicos e ideológicos, implica juízos de valor, e pode inclusivamente compreender a participação de várias pessoas, como ocorre em todas as hipóteses nas quais a decisão é tomada por um colégio de juízes.” Por outra parte o equivalente do context of justification apresentar-se-ia como sendo verdadeiramente como a motivação da sentença. Esta motivação configurar-se-ia como sendo aquela que surge quando a fase decisória já está esgotada e a decisão final já foi assumida “não tem a função de formular eleições, mas sim mostrar que as eleições que se realizaram foram «boas»; tem uma estrutura argumentativa e não heurística; tem uma função justificativa ; é um discurso – e, portanto uma entidade linguística – e não um iter psicológico; funda-se em argumentos com valência tendencialmente intersubjectivo; está estruturada logicamente: pode incluir inferências dedutivas e indutivas, mas não de abdução, e assim sucessivamente.” [[36]] Se não se pode saber com o juiz tomou uma decisão, ou seja quais são «as razões reais» pelas quais o juiz elegeu um determinado vector decisório e logo o assumiu como decisão (definitiva), poderá sempre ficar-se a saber quais as «boas razões» que justificam a decisão tomada, se a justificação que for assumida lograr uma concatenação lógico-racional que permita ao destinatário percepcionar e compreender, de forma inteligível, clara e válida que as «boas razões» que estiveram na base e por detrás da decisão tomada se articulam num contexto de sentido racional aceitável e admissível à luz de valorações e princípios comummente aceites pelo substrato ideológico prevalente num determinado e dado contexto societário. A motivação (justificativa) deve ser entendida, no ensino do Mestre que vimos citando, “como um discurso elaborado pelo juiz com o intento de tornar evidente (“volver manifesto”) um conjunto de significados: isso significa, para além disso, que a motivação deve ser configurada como um instrumento de comunicação que se insere (“inserta”) num procedimento comunicativo, que tem a sua origem no juiz e que está encaminhado para informar as partes, e também ao público em geral, aquilo que o juiz pretende expressar.” “A motivação não deve ser vista como um todo unitário e homogéneo, mas sim como um conjunto de entidades que, sob certos aspectos, são heterogéneos entre si: tratando-se de um discurso, entendido com um conjunto de proposições, poder-se-ia definir a motivação como o conjunto de signos linguísticos, quer dizer, como um signo complexo, dependendo do que se queira evidenciar a variedade das suas componentes, ou ainda a sua inserção (“ubicación”) num mesmo conjunto” [[37]] Quando falte, ou contenha de forma não suficientemente explicita, compreensível ou perceptível, qualquer uma das exigências fundantes da estruturação e composição da sentença, a decisão proferida não cumpre o fim para que tende na sua necessária relação comunicacional com os destinatários, a saber os sujeitos processuais, em primeira linha, e o público ou a comunidade em geral, em derradeira função da administração da Justiça. [[40]] De forma apodíctica, a fundamentação deve servir, no dizer de Chaïm Perelman, para convencer os destinatários do veredicto do órgão decisório da coerência interna do raciocínio lógico seguido pelo julgador no processo de formação da sua convicção e na justificação do ato decisório que desse processo emana, tendo em linha de conta a vivência normal dos indivíduos numa determinada sociedade, histórico-socialmente situada e as regras de direito aplicáveis ao caso. Ainda para este autor, in Lógica Jurídica, Martins Fontes, S. Paulo, p. 238, “as decisões de justiça devem satisfazer três auditórios diferentes, de um lado as partes em litigio, a seguir, os profissionais do foro e, por fim, a opinião pública, que se manifestará pela imprensa e pelas reacções legislativas ás decisões dos tribunais”. Ainda para este autor “motivar uma decisão é expressar-lhe as razões. É, deste modo, obrigar quem a toma a tê-las. É afastar toda a arbitrariedade”.[[41]] “O dever de fundamentação cumpre, no essencial, a ideia de que o tribunal “administra a Justiça”, tal qual ela se deve precipitar, concretamente, num certo juízo jurisdicional. O que significa que, no concreto juízo jurisdicional, deve estar suficientemente demonstrado que a decisão final tomou em devida consideração todos os argumentos (de facto e de direito) aduzidos pelas “partes” na audiência de julgamento (o que, no nosso processo penal, significa uma decisão fundamentada quanto ao que “resta” de um conflito penal. Assim, este dever de demonstração implica (agora para o processo penal), a possibilidade de reconhecimento de que o concreto juízo jurisdicional corresponde a uma decisão sobre todas as questões cuja apreciação foi solicitada ao tribunal, por parte os sujeitos processuais”, [[42]] “o dever de fundamentação cumpre, no caso de decisão condenatória, não só uma função de garantia perante o arguido (a de que este é condenado, por um juízo que demonstre, através de uma fundamentação, que foram tomados em consideração todos os contributos – as suas declarações e os meios de prova que apresentou), mas representa também a garantia “institucional” de uma condenação que não deixa margem para quaisquer dúvidas, por tal forma que a concreta decisão se afirme como “aceitável” nas suas premissas de facto e de direito”. [[43]] Na sequência do que entende por dever de fundamentação e dever de motivação, este autor escreve, mais adiante que “o dever de motivação cessa necessariamente onde esteja em causa o princípio da livre apreciação da prova – ou, talvez melhor de livre apreciação das provas. Este aspecto merece alguma atenção, pois que, o dever de motivação levado a extremos, pode implicar a reconsideração do princípio de livre apreciação das provas. Se, de facto, ao tribunal compete necessariamente dar conta das provas decisivas para a decisão (o que, por si, é já um limite à tradicional consideração do princípio da livre apreciação), exigir-se uma motivação profunda que conduza a uma espécie de discurso justificativo sobre toda as operações mentais que levaram o tribunal a dar um “facto” como provado, para além de deparar com dificuldades inerentes à composição dos tribunais colegiais e à sua forma de deliberação, poderia transformar o tribunal de recurso – quando o recurso fosse pensado a partir de uma efectiva “motivação” – num “substitutivo” do sistema de provas legais (por tal forma que o tribunal de recurso fizesse, ele próprio, uma valoração da prova, acabando, ao invés de censurar a decisão, por proceder a um juízo, mas com inversão das regras de audiência de julgamento) ou, então, numa espécie de juízo por parâmetros. Aquilo que o tribunal de recurso pode essencialmente censurar, é a violação de todo o conjunto de princípios que estão subtraídos à livre apreciação das provas (que limitam o arbítrio na sua apreciação), exactamente: as regras [[44]] de experiência comum, o princípio in dubio pro reo, o princípio da presunção de inocência e, em especial, aquele que está directamente ligado à afirmação de uma culpabilidade pelo facto isenta de qualquer referência a características pessoais do arguido”. Será, pois, nestes precisos limites que o dever de fundamentação se deverá expressar e não já, como parece querer exigir o recorrente, entrar na intima ou interior convicção do julgador, seja ela medida ou aferida por esquemas mentais explorados por Habermas ou Florescu, [[45]] seja mesmo pela exigência de escandir e pontualizar todos os momentos psicológicos que intervieram na formação da convicção. O processo de formação da convicção não é um processo linear e passível de ser descrito sem intervenção e apelo a soluções exteriores, porque interiormente acumuladas com o saber e a experiência de quem decide, sendo passível de serem encontradas fissuras ou descompensações intelectivas que, contudo não podem abalar a compreensão de quem analisa e contextualiza a explicação critica apresentada numa decisão. O processo de formação de um juízo de qualificativo de índice superior ao que deve constituir-se como uma exigência categorial e intelectiva acima de uma dúvida razoável («beyond reasonable doubt») e cerca da certeza histórica, constitui-se mediante uma conjugação de elementos contidos e sacados da narração testemunhal, pericial e documental atestadora de uma realidade e/ou sucesso histórico-social fornecido ao julgador e que este, congraçando-os com as regras de experiência comum e com o saber jurídico, adquire e consolida no seu acervo apreciativo para o caso que lhe é proposto julgar. A verosimilhança entre o percebido e adquirido como representação de uma realidade acontecida e o efectivamente sucedido constitui-se como o substrato factual e o patamar categorial em que o tribunal colhe o material factual-social-histórico em que suporta, juridicamente, a solução para o caso que lhe foi submetido a apreciação. A falta de fundamentação não se confunde, ou não pode ter a mesma dimensão compreensiva, da falta de convencimento que essa fundamentação opera no destinatário. Para este a fundamentação pode não ser suficiente para os fins que prossegue e que anseia da decisão do órgão jurisdicional, mas esta perspectiva não pode obumbrar o fim constitucional do dever de fundamentação enquanto dever geral e comum de percepção do sentido das decisões por todos aqueles que delas tomem conhecimento ou que delas sejam destinatários. Como se enunciou em marco introdutor da apreciação desta nulidade, a recorrente considera insatisfatória a forma e o modo como o tribunal justificou a imposição da medida da pena, não conferindo resposta à dissensão que quanto às mesmas tinha sido impregnada na pretensão recursiva. O tribunal adentrou-se na explicação sobre a determinação da medida da pena – cfr. fls. 2272 e 88 do acórdão – incoando por transcrever o que a ponto tinha sido a posição do tribunal recorrido. Após a transcrição de uma página o tribunal acaba por concluir que a “culpa da arguida, as exigências de prevenção do crime, o grau de ilicitude do facto e os motivos que o determinaram, as condições pessoais e económicas da arguida, as sua conduta anterior e posterior ao facto, consideramos adequada a aplicação à arguida das penas parcelares de 10 anos de prisão e de 10 meses e da pena única de dez anos e quatro meses de prisão.” Ocorreu, neste proceder do tribunal, um assenhoreamento da justificação explicativa utilizada pelo tribunal de primeira (1ª), o que não sendo edificante não é desmerecedor ou depreciativa. Se o tribunal recorrido entendeu que a a pena aplicada e, consequentemente, a sua justificação/fundamentação era as adequadas e ajustadas e que, em seu juízo, a impugnação formulada pela recorrente ficava satisfeita com essa explicação, não vemos porque não usar a fundamentação da pena, ineri-la na sua própria decisão e tomá-la como suficiente e capaz para dar solução e resposta à pretensão recursiva que lhe foi pedido resolver. Não ocorre, nesta compreensão da fundamentação da pena, que satisfaz a pretensão da recorrente, falta de fundamentação da decisão sob recurso. Ainda que assim não fosse a apontada falta, ou carência, de fundamentação, não impediria que, uma vez constatada, o tribunal de recurso não pudesse conhecer do recurso, sobrepujando a anomalia e repondo a legalidade quanto ao dever omitido – cfr. nº 2 do artigo 379º do Código Processo Penal - ou com mais pormenor e arrimo jusprocessual – cfr. o disposto no artigo 684º, nº 1 do Código Processo Civil. Soçobra este fundamento da revista. II.b).3. – Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [artigo 410.º, n.º2, al. a) do C.P.P]. Na perspectiva da recorrente, a decisão padece de insuficiência de matéria de facto para a decisão a que o tribunal se alçapremou. Refere a recorrente – cfr. conclusões 33, 34 e 35 (“A ora Arguida/Recorrente e em sede de recurso apresentado perante ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra evidenciou que o Douto Tribunal de Primeira Instância deu como provada matéria que não o haveria de ter dado e deu como não provados factos que os não haveria de ter dado enquanto tal. Ademais a Arguida ora Recorrente defendeu que deveriam ter sido dados como provados determinados factos diga-se os já evidenciados no ponto 19. das presentes conclusões. Ora, com a fundamentação apresentada pelo Douto Tribunal da Relação de Coimbra, tendo por base prova legalmente inadmissível conforme nulidade invocada anteriormente [questão prévia invocada] o Douto Tribunal da Relação rejeitou por completo os factos que a Arguida entendia que haveriam de ter sio dados como provados” – pugnou, como resulta da transcrição das conclusões, pela alteração da decisão de facto o que não foi atendido pelo tribunal recorrido i) por ter usado as declarações da arguida perante o juiz de instrução criminal; ii) e não ter acolhido a alegação da recorrente para que fossem dados como provados os factos indicados na conclusão 19 (““As declarações da arguida salvo quanto à dores horríveis que teve no parto não merecem qualquer credibilidade”, gizando-se mais uma vez “Logicamente as suas declarações não merecem qualquer credibilidade, salvo quanto ao facto notório de que teve fortes dores no parto”; e ainda ao não ser iii) “ser dada como provada tal matéria factual (peticionada pela Arguida/Recorrente – ponto 19 das presentes conclusões de recurso [[46]]), carecem os autos de elementos fundamentais para a imputação dos factos ao direito e para com segurança se conduzir a uma eventual condenação (que entendemos em moldes diferentes) pelo que incorreu o douto Tribunal da Relação e face a todos os argumentos evidenciados supra em vício disposto no artigo 410.º, nº 2, al. c) do C.P.P. matéria que não obstante de conhecimento oficioso é levada ao conhecimento do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, porquanto se revela fundamental na apreciação do crime de homicídio negligente na esteira do artigo 137.º do Código Penal, que face a tal vício o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra se furtou a apreciar.” A lei, no capítulo atinente ao modo de tramitação dos recursos, notadamente no que concerne aos fundamentos que podem ser alinhados para a sua cognoscibilidade, inculca o dever de o tribunal de recurso “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição […] a matéria de direito” e “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, tome conhecimento dos vícios plasmados e emergentes do teor decisório i) quando se verifique que ocorre uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; ii) que se ateste uma contradição insanável da, ou na, fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; iii) ou se evidencie um erro notório da, ou na, apreciação da prova – artigo 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) do Código Processo Penal. A lei consagra, no artigo 410º, nº 2 do Código Processo Penal, um remédio endosistémico de sanação de incorrecções, quebras, hiatos, desconexões e incongruências de razoamento lógico-argumentativos e de inteireza conviccional interna da decisão judicial que dita um veredicto sobre um caso sujeito à sua apreciação jurisdicional. Trata-se de uma imposição e/ou cogente postura cognoscitiva que o ordenamento jusprocessual comina ao tribunal de recurso como modo de impedir que se forme e constitua um julgado em que a congruência de raciocínio e a constância do proceder razoável do juízo que transparece e emerge da texto da decisão não desborde para o destinatário como uma peça desquiciada e desformada da realidade e da experiência comum. [[47]] Não se trata, em nosso juízo, e em rigor e de forma literal, de uma «revista alargada» da decisão da matéria de facto – desde logo porque não se poderá configurar o vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão como uma reanálise da matéria de facto – mas de uma sindicância da congruência endógena do texto decisório, na sua completude lógico-racional e argumentativa e em se atesta e coonesta a validade dos factores aquisitivos e cognoscentes que formaram e substanciaram o percurso conviccional do tribunal. [[48]] Em breve e apertada síntese “a máxima de experiência é uma regra de comportamento que exprime aquilo que acontece na maior parte dos casos (id quod plerumque accidit); mais precisamente, essa é uma regra que é dedutível de casos similares ao facto anotado. A experiência pode permitir formular um juízo de relação entre factos; ocorre essa relação quando se deduz que uma categoria de factos se acompanha de outra determinada categoria de factos. Raciocina-se com base neste princípio: “em casos similares, ocorre um idêntico comportamento”. Este razoamento permite conferir/verificar a existência de um facto histórico obviamente não com certeza, mas com uma probabilidade mais ou menos ampla. A máxima de experiência é uma regra, e por isso não pertence ao mundo dos factos; daí, por isso, um juízo de probabilidade e não de certeza. Todavia não existe outra possibilidade de verificação/apuramento, quando não seja disponível uma válida prova representativa. Importa sublinhar que a prova representativa e o indício diferem não pelo objecto a provar, mas sim pela estrutura do procedimento lógico. O objecto a provar pode ser um facto principal (fatto di reato), ou facto secundário (uma outra circunstância indiciante). Esta última, de facto, pode ser provada seja mediante uma prova representativa, seja uma prova crítica.” [[50]] 1) “Provare” quer dizer, substancialmente, induzir no juiz o convencimento que o facto aconteceu de um determinado modo. Tal facto deve ser “representado” ao juiz mediante outros factos. A prova é, por isso, aquele procedimento lógico com base no qual de um facto se deduz a existência do facto histórico a provar e o modo como se verificou». 2) A segunda característica é consequência da primeira. A imputação, para que seja ”objectiva”, não deve fundar-se no conhecimento privado do juiz, mas sim em elementos externos, isto é, a prova. O grau máximo da objectividade adquire-se quando o juiz se encontra numa situação de plena “terzietà” (de terceiro), para além do tipo psíquico, com respeito à prova. Isto só acontece quando são as partes a procurar a prova, a pedir a sua admissão, e assumindo-a colocando as perguntas ás testemunhas e aos outro sujeitos processuais que prestam declarações […]. Se fosse atribuído ao juiz o poder de colocar as provas e dispor as perguntas, ele de forma inconsciente tenderia a escolher a tese da acusação ou da defesa. 3) A verificação (ou comprovação) deve ser “lógico”, isto é, baseado em princípios de razoabilidade que regulam o conhecimento. A assumpção das provas deve permitir ao juiz avaliar a credibilidade daqueles que prestam declarações a atendibilidade dos elementos que oferece. O resultado da prova deve ser posto em confronto cm os resultados de outras provas. Se aí existe uma contradição, esta deve ser resolvida. Finalmente. O juiz deve reportar na motivação o percurso lógico que seguiu na reconstrução do facto histórico. Somente através da motivação será possível controlar o operado». [[52]] Na operação de razoamento lógico em que flui a aquisição do convencimento do juiz de que um facto, ou complexo de factos, histórico que lhe é submetido a apreciação se passou ou ocorreu de uma determinada maneira, deve o juiz socorrer-se de todo o séquito de material probatório que lhe é apresentado pelos sujeitos processuais, desbravando e joeirando as aportações testemunhais ou trazidas por outros elementos de prova por forma a obter um núcleo infrangível donde possa dessumir a existência ou não do proceder ilícito em que se substanciou a acusação. Não deixa o juiz de trazer ao espectro representativo e significante da realidade factual que lhe está submetida a julgamento todo o feixe de experiências modais e vivenciais em que se desenvolve o proceder humano em situações similares, desbordando, naturalmente, de qualquer especulação ou elucubração sacada do seu conhecimento privado ou do seu intimo conhecer e conceber a realidade histórica e social em que lhe é dado viver. Nesta reconstrução lógico-histórica da realidade factual, o juiz haverá de socorrer-se de todo o tipo de operações que enformam o raciocínio dedutivo, aqui incluídas presunções naturais. […] «As presunções são imprescindíveis para realizar a maior parte dos raciocínios e, desde logo, para valorar a maior parte das provas praticadas em qualquer juízo e extrair delas as consequências probatórias que devam proceder. Pode-se definir presunção «dizendo que é a prova de um facto de índole probatória dificultosa por inexistência de prova ou por não ser convincente, mediante a prova de outro ou de outros factos conectados logicamente com aquele, segundo critérios de experiência, e não contraditados por outras provas, de maneira que a prova deste ou de outros factos implica a prova de aquele outro facto» [[53]]. Michele Taruffo aporta uma cópia de questões à validade da prova com recurso às máximas de experiência, questionando “que a experiência comum seja apta a construir indutivamente generalizações datadas de uma forma lógica e de um conteúdo cognoscitivo praticamente equiparável, ao menos, ao das leis científicas ou quase gerais.” Refere este autor que a resolução adequada das dúvidas que se possam suscitar acerca das máximas de experiência deve tomar em consideração que as máximas de experiência não são mais do que a tradução de leis científicas de carácter geral nos termos do sentido comum e da cultura média. “Nestes casos, com a condição e que a vulgarização da lei científica não haja traído o seu significado originário, pode-se equiparar a máxima de experiência comum à lei científica e utilizá-la como lei de cobertura da inferência causal. Noutros casos, a máxima de experiência comum expressa em linguagem comum frequências estatísticas de um grau muito elevado: assim, a máxima corresponde com generalizações empíricas de um alto grau de probabilidade.” [[54]] Para este autor, o juiz encontra-se numa situação diferente das partes e a “narração que o juiz constrói pode entender-se como um conjunto ordenado de enunciados, donde um factor importante de ordem o constitui na distribuição destes anunciados em quatro níveis distintos: - Num primeiro estão os enunciados que descrevem os factos principais. Trata-se dos enunciados que se referem a cada uma das circunstâncias (quer dizer dos particulares) cuja combinação constitui a narração do facto principal. - Num segundo nível estão os enunciados que descrevem factos secundários. Este aspecto da narração do juiz é só eventual: não existe, com efeito, quando não há factos secundários dos que podem extrair inferências relativas à verdade ou falsidade de enunciados sobre factos principais; - Num terceiro nível da narração do juiz compreende os enunciados que resultam de provas praticadas em juízo: trata-se, por exemplo das declarações prestadas pelas testemunhas, ou das afirmações contidas num documento ou num laudo pericial; - Num quarto nível, cuja presença é em princípio eventual, ainda que de facto frequente, compreende as circunstâncias das que se podem extrair inferências relativas à credibilidade ou à fiabilidade dos enunciados que estão no terceiro nível.” [[55]] Por seu turno, a contradição entre a fundamentação ou entre esta e a decisão, tanto pode ocorrer entre a fundamentação de facto, em si, como entre esta e a fundamentação de direito ou entre esta mesma fundamentação, ou, ainda, entre todas, e cada uma, destas posições antinómicas e a decisão a que se chegou. [[58]] Não cabe neste tipo de patologia da decisão (judicial) a alegação, ou verificação, de carência ou incapacidade probatória do tribunal para congraçar a realidade que lhe foi posta para julgamento, vale dizer impossibilidade de lograr alcançar um liquit para sustentação dos enunciados fácticos propostos para enformação da realidade jurídica proposta para julgamento. Neste caso do que se tratará é de uma falência probatória ou uma errada apreciação dos elementos de facto que foram aportados para o processo e que o tribunal equacionou de forma não correspondente a um ajuizamento atinado com razão e com o razoamento lógico-racional que, a verificar-se, deverá determinar a falência histórico-factual dos enunciados fácticos que foram propostos ao tribunal para julgamento e segundo as várias soluções de direito que poderiam ser encaradas para a solução do caso. [[59]] A recorrente, no recurso que apresentou perante o tribunal da Relação de Coimbra impugnou a decisão de facto. [[60]] A impugnação a que se abalançou não colheu sucesso na apreciação a que o tribunal procedeu. Cônscia de que o recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça não lhe consente uma impugnação, directa e frontal, da decisão de facto, a recorrente, torneia a questão com a invocação/suscitação dos vícios da decisão. Vale dizer que a recorrente, não se dando por vencida e iterando a sua persistência e pertinácia perante um desaire judicial, tergiversou e mimetizou a impugnação da decisão de facto numa «impugnação viciada», ou seja numa violação de regras de estruturação lógico-racional da sentença. O que não logrou por via directa e frontal pretende satisfazer e colher por via enviesada e tortuosa. Uma leitura despojada da decisão recorrida confere uma indelével refracção intelectual à argumentação engendrada pela recorrente para sacar um proveito que não logrou obter na impugnação que impulsou junto do tribunal de segunda instância. A decisão de facto – aliás já apreciada, revista e maturada em dois recursos e julgamentos – é absolutamente suficiente para a solução do caso que está em julgamento. Não se descortina qualquer insuficiência e não se apreciará, «tozudamente», a impugnação que é adiantada pela recorrente, por convencimento seguro de que a matéria que a recorrente pretende ver discutida está adequadamente julgada e adquirida para resolução do caso. Nem o Tribunal Supremo é a sede adequada para emitir pronúncia sobre a «impugnação» factual adiantada pela recorrente. A jurisprudência deste Supremo Tribunal é unânime em afirmar que os vícios elencados no nº 2 do artigo 410º do Código Processo Penal não devem ser esgrimidos e suscitados neste Supremo Tribunal mas sim na segunda instância. Porque assim desatende-se a arguição do apontado vício. II.b).4. – Violação do artigo 133.º do C.P, ou em alternativa do artigo 136.º do Código Penal por não subsunção dos factos a tais tipificações legais, com exclusão da aplicação das mesmas. Sequenciando a enunciação temática formulada pela recorrente, refere que, “mantendo-se a matéria de facto dada como provada e como não provada na douta decisão de primeira instância e confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra e não se considerando as questões prévias evidenciadas supra (…), deve a conduta da arguida ser subsumida ao disposto no artigo 136º do Código Penal, o que, a não ter sido operado, ocasionou a violação do “disposto no artigo 136.º do Código Penal porquanto tal norma deve ser entendida no sentido de que, dados como provados paradigmas do estado puerperal e não a afastando os relatórios médico-legais tal estado é de aplicar a mesma quando não existam certezas capazes de afastar o estado puerperal”, para acrescentar que, quando tal se não venha a entender, ainda assim, o tribunal deveria ter integrado a acção ilícita da arguida por “não obstante ter sido a causadora do abalo emocional que a dominou, o certo é que face à sua personalidade e o distúrbio que lhe está associado a empurrou para um estado decisório final plenamente enquadrável com os conceitos de compreensível emoção violenta e desespero, pelo que neste confronto de factos e por todos eles deverá operar a convolação do crime de Homicídio simples previsto e punido pelo artigo 131.º pelo qual a Arguida vem condenada no Crime de Homicídio Previsto e Punível pelo artigo 133.º do Código Penal”, com o que, pela sua solução negativa “violou o douto tribunal “a quo” o disposto no artigo 133.º do Código Penal porquanto tal norma deve ser entendida no sentido de que e face aos factos dados como provados o comportamento da arguida recorrente é integrador do conceito de “emoção violenta compreensível” e “desespero”. O tribunal recorrido justificou a posição assumida, com a sequente argumentação (sic) “Nos termos do art. 136º do C. Penal “A mulher que matar o filho durante ou logo após o parto e estando ainda sob a sua influência perturbadora, é punida com pena de prisão de 1 a 5 anos”. “Como se pode ler no Código Penal Anotado de Leal Henriques e Simas Santos, ed. 3ª, 2000, 2º Volume, pág. 173, comentando o art. 136 do C Penal – Infanticídio, “No direito português a infracção é beneficiada pela lei sob a condição de concorrência de duas ordens de circunstâncias, a saber: - uma de carácter temporal – o momento da acção (conduta que teve lugar durante ou logo após o parto); - outra de tipo pessoal – o condicionamento da acção (conduta que teve lugar sob a influência perturbadora do estado puerperal da mãe). A primeira condição exige que o crime tenha sido consumado durante ou logo após o parto, abrangendo, portanto, a criança que é morta enquanto decorre o parto (nascente) e a que é morta logo que acaba de nascer (neonata). (…) Para os fins da lei, contudo, cuida-se ser de alargar esse momento, de forma a abranger também todo o período que se segue, variável e indeterminado, coberto pelo impacto puerperal. É que, enquanto a parturiente não haja ingressado no estado de acalmia e sossego que se segue ao trabalho de parto, não se pode assegurar que a mesma esteja já senhora de si própria e capaz de responder pelo seu instinto maternal, portanto de colocar barreiras a ímpetos incontrolados da expulsão fetal. (…) A outra circunstância de que depende a aplicação da censura indulgente prevista no artigo é o condicionalismo puerperal, perturbador da conduta da mãe. O estado puerperal é o estado psicossomático inerente à mulher, imediatamente antes, durante e logo após o parto, susceptível de alterar a capacidade de entendimento ou de auto-inibição. (…) Se a perturbação psicológica da mãe resultar, não do processo do parto, mas de circunstâncias alheias (vg. Medo do futuro, ódio ao pai ou ao filho, etc.), a conduta será censurada à luz do art. 133, eventualmente com alguma atenuação. Em suma, deve ter-se presente que só se acham compreendidas neste artigo as perturbações psicossomáticas decorrentes do parto, que só a mulher pode viver. Importa considerar que se a mãe mata o filho, não porque o quis matar, mas porque culposamente, e sob influência do estado puerperal, assim veio a provocar-lhe a morte, não é criminalmente passível de censura”. Como afirma o Prof Roberson Guimarães in “crime de infanticídio e a perícia médico-legal. Uma análise crítica” - in BuscaLegis.ccj.ufsc.br - É fato biológico bem estabelecido que a parturição desencadeia uma súbita queda em níveis hormonais e alterações em bioquímicas no sistema nervoso central. A disfunção ocorreria no eixo Hipotálamo-HipófeseOvaria-no, e promoveria estímulos psíquicos com subsequente alteração emocional. Em situações especiais, como nas gestações conduzidas em segredo, não assistidas e com parto em condições extremas, uma resposta típica de transtorno dissociativo da personalidade e com desintegração temporária do ego poderiam ocorrer. Contudo e após suscitar várias questões sobre a imputabilidade da parturiente, conclui que a autoridade judiciária ao interpelar o perito, com respeito a suposta autora de infanticídio, geralmente elabora o seguinte quesito: Ela encontrava-se em estado puerperal quando cometeu o delito? Como podemos concluir da discussão apresentada, ao perito caberá, a nosso ver duas possibilidades de resposta, a saber: sim, quando ficar patente o diagnóstico psicodinâmico de Transtorno de Estresse Agudo ou sem elementos quando da impossibilidade de se estabelecer esse diagnóstico. Sobre a questão escreve o Prof Figueiredo Dias, in Comentário vol I, pág. 101 a 103, “o fundamento do privilegiamento do homicídio da criança é pois, no nosso direito positivo actual, o estado de perturbação em que se encontra a mãe durante e logo após o parto. (...) a influência perturbadora do parto é um elemento autónomo da tipicidade e cuja prova, por isso se impõe (...).” Ora, o estado de perturbação da mãe, bem como a respectiva gravidade carece de prova pericial, cabendo aos especialistas da medicina legal apurar esse estado, em função da perturbação puerperal que a mãe tenha sofrido - Fernando Silva, in Direito Penal Especial, Crimes contra as pessoas, Quid Juris. Revertendo aos autos, não resulta demonstrado que a arguida, ao matar o seu filho recém-nascido logo após o parto, o tivesse feito sob a influência perturbadora deste, pelo que fica excluído, desde logo, o preenchimento, através da conduta da arguida, do tipo objectivo do crime de infanticídio p. e p. pelo art. 136º - factos provados nºs 16 a 20 e 29. A propósito escreveu-se no acórdão recorrido: “Com efeito, embora a arguida tenha morto o seu filho, logo após o parto, inexiste suporte factual provado passível de poder levar a concluir que essa sua conduta tivesse lugar sob a influência perturbadora do estado puerperal, enunciando Maria Margarida Silva Pereira [in Textos, direito penal II, os homicídios …, vol. II, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1998, págs. 142 e 143], como paradigmáticas da perturbação sobre que se constrói o artigo 136º, as seguintes situações: «a) Perturbação provocada por mecanismos físicos e psíquicos que o parto desencadeie (dor, perturbações nervosas). A, mãe, sofre porque o seu parto foi muito difícil. Psicologicamente alterada, mata a criança. (…) b) Perturbação durante ou após o parto, catalizadora de representações sociais nefastas e que alteram psicologicamente a mãe: familiares, profissionais, financeiras. A, mãe, teme a reacção dos seus pais. No momento do parto ou, após, e devido às circunstâncias difíceis que o rodeiam, em estado de perturbação, representa esse cenário catastrófico e mata a criança. A, mãe, sabe que não tem meios de subsistência para si e para o filho. O parto perturba-a e o transtorno é catalisador do medo da indigência; assim, mata a criança. Vemos que a perturbação tem de ser provocada pelo parto. (…)». Por conseguinte, sendo este um dos elementos do tipo do crime em causa, não estando demonstrado que a arguida ao matar o seu filho recém-nascido, logo após o parto, o tivesse feito sob a influência perturbadora deste, fica excluído, desde logo, o preenchimento, pela arguida, através da sua conduta, do tipo objectivo do crime de infanticídio p. e p. pelo artº. 136º.” Considere-se que os relatórios referentes às perícias médico-legais realizadas são unânimes em concluir que a ansiedade e dificuldade de decidir experimentadas pela arguida durante o parto não tiveram origem num qualquer quadro decorrente do parto em si, antes radicando nas particulares características de personalidade daquela que a levaram, só naquele momento, a tomar uma decisão que há muito vinha adiando, acabando por optar pela via errada, que o sabia ser, simplesmente porque aquela se lhe afigurou a solução mais fácil. O que desde logo afasta a pretendida aplicação do princípio in dúbio pro reo no sentido de se dar como assente que a arguida praticou o crime sob a influência perturbadora do parto. E como acima se assinalou, a perícia é indispensável para a caracterização do infanticídio. A propósito defende Nelson Hungria “(…) O que se faz essencial, porém, do ponto de vista jurídico-penal, é que a parturiente ainda não tenha entrado na fase de bonança e quietação, isto é, no período em que já se afirma predominante e exclusivista, o instinto maternal. Trata-se de uma circunstância de fato a ser averiguada pelos peritos médicos e mediante prova indireta.” (HUNGRIA, 1942, p. 228). Não se ignora que a perturbação da consciência gerada pelo estado puerperal é transitória e geralmente não deixa vestígios. Em regra os fatos ocorrem sem a presença de testemunhas o que dificulta a avaliação dos peritos. Daí que se adira à tese de que a peritagem deve optar por afirmar-se sem elementos quando não alcance certeza quanto à ocorrência da influência perturbadora do parto e respectivo grau. Pois a ser assim, caso a peritagem seja inconclusiva, a morte produzida pela própria mãe ao filho durante o parto ou logo após, - desde que não se demonstre ter sido praticada friamente, excluindo qualquer comoção que pudesse justificar a ideia de grave perturbação da consciência, - fazendo operar o in dúbio pro reo, deve ser enquadrada no tipo legal de crime do infanticídio. Em suma, embora a arguida tenha morto o seu filho, logo após o parto, inexiste suporte factual provado passível de poder levar a concluir que essa sua conduta tivesse lugar sob a influência perturbadora do estado puerperal (que não se confunde com o puerpério). Seguramente que a arguida não deve ser censurada pela autoria do crime de infanticídio. O homicídio privilegiado p. e p. no art. 133 do C. Penal Comete o crime de homicídio privilegiado, quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa, sendo punido com pena de prisão de um a cinco anos. O homicídio privilegiado assenta) numa cláusula de exigibilidade diminuída, concretizada em certos “estados de afecto”, vividos pelo agente, que diminuam sensivelmente a sua culpa - Prof Figueiredo Dias - Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, pág. 47. Constituem esses elementos privilegiadores, a compreensível emoção violenta, a compaixão, o desespero, ou o motivo de relevante valor social ou moral. A compreensível emoção violenta é um estado de afecto provocado por uma situação pela qual o agente não é responsável. É de certo modo, a resposta a uma provocação e, nessa medida, ela pode diminuir de forma sensível a culpa do agente. Porém, terá de ser compreensível, exigência adicional de pendor objectivo não extensível aos outros elementos privilegiadores. Quanto ao desespero, ele abrangerá os estados de afecto asténicos, como a angústia e a depressão. (…). Contudo, a verificação do elemento privilegiador não basta para permitir a integração do crime no art. 133.º do CP. «Os estados ou motivos assinalados pela lei não funcionam por si e em si mesmos (hoc sensu, automaticamente), mas só quando conexionados com uma concreta situação de exigibilidade diminuída por eles determinada; neste sentido é expressa a lei ao exigir que o agente actue ‘dominado’ por aqueles estados ou motivos” (cf. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, pág. 48). A ponderação da diminuição sensível de culpa, da diminuição da exigibilidade de conduta diferente, é indispensável para subsunção dos factos ao art. 133.º do CP: só se o “estado de afecto” que determina o crime for de molde a atenuar sensivelmente a exigibilidade de conformidade com o direito, mitigando notavelmente a culpa, o homicídio pode ser privilegiado Tal ponderação terá de ser realizada à luz do que seria exigível a alguém colocado naquelas circunstâncias concretas; doutra forma, poderia dar-se relevância atenuativa a reacções violentas desproporcionadas e extravagantes, ou a condutas completamente reprováveis, com o álibi de serem desencadeadas por “estados de alma” fortemente emotivos. (…)» - Ac. da R.G. de 19/11/2007, Na doutrina, Maria Margarida Silva Pereira [in Textos, direito penal II, os homicídios …, vol. II, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1998, págs. 84 e segs.], em relação aos tipos do artigo 133º e na parte que pode relevar para o caso vertente: «Cabem no artº. 133º tanto as emoções asténicas (medo, desespero) com as emoções esténicas (ira, cólera, irritação) (…) são tanto emoções violentas aquelas que se revelam em explosões momentâneas como as que se prolongam por muito tempo, também conhecidas por estados de afecto, e coincidem com uma certa reflexão do agente. Os estados de afecto são os mais difíceis de avaliar e estão muito próximos das situações de desespero, facto que nos leva a não considerar os vários tipos de culpa como absolutamente autónomos. Nestas situações é criado o chamado efeito túnel, em que a emoção passa por diversas vicissitudes, por altos e baixos, mas que a qualquer momento pode explodir mesmo por efeito de factos insignificantes: o balde de água vai enchendo, e depois basta uma pequena gota de água para transbordar. O efeito túnel significa uma situação de domínio sobre o agente que se traduz numa fixação, numa como que atracção pelo abismo. (…) A emoção violenta deve ter um efeito de domínio sobre o agente. Esse domínio deve entender-se no sentido de que o agente emocionado age com a sua vontade e capacidade de discernimento afectadas.» «A compreensibilidade é uma cláusula que se refere apenas à emoção e tem natureza normativa, isto é, implica uma valoração jurídica. (…). A jurisprudência tende a concretizar o conceito de compreensibilidade com recurso a duas ideias: a causa da emoção – esta será compreensível se tiver sido causada por provocação da vítima; além disso, deve haver proporcionalidade entre a ofensa da vítima e o crime praticado.» (…) «A compreensibilidade dever ser referida aos motivos relacionados com a emoção e esses devem ser valorados. Além disso, deve referir-se a todas as circunstâncias que rodearam o seu surgimento e desenvolvimento: casos de humilhação prolongada; casos de afastamento de um perigo, putativo ou de evitar um mal maior; motivos que põem em causa o agente enquanto pessoa, etc.». (…) 2. Agente que mata dominado por desespero que diminua sensivelmente a sua culpa: 3. Agente determinado por motivo de relevante valor social ou moral «Esta é uma cláusula cujo conteúdo é manifesto e que tem a ver com sociedades concretas e com morais concretas. Não poderão estar em causa apenas os valores sociais dominantes ou a moral dominante. Em qualquer caso, a cláusula há-de ter conteúdo objectivo. Esse conteúdo deve ser positivamente valorado, sob pena de se abrir a porta a todo o tipo de fanatismos ou de fundamentalismos. Está aqui em causa uma menor ilicitude, dado o valor que a ordem jurídica atribui àqueles motivos. Porém esse grau de ilicitude não basta para fundamentar o privilégio, funcionando como mero indício da diminuição sensível da culpa. Também se exige que o agente esteja dominado pelos motivos em causa, para que eles revistam um carácter de essencialidade e, por isso, afectem o seu normal discernimento e a sua capacidade de se determinar de acordo com essa vontade.» - apud Ac Rel Porto de 23/10/2013, relatora Des Maria do Carmo Silva Dias. Conforme Prof Figueiredo Dias, o fundamento do privilegiamento reside na menor exigibilidade da conduta do agente em qualquer dos casos previstos no tipo - cfr anotação ao art 133º. Revertendo aos autos atenta a matéria de facto provada resulta assente, - tal como entendeu e bem o tribunal recorrido - que não obstante ter-se provado que a arguida tentou esconder a gravidez, da generalidade das pessoas e, designadamente, dos seus pais, por receio de críticas e rejeição social, usando roupas largas, e não se tendo provado que durante o parto a arguida tenha vivenciado um particular estado de perturbação emocional (caso de uma mulher que não tendo tido acompanhamento durante a gravidez, tem o parto sozinha e dá à luz uma criança com malformações de tal modo graves que não consegue sequer olhar para o bebé, ficando em estado de choque e dominada por esse estado emocional, mata o recém-nascido) - pelo contrário, a arguida aparentava encontrar-se bastante tranquila e calma, tanto que, uma vez chegada ao hospital, conseguiu dormir tranquilamente e até ler uma revista -, a situação apurada não consente que se conclua que a arguida actuasse dominada por compreensível emoção violenta, nem por desespero [conforme se faz notar no ponto VII do sumário do Ac. do STJ de 09/09/2010, proferido no processo 1795/07.6GISNT.L1, acessível no endereço www.dgsi.pt, que se reporta a um caso semelhante ao dos presentes autos, «(…) dificilmente o desespero poderá diminuir a censura dirigida ao agente, quando ninguém mais, para além do homicida, contribuiu para essa situação de desespero, ou, sobretudo, quando ela radica em procedimentos do agente, antecedentes, que sejam, eles mesmos, censuráveis. A lei, mais uma vez, não exige apenas que o agente esteja desesperado, mas que tal desespero diminua sensivelmente a sua culpa.», afigurando-se-nos poder integrar situações de desespero atendíveis no âmbito da previsão do normativo de que se trata, v.g. o caso em que A., mãe da criança, recém-nascida, se encontra ameaçada de morte ou de grave ofensa à sua integridade física, no caso de ter a criança; o caso em que A., mãe solteira, muito jovem, sem meios de subsistência e impreparada para enfrentar a vida, com alguma debilidade intelectual ou física, teme enfrentar a reacção dos progenitores, manifestando-lhes os mesmos de antemão que a escorraçarão de casa, atirando-a para a rua com o filho, sem que conte com o apoio de alguém; o caso em que a criança é fruto de uma relação incestuosa ou de uma violação, não sendo esse acto e a gravidez dele resultante escondidos de todos, etc.] e nem por motivo de relevante valor social ou moral [tendo a valoração da desonra, que antes estava integrada no artigo 137º do C.P., desaparecido com a Revisão do Código Penal operada pelo Dec.-Lei nº. 48/95, de 15 de Março], passível de integrar uma situação de exigibilidade diminuída, de diminuição sensível da Culpa. A ansiedade e a tensão que a arguida sentiu durante o parto, não assistido por exclusiva culpa sua, tiveram origem por um lado no facto de não se ter preparado para essa situação e por outro lado na sua preocupação de não desiludir os pais, de não se consciencializar de que teria que decidir e preparar a adopção da criança, comportamento que está de acordo com a sua personalidade impulsiva, pautada por medos, inseguranças, baixa auto-estima, que a caracterizam e também com a preocupação que tinha consigo própria, de não ser rejeitada e criticada dado que não queria ser apontada como “galdéria”. Não existe nos autos prova de que não pudesse agir de outra forma, até porque é pessoa dotada de inteligência média, concluiu o 12º ano, soube tomar decisões quanto à sua progressão profissional, soube manipular as pessoas de forma a acreditarem no alegado “quisto”, e soube refugiar-se em casa na sexta-feira em que a criança nasceu, iludindo a patroa com a mensagem que lhe enviou. Bastava apanhar um táxi para se deslocar à maternidade, ou chamar os bombeiros como fizera no dia 26/04/2011, ou até pedir auxílio à patroa, que bem sabia preocupar-se com a sua situação e que até lhe indicou a Drª PP, amiga de sua filha, interessada em adoptar a criança. Agiu de forma irresponsável e egoísta, criando uma situação a que só ela própria deu causa, priorizando-se, sem que esteja demonstrado nos autos que era incapaz de se determinar de outra forma. Assim, tal como o tribunal recorrido, impõe-se afastar a subsunção da conduta da arguida ao crime de homicídio privilegiado.” Termos em que, e sem necessidade de mais considerações, se conclui no sentido de que a conduta da arguida é integradora de um crime de homicídio simples, na forma consumada, p. e p. pelo artº. 131º do Cod. Penal, dado que não se verificam, in casu, quaisquer causas de justificação da ilicitude ou de exclusão da culpa. Com efeito, resulta da matéria provada que a arguida, tendo dado à luz uma criança do sexo masculino (que nasceu com vida, dado que existiu respiração extra uterina), a embrulhou numa toalha e numa camisola, metendo-a dessa forma dentro de um saco que fechou com dois nós, causando assim a morte do recém-nascido por asfixia. A conduta da arguida foi apta a causar directamente a morte da vítima, seu filho, tendo agido de forma intencional, com o propósito de atingir esse resultado, o que conseguiu, restando estabelecido o indispensável nexo de imputação objectiva do resultado à conduta. Acresce que a arguida agiu sempre livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei - facto provado nº 29.” II.b.4.i) – CRIME DE HOMICÍDIO PRIVILEGIADO.
Para a recorrente a factualidade consolidada, nos termos em que as instâncias a estabeleceram, é passível de enquadrar na previsão do artigo 133º do Código Penal. Preceitua o artigo 133º do Código Penal que “quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social e moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.” Em exórdio da análise a que procederemos importará recensear a factualidade adquirida, mais saliente, que servirá como base/quadro sustentador da integração/subsunção jurídico-penal a efectuar. A arguida, em Novembro/Dezembro de 2011, manteve relações sexuais tendo engravidado; apercebeu-se da gravidez; decidiu não a revelar a quem quer, por não possuir uma relação de namoro assumida e recear despontar ao pais e ser apodada de «galdéria»; procurou distrair e disfarçar a gravidez com o uso de roupas mais largas; nunca efectuou qualquer consulta adrede; em 31 de Agosto de 2012, quando se encontrava sozinha em casa, depois de ter sofrido uma hemorragia e ter sofrido fortes dores abdominais, cerca das 15 horas, incoou a sentir contracções fortes e o rebentamento do saco amniótico; colocou-se em posição de decúbito dorsal, com as pernas flectidas e levantadas e com os pés apoiados na cama e pôs uma toalha entre as pernas, junto à zona vaginal; nessa posição deu ao mundo uma criança, com vida, do sexo masculino; tendo constatado que a criança se encontrava viva envolveu-a na toalha que tinha colocado junto da zona vaginal e numa camisola e cobriu a face do infante, impedindo-o de respirar e sufocando-o; embrulhou a criança sem vida, na toalha e camisola, e juntamente com a placenta e o cordão umbilical, meteu-a num saco de plástico amarelo, com a cabeça no fundo e os pés para cima, e atou o saco; escondeu o saco de plástico, contendo o corpo sem vida no armário-roupeiro do seu quarto, com o propósito de o fazer desaparecer; a arguida quando questionada se estava grávida retrucava negativamente, justificando que sofria de quistos nos ovários que lhe provocavam inchaço e dilatação da barriga; confrontada veio a admitir que se encontrava grávida; disse que iria dar a criança para a adopção, não tendo, no entanto, envidado qualquer diligência para esse fim; ao agir da forma descrita a arguida teve como propósito dar a morte ao ser que havia procriado e dado à vida. A propósito do homicídio privilegiado escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2013, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar. “A enumeração das circunstâncias que caracterizam o tipo privilegiado de homicídio feita no artigo 133.º não é exemplificativa, o que ressalta com clareza a partir da redacção introduzida pela alteração do Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrada em vigor em 1 de Outubro de 1995 (anteriormente a jurisprudência considerava-a exemplificativa – cfr. acórdãos do STJ, de 16-01-1990, processo n.º 38690, CJ 1990, tomo 1, pág. 11 e BMJ n.º 393, pág. 212; de 16-01-1990, processo n.º 40599, AJ, n.º 5 e mesmo BMJ n.º 393, pág. 278; de 23-05-1991, BMJ n.º 407, pág. 341 e de 05-02-1992, comentado in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6 (1996), Fasc. 1.º, pág. 119). «Não foi intenção do art. 133º (…) consagrar uma cláusula geral de menor exigibilidade no crime de homicídio; foi, pelo contrário, a de vincular uma tal cláusula à verificação de um dos pressupostos nele explicita e esgotantemente contidos. O que neles não caiba só pode ser (eventualmente) considerado através do instituto da atenuação especial da pena do homicídio simples previsto no art.131º» (cf., Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense …, §§ 6 e 12, págs. 49/50 e 53). A compreensível emoção violenta; a compaixão; o desespero; ou um motivo de relevante valor social ou moral constituem cláusulas que apontam para a redução da culpa, ou cláusulas de privilegiamento, ou elementos privilegiadores, traduzindo estados de afecto vividos pelo agente, ou causas de atenuação especial da pena do homicídio. O artigo 133.º consagra hipóteses de homicídio privilegiado em função, em último termo, de uma cláusula de exigibilidade diminuída legalmente concretizada, advertindo o Autor que a diminuição sensível da culpa não pode ficar a dever-se nem a uma imputabilidade diminuída, nem a uma diminuída consciência do ilícito, mas unicamente a uma exigibilidade diminuída de comportamento diferente, tratando-se da verificação no agente de um estado de afecto, que podendo ligar-se a uma diminuição da imputabilidade ou da consciência do ilícito, independentemente de uma tal ligação, opera sobre a culpa ao nível da exigibilidade. «O efeito diminuidor da culpa ficar-se-á a dever ao reconhecimento de que, naquela situação (endógena e exógena), também o agente normalmente “fiel ao direito” (“conformado com a ordem jurídico penal”) teria sido sensível ao conflito espiritual que lhe foi criado e por ele afectado na sua decisão, no sentido de lhe ter sido estorvado o normal cumprimento das suas intenções» (cf., Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense § 1, pág. 47, e § 3, pág. 48). «A moldura penal do homicídio privilegiado funda-se ela própria numa atitude do agente sensivelmente menos censurável e que ultrapassa até os limites impostos pela atenuação especial prevista no (então) artigo 74º, nº 1, alínea a) » (cf., Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1990, pág. 40). A compreensível emoção violenta é um forte estado de afecto emocional provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser censurado e à qual também o homem normalmente “fiel ao direito” não deixaria de ser sensível (cf., Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense …, § 7, pág. 50). A emoção violenta tem referências na «figura paralela» da provocação denominada “suficiente”, no domínio do CP/1886, sendo aquela que atingiu “uma intensidade tal que, face a ela, seria razoavelmente de esperar que o provocado reagisse através de uma agressão” (cf., Eduardo Correia, in Direito Criminal, II, págs. 278 e ss). No esforço de compreensão da emoção violenta é imperativo o estabelecimento de uma relação entre o afecto e as suas causas ou motivos, pois, para se entender uma emoção tem de se entender as relações que lhe deram origem, tendo em atenção o sujeito que a sentiu e o contexto em que se verificou a atitude, em ordem a entender o estado de espírito, o «conflito espiritual», a situação psíquica que leva o agente ao crime. O facto que origina a emoção não tem que radicar, no entanto, em qualquer provocação. Na perspectiva do art. 133º - assente, não em juízos de ponderação ético-jurídicos dos valores conflituantes, mas sim na valoração da situação psíquica que leva o agente ao crime – o que interessa é «compreender» esse mesmo estado psíquico, no contexto em que se verificou, a fim de se poder simultaneamente «compreender» a personalidade do agente manifestada no facto criminoso e, assim, efectuar sobre a mesma o juízo de (des) valor que afinal constitui o juízo de culpa. «A compreensibilidade da emoção é mais, assim, o estabelecer de uma relação não desvaliosa entre os factos que provocaram a emoção e essa mesma emoção. Se essa relação for estabelecida, a emoção é compreensível e provoca, portanto, uma diminuição da culpa do agente» (cf., Figueiredo Dias, in Parecer na Colectânea de Jurisprudência 1987, tomo 4, pág. 55). Subjacente à norma do artigo 133º do CP, e como elemento do tipo privilegiado, está um critério de menor exigibilidade relacionado com a “sensível diminuição da culpa”, a que acresce uma exigência adicional, exigindo-se da emoção violenta (e apenas desta, com exclusão da compaixão e desespero, que seja compreensível, restringindo-se a validade da exigência de compreensibilidade para os estados de afecto esténicos (cf., Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, § 8, págs. 50/51). O preceito do artigo 133.º coloca à cláusula da emoção violenta maiores exigências do que em relação às restantes cláusulas, sofrendo uma dupla exigência que se configura como um duplo controlo: tem de ser compreensível (sendo que nem a compaixão, nem o desespero estão sujeitos à cláusula da compreensibilidade), e tem de diminuir sensivelmente a culpa do agente; um duplo controlo a avaliar e ponderar nos limites de determinação da culpa. Compreender significa «entender, perceber, alcançar com inteligência, conhecer a razão de, em suma, penetrar o sentido de alguma coisa. O que impõe o estabelecimento de uma relação entre a emoção violenta e aquilo que a precedeu e lhe deu causa, não com o objectivo de estabelecer uma qualquer relação de proporcionalidade, mas antes para conhecer a razão da emoção violenta: a emoção violenta só é compreensível em face das razões que lhe deram origem e do sujeito particular que as sofreu. O que significa que esta compreensibilidade não pode fugir ao princípio da razão» (cf., Teresa Serra, ibidem, págs. 165/6). Os factos, os motivos e as razões que determinaram a emoção violenta, podem, nesta perspectiva, ser avaliados por referência à personalidade do agente que actua; ou, em outro modo de interpretar, a compreensibilidade há-de aferir-se, não em relação às particularidades concretas do agente, mas em relação a um homem médio com certas características que o agente detém. Na doutrina, Figueiredo Dias (Parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência 1987, tomo 4, pág. 55), considera, como se salientou, que o que interessa é «compreender» o estado psíquico do agente, no contexto em que se verificou, a fim de se poder simultaneamente «compreender» a personalidade do agente manifestada no facto criminoso e, assim, efectuar sobre a mesma o juízo de (des)valor que afinal constitui o juízo de culpa”. Teresa Serra (Homicídios em série, págs. 166 e 168), por seu lado, sustenta que a emoção violenta só é compreensível em face das razões que lhe deram origem e do sujeito particular que as sofreu, especificando que o critério para aferir da diminuição sensível da culpa provocada por uma emoção violenta deve ser concretizado por referência à personalidade do agente individual que actua. A jurisprudência, por seu lado, tem seguido um ou outro dos critérios (cf., v. g., acórdãos de 29-03-2000, processo n.º 27/00-3.ª, seguido de perto no de 03-05-2007, processo n.º 1233/07 – 5.ª; de 01-03-2006, processo n.º 3789/05-3.ª e de 29-03-2006, processo n.º 360/06-3.ª, estes seguidos pelo acórdão de 12-6-2008, no processo n.º 1782/08-3.ª, defende-se que a compreensibilidade e perceptibilidade deve ser aferida em função do padrão de um homem médio, colocado nas circunstâncias do agente, com as suas características, o seu grau de cultura e formação, intentando saber-se se esse, nesse exacto contexto, também reagiria assim, incapaz de se libertar dessa emoção, matando ele próprio. Tal critério foi seguido também, mas reportado ao requisito da proporcionalidade, nos acórdãos de 19-04-1989, BMJ n.º 386, pág. 222 (a invocação de emoção violenta e proporcionada para enquadramento dos factos no tipo de homicídio privilegiado previsto no artigo 133.º do Código Penal, deve fazer-se na perspectiva do homem médio suposto pela ordem jurídica, sem haver que atender a reacções particulares ou ao temperamento do agente) e de 28-09-1994, CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 206; de 11-12-1996, BMJ n.º 462, pág. 207; de 11-06-1997, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 228. Nos acórdãos de 23-06-2005, processo n.º 1301/05 e de 23-10-2008, processo n.º 1212/08, ambos da 5.ª Secção, versando o segundo um caso de ciúme e vingança, defende-se que a menor exigibilidade tem de ser vista à luz do comportamento de um homem normal, respeitador das normas jurídicas, e não do particular ponto de vista do agente. Já no acórdão de 03-10-2007, processo n.º 2791/07 – 3.ª, defende-se que a ponderação da diminuição sensível da culpa, da diminuição da exigibilidade de conduta diferente, terá de ser realizada à luz do que seria exigível a alguém colocado naquelas circunstâncias concretas. Para o acórdão de 17-09-2009, processo n.º 434/09.5YFLSB-3.ª, o elemento de referência é um homem comum e fiel ao direito (cf, recensão do acórdão do Supremo Tribunal de 27 de Junho de 2012, proferido no processo nº 3283/09.7TACBR, que desenvolve exaustivamente as questões suscitadas pelo crime de homicídio privilegiado, tanto na doutrina como na jurisprudência do Supremo Tribunal; desta decisão foram colhidas, resumidamente, mas na medida bastante às circunstâncias do caso, as referências à construção e elementos do crime do artigo 133º do CP).” [[61]] Na mesma linha de argumentação, escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, no proc. n.º 3789/05 - 3.ª Secção, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes, que “ao crime de homicídio privilegiado, facto típico introduzido no nosso ordenamento jurídico-penal com o Código de 1982, subjazem, como resulta do próprio texto legal, considerações atinentes à culpa que como refere figueiredo Dias [[62]] se situam ao nível da exigibilidade. II.b).4.ii) – CRIME DE INFANTICÍDIO. Pugna a recorrente, em alternativa ou subsidiariamente, pela subsunção da sua conduta (ilícita), se não pudesse ser integrada no tipo incriminatório contido no artigo 133º do Código Penal, no suposto incriminador contido no artigo 136º do Código, por em seu juízo se verificar a materialidade antijurídica contida neste preceito, notadamente por a mãe (recorrente) ter morto o filho “durante ou logo após o parto” e “estando ainda sob a sua influência perturbadora (…)”. Na discussão/elaboração do Código Penal de 1982 [[74]], considerava a doutrina dominante defendia que o crime de infanticídio “(…) é o homicídio cometido pela mãe na pessoa do descendente, sendo este delito submetido a um tratamento beneficiado, em termos de censura, desde que concorrem duas circunstâncias: que se dê durante ou logo após o parto (elemento temporal), e cujo motivo seja a influência perturbadora do estado puerperal da mãe ou a finalidade de ocultar a sua desonra à culpa do agente ao crime, provendo um privilegiamento (logo ao nível da tipicidade) desde que verificados os requisitos temporal e pessoal definidos, e mantendo a sua qualificação no artigo 132º do mesmo diploma legal para os demais casos, pondo assim à existência do infanticídio como tipo autónomo do homicídio qualificado.” [[75]] A revisão de 1995, veio adoptar o mesmo tipo de ilícito, com a critica de alguns autores, [[76]] tendo afastado a cláusula “«ocultação da desonra» enquanto fundamento do privilegiamento do tipo de crime de infanticídio.” Actualmente a doutrina comunga da ideia de que o infanticídio se caracteriza, em primeiro lugar, “por ser especifico em relação à pessoa do autor, determinando a necessidade de qualidades: o ser mãe.” Já “em relação à conduta típica, a mesma consiste em matar, independentemente do modo ou do processo, constituindo este um crime de homicídio, estamos perante a conduta de matar alguém.” [[77]] Se em relação ao objecto do tipo, a pessoa sobre quem recai a acção dolosa e ilícita, consistente em suprimir ou tirar a vida, não sobram dúvidas de que tem de ser um ser que é posto, com vida, por acção de parto, pela mulher que o haja gerado, criado e feito nascer, ou seja um filho, já quanto aos elementos determinantes, haverá que atender ao momento temporal, «durante» ou «logo após o parto». Se quanto ao primeiro, “não se colocam dúvidas quanto à sua delimitação. Uma vez que, o parto dura desde o seu inicio (determinado consoante o tipo de parto) até ao momento do nascimento completo e com vida, correspondendo ao corte do cordão umbilical”, já quanto ao segundo, «logo após o parto», se deverá atender “ao facto de o elemento determinante no tipo ser o da actuação sob a influência perturbadora do parto. Assim, deve considerar-se casuisticamente esse momento, atendendo à natureza da perturbação e ao estado e debilidade da mãe.” [[78]] Na jurisprudência, depois da publicação do Código Penal de 1982, a estabilização conceptual do tipo ter-se-á vindo a estabilizar . No acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Maio de 1992, [[79]] numa situação em que a mãe “envolveu a criança numa toalha e de imediato apertou-lhe o pescoço, esganando-a e tirando-lhe a vida, agindo de modo livre, voluntário e consciente, com intenção de produzir esse resultado, mesmo sabendo que isso era proibido por lei”, ter-se-á considerado que cometia o crime de infanticídio privilegiado “(…) previsto no artigo 137 do Código Penal, e não de homicídio, a arguida que tira a vida a um seu filho recém nascido para ocultar a desonra que a sua situação de mãe solteira provocaria quer ao nível da sua família, quer ao nível do seu meio social.” [[80]/[81]] Ensaiando a definição/qualificação do crime de infanticídio escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Setembro de 2010, relatado pelo Conselheiro Souto Moura, que “a imputação do crime de infanticídio teria, no caso, que se fundar numa relação de causalidade entre a influência perturbadora do parto e o causar da morte. Ora os factos dados por provados não apontam nesse sentido, porque em nenhum deles se afirma que foi em virtude das dores e perturbação psíquica sofridas, que a arguida decidiu matar a filha. E claro que, se a mera coincidência temporal da perturbação da parturiente com o homicídio da recém-nascida, fosse suficiente, estar-se-ia a desvirtuar a razão do privilégio que o crime do art. 136º do C.P. consagra. A diminuição da culpa é aqui originada no facto de “a acção ser praticada por a mãe se encontrar perturbada por efeito do parto” (cf. Maia Gonçalves in “Código Penal Português”, pag. 541). “Fundamento do privilegiamento do homicídio da criança é pois, no nosso direito positivo actual, o estado de perturbação em que se encontra a mãe durante ou logo após o parto” (cf. Figueiredo Dias in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, I, pág. 101). Por um lado, repetimos, é afirmado em sede de fundamentação da decisão que não foi a perturbação sofrida que determinou a arguida a matar a filha. Por outro lado, quando se justifica a adição dos factos provados que têm que ver com a aludida perturbação, aponta-se explicitamente a repercussão respectiva na medida da pena a aplicar (ver-se-á adiante que tal perturbação responde, ainda, na tese da decisão recorrida, pelo afastamento da qualificação do crime). Sendo pois de afastar a ocorrência do crime atenuado, sob a forma de infanticídio do artº 136º do C P, ainda se poderá ver se o crime cometido não terá sido o de homicídio privilegiado do art. 133º do C P. Pensamos que não. Diz-nos Figueiredo Dias que a “compreensível emoção violenta”, ali prevista como factor atenuativo “é um forte estado de afecto emocional provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser censurado e à qual também o homem normalmente “fiel ao direito” não deixaria de ser sensível” (in loc. cit. pág. 50). A atenuação reclama a compreensibilidade da emoção, e esta compreensibilidade não pode ignorar a dimensão ética da dita emoção. Se o estado psicológico do agente como dado de facto, só por si, fosse suficiente, não teria sido necessário acrescentar o requisito da compreensibilidade. Esta, não releva, pois, apenas, como explicação do encadeamento causal do comportamento, porque o que está aqui em causa é a sua força atenuativa, ao nível da culpa, é dizer, da censura ética que o agente merece. O outro elemento de atenuação que o preceito ora em apreço contém, e que eventualmente poderia aplicar-se ao caso, respeita ao desespero. E, aqui, a mesma condição se nos afigura de exigir. Dificilmente o desespero poderá diminuir a censura dirigida ao agente, quando ninguém mais, para além do homicida, contribuiu para essa situação de desespero, ou, sobretudo, quando ela radica em procedimentos do agente, antecedentes, que sejam, eles mesmos, censuráveis Basta pensar, por exemplo, num gatuno que depois de assaltar um banco se vê perseguido pela polícia, e desesperado mata o agente da autoridade que o persegue .. Diz-nos Amadeu Ferreira, a propósito desta circunstância (in “Homicídio Privilegiado”, pág. 69) : “Embora muito próximo da emoção violenta, distingue-se dela porque coincide, em geral, com situações que se arrastam no tempo, fruto de pequenos ou grandes conflitos que acabam por levar o agente a considerar-se numa situação sem saída, deixando de acreditar, de ter esperança. (…) II. A lei, mais uma vez, não exige apenas que o agente esteja desesperado, mas que tal desespero diminua sensivelmente a sua culpa. A redacção do artigo parece ligar tal facto aos motivos que impeliram o agente a agir. Será assim? Como entender tais motivos? Alguns exemplos poderão ajudar a responder, tomando vários tipos de casos: III. Casos de suicídios alargados: a mãe que tenta matar-se com os filhos para lhes poupar sofrimentos ulteriores., e que sobrevive (…). IV. Casos de humilhação prolongada (…)” Para este autor, a autonomia da circunstância “desespero”, como factor atenuativo face à “compreensível emoção violenta”, radica na pressão de certo tipo de motivos, pressão essa que assume um carácter duradouro. E diz a terminar este ponto: “Em conclusão: há casos de desespero que cabem na 1ª parte do art. 133º e em que o fundamento da atenuação é exclusivamente de culpa; há outros casos em que apenas o valor dos motivos do agente, pela pressão que sobre este exercem no sentido do crime, pode fundamentar a atenuação sensível da culpa. É pois um fundamento de atenuação idêntico ao dos casos de homicídio por compaixão” (in loc. cit. pág. 71). Para Teresa Quintela de Brito, “o desespero, capaz de dominar o agente e de o arrastar ao homicídio, pode ter quaisquer causas, nem todas de relevante valor moral ou social. Todavia o desespero só pode tornar menos exigível um comportamento conforme ao direito, em função (a) da não reprovabilidade ou, mesmo, da relevância humana, ética ou social dos motivos que orientem o agente e (b) da correspondência de tais motivos a um quadro de vida tão grave que ponha em causa a própria dignidade humana do autor.” (in “O homicídio privilegiado: algumas notas” - “Direito Penal - Parte Especial: Lições, Estudos e Casos”, pág. 340 e 341). No caso em apreço, muito embora se tenha que admitir que a arguida viveu a angústia de uma gravidez não desejada, ao longo de um período de vários meses, e que tenha morto a filha em desespero de causa, para se livrar dela, o que é certo é que essa motivação não encerra uma carga atenuativa da culpa suficiente para o privilegiamento. A arguida podia assumir a sua condição de grávida, e optou por ocultar o seu estado. A morte da filha depois de nascer não era a única saída que se lhe deparava, a partir do momento em que não a queria ter a seu cargo. [[82]] As instâncias deram como adquirido que a arguida sempre teve conhecimento que estava grávida, ainda que para a comunidade em que se movimentava tivesse procurado esconder o estado (de gravidez) de que era portadora; sabia que tendo deixado prosseguir a gravidez iria, naturalmente, ter que dar à luz o ser que estava a procriar; procurou iludir as pessoas dizendo que, embora não pretendendo criar a criança que viesse a pôr no mundo, a iria dar para a adopção; no dia em que sentiu que o parto se avizinhava ou estava prestes a eclodir, ficou em casa e preparou-se para dar à luz a criança que trouxe consigo durante o período normal de gravidez; deu à luz a criança, com vida, e sem remorsos, e/ou despojada de sentimentos – pelo menos eles não realçam da matéria ade facto provada – envolveu-a numa toalha e camisola, tendo-a impedido de respirar, e introduzi-a, juntamente com o líquido amniótico e o cordão umbilical, num saco de plástico, com a cabeça para baixo, tendo- atado e fechando-o; deixou o saco num armário/roupeiro, aguardando oportunidade de se desfazer do “embrulho”. A matéria de facto provada não revela, ou evidencia, qualquer factor perturbador ou indiciador desespero. A arguida agiu com total despojamento ou afirmação de respeito pelo ser que pôs no mundo e tomou a decisão de lhe tirar a vida de forma consciente e sem resquício de desespero ou sinal de perturbação pelas consequências. A arguida agiu com impavidez e com o único intuito de se libertar de um “peso” que, certamente, há já algum tempo lhe trazia inquietações e interpelações incómodas no seu local de trabalho. A conduta da arguida, tal como vem narrada e descrita na factualidade provada, não é passível de preencher os elementos integradores do crime de infanticídio, tal como ensejava na sua pretensão recursiva. II.b).5. – Determinação das penas parcelares – Violação das normas do artigo 131º, 254º nº 1, al. c), 71.º, 40.º, n.º1 e nº 2 e 45.º do Código Penal. Em proémio da análise da questão enunciada neste apartado, ficará asseverado que a apenas a pena relativa ao crime de homicídio, porque superior a oito (8) anos será objecto de avaliação/apreciação. Tendo as instâncias aplicado ao crime de profanação de cadáver a pena de dez (10) meses queda ilaqueada a possibilidade de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça – cfr. alínea f) do nº 1 do artigo 400º do Código Processo Penal. [[84]] O tribunal recorrido coonestou a pena pelo crime de homicídio com a argumentação que havia sido gizada pelo tribunal de primeira instância e que na sua parte interessante, vincou. “ “Conforme “supra” referenciado, o crime de homicídio simples na forma consumada, p. e p. no artº 131º do Cod. Penal, é punível com pena de prisão de 8 a 16 anos de prisão. Com vista a determinar a medida concreta da pena a aplicar, ter-se-ão em conta, nos termos do artº 71º do Cod. Penal, e dentro dos limites abstractos aqui definidos pelo artº 131º do Cod. Penal, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra a arguida, nomeadamente as referidas no nº 2 do artº 71º, fixando-se o limite máximo da respectiva pena concreta a aplicar de acordo com a culpa manifestada pela arguida, o limite mínimo de acordo com as exigências de prevenção geral, e a pena efectiva, dentro da moldura penal assim fixada, de acordo com as exigências de prevenção especial. Assim, tendo em atenção os assinalados critérios dosimétricos, ponderado o grau de culpa da arguida (elevado), ponderadas as exigências de prevenção - existindo importantes exigências a nível da prevenção geral, e elevadas exigências a nível da prevenção especial (atentas as características da personalidade da arguida, que fazem temer pela repetição de situações semelhantes) -, bem como as circunstâncias que depõem a favor e contra a arguida - circunstancialismo que subjaz à prática dos factos [ tirar a vida - bem jurídico supremo - por asfixia, ao seu filho recém-nascido, e por isso indefeso, e sobre a qual impendia especial dever ético-jurídico de protecção, motivada por ser solteira, não ter namorado, e recear a estigmatização de ser apelidada de “galdéria” – motivo que, em pleno Sec. XXI, em face do actual estádio civilizacional, e de moral e costumes, é merecedor de muito menor aceitação, por referência ao nível dos padrões ético-morais vigentes na comunidade], a idade da arguida , por contraposição com a sua humilde condição sócio-económica e dependência económica dos progenitores; médio grau de escolaridade, condição pessoal [baixa auto-estima; imaturidade, com dificuldade em manter relacionamentos]; razoável inserção familiar e social, a intensidade do dolo, na modalidade de dolo directo, a circunstância de actualmente se encontrar sujeita a acompanhamento psiquiátrico e psicológico (e de contracepção) e a inexistência de antecedentes criminais conhecidos à arguida - tudo ponderado, afigura-se-nos adequado aos factos e à personalidade do agente a aplicação à arguida de uma pena de 10 anos de prisão, situada no ¼ inferior da respectiva moldura penal. Atento o teor do nº 1, do art. 77º, do CPenal e uma vez que a arguida, para além do crime de homicídio simples, praticou ainda o crime de profanação de cadáver, sem que transitasse em julgado a condenação por qualquer deles, importará proceder ao cúmulo jurídico, que tem, neste caso, como limite máximo a pena de 10 anos e 10 meses de prisão e, como limite mínimo, a pena de 10 anos de prisão. Assim, tendo em conta os critérios dos nºs 2 e 3 do citado preceito normativo, designadamente a personalidade da arguida, as suas condições de vida e as circunstâncias do caso, fixa-se-lhe a pena única de dez anos e quatro meses de prisão. Por fim deve ainda dizer-se que apesar de a arguida ir cumprir pena efectiva de prisão, deve a mesma dispor de acompanhamento psicológico e psiquiátrico, no serviço adequado, tendo em vista, para além do mais, ultrapassar o quadro depressivo que actualmente atravessa.” Ora bem. Tomando em consideração os critérios definidos nos artigos 71º e seguintes do C. Penal, nomeadamente a culpa da arguida, as exigências de prevenção do crime, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins e motivos que a determinaram, as condições pessoais e económicas da arguida, a sua conduta a sua conduta anterior e posterior ao facto, consideramos adequada a aplicação à arguida das penas parcelares de 10 anos de prisão e de e 10 meses de prisão e da pena única de dez anos e quatro meses de prisão. A recorrente diverge da aplicação da pena imposta pelo crime de homicídio, desfiando os seguintes pontos de dissidência: i) o tribunal deve atender, para além dos limites entre que se fixou a pena abstracta “a quaisquer outras circunstâncias que não fazendo parte do tipo (para que não haja violação do princípio ne bis in idem), deponham contra ou a favor do agente)”; ii) tais como “factores relativos à própria vítima - personalidade, concorrência de culpas, etc. - e/ou relacionados com a necessidade de pena - decurso do tempo [[85]]); iii) o tribunal desvalorizou a “a matéria que deu como provada em concreto as fortes características de personalidade da Arguida que gizaram a situação nomeadamente ao nível da culpa, a conduta subsequente ao crime que em nada se coaduna com a ocultação de vestígios a própria inserção da Arguida, trabalhando, e o tempo decorrido sobre a prática dos factos, o que deita por terra a ideia invocada de alarme social.”. A pena constitui-se como a inflicção de um mal imposto a alguém que com uma acção ilícita e antijurídica violou um comando de comportamento estabelecido numa noma legal. A expectativa contrafáctica no viger de uma norma jurídico-penal (nas suas vertentes de norma de comportamento e norma sanção), enquanto regra orientadora e consubstanciadora de uma determinada realidade jurídico-social, deve ser efectuada à custa do agente que mediante uma conduta violadora do comando normativo se colocou em posição, momentânea, de afrontamento da regra de conduta consagrada no ordenamento jurídico. A possibilidade de o comando contido na norma poder vir a ser tornado erróneo e, consequentemente, infirmado e desrespeitado pelos demais membros do tecido social impele o Estado à punição da infracção praticada e de acordo com o grau de culpabilidade do agente. A pena constitui-se como um instrumento para resolver defraudações de expectativas que não podem ser estabilizadas de outra maneira. Trata-se de um expediente jurídico-social que consiste em demonstrar à custa do defraudante que se mantém a expectativa comunitária que reverbera no ordenamento jurídico. «O autor determinou-se e executou a sua conduta sem consideração pela vigência do Direito. Na medida em que isso implica a afirmação que a norma o não vincula, haverá que contraditá-lo através da pena (este é o significado da pena)». Com a aplicação de uma pena pretende-se alcançar a manutenção da norma como esquema de orientação, prevenção «porque se persegue um fim, precisamente, a manutenção da fidelidade á norma, e isso, concretamente, com respeito á sociedade no seu conjunto, por isso, geral». No ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, ficou consagrada uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite da pena”. [[89]] Para este Professor [Taipa de Carvalho], as penas devem visar, em primeira linha privilegiar a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. [[90]] Na escolha e determinação da medida, ou para medição, da pena “reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” [[91]] é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. No entanto, adverte o autor, que temos vindo a citar, ”que este critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral”. “Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à “medida” da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo-especiais” e “condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima”. Na acepção de Winfried Hassemer, in op. loc. cit., pag.127, (para) “a decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o se comportamento posterior ao delito”, do mesmo passo que para Jakobs o conteúdo tradicional da culpabilidade, constitui-se numa culpabilidade fundada em si mesma, sendo preenchido pela prevenção geral, Para este autor, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. [[92]] “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” [[93]] A questão da individualização judicial da pena, ainda que não se confunda com o conceito de “determinação legal da pena”, atina com problemas da dogmática jurídico-penal como sejam o fundamento, legitimação, limitação, função e fins das penas. Ainda que com divertidas matizes e, sem curarmos de sermos exaustivos quanto às teorias, que desde o século passado se vêm debruçando sobre esta problemática, desde as teorias retributivas, radicadas na filosofia kantiana, de Hegel ou a retribuição divina que vão desde S. Tomas a Sthal, passando pelas teorias da prevenção especial, de Fuerbach, até às mais actuais, e actuantes, teorias da prevenção geral, nas suas vertentes negativa e positiva, e nesta, ainda nos diversos modelos em que se vem enformando esta corrente da dogmática jurídico-penal, que têm como epígonos Hellmuth Mayer com a denominada “força configuradora dos costumes”, Claus Roxin com a denominada “prevenção da integração” até chegar ao entendimento sociológico-jurídico-normativo de Gunther Jakobs, para só falar dos mais significativos, poder-se-ia definir a pena “como uma privação ou restrição de bens jurídicos, prevista na lei, e imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao autor do facto delitivo” [[94]/[95]]. “Esta função da pena, todavia (“empero”), e ao contrário da concepção habitual, de nenhum modo se refere somente á prevenção, quer dizer à evitacão de delitos futuros, mas, de modo muito mais geral, à ampla descarga que para cada um significa o asseguramento da ordem jurídica”. “Naturalmente, uno de los cometidos que deben cumplir la amenaza de pena y la pena también es el de evitar delitos que un autor determinado o terceros indeterminados posiblemente habrian cometido de no haberlas. Pero la imposición de la vigência de normas elementales, en caso necesario, mediante la coacción, parece ser un factor francamente esencial del derecho, y el hacerlo en absoluto es un asunto exclusivo del Derecho penal” [[96]/[97]] Consignada a pena nos preditos moldes, e arredada, por não interessar ao caso em apreço, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. [[98]] No ordenamento jurídico-penal português a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas». Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues, bem como Taipa de Carvalho, ao defenderem que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral, devendo eleger, em cada caso, aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto. Tutela dos bens jurídicos não, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada. Neste sentido, constitui indicador razoável afirmar-se que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra. [[99]] Nos termos do art. 71 nº 1 do C.P. "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente comunitária da punição) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Fornecendo o critério, o legislador não fornece ao juiz conceitos fechados e aptos à subsunção que permita a matematização do iter formativo da pena concreta. Se a pena há-de ser individualizada afigura-se que o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha, também aqui, urna insubstituível tarefa mediadora e constitutiva. Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente: – O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente; – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Na avaliação, para determinação da pena, a que se há-de proceder da conduta do agente haverá que que atender à gravidade do delito, isto é, aferir do desvalor da acção, do desvalor do resultado e à culpabilidade (em sentido estrito) do agente. (“A medida da culpabilidade em sentido estrito, [é] entendida por Hörnle apenas como imputação pessoal ao fato ou como atribuição de capacidade de atuar conforme o direito, seria graduável apenas unilateralmente para baixo, na hipótese da existência de factores redutores da culpabilidade.” [[100]/[101]] Se o desvalor da acção e do resultado, como já adiantamos, configuram uma violação extrema e preeminente dos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica, já a culpabilidade do agente se nos mostra, em face das circunstâncias envolventes à acção desvalorativa, bastante mitigada. Na observância dos pressupostos que informam a determinação concreta da pena e na sua reversão para o caso concreto haverá que ponderar as circunstâncias em que a arguida levou a cabo a conduta censurável, notadamente i) desprezo e insensibilidade pela vida de um ser que gerou e alimentou de si; ii) frieza com que se determinou na acção de dar morte ao ser que punha no mundo; iii) modo como preparou e executou a acção de fenecimento do ser a que acabava de dar vida; iv) impassividade e ausência de constrangimento no acto de impedir o ser que havia posto no mundo de respirar, embrulhando-o na toalha e numa camisola; v) domínio e controlo da acção ao planear o recesso do ser a que havia tirado a vida, introduzindo-o num saco de plástico de cabeça para baixo e com os pés para cima, fechando o saco, atando-o com nós; vi) e, após, tê-lo colocado num armário/roupeiro. A facticidade que está adquirida evidencia e patenteia um carácter desprovido de apego a valores da vida, imune a filtros de censura social e de rejeição de valores d solidariedade societária. A sociedade rejeita, censura e reprova comportamentos como aquele que é desfiado na factualidade adquirida. Dar morte a um ser que gerou – conhecendo-se hoje uma cópia de métodos contraceptivos –, procriou e transportou consigo durante o período da gravidez, revela uma índole defesa e indemne a um sentido de respeito, preservação e salvaguarda da vida. Ainda que não tenha tido oportunidade de impedir a gravidez, e não a querer interromper, por motivos pessoais, familiares ou sociais, sempre sobraria a possibilidade de procurar, através da assistência social, que a criança viesse a colher amparo e sustento vital, familiar e social junto de uma família que a adoptasse. A descrição da acção de fenecimento do ser que havia acabado de pôr no mundo denota e ressuma, em nosso juízo, uma completa indiferença pela relevância que pode ser para qualquer mãe de dar à luz um ser que gerou e alimentou durante um largo período de tempo, do meso passo que o modo como se “desembaraçou” do “empecilho” que teve que pôr fora de si patenteia um desinteresse e desprezo pela presença física de um ser a que tinha acabado de dar vida. A censura e reprovação ético-social devem ser intensas, pelo grau de culpa que reverbera da acção da arguida. O crime de homicídio baliza a moldura penal entre oito (8) a 16 (dezasseis) anos. A reprovabilidade da conduta e a censura ético-social que deve recair sobre a conduta da arguida aconselha a imposição de uma pena que não se quede pelo patamar mínimo da moldura penal consignada, antes que se situe um pouco acima desse patamar. Esse pouco além deve acrescer um quarto (1/4) do limite mínimo, ou seja a pena adequada deve situar-se nos 10 (dez) anos de prisão. II.B.5.a) – PREJUDICALIDADE DAS QUESTÕES PROPOSTAS PARA RESOLUÇÃO. De acordo com as questões enunciadas para conhecimento sobram i) Violação do artigo 72.º e 73.º do Código Penal: necessidade de atenuação especial da pena; ii) Determinação da pena única – Violação do artigo 77.º do Código Penal; e iii) Suspensão da execução da pena – Violação do artigo 50.º do Código Penal. A solução penológica adoptada e consolidada para o caso afastam o conhecimento da questão da atenuação especial da pena bem como a possibilidade de suspensão da pena, pelo que nos termos do artigo 608º do Código Processo Civil, aplicável por imposição do artigo 4º do Código Processo Penal, porquanto o juiz deve abster-se de conhecer as questões debatidas ou propostas pelas partes se a sua cognoscibilidade depender da solução conferida a outras questões de que essas (últimas) questões dependessem, por uma inextrincável e invadeável conexão. A aplicação de uma pena de 10 (dez) anos, com a justificação ensaiada e adoptada, arreda e descarta a atenção para a questão de atenuação especial. Por imposição legal, a questão da suspensão da pena, não é sequer exequível, pelo que o conhecimento desta questão se tornaria espúria e prenhe de inutilidade. Do mesmo passo, a solução conferida ao conhecimento das penas parcelares, máxime da pena relativa ao crime de profanação de cadáver, inculca uma desnecessidade de enfrentar a questão do conhecimento desta pena e concomitante da pena única, dado que aa penas que devem ser incluídas na pena única, é a pena de 10 (dez) meses pelo crime de profanação de cadáver e 10 (dez) anos pelo crime de homicídio. Daí que sendo as penas a incluir na pena conjunta as mesmas e no mesmo quantitativo das que foram aplicadas pelas instâncias e a medida que foi encontrada a ajustada, nos abstenhamos de conhecer de forma especificada da pena única, por adesão á justificação encontrada pelas instâncias e que importa não repisar e opar. Adopta-se e coonesta-se a justificação conferida pelas instâncias para a medida composta para a pena única, ou seja 10 (dez) anos e 4 (quatro) meses.
“8. A ora Recorrente apresentou Recurso junto da Relação de Coimbra sendo Proferido Douto Acórdão que na esteira da inerente fundamentação e aquando da apreciação da matéria invocada pela Arguida ora Recorrente que havia sido dada como provada – Erro de Julgamento - o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra socorre-se das declarações prestadas em 1.º interrogatório - Acta de fls. 77 a 119 – leia-se declarações prestadas perante a JIC e transcritas a fls. 151 a 182. 9. Assim sendo, o douto Acórdão da Relação de Coimbra efectiva uma análise e avaliação/fundamentação, e diremos nós “esmiuçada” do 1.º Interrogatório Judicial (para o qual se remete expressamente no sentido de que se perceba a argumentação infra. 10. E após a análise constatadas supra o Douto Acórdão Proferido pela Relação de Coimbra determina que “como é de fácil constatação, a arguida nunca referiu que desfalecera ou que desmaiara, ao contrario da versão que apresentou em audiência de julgamento, visando convencer o tribunal que a morte do filho fora causada por asfixia devido ao próprio parto e que não conseguiria prestar-lhe auxilio porque desfalecera.”, Mais concluindo que “percebe-se que a arguida faltou à verdade na audiência para se furtar à responsabilidade”; “logicamente as suas declarações não merecem qualquer credibilidade, salvo quanto ao facto notório de que teve fortes dores no parto.” 11. Ora, salvo douto entendimento com tal fundamentação levanta-se questão de direito fundamental, de apreciação do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, e que haverá de conduzir à Nulidade do Douto Acórdão da Relação de Coimbra, porquanto, o Douto Tribunal “a quo” fundamenta a sua convicção em prova que salvo melhor opinião, não foi alvo de valoração na senda da Douta Audiência de Julgamento, e nem o poderia. 12. A Arguida, ora Recorrente, foi ouvida em 1.º Interrogatório Judicial a 04 de Setembro de 2012 perante JIC, ou seja perante Autoridade Judiciária, nos termos do artigo 1.º, al. b) do C.P.P, e à altura da sua audição não se encontrava ainda publicada a Lei 20/2013 de 21 de Fevereiro. 13. Tal diploma (e confrontando a sucessão de leis no tempo) veio introduzir grandes alterações em concreto o disposto no n.º 4 do artigo 141.º do C.P.P quanto ao interrogatório judicial de arguido detido e subsequentemente quanto ao artigo 357.º do C.P.P (utilização em Audiência de declarações prestadas perante Autoridade Judiciária) 14. Ora, à data do 1.º Interrogatório da Arguida, ora Recorrente, ainda não se encontrava em vigor tal versão do artigo 141.º e artigo 357.º ambos do C.P.P com as alterações introduzidas pela Lei 20/2013 de 21 de Fevereiro. 15. Assim, e nesta linha de raciocínio, determina o artigo 355.º do C.P.P e cite-se “1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. 2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.” 16. Assim e salvo melhor entendimento, a convicção e fundamentação tem que assentar e tão só na prova produzida em sede de audiência de julgamento, o mesmo raciocínio se aplicando para a Douta Relação. 17. Ademais, mesmo que o 1.º Interrogatório tivesse ocorrido já com a aplicação à luz da alteração introduzida pela Lei 20/2013, o que não correu (e não se defende face ao principio da Lei mais favorável), certo é que as mesmas declarações (e considerando com aplicável tal lei, o que não se defende) sempre haveriam de ser produzidas em Audiência de Julgamento e aí lidas, o que não se efectivou. 18. Aliás, é perceptível tal necessidade, trazida pelas alterações da Lei 20/2013, à luz dos princípios da imediação e do contraditório. 19. Assim, face ao erro de julgamento invocado pela Arguida/Recorrente perante o Tribunal da Relação de Coimbra, e que entendia que haveriam de ser provados determinados factos fundamentais [em concreto: a) “No de decurso do parto a Arguida sentiu fortes dores, tremores, muito frio”; b) “A Arguida encontrava-se tapada por um lençol, um cobertor de Verão e uma manta”; c)“Após o nascimento e embora tivesse constatado que recém-nascido estava vivo porquanto chorou, a arguida desfaleceu, sendo que quanto recuperou as forças sentiu algo frio junto às suas pernas, sem qualquer movimento e sem qualquer choro”; d) “A Arguida não conseguiu prestar auxílio ao recém-nascido”; e)“Acto consecutivo e não querendo ver o que tinha ocorrido e pretendendo limpar tal imagem, a Arguida embrulhou a criança numa toalha e numa camisola em malha de várias cores – preto, verde, azul e vermelho-, juntamente com a placenta e colocou num saco de plástico amarelo com a cabeça no fundo do mesmo e os pés para cima, o qual atou com duplo nó sego, não mais se preocupando com tal saco”] o Venerando Tribunal da Relação descartou tal possibilidade baseando-se fundamentalmente em prova legalmente proibida formulando a sua convicção com base em declarações prestadas em 1.º Interrogatório Judicial, que não consubstanciam meio de prova tal como já expressado supra. 20. Desta feita, nos termos das disposições conjugadas do artigo 355.º do C.P.P e artigo 122.º, n.º1 do mesmo diploma legal tal violação consubstancia-se como nulidade, que expressamente se argui para os devidos e legais efeitos (neste sentido Acórdão do STJ de 27-06-2007, embora quanto à não leitura de tais declarações em Audiência de Julgamento – artigo 357.º C.P.P). [40] A propósito do dever constitucionalmente assumido de fundamentação dos actos judiciais escreveu-se no acórdão do Tribunal Constitucional nº 27/2007, proferido no processo nº 784/05: “[…] Em particular, a dimensão normativa em causa é confrontada com o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais, constante do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição. Deste dever de fundamentação das decisões judiciais decorre que, nas decisões sobre matéria de facto, é obrigatória a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A imposição constitucional referida só fica satisfeita com a explicitação das razões dessa decisão, feita pelo seu próprio autor, em termos de habilitar o seu destinatário a, ciente dessas razões, se conformar com a decisão ou impugná-la de forma consciente e eficiente. O exame crítico das provas credibiliza a decisão, viabiliza o recurso e permite revelar «o raciocínio lógico do tribunal relativamente à própria decisão», como foi sublinhado já na Conferência Parlamentar sobre a Revisão do Código de Processo Penal, em 7 de Maio de 1998 (cf. as intervenções de Luís Nunes de Almeida, Germano Marques da Silva e Eduardo Maia Costa, entre outros, em Código de Processo Penal - Processo Legislativo, 2.° vol., t. 2, ed. da Assembleia da República, 1999, pp. 68, 85,86,90 e 95 e segs.). Ocupando essa garantia de fundamentação das decisões judiciais um lugar central no sistema de valores nos quais se deve inspirar a administração da justiça no Estado democrático moderno (cf. Michele Taruffo, «Notte sulla garanzia costitutionale della motivazione», in Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 55.° vol., 1979, pp. 29 e segs.). Ela deve ser susceptível, como se escreveu já em acórdão deste Tribunal, «de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da livre apreciação pelo julgador, devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida» (cf. o Acórdão n.º 680/98, publicado no Diário da República, 2.a série, de 5 de Março de 1999). A respeito da exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais, pode ler-se também no Acórdão nº 61/2006 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt): «Foi a primeira revisão constitucional (1982) que, com a inserção do novo n.º 1 do então artigo 210.º da CRP, veio proclamar que "As decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei", formulação que, sem alteração de redacção, transitou, com a segunda revisão constitucional (1989) para o n.º 2 do artigo 208.° A remissão para a lei, não apenas da modulação dos termos, mas também da definição dos casos em que a fundamentação das decisões dos tribunais era devida (muito embora sempre se entendesse que "a discricionariedade legislativa nesta matéria não [era total], visto o dever de fundamentação [ser] uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático (cf. o artigo 2.°), ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso"), representando "a falta de consagração constitucional de um dever geral de fundamentação das decisões judiciais", surgia como "pouco congruente com o princípio do Estado de direito", para além de não se compreender que "a garantia de fundamentação seja constitucionalmente menos exigente quanto às decisões judiciais do que quanto aos actos administrativos (artigo 268.°, n.º 3)" (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.a ed., Coimbra, 1993, pp. 798-799) - preceito este último que impunha a "fundamentação expressa" dos "actos administrativos [ ... ] quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos" . Foi a revisão constitucional de 1997 que deu à norma em causa a sua localização (artigo 205.°, n.º 1) e formulação ("As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei") actuais. Estabeleceu-se, assim, com dignidade constitucional, a regra geral do dever de fundamentação de todas as decisões judiciais, com a única excepção das de mero expediente, remetendo-se para a lei ordinária a definição, já não dos casos em que a fundamentação é devida, mas tão-só da forma de que se pode revestir. O alcance desta alteração foi salientado por este Tribunal, no Acórdão n.º 680/98, nos seguintes termos: "7 - Dispõe a Constituição, no n.º 1 do artigo 205.º, que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Este texto, resultante da Revisão Constitucional de 1997, veio substituir o n.º 1 do artigo 208.º, que determinava que “as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei”. A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas “nos termos previstos na lei”para o serem “na forma prevista na lei”. A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação." Também o Acórdão n.º 147/2000 salientou que a "actual redacção do artigo 205.°, n.º 1, imprimiu contornos mais precisos ao dever de fundamentação, pois, onde a Constituição remetia para a lei os “casos”em que a fundamentação era exigível, passou a concretizar-se que ela se impõe em todas as decisões “que não sejam de mero expediente”, mantendo-se apenas a remissão para a lei quanto à “forma” que ela deve revestir", acrescentando: "Este aprofundamento do dever de fundamentação das decisões judiciais reforça os direitos dos cidadãos a um processo justo e equitativo, assegurando a melhor ponderação dos juízos que afectam as partes, do mesmo passo que a elas permite um controlo mais perfeito da legalidade desses juízos com vista, designadamente, à adopção, com melhor ciência, das estratégias de impugnação que julguem adequadas. De todo o modo, a persistência daquela remessa para a lei faz com que o mandado constitucional de fundamentação continue a ser um mandado aberto à actuação constitutiva do legislador, a quem incumbirá definir a “forma” em que a fundamentação se deve traduzir, sem que, contudo, ele possa esvaziar o sentido útil daquele mandado (cf. o Acórdão nº 59/97, in Diário da República, 2.a série, nº 65, de 18 de Março de 1997) - qualquer que seja essa forma, ela terá sempre que permitir o conhecimento das razões que motivam a decisão. [ ... ] Mas se a relevância da fundamentação das decisões judiciais é incontestável como garantia integrante do conceito de Estado de direito democrático, ela assume, no domínio do processo penal, uma função estruturante das garantias de defesa dos arguidos, muito embora o texto constitucional não contenha qualquer norma que disponha especificamente sobre a fundamentação das decisões judiciais naquele domínio."» A exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais tem uma função não apenas endoprocessual, mas também dirigida ao exterior do processo: ela visa explicitar a ponderação que integrou o juízo decisório e permitir às partes - no caso, ao arguido - o perfeito conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, em ordem a facultar-lhes a possibilidade de optar pela reacção (impugnatória ou não) que entendam mais adequada à defesa dos seus direitos (e por esta via, a obrigação de fundamentação possibilita também, mediatamente o exercício do direito ao recurso que possa caber no caso). Mas a exigência de fundamentação visa também possibilitar o próprio conhecimento pela comunidade das razões que levaram a uma determinada decisão, e, pela via da exigência de lógica ou racionalidade da fundamentação (contida na exigência de fundamentação), contribui também para a própria legitimação da actividade decisória dos Tribunais. 5 - O tribunal do julgamento tem, pois, que explicitar as razões que o levaram a convencer-se de que o arguido praticou os factos que deu como provados. Importa, porém, notar que, como este Tribunal também já afirmou, «a fundamentação não tem de ser uma espécie de assentada, em que o tribunal reproduza os depoimentos de todas as pessoas ouvidas, ainda que de forma sintética» (Acórdão n.º 258/2001, com texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Nem, por outro lado, a fundamentação tem de obedecer a qualquer modelo único e uniforme, podendo (e devendo) variar de acordo com as circunstâncias de cada caso e as razões que neste determinaram a convicção do tribunal. Com o dever de fundamentação das decisões judiciais, a Constituição não impõe, na verdade, um modelo único de fundamentação, com descrição ou, ainda mais, transcrição, de todos os depoimentos apresentados no julgamento, ou a menção do conteúdo de cada um deles. Estes depoimentos, mesmo quando são depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa, podem, com efeito, não ter sido decisivos para a formação da convicção do tribunal, podendo então bastar que o tribunal indique aqueles que o foram. Isto, sendo certo que, por um lado, o que está em causa em sede de fundamentação das sentenças não é um princípio de paridade de consideração e explicitação da prova produzida por todos os sujeitos processuais, mas antes de explicitação do juízo decisório e das provas em que este se baseou, e que, por outro lado, não compete ao Tribunal Constitucional controlar a forma como concretamente o tribunal formou a sua convicção. Como se referiu, não está, aliás, em causa no presente recurso o controlo do exame crítico das provas feito na decisão em causa, nem uma admissão da mera elencagem «tabelar» das provas produzidas”. [43] Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2007; Proc. n.º 07P3240., onde se escreveu: “Mais exigentemente, pois que agora se deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas "nos termos previstos na lei" para o serem "na forma prevista na lei". A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação. A fundamentação das decisões judiciais continua, pois, dependente da lei a que é atribuído o encargo de definir, com maior ou menor latitude, o âmbito do dever de fundamentação, sem que isso signifique total discricionariedade legislativa, “uma vez que o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso. Nestes casos, particularmente, impõe-se a fundamentação ou motivação fáctica dos actos decisórios através da exposição concisa e completa dos motivos de facto, bem como as razões de direito que justificam a decisão” (V. Moreira e G. Canotilho, CRP Anotada, 2.ª Edição, 798-9) Foi devolvido ao legislador o seu “preenchimento”, a delimitação do seu âmbito e extensão em termos prudentes evitando correr o risco de estabelecer uma exigência de fundamentação demasiado extensa e, por isso, inapropriada e excessiva. Limitou-se a consagrar o aludido princípio “em termos genéricos”, deixando a sua concretização ao legislador ordinário. (cfr. o ac. nº 310/94 do T. Constitucional – DR IIS de 29.8.94), sem que isso signifique, como se viu, que assiste ao legislador ordinário uma liberdade constitutiva total e absoluta para delimitar o âmbito da obrigatoriedade de fundamentação das decisões dos tribunais, em termos de esvaziar de conteúdo a imposição constitucional. Têm sido atribuídas à fundamentação da sentença diversas funções: — Contribuir para a sua eficácia, através da persuasão dos seus destinatários e da comunidade jurídica em geral; — Permite, ainda, às partes e aos tribunais de recurso fazer, no processo, pela via do recurso, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz; — Constitui um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões (cfr. citado Ac. 680/98). E a norma, que desenhou o dever de fundamentação no processo penal, cumpre todas estas funções, como vêem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional (cfr. Ac. TC n.ºs 680/98 e 636/99, 102/99, 258/2001, 382/98 e AcSTJ de AcSTJ de 11.11.2004, proc. n.º 3182/04-5)”. E ainda no mesmo sentido o ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 09-01-2008 - Proc. n.º 4457/07. “[…] VIII - Através da exigência de fundamentação consegue-se que as decisões judiciais se imponham não por força da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz (Marques Ferreira, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230). Ao mesmo tempo, permite-se a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo o tribunal superior verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294), sem olvidar que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em melhores condições para fazer um adequado usado do princípio de livre apreciação da prova. IX - Antes da vigência da Lei 59/98, de 25-08, entendia-se que o art. 374.º, n.º 2, do CPP não exigia a explicitação e valoração de cada meio de prova perante cada facto, mas tão-só uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, não impondo a lei a menção das inferências indutivas levadas a cabo pelo tribunal ou dos critérios de valoração das provas e contraprovas, nem impondo que o julgador expusesse pormenorizadamente o raciocínio lógico que se encontrava na base da sua convicção, pelo que somente a ausência total da referência às provas que formaram a fonte da convicção do tribunal constituía violação do art. 374.º, n.º 2, do CPP, a acarretar nulidade da decisão nos termos do art. 379.º do mesmo diploma legal. X - Actualmente, face à nova redacção do n.º 2 do art. 374.º do CPP – introduzida pela Lei 59/98, de 25-08, e inalterada pela Lei 48/2007, de 29-08 –, é indiscutível que tem de ser feito um exame crítico das provas, ou seja, é necessário que o julgador esclareça “quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra”. XI - O dever constitucional de fundamentação da sentença (art. 205.º, n.º 1, da CRP) basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como com o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas também dos elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que aquela se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. XII - A fundamentação decisória não tem que preencher uma extensão épica, sem embargo de dever permitir ao seu destinatário directo e à comunidade mais vasta de cidadãos, que sobre o julgado exerce um controlo indirecto, apreender o raciocínio que conduziu o juiz a proferir tal decisão. Não basta, pois, uma mera referência dos factos às provas, torna-se necessário um correlacionamento dos mesmos com as provas que os sustentam. XIII - Aplicada aos tribunais de recurso, a norma do art. 374.º, n.º 2, do CPP não tem aplicação em toda a sua extensão, nomeadamente não faz sentido a aplicação da parte final de tal preceito (exame crítico das provas que serviram para formar a livre convicção do tribunal) quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal da Relação. Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, acolheu a fundamentação do acórdão recorrido que se apresenta detalhada, justificando-o na parte respectiva, então as instâncias cumpriram suficientemente o encargo de fundamentar, sendo que a discordância quanto aos factos apurados não permite afirmar que não foi (ou não foi suficientemente) efectuado o exame crítico pelas instâncias. XIV - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2.ª instância. Dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e das provas que impõem decisão diversa (e não indiscriminadamente de todas as provas produzidas em audiência). XV - O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127.° do CPP. A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em 1.ª instância. O art. 127.° indica um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova. [47] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Setembro de 2016, in www.dgsi.pt (relatado pelo Conselheiro Santos Cabral), “IV - O recurso para o STJ visa exclusivamente o reexame das questões de direito, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios referidos no art. 410.º, n.º 2 do CPP. V - Sendo o recurso para o STJ um recurso de revista ampliada, configura-se, a possibilidade que é dada ao tribunal de recurso de conhecer a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a decisão de direito não encontre na mesma matéria uma base tal que suporte um raciocínio lógico subsuntivo que permita a conclusão; de verificar uma contradição insanável da fundamentação sempre que através de um raciocínio lógico conclua que da fundamentação resulta contrária ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos; de concluir por um erro notório na aprecia o da prova sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária, ou pelo menos diferente, da exposta pelo tribunal. VI - Carece de fundamento a invocação de tais vícios se não se vislumbra na análise da decisão recorrida, e só ela releva para o fim em vista, onde é que exista uma insuficiência dos factos para a decisão de direito ou se descortine um erro notório ou de desconformidade entre a fundamentação e a decisão.” [48] “Nestes casos, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do nº 2 do artº 410º), como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (al. a) e b) do nº 2 do artº 410º). Importa repetir mais uma vez, aquilo que tem sido a jurisprudência constante deste S.T.J., quanto à invocação de tais vícios. O conhecimento de recurso em matéria de facto, interposto de decisão final do tribunal colectivo, é só da competência do Tribunal da Relação, mesmo tratando-se da mera invocação dos vícios do artº 410º do C.P.P.. Quando o artº 434º do C.P.P. nos diz que o recurso para o S.T.J. visa exclusivamente matéria de direito, “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artº 410º”, não pretende, sem mais, com esta afirmação, que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça possa visar sempre a invocação dos vícios previstos neste artigo. Pretende simplesmente admitir o conhecimento dos vícios mencionados pelo S.T.J., oficiosamente, mesmo não se tratando de matéria de direito. O âmbito dos poderes de cognição do S.T.J. é-nos revelado pela al. c), hoje al. d) do nº 1 do artº 432º, que restringe o conhecimento do S.T.J. a matéria de direito. E refira-se que as alterações do C.P.P., operadas pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto, não modificaram os preceitos em causa (al. c), depois d), do artº 432º e artº 434º), de modo a justificar-se uma inflexão da orientação seguida neste S.T.J.. No mesmo sentido, o acórdão do STJ de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 2010, in www.dgsi.pt (relatado pelo Conselheiro Fernando Fróis), em cujo sumário se inscreveu a sequente doutrina. “I - Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP – Ac. do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19-10-95, Proc. n.º 46580, publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de 28-12-95, que fixou jurisprudência então obrigatória (É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito) e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379.º, n.º 2, e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior. [81] No corpo do justificava-se a qualificação optada com a sequente argumentação: “a arguida fê-lo para ocultar a desonra que a sua situação de mãe solteira provocaria quer a nível familiar quer a nível do seu meio social. A necessidade de ocultar a desonra que lhe adviria da condição de mãe solteira foi a circunstância que determinou a arguida a matar o filho logo após o nascimento. Foi, na realidade, o que aconteceu, uma ocorrência da vida real que o tribunal apurou e deu como provado (A. dos Reis, "Código de Processo Civil Anotado", III, pp. 206). Trata-se, portanto, não de uma conclusão, mas de uma realidade factual assente na primeira instância, cuja averiguação se encontra vedada a este Supremo Tribunal (artigo 433 do Código de Processo Penal). Numa sociedade aberta e tolerante como a nossa, o quadro dos valores ético-sociais não comporta já, como em tempos remotos, o estigma da desonra para a mãe solteira, a ponto de Maia Gonçalves se referir expressamente à necessidade de se repensar o artigo 137, pelo menos na segunda parte, em futura revisão do Código Penal ("Código Penal Português Anotado e Comentado", 1992, página 372). Efectivamente, o progresso tecnológico e os novos conceitos da vida em sociedade atenuaram consideravelmente a infâmia que esmagava as mães solteiras, ainda há escassas dezenas de anos. O filho gerado fora do matrimónio era produto do pecado, descendia quase sempre de pai não assumido e muitas vezes, até, de pai incógnito. Para salvaguarda da instituição da família legítima, à filiação de um ente assim gerado, eram colocados obstáculos legais e humanos que a tornavam rara, complicada, morosa, extremamente difícil e normalmente só possível após a morte do progenitor. O filho reconhecido por sentença judicial só muito raramente era como tal aceite no seio da família paterna. Não poucas vezes, por sobre tudo isto, a mãe solteira era escorraçada do círculo dos seus familiares - pais e irmãos -, eles próprios se sentindo manchados na sua honra e consideração. Vendo-se só e desamparada, condenada a arrastar, talvez por toda a vida o fardo da sua ignomínia, a mãe solteira era então tentada, por vezes, em desespero de causa, a esconder o fruto do seu pecado e a eliminá-lo logo após o nascimento. Hoje, felizmente, tudo se modificou e nada disto se passa entre nós. Mudaram, por um lado, radicalmente os preconceitos sociais e os progenitores assumem, com frequência, a responsabilidade do seu acto, através da perfilhação voluntária, e até espontânea, do ente gerado fora do matrimónio, que vemos muito frequentemente aceite e admitido pela família paterna. Os filhos nascidos fora do casamento, não podem por esse motivo, ser objecto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação (artigo 36, n. 4, da Constituição da República Portuguesa). Desapareceram dos registos oficiais as menções ignominiosas a "filhos ilegítimos" e "filhos de pais incógnitos", e hoje todos os cidadãos têm a mesma dignidade social perante a lei (artigo 13, n. 1, da Constituição da República Portuguesa). Quando o reconhecimento não é imediato e voluntário, a mãe tem ao seu alcance - até por via oficiosa - meios judiciários e tecnológicos para investigar e impor a filiação que chega a resultados praticamente seguros. Por outro lado, só em casos aberrantes e marginais a mãe solteira tem o destino das suas homólogas de há trinta ou mais anos. Hoje, constitui a sua própria família, impõe o reconhecimento da obrigação de alimentos ao filho e este não é marginalizado como outrora seria. O sentimento de desonra da mãe solteira está, por conseguinte, seriamente enfraquecido e só raramente encontrará justificação jurídica e social. Integrada neste esquema e tendo presente a realidade factual provada na primeira instância, a conduta da arguida, preenchendo, embora, os elementos específicos do crime de infanticídio privilegiado, apresenta um elevado grau de censurabilidade que a pena da primeira instância não traduz.” [91] “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07) [99] “O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça. [Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007). [101] “O princípio da culpabilidade responde pela dosimetria da pena e estabelece a relação entre a gravidade do delito e a culpabilidade do autor (“Principio da culpabilidade e determinação das consequências jurídicas [legalidade] situam-se numa relação de tensão que deve ser equalizada constitucionalmente de modo sustentável”) - Sentença do Tribunal Constitucional alemão, citado por Adriano Teixeira, ibidem, pág. 106. |