Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S1031
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: RETRIBUIÇÃO-BASE
FUSÃO DE EMPRESAS
BAIXA DE CATEGORIA
UTILIZAÇÃO DO VEÍCULO AUTOMÓVEL E DO TELEMÓVEL
CARTÃO DE CRÉDITO
Nº do Documento: SJ200809240010314
Data do Acordão: 09/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :

1. Da alteração unilateral por parte da entidade empregadora da estrutura remuneratória do trabalhador não pode resultar a diminuição da sua retribuição base, ainda que o valor da retribuição global se mantenha inalterado.

2. Da fusão de empresas não pode resultar a baixa da categoria profissional dos trabalhadores.

3. Não pode ser julgado procedente o pedido de reconhecimento de uma categoria profissional que não está prevista no instrumento de regulamentação colectiva aplicável.

4. A vantagem patrimonial que o trabalhador retira da utilização, na sua vida privada, durante os 365 dias do ano, do veículo automóvel que lhe foi atribuído pela empresa por causa das suas funções não constitui uma prestação remuneratória, se tal utilização resulta de uma mera tolerância da entidade empregadora.

5. Também não assume natureza retributiva a utilização pelo trabalhador do telemóvel e do cartão de crédito que lhe foram atribuídos unicamente por razões de serviço.
Decisão Texto Integral:



Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório
AA propôs, no Tribunal do Trabalho do Porto, a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, contra Banco B..., S. A., pedindo que esta fosse condenada:
a) a reconhecer que a categoria profissional do autor é a de Director de Departamento, a que corresponde o nível 16 do Acordo Colectivo de Trabalho outorgado entre as instituições de crédito, parabancárias ou similares e, entre outros, o Sindicato dos Bancários do Norte, celebrado em 13.7.1984 e publicado no BTE, 1.ª série, n.º 28, de 19.7.1984, com todas as consequências legais, nomeadamente a atribuição de funções laborais inerentes àquela categoria e a manutenção dos direitos de pensionista;
b) a reconhecer que a remuneração de base do autor é de € 3.129,96 mensais;
c) a reconhecer que o autor tem direito a uma viatura de gama média, para seu uso pessoal, responsabilizando-se o réu pelos custos de manutenção, combustível, seguro obrigatório, danos próprios e restantes encargos;
d) a reconhecer que o autor tem direito à atribuição e uso de um telemóvel para uso pessoal, sem qualquer limite de utilização;
e) a reconhecer que o autor tem direito à atribuição de um cartão de crédito emitido pelo réu, para utilização em despesas, com o limite mensal de € 125,00;
f) a repor o “status quo ante”, ou seja, a conceder efectivamente ao autor todas as prestações retributivas e condições de trabalho referidas;
g) a pagar ao autor uma sanção pecuniária compulsória, em montante nunca inferior a € 50,00 diários, pelo não reconhecimento e efectivo cumprimento das condições de trabalho referidas;
h) a pagar ao autor a quantia de € 15.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, por violação do conteúdo funcional efectivo da categoria profissional do autor, conforme descrito nos artigos 28.º a 46.º da p. i.;
i) a pagar ao autor a quantia de € 10.691,00, a título de prejuízos por ele sofridos até 14.5.2004, pela não atribuição da viatura de serviço;
j) a pagar ao autor a indemnização diária de € 22,46, a partir de 14.5.2004 e até colocação à disposição do autor de uma viatura automóvel de serviço para seu uso pessoal, responsabilizando-se o réu pelo pagamento de todos os encargos inerentes à sua utilização;
l) a pagar ao autor a quantia de € 800,00, a título de prejuízos sofridos até Maio de 2004, pela não atribuição de telemóvel para uso total, sem limite de utilização;
m) a pagar, mensalmente, ao autor, a partir de Maio de 2004, a quantia de € 50,00 até efectiva entrega ao autor de telemóvel de serviço, nas condições referidas;
n) a pagar ao autor a quantia de € 1.975,00, a título de prejuízos sofridos até Maio de 2004, pela não atribuição de cartão de crédito, para pagamento das despesas, com o plafond mensal de € 125,00;
o) a pagar, mensalmente, ao autor, a partir de Maio de 2004, a quantia de € 125,00, a título de indemnização, até efectiva entrega ao autor do cartão de crédito nas condições referidas.

Em resumo, o autor alegou o seguinte:
- em 12 de Dezembro de 1990 foi contratado pela P... Investimentos, SGPS, S.A., para desempenhar as funções de responsável pelo departamento das operações de risco;
- em 22 de Fevereiro de 1999, operou-se a fusão, por incorporação, da P... SFAC e da P... Investimentos – SGPS, na E..., passando a sociedade a denominar-se B... – Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S.A.;
- em 2000, a B... – Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S. A., transferiu a sua actividade para o Banco B..., S. A.;
- em Novembro de 2001, a B... – Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S. A., passou a designar-se D... – Investimentos Estratégicos, SGPS, S. A., e o objecto social passou a ser a gestão de participações sociais noutras sociedades;
- o autor foi sucessivamente transferido e permaneceu até Setembro de 2001 como funcionário da D..., S.A.;
- em 4 de Setembro de 2002, o Conselho de Administração do B..., SGPS, S. A., procedeu à reestruturação de todo o grupo B..., incluindo a fusão, operada em 19.12.2002, por incorporação da D... e da B...Ventures, SGPS, S. A., no B...- SGPS, S. A., sociedade que, no mesmo acto, procedeu à alteração da designação para Banco B..., S.A.;
- o autor novamente acompanhou tal movimentação societária, sendo actualmente, funcionário do Banco B..., S. A., com a remuneração base mensal líquida de € 1.337,90, acrescida de € 1.792,06, a título de complemento de retribuição, e de € 7,52 de subsídio de almoço;
- o autor é economista, licenciado pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto, e sempre exerceu as funções de Director de Departamento;
- em 24 de Janeiro de 2003, o réu comunicou-lhe a sua reclassificação profissional, atribuindo-lhe a categoria de Técnico de Grau II, com o nível 12, sendo integrado na Direcção de Recursos Humanos – Área de Apoio, onde iniciou funções em 28.1.2003, reportando-se directamente ao Director Central, Dr. BB;
- de forma unilateral, o réu definiu o estatuto remuneratório do autor, já supra referido, passando a estar abrangido pelo regime de Segurança Social próprio dos trabalhadores bancários, por aplicação do ACTV celebrado entre as Instituições de Crédito, parabancárias ou similares e, entre outros, o Sindicato dos Bancários do Norte, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 28, de 18.7.84, e sucessivas alterações, passando a ré a efectuar todas as retenções devidas à CAFEB e ao SAMS;
- em 11.5.2004, o autor reclamou de tais alterações, demonstrando ao réu a sua preocupação com o risco de diminuição do valor da pensão de reforma, ao que o réu respondeu, em 26.5.2003, assegurando-lhe a manutenção dos direitos em sede de reforma;
- em 21.8.2003, o autor reclamou da sua reclassificação como Técnico de Grau II e da sua situação de quase inocupação efectiva desde 20.12.2002, altura em que foi colocado nos quadros do réu, uma vez que, a partir daquela data, se limita a fazer trabalho administrativo, relacionado com a introdução de dados no sistema informático do Banco;
- a ré resolveu unilateralmente decompor o salário base do autor, que era de € 3.129,96, em € 1.337,90 de retribuição base e em € 1.792,06 de complemento de retribuição, daí resultando prejuízos para o autor a nível dos direitos sociais e outros;
- o autor não exerce as funções de Director de Departamento desde 20.12.2002, tendo sido periodicamente deslocado de sector em sector, sem atribuições concretas e definidas, em regime de semi-ocupação;
-as tarefas que lhe têm sido atribuídas são puramente administrativas, relacionadas com a introdução de dados no sistema informático;
- com tais comportamentos do réu, o autor viu lesada a sua paz de espírito e consideração social e profissional;
- com uma retribuição superior a € 3.000,00, como Director de Departamento, o autor viu reduzidas as suas competências às de um mero funcionário administrativo;
- com tudo isto, o autor experienciou um episódio depressivo associado a níveis de ansiedade elevados, o que o levou a recorrer a ajuda médica (psiquiatria) e ao uso de medicamentos anti-depressivos;
- o autor tem 59 anos de idade, trabalha como Director Financeiro há mais de 14 anos e, face à vivência referida, tem dificuldade em adormecer, vivendo em constante angústia, não tem capacidade para explicar a familiares e amigos a retirada, por parte do réu, da viatura automóvel, telemóvel e cartão de crédito que sempre lhe foram adstritos e a sua deslocação para o trabalho é custosa, tamanha é a insignificância das tarefas que lhe são confiadas, sendo subordinado de colaboradores do réu com vencimento, experiência e categoria profissional bastante inferiores à sua;
- desde o início da sua relação laboral até 24.1.2003, o autor sempre dispôs, para seu uso total, de uma viatura classe média, no valor de cerca de € 20.000,00, ultimamente um Fiat Marea, responsabilizando-se a ré pelos custos com a manutenção, combustível e seguro obrigatório e de danos próprios;
- o autor usufruía dessa viatura durante 365 dias por ano, incluindo o período pós--laboral, férias, fins-de-semana e períodos de doença;
- em 24 de Janeiro de 2001, o réu notificou o autor para entregar a viatura de serviço, alegando que o autor tinha cessado as funções que justificavam a atribuição da mesma;
- a atribuição da viatura representava para o autor um benefício económico mensal de € 673,75;
- o autor usufruía, desde 1995, de telemóvel para uso profissional e pessoal, sem qualquer limite de utilização, e de cartão de crédito, com um limite mensal de € 125,00;
- em 17 de Outubro de 2001, o réu recebeu instruções para entregar o telemóvel e, em 17 de Fevereiro de 2003, a ré exigiu-lhe a devolução do cartão de crédito;
- atendendo ao normal volume de chamadas que eram efectuadas pelo autor e ao custo da assinatura mensal, a retirada do telemóvel causou ao autor um prejuízo que, por defeito, se computa em € 50,00 mensais, e a retirada do cartão de crédito implicou uma diminuição de € 125,00 na sua retribuição mensal.

O réu contestou, alegando, em síntese, o seguinte:
- o conteúdo funcional e hierárquico de um Director numa empresa com 100/200 trabalhadores é completamente diferente do de uma com 8.000 trabalhadores;
- a SFAC, e depois a D..., era uma empresa como cerca de 120 trabalhadores e o autor, tendo embora o título de Director, era o que se pode dizer um homem de tesouraria: fazia a contabilidade da empresa, conferia facturas e pagava-as, por cheque;
- tais funções não são, nem de longe nem de perto, as funções de um Director de um Banco como o réu que, nessa altura, tinha um universo de mais de 8.000 trabalhadores;
- nas funções que desempenhava na SFAC, o autor tinha uma autonomia muito reduzida: nada que se comparasse à autonomia e responsabilidades do Director de um Banco;
- analisadas as funções, responsabilidades e autonomia que o autor detinha na SFAC, e depois na D..., chegou-se à conclusão de que às funções que o autor passaria a desempenhar, no Banco, correspondia a categoria de Técnico e que, dentro dessa categoria, deveria ser posicionado no Grau II;
- classificar o autor como Director equivaleria a oferecer-lhe de bandeja um estatuto com que ele nem sequer sonhava, nem tinha qualquer fundamento válido para sonhar, na empresa em que foi admitido;
- no B..., o autor não tem, pois, direito a ser reclassificado como Director de Departamento, tem direito, isso sim, a um estatuto semelhante àquele de que gozava na SFAC e na D...;
- isso mesmo foi dito ao autor, quando, em finais de 2000, a actividade da SFAC foi integrada no Banco B..., S. A.;
- com efeito, foi exaustivamente explicado ao autor que o posto de trabalho que ocupava naquelas empresas não tinha correspondência no Banco e que, por isso, apenas podia ser reclassificado como Técnico;
- e, em finais de 2002, já depois de aturadas negociações, isso mesmo foi reafirmado ao autor, tendo-se, então, chegado mesmo a gizar um processo de cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho, em que, inclusivamente, esteve a pontos de ser assinado um acordo de revogação do contrato de trabalho, em que, no fundo, se admitia isso mesmo;
-só que, a cada nova versão do projectado acordo, o autor fazia novas exigências que o fizeram abortar;
- gorado que foi tal projecto, o réu viu-se obrigado a arranjar, para não dizer inventar, um posto de trabalho que fosse minimamente adequado ao estatuto do autor;
- e finalmente conseguiu-o: colocou-o na Central de Balanços da Direcção de Riscos de Crédito, posto de trabalho em que ele podia executar as suas capacidades e valências de economista;
- nesse posto de trabalho, ao contrário do que o autor quer dar a entender, a sua actividade não é meramente administrativa;
- com efeito, embora materialmente pareça que a actividade do autor consiste tão somente na introdução de balanços no sistema informático, a verdade é que o mesmo exige uma análise prévia de risco, o que é muito importante para o Banco, uma vez que é com base no trabalho do autor que se procede à análise do risco, sendo que o sucesso ou insucesso do Banco passa por uma análise correcta do risco dos negócios que é chamado a financiar ou a intervir;
- por isso é que esse posto de trabalho apenas pode ser desempenhado por licenciados em economia;
- é certo que o autor não está presentemente a desempenhar funções de chefia, mas o exercício de funções de chefia, pressupondo por parte da entidade empregadora delegação de competências hierárquicas e funcionais, não constitui suporte de qualquer categoria profissional, podendo aquela retirar ao trabalhador tais funções, sem que tal signifique baixa de categoria;
- apesar de a tal não ser obrigado, o réu garantiu ao autor o direito à melhor pensão que à sua situação couber, quer sendo a mesma calculada com base nas regras do regime geral da segurança social, caso não tivesse havido interrupção de descontos para esse regime, quer com base no ACTV para o sector bancário;
- por força das alterações societárias por que passou a entidade empregadora do autor, até ser incorporada na ré, o autor deixou de estar inscrito no regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem e, por imperativo legal, passou a estar inscrito na Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB) e a beneficiar do regime de segurança social dos bancários, tal como previsto no ACTV respectivo;
- consequentemente, o réu teve de adaptar o “Recibo de Remunerações” a esta nova realidade, uma vez que os descontos para a CAFEB incidem sobre a totalidade da retribuição e as contribuições para os SAMS só incidem sobre a retribuição correspondente ao nível em que o trabalhador está colocado e sobre as diuturnidades a que o mesmo tem direito;
- foi por isso que no recibo de retribuição se autonomizou, na retribuição global do autor, a parte correspondente à retribuição do nível em que está inserido, a que se chamou de “Retribuição Base” – € 1.337,90 –, da parte restante, a que se chamou “Retribuição Complementar Fixa” – € 1.792,06 –;
- e foi por isso que, no que se refere ao subsídio de refeição, se separou a parte isenta de IRS (€ 104,80), da parte sujeita a IRS (€ 45,60);
- daí não resultando qualquer prejuízo para o autor, uma vez que, no sistema de segurança social dos bancários, o subsídio de doença e a pensão por invalidez ou de invalidez presumível são constituídos pelas mensalidades que lhes competem, de harmonia com a aplicação das percentagens previstas no Anexo V aos valores fixados no Anexo VI do ACTV, e uma vez que o réu garantiu ao autor o direito à melhor pensão que lhe couber, quer segundo as regras do regime geral da segurança social (no pressuposto da continuidade dos descontos para este regime) quer com base no ACTV;
- a ré não sabe se é verdade ou não que o autor possuía viatura automóvel para seu uso pessoal desde o início da sua relação laboral com a SFAC; o que sabe é que, quando a D... foi incorporada na ré, o autor tinha viatura atribuída para o serviço, tolerando a empresa que o mesmo a utilizasse também para seu serviço particular;
- tendo o autor deixado de exercer funções de chefia, nada justificava que continuasse a utilizar viatura automóvel em serviço e, por maioria de razão, para seu uso pessoal, uma vez que este uso decorria de uma mera tolerância;
- o telemóvel foi atribuído ao autor expressamente por causa das funções que ele exercia, ou seja, exclusivamente para o serviço;
- é certo que, depois, a ré não controlava se o autor também utilizava o mesmo em chamadas particulares, por tal controlo ser completamente impraticável; deixava isso à consciência do autor, sendo que, mesmo para as chamadas em serviço, havia um limite que a ré suportava e que estava associado à categoria profissional de cada trabalhador;
- porque as funções que o autor passou a desempenhar não exigem a utilização de telemóvel em serviço, o mesmo foi-lhe retirado;
- o cartão de crédito de que o autor dispunha, com um plafond mensal de € 125,00, não era para ele pagar despesas pessoais, pois, mesmo dentro desse limite, ele só podia pagar despesas de representação pessoal impostas pelo exercício do cargo, designadamente recepções, refeições, viagens, alojamentos, transportes e ofertas, não podendo ser utilizado em despesas que não pudessem ser levadas a custos pela ré;
- de qualquer modo, ainda que o autor tivesse o direito que invoca, estaria a abusar desse direito.

O autor respondeu à contestação, reafirmando e reforçando a posição assumida na petição inicial.

A ré requereu o desentranhamento da resposta à contestação, mas esse requerimento não foi objecto de qualquer despacho.

Realizado o julgamento e dadas as respostas aos quesitos, foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente.

O autor recorreu impugnando a matéria de facto e a decisão de mérito e suscitando a questão prévia da repetição do julgamento, por deficiência na gravação, mais concretamente por não terem sido gravados os depoimentos de duas testemunhas.

O Tribunal da Relação do Porto considerou que a falta de gravação constituía uma nulidade processual e que a mesma tinha sido tempestivamente arguida e ordenou que os autos baixassem à 1.ª instância, para que, aí, se conhecesse da aludida nulidade e para que os depoimentos em causa fossem repetidos, caso a nulidade viesse a ser deferida.

A 1.ª instância julgou procedente a nulidade e ordenou a repetição dos depoimentos das duas testemunhas em causa, mas a sua inquirição veio a ser considerada inútil, pelo facto de, no início da audiência, as partes terem acordado nas respostas a dar aos quesitos a que as mesmas tinham sido indicadas.

Proferida nova sentença, a acção voltou a ser julgada totalmente improcedente.

Mantendo o seu inconformismo, o autor interpôs recurso impugnando as respostas dadas aos quesitos 2.º, 6.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 19.º a 26.º, inclusive, e insurgindo-se contra a decisão de mérito, mas o Tribunal da Relação do Porto julgou a apelação totalmente improcedente.

De novo irresignado, o autor interpôs recurso de revista, tendo concluído a sua alegação da seguinte forma:
1- O recurso tem como alvo o acórdão proferido pela secção social do Tribunal da Relação do Porto que, nos termos dele constantes, confirmou na integralidade a sentença do Tribunal do Trabalho do Porto que julgou improcedente a acção interposta pelo recorrente.
2 - O recorrente subscreve [sic]o âmbito do presente recurso [à]:
i) ilegalidade da alteração salarial;
ii) ilicitude da sua reclassificação profissional;
iii) existência de danos morais (na sequência da errada classificação profissional);
iv) utilização do telemóvel, da viatura automóvel e do cartão de crédito.
3 - No ponto 1, alínea b) do pedido conclusivo da PI, foi escrito: 1 - Ser a Ré condenada a reconhecer as seguintes condições de trabalho do A.: B - que a remuneração base do A. é de 3.129,96 € mensais.
4 - Até 14/1/2003, era de 3.129,96 €, a qual a Ré, unilateralmente, decompôs em salário base – € 1.337,00 – e complemento de retribuição – € 1.792,06 –, com prejuízos evidentes para o trabalhador.
5 - Esta alteração é ilegal e as instâncias deveriam ter-se pronunciado sobre tal questão, reconhecendo que o A. tem direito a receber um salário base de € 3.129,96, com efeitos retroactivos ao mês de Janeiro de 2003.
6 - A posição do trabalhador na organização da empresa em que presta a sua actividade define-se através do conjunto de serviços e tarefas que formam o objecto da prestação laboral.
7 - A essa posição corresponde a categoria do trabalhador, a qual traduz o status do trabalhador na empresa, determinado com base numa classificação normativa e em conformidade com a natureza e espécie das tarefas por ele efectivamente realizadas no exercício da sua actividade laboral.
8 - A categoria corresponde ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou pelo contrato de trabalho ou pelas alterações decorrentes da sua dinâmica. Corresponde a uma determinação qualitativa da prestação de trabalho contratualmente prevista. É o que se chama de categoria contratual ou categoria-função.
9 - Por exprimir a posição contratual do trabalhador, a categoria profissional é objecto de protecção legal e convencional; assim, o empregador não pode baixar a categoria do trabalhador.
10 - Assim, uma vez atribuída ou reconhecida determinada categoria ao trabalhador, o empregador deve logo pô-lo a executar as tarefas inerentes a essa categoria, e, igualmente deve o empregador pagar toda a retribuição correspondente a essa categoria.
11 - Dos factos tidos como provados e com interesse para a decisão, no que respeita à categoria profissional do recorrente, [relevam os seguintes]:
i) exerceu funções de Responsável de Departamento (B dos factos assentes),
ii) de Director financeiro (1996) - KK -
iii) e de Director de Operações (1999) - MM.
iv) O A. é economista - K.
v) Chefiava 8 a 10 pessoas - LL,
vi) Tinha como funções analisar processos de concessão de crédito e conferi-­los, e controlo dos serviços pós-venda - NN;
vii) Em Janeiro de 2003, o B...passou-o para a “área de apoio”, com a categoria de Técnico de Grau II - M
viii) Depois das negociações – finais de 2002 –, o A. foi para a central de balanços da direcção de riscos de crédito - TT.
ix) O A., actualmente, introduz dados no sistema informático do banco - EE.
x) O A. tem a remuneração mensal ilíquida base de 1.337,90 €, acrescida de 1.792,06 €, a título de complemento de retribuição, e de 7,52 € de subsídio de almoço - I.
12 - Assim, as tarefas desempenhadas pelo A., até o B...assumir a relação laboral, eram de elevada complexidade e responsabilidade, incluindo a chefia de um equipa.
13 - Após a transferência para a Ré, o Autor foi colocado a exercer meras e simples funções de introdução de dados no sistema informático do Banco.
14 - Como resulta da matéria de facto referida, as funções de coordenação e chefia eram inerentes à categoria profissional do A., sendo elas o núcleo fundamental da sua categoria, e que a caracterizavam e diferenciavam das restantes.
15 - Com a assunção por parte da recorrida da relação laboral com o autor, este foi encarregado de funções administrativas, tecnicamente irrelevantes, sem controlo e direcção sobre qualquer outro funcionário, atribuindo-lhe a (errada) classificação (de acordo com o ACTV) de Técnico de Grau II, ficando o A. limitado a actividades de menor relevo.
16 - De acordo com o ACTV aplicável, o Técnico Grau II tem como funções: “O que, podendo supervisionar técnicos de grau igual ou inferior, elabora pareceres, estudos, análises e projectos de natureza técnica e/ou científica que fundamentam e apoiam normalmente as decisões de órgãos executivos da instituição”.
17 - Como resulta dos factos provados e assentes, nem o conteúdo funcional desta categoria o A. desempenha, uma vez que se limita a introduzir dados no sistema informático, conjuntamente com estudantes, contratados em part-time.
18 - O artigo 22.º da LCT (correspondente ao art° 122.º, al. e), do actual Código do Trabalho) determinava que o trabalhador tem o direito e deve exercer uma actividade profissional correspondente à categoria para que foi contratado.
19 - E, embora se reconheça que qualquer empresa tem o direito de reestruturar os seus serviços de harmonia com os fins que se propõe, com vista à obtenção de melhores resultados na sua exploração, a verdade é que não o pode fazer à custa da alteração, para menos, das categorias dos trabalhadores que nela exercem a sua actividade.
20 - Assim, e no caso da operação de fusão/aquisição, por parte da Ré, da empresa a que anteriormente o A. se encontrava vinculado, o trabalhador deveria ser colocado em cargo equivalente ao que vinha exercendo, não sendo permitido que, daquela reestruturação, resulte uma despromoção.
21 - Ora, no caso dos autos, a Ré ao retirar ao Autor as funções de direcção e coordenação, levou a cabo uma efectiva e real despromoção, desrespeitando, assim o direito que lhe assistia, nos termos do artigo 59.º da CRP dos artigos 19.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º e 43.º da LCT e dos art.os 122.º, al. e), e 313.º do Código de Trabalho.
22 - Com a colocação do Autor a exercer as actividades da categoria de técnico grau II, a Ré promoveu uma clara e efectiva despromoção do Autor.
23 - A Ré deve ser condenada a encontrar, dentro daquele ACTV, a categoria que mais se adeqúe às aptidões e preparação profissional do apelante, de forma a que se não infrinja o disposto nas disposições legais citadas.
24 - Essa categoria (analisado o ACTV), atendendo à experiência profissional, formação académica e vencimento do trabalhador, não pode deixar de ser a de Chefe de serviço, divisão, secção.
25 - Independentemente de não existir correspondência exacta entre as funções anteriormente desenvolvidas pelo A. (Director Financeiro) com as previstas no ACTV aplicável à relação laboral, o A. não pode estar limitado ao trabalho eminentemente administrativo de introduzir dados no sistema informático do banco.
26 - O A. requereu na P.I.: "Ser a Ré condenada no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais liquidada em 15.000,00 €, por violação do conteúdo funcional efectivo da categoria profissional do A., conforme descrito nos anos 28° a 46° do petitório".
27 - As situações descritas nos factos assentes causaram na esfera patrimonial do recorrente danos de natureza não patrimonial que devem ser indemnizados.
28 - O A. requereu a condenação da Ré a repor o status quo ante, também em relação à utilização da viatura automóvel, telemóvel e cartão de crédito.
29 - O A. peticionou o pagamento de uma indemnização de 10.691,00 € (até 14/5/2004), pelos prejuízos sofridos pela não atribuição da viatura automóvel, e a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização diária de 22,46 €, após 15/5/2004, até à colocação à disposição do recorrente de um automóvel.
30 - Quanto à utilização do telemóvel e cartão de crédito, o autor requereu que o B...fosse condenado a reconhecer “que o A. tem direito à atribuição e uso de um telemóvel para uso total, sem qualquer limite de utilização" e "que o A. tem direito à atribuição de um cartão de crédito emitido pela Ré, para utilização em despesas, com o limite mensal de 125,00 €”, condenando-se a Ré a atribuir, nas condições referenciadas, um telemóvel e um cartão de crédito ao trabalhador.
31 - O recorrente peticionou a condenação da Ré no pagamento das quantias pecuniárias referentes aos prejuízos verificados na sua esfera patrimonial pela não utilização do telemóvel e do cartão de crédito.
32 - A retribuição compreende a remuneração base e todas as demais prestações periódicas e regulares, em dinheiro ou espécie, pagas pelo empregador ao trabalhador, em virtude da existência da relação laboral.
33 - Nos autos, a colocação de uma viatura automóvel, de um telemóvel e de um cartão de crédito, por parte do empregador, à disposição do trabalhador, aqui autor, nas circunstâncias e pelo tempo decorrido, traduz um verdadeiro direito do autor a tal beneficio que não pode deixar de constituir elemento da sua retribuição.
34 - Como ficou provado, o A., desde sempre, quanto ao automóvel (1990), e, desde 1995, quanto ao cartão de crédito e telemóvel, de forma regular e continuada, tinha atribuído tais complementos retributivos.
35 - Assim, a atribuição e utilização pelo autor de viatura automóvel, telemóvel e cartão de crédito da Ré, nas circunstâncias provadas nos autos, integra o conceito de retribuição e como tal deve ser considerado.
36 - Assim, a sentença deveria ter reconhecido a pertinência de todos os pedidos formulados pelo A. a respeito da viatura automóvel, telemóvel e cartão de crédito.

A ré contra-alegou defendendo a confirmação do julgado e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no mesmo sentido, em “parecer” a que as partes não reagiram.

Colhidos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos que, sem qualquer impugnação, vêm dados como provados pela Relação são os seguintes:
A) O A. foi contratado pela P... Investimentos, SGPS, S. A., em 12 de Dezembro de 1990.
B) Para, com início na mesma data, desempenhar as funções de Responsável de Departamento.
C) Em 22 de Fevereiro de 1999, operou-se a fusão (por incorporação) da P... SFAC e da P... Investimento, SGPS, na E..., passando a sociedade a denominar-se B...– Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S. A..
D) No ano 2000, a B...– Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S.A., transferiu toda a sua actividade para o Banco B..., S. A..
E) Em Novembro de 2001, a B...– Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S. A., passou a designar-se D... – Investimentos Estratégicos, SGPS, S. A., e o seu objecto social passou a ser a gestão de participações sociais noutras sociedades.
F) O A. foi sucessivamente transferido e permaneceu, até Setembro de 2001, como funcionário da (re)denominada D..., S. A.
G) Em 4 de Setembro de 2002, o Conselho de Administração do B..., SGPS, S.A., procedeu à reestruturação de todo o grupo B..., incluindo-se a fusão, operada em 19/12/2002, por incorporação, da D... e da B...Ventures, SGPS, S.A., no B...– SGPS, S.A., sociedade que, no mesmo acto, procedeu à alteração a designação para Banco B..., S. A..
H) O A. novamente acompanhou tal movimentação societária sendo, actualmente, funcionário do Banco B..., S. A..
I) Com a remuneração mensal ilíquida base de € 1.337,90, acrescida de € 1.792,06, a título de complemento de retribuição, e de € 7,52 de subsídio de almoço.
J) À relação laboral dos autos é aplicável o Acordo Colectivo de Trabalho Vertical outorgado entre as Instituições de Crédito, parabancárias ou similares e, entre outros, e o Sindicato dos Bancários do Norte, em 13 de Julho de 1984 – BTE, 1.ª série, n.º 28, de 19/7/1984 e sucessivas alterações.
K) O A. é economista, licenciado pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.
L) O Autor nasceu em 13 de Julho de 1945.
M) Em 24 de Janeiro de 2003, a Ré comunicou ao A. a sua reclassificação profissional, atribuindo-lhe a categoria de Técnico de Grau II, com o nível 12, sendo integrado na Direcção de Recursos Humanos – Área de Apoio, onde iniciou funções em 28/1/2003, reportando-se directamente ao Director Central – Dr. BB.
N) O A. passou a estar abrangido pelo regime de segurança social próprio dos trabalhadores bancários, por aplicação do ACTV mencionado em J), passado a Ré a efectuar todas as retenções devidas à CAFEB e ao SAMS.
O) O Autor reclamou de tais alterações, em 11/5/2003, invocando à Ré a sua preocupação com o risco de diminuição do valor da pensão de reforma.
P) Ao que a Ré respondeu em 26/5/2003, assegurando a manutenção dos direitos do A. em sede de reforma.
Q) Em 21/8/2003, o Autor reclamou pela sua recategorização como Técnico de Grau II (anteriormente Director de Departamento).
R) E da sua situação de "quase" inocupação efectiva desde 20/12/2002, altura em que foi colocado nos quadros da Ré.
S) Em 7 de Outubro de 20003, o Autor requereu a intervenção do Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários, por aquilo que entendia ser a sua despromoção e inocupação efectiva.
T) Em 12/11/2003, a Ré voltou a reafirmar ao A. a justiça da sua reclassificação e da manutenção dos seus direitos de pensionista.
U) O A., desde 1995, tinha atribuído pela Ré um telemóvel e um cartão, este último com o limite mensal de € 125, 00.
V) Em 17/10/2001, a Ré deu instruções ao A. para entregar o telemóvel, o que este cumpriu.
W) Em 17/02/2003, a Ré deu instruções ao A. para devolver o cartão de crédito, o que este cumpriu.
X) Quando a D... foi incorporada na Ré, o A. tinha atribuído o uso de uma viatura de serviço.
Y) O B...responsabilizava-se pelos custos com a manutenção, combustível e seguro obrigatório e de danos próprios do veículo que o Autor usava.
Z) O Autor usufruiu de tal viatura durante os 365 dias do ano, incluindo o período pos--laboral, férias, fins-de-semana e períodos de doença.
AA) O Autor reclamou pela retirada pela Ré do que se refere nas alíneas U), X), V), W) e Z), o que fez através das cartas de fls. 19 e 20 e 22.
BB) A Ré respondeu a tal reclamação nos termos da carta de fls. 23 e 24.
CC) A Ré, em matéria de reforma, garantiu ao Autor o direito à melhor pensão que à situação coubesse, quer calculando-a com base nas regras do regime geral de segurança social, e assumindo que não houve interrupção de descontos para este regime, quer com base no ACTV para o Sector Bancário.
DD) As funções de Director de Departamento exercidas pelo Autor foram-no enquanto esteve ao serviço das SFACs que foram integradas no Banco - (resposta ao quesito 1.º da Base Instrutória).
EE) Actualmente, o Autor desempenha funções de introdução de dados no sistema informático do Banco - (resposta ao quesito 2.º da Base Instrutória).
FF) O Autor passou por vários sectores - (resposta ao quesito 3.º da Base Instrutória).
GG) O Autor mostrou-se desgostoso e agastado em conversas havidas com pessoas suas conhecidas - (resposta ao quesito 6º da Base Instrutória).
HH) Desde o início da relação laboral até 24/1/2003, o A. possuía para seu uso total uma viatura automóvel classe média (cerca de € 20.000,00), ultimamente um Renault, modelo Laguna - (resposta ao quesito 16.º da Base Instrutória).
II) Quando a D... foi incorporada na aqui Ré, o A. tinha viatura atribuída para o serviço, tolerando a empresa que o mesmo a utilizasse também para seu serviço particular - (resposta ao quesito 17.º da Base Instrutória).
JJ) No Banco existe uma norma interna nos termos da qual: “A todos os elementos dos Quadros Directivos, enquanto no exercício de funções, é atribuída a possibilidade de disporem em permanência de uma viatura automóvel.”- (resposta ao quesito 18.º da Base Instrutória).
KK) A viatura tinha um valor comercial de € 20.000,00 - resposta ao quesito 19.º de acordo com o que consta da acta de fls. 463 e 464).
LL) Que amortizável em quatro anos representava um rendimento médio anual para o autor de € 5.000,00 - (resposta ao quesito 20.º, de acordo com o que consta da acta de fls. 463 e 464).
MM) A que acrescia o pagamento de prémio de seguro (todos os riscos) - (resposta ao quesito 21.º, de acordo com o que consta da acta de fls. 463 e 464).
NN) Mais tarde, a partir de meados de 1996, é que lhe foi atribuída a categoria de Director Financeiro - (resposta ao quesito 28.º da Base Instrutória).
OO) O Autor chefiava 8 a 10 pessoas - (resposta ao quesito 29.º da Base Instrutória).
PP) Com a fusão da P... com a SFAC, em Fevereiro de 1999, passou a Director de Operações, função em que chefiava uma equipa com 10 pessoas - (resposta ao quesito 30.º da Base Instrutória).
QQ) Como Director de Operações, o A. tinha por funções analisar processos de concessão de crédito e conferi-los, e controlar a pós-venda, com excepção da gestão dos incumprimentos - (resposta ao quesito 31.º da Base Instrutória).
RR) A SFAC (e depois a D...), antes da reestruturação de 2002, era uma empresa com mais ou menos 120 trabalhadores - (resposta ao quesito 32.º da Base Instrutória).
SS) O Banco era uma empresa com um universo de mais ou menos 8.000 trabalhadores - (resposta ao quesito 34.º da Base Instrutória).
TT) Na altura da integração da SFAC no Banco, foi explicado ao A. que o posto de trabalho que ele ocupava naquela empresa não tinha correspondência no Banco e que, por isso, no B..., ele apenas poderia ser reclassificado em Técnico - (resposta ao quesito 35.º da Base Instrutória).
UU) E, em finais de 2002, já depois de aturadas negociações, isso mesmo foi reafirmado ao A. - (resposta ao quesito 36.º da Base Instrutória).
VV) Tendo-se, então, chegado mesmo a gizar um processo de cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho, em que, inclusivamente, esteve a pontos de ser assinado um acordo de revogação do contrato de trabalho, em que, no fundo, se admitia isso mesmo: que, não havendo lugar para o A., no Banco, ambas as partes faziam cessar o contrato por extinção do posto de trabalho - (resposta ao quesito 37.º da Base Instrutória).
WW) Goradas as negociações referidas, o Banco colocou o A. na Central de Balanços da Direcção de Riscos de Crédito - (resposta ao quesito 38.º da Base Instrutória).
XX) O telemóvel foi atribuído ao Autor por causa das funções que exercia - (resposta ao quesito 42.º da Base Instrutória).
YY) No Banco havia um limite de valor de chamadas associado à categoria profissional de cada trabalhador - (resposta ao quesito 43.º da Base Instrutória).
ZZ) Mesmo dentro do limite que lhe estava atribuído, o A. apenas podia pagar com o cartão de crédito despesas de representação pessoal, impostas pelo exercício do seu cargo, designadamente: recepções, refeições, viagens, alojamentos, transportes e ofertas, não podendo por ele ser utilizado em despesas que não pudessem ser levadas a custos pelo Réu - (resposta ao quesito 44.º da Base Instrutória).

3. O direito
As questões suscitadas no recurso são as seguintes:
- Saber se a ré alterou ilegalmente a retribuição base do autor;
- Saber se o autor foi correctamente reclassificado pela ré;
- Saber se o autor tem direito a indemnização por danos não patrimoniais;
- Saber se o autor tem direito a utilizar viatura automóvel, telemóvel e cartão de crédito.

3.1 Da alteração da retribuição base
Como resulta dos factos dados como provados, o autor foi admitido ao serviço da P... Investimentos, SGPS, S. A., em 12 de Dezembro de 1990, para desempenhar as funções de responsável de departamento. Em 22 de Fevereiro de 1999, aquela sociedade foi incorporada, por fusão, juntamente com a P... SFAC, na Eurofasc, passando esta a denominar-se de B...– Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S. A.. Em Novembro de 2001, a B...– Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S. A., passou a designar-se D... – Investimentos Estratégicos, SGPS, S. A.. O autor, acompanhando as referidas transformações, passou a ser trabalhador da D.... Em Setembro de 2002, o grupo B...foi objecto de uma reestruturação e, em consequência dessa reestruturação, em 19 de Dezembro de 2002 a D... foi incorporada no B...– SGPS, S. A., que, por sua vez, passou a designar-se por Banco B..., S. A. Acompanhando estas novas transformações, o autor passou, então, a ser trabalhador do Banco B..., S. A., ora ré.

Na versão do autor, aquando da sua incorporação na ora ré, a sua retribuição base, ao serviço da D..., era de € 3.129,96 mensais e a ré teria alterado unilateralmente essa retribuição decompondo-a em duas parcelas: uma no montante de € 1.337,90 que designou de retribuição base e outra no montante de € 1.792,06 que apelidou de complemento de retribuição.

Segundo o autor, a aludida alteração é ilegal e causa-lhe prejuízos vários. Daí ter pedido que a ré fosse condenada a reconhecer “que a remuneração base do A. é de 3.129,96 € mensais”.

Na decisão recorrida esta pretensão do autor não foi atendida com a seguinte fundamentação:
«Trata-se de saber se ocorreu a alteração (redução) salarial, pois o A. formulou na petição inicial o pedido de condenação da R. a reconhecer que a remuneração base dele é de € 3.129,96 mensais.
A tal propósito encontra-se apenas provado o seguinte:
I) - Com a remuneração mensal ilíquida base de 1.337,90 €, acrescida de 1.792,06 € a título de complemento de retribuição e de 7,52 € de subsídio de almoço.
Ora somando as verbas parcelares a quantia global reclamada e nada mais se tendo provado, não se descortina o alcance do pedido formulado, tanto mais que as verbas parcelares são ambas retribuição à luz do disposto no Art.º 82.º da LCT, directamente ou por presunção e o facto dado como assente corresponde ao alegado pelo A. no art.º 9.º da petição inicial, não tendo ele provado quaisquer prejuízos derivados da decomposição da quantia de € 3.129,96 em € 1.337,90 e € 1.792,06, como ele refere nos artigos 25.º e 26.º do seu articulado, mas sem alegar os factos correspondentes e, muito menos, sem os provar.
Improcedem, destarte, as conclusões 3.ª a 5.ª da apelação

No recurso de revista, o autor continua a bater-se pela procedência do referido pedido. Vejamos se lhe assiste razão.

E, à primeira vista, poder-se-ia dizer que a razão não estaria do lado do autor, uma vez que da factualidade dada como provada não consta que ele auferisse ao serviço da D... € 3.129,96 mensais de retribuição base, nem consta que a ré tivesse procedido à alteração daquela retribuição nos termos por ele alegados, sendo que sobre o autor recaía o ónus de provar esses dois factos, por serem constitutivos do direito que com base neles invocou (art.º 342.º, n.º 1, do C.C.).

E essa foi a posição assumida pela Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, no seu douto “parecer”.

Acontece, porém, que, na contestação, a ré não pôs em causa o valor da retribuição base que o autor alegou auferir nem questionou a alteração salarial por ele alegada. Limitou-se a justificar por que procedeu a tal alteração.

Por força das alterações societárias por que passou a entidade empregadora do autor, diz a ré na contestação, este deixou de estar inscrito no regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, por legalmente ter passado a estar inscrito na Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB) e a beneficiar do regime de segurança social dos bancários, tal como previsto no ACTV respectivo e, consequentemente, a ré teve de adaptar o “Recibo de Remunerações” a esta nova realidade, uma vez que, no regime dos bancários, os descontos para a CAFEB incidem sobre a totalidade da retribuição e os descontos para os SAMS e para o Sindicato só incidem sobre a retribuição correspondente ao nível salarial em que o trabalhador está colocado e sobre as diuturnidades a que o mesmo tem direito. Foi por isso, acrescentou a ré, que, no recibo de retribuição, se autonomizou, na retribuição global do A., a parte correspondente à retribuição do nível, a que se chamou de “Retribuição Base” (€ 1.337,90), da parte restante, a que se chamou “Retribuição Complementar Fixa” (€ 1.792,00), sendo que dessa decomposição nenhum prejuízo resultou para o autor, uma vez que, no sistema de segurança dos bancários, o subsídio de doença e a pensão de invalidez ou de invalidez presumida (vulgo pensão de reforma) é constituído pelas mensalidades que lhe competem, de harmonia com a aplicação das percentagens previstas no Anexo V aos valores fixados no Anexo VI do respectivo ACTV, e uma vez que o réu tinha garantido ao autor o direito à melhor pensão que lhe couber, quer segundo as regras do regime geral da segurança social (no pressuposto da continuidade dos descontos para este regime) quer com base no ACTV. E mais alegou que tal modus faciendi traz benefícios para o autor, pelo facto de serem menores os descontos para os SAMS e para o Sindicato.

Perante a posição assumida pela ré, os factos em questão (o montante da retribuição base que era auferida pelo autor e a decomposição de que a mesma foi alvo por parte da ré) deviam ter sido incluídos no rol dos factos admitidos por acordo, nos termos dos artigos 490.º, n.º 2, e 508.º, n.º 1, al. e), do CPC.

Não foi isso, porém, o que aconteceu. Os factos em questão não ficaram a constar do elenco dos factos admitidos por acordo nem foram incluídos na base instrutória, sendo que os mesmos são essenciais para ajuizar do mérito da pretensão do autor, agora em apreço, o que justificaria a remessa do processo ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto, nos termos do art.º 729.º, n.º 3, do CPC.

Acontece, porém, como já foi referido, que não vem questionado que a retribuição base do autor quando foi integrado na ré era de € 3.129,96 e que esta, unilateralmente, decompôs essa retribuição em duas parcelas, uma no montante de € 1.337,90, que designou de retribuição base, e outra no montante de € 1.792,06, que apelidou de complemento de retribuição, não se justificando, por isso, a remessa do processo ao tribunal recorrido, para a ampliação da matéria de facto.

E sendo assim, o que importa averiguar é se era lícito à ré proceder à dita decomposição da retribuição base, levando-se em conta a legislação em vigor à data em que aquela decomposição foi efectuada, ou seja, a legislação que precedeu o Código do Trabalho.

E à primeira vista poder-se-ia dizer que a conduta da ré nada teve de ilícito, uma vez que o montante da retribuição global do autor não foi alterado: as duas parcelas em causa têm natureza remuneratória e a soma das mesmas perfaz exactamente o montante da retribuição base que era auferida pelo autor (€ 3.129,96).

E esta foi a posição assumida pela Relação, mas tal posição não merece o nosso apoio.Vejamos porquê.

Nos termos do art.º 82.º, n.º 2, do regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48,409, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), “[a] retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie”.

Ao contrário do que acontece com o actual Código do Trabalho que, no seu art.º 250.º, n.º 2, al. a), define a retribuição base como sendo “aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido”, a anterior legislação era omissa acerca do conceito da retribuição de base, mas já então se entendia que a remuneração de base correspondia ao montante fixo auferido pelo trabalhador, com exclusão das outras prestações pagas pelo empregador como contrapartida do trabalho, ainda que regulares e periódicas (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Abril 2002, p. 549), e que a mesma era um componente essencial da retribuição.

E a razão de ser da importância da retribuição base resulta não só do facto de ser um componente certo da retribuição, mas também por servir de base ao cálculo de outros complementos remuneratórios e até indemnizatórios (v. g., para o cálculo do trabalho suplementar, do trabalho em dias de descanso e da chamada indemnização de antiguidade devida, por ex., nos casos de despedimento ilícito).

A propósito do princípio da irredutibilidade da retribuição contido no art.º 21.º, n.º 1, al. c), da LCT (transposto para o art.º 122.º, n.º 1, al. d), do actual Código do Trabalho), a doutrina e a jurisprudência têm vindo a admitir que a estrutura salarial possa ser, em princípio, unilateralmente alterada pelo empregador, mediante a supressão de algum componente, a mudança da frequência de outro, ou, ainda, a criação de um terceiro, desde que o valor total da retribuição não seja diminuído (vide Ac. STJ de 20.11.2003, Proc. n.º 2170/03, da 4.ª Secção, e Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, I, 9.ª edição, p. 414).

Entendemos, porém, que dessa alteração não pode resultar a diminuição da retribuição base, por ser o componente essencial da retribuição e pelas consequências negativas que daí poderiam resultar para o trabalhador, no que toca ao cálculo de outras prestações salariais e indemnizatórias. Pelo contrário, e como os dois autores citados referem, a modificação da estrutura da retribuição traduzir-se-á, em regra, no acréscimo da parte pecuniária fixa, ou seja, no acréscimo da remuneração de base.

Com efeito, não contendo a lei, nomeadamente a LCT, qualquer disposição que permita a diminuição da retribuição base, tem aqui plena aplicação o disposto art.º 406.º, n.º 1, do C.C., nos termos do qual “[o] contrato dever ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”.

No caso em apreço, a ré, ao alterar unilateralmente a estrutura salarial do autor, decompondo a retribuição base de € 3129,96 que ela auferia ao serviço da D... – Investimentos Estratégicos, SGPS, S. A., aquando da incorporação desta, por fusão, na ré, em duas prestações, uma no valor de € 1.337,90, que passou a designar de “retribuição base” e outra no valor de € 1.792,06, que passou a denominar de “complemento de retribuição”, acabou por reduzir substancialmente a retribuição base do autor, embora tivesse mantido o valor da retribuição global.

Tal alteração da estrutura remuneratória deve ser, por isso, considerada ilícita, o que implica a procedência do recurso, nesta parte.

3.2 Da categoria profissional
Na petição inicial o autor pediu que a ré fosse condenada a reconhecer que a sua categoria profissional é a de Director de Departamento, a que corresponde o nível 16 do IRC aplicável à relação laboral, com todas as consequências legais, nomeadamente a atribuição de funções laborais inerentes àquela categoria.

Fundamentando aquele pedido, o autor alegou que a categoria profissional de Técnico de Grau II que lhe foi atribuída pela ré, aquando da integração nos quadros da mesma, não corresponde à categoria de Director de Departamento que anteriormente sempre tinha exercido.

Na contestação, a ré reconheceu que o autor exercia ultimamente as funções de Director de Operações, chefiando uma equipa com 10 pessoas, consistindo as ditas funções na análise dos processos de concessão de crédito, conferência de processos e controlo pós- -venda, com excepção da gestão dos incumprimentos, mas que ao atribuir-lhe a categoria de Técnico de Grau II nenhum agravo fez ao autor, uma vez que este, tendo embora o título de Director, era o que se podia dizer um homem de tesouraria (fazia a contabilidade da empresa, conferia facturas e pagava as mesmas, por cheque), não sendo essas, nem de longe nem de perto, as funções de um Director de um Banco, como a ré, que nessa altura tinha mais de 800 trabalhadores. Não admira, pois, alegou a ré, que o autor, director numa empresa de 150 trabalhadores, tivesse sido reclassificado em Técnico de Grau II, aquando da integração dessa empresa na sociedade ora ré.

Na decisão da 1.ª instância entendeu-se que a reclassificação feita pela ré tinha sido correcta, uma vez que o conteúdo funcional e o estatuto da categoria de Director são totalmente diferentes numa SFAC (sociedade financeira para aquisições a crédito) e num Banco.

Por sua vez, na 2.ª instância entendeu-se que a categoria de Director de Departamento reclamada pelo autor nem sequer existia no ACTV aplicável à relação laboral em causa (o ACTV outorgado entre as instituições de crédito, parabancárias ou similares e o sindicato dos bancários do Norte e outros, celebrado em 13 de Julho de 1984, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 28, de 19.7.1984 e sucessivas alterações) e que o autor, discordando da categoria que lhe foi atribuída pela ré, “não alegou no entanto quais eram as funções que existiam no Banco R. e que deveriam corresponder às funções por si desempenhadas e que categoria profissional deveria caber a tal actividade, sendo que o ónus da prova lhe cabia”.

No recurso de revista, o autor insurge-se contra a decisão da Relação, alegando, em resumo, o seguinte:
- A questão que se coloca é a de saber se o autor, quando o B...adquiriu a SFAC, foi correctamente reclassificado;
- A posição do trabalhador na organização da empresa em que presta a sua actividade define-se através do conjunto de serviços e tarefas que formam o objecto da prestação laboral;
- A essa posição corresponde a categoria do trabalhador, a qual traduz o status do trabalhador na empresa, determinado com base numa classificação normativa e em conformidade com a natureza e espécie das tarefas por ele efectivamente realizadas no exercício da sua actividade laboral;
- A categoria corresponde ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou pelo contrato de trabalho ou pelas alterações decorrentes da sua dinâmica;
- Por exprimir a posição contratual do trabalhador, a categoria profissional é objecto de protecção legal e convencional, não podendo ser baixada pelo empregador;
- Dos factos provados resulta que as tarefas desempenhadas pelo autor, até ser integrado no B..., eram de elevada complexidade e responsabilidade, incluindo a chefia de uma equipa de 8/10 pessoas e que, após a transferência para a Ré, o autor foi colocado a exercer apenas as funções de introdução de dados no sistema informático;
- Embora se reconheça que o empregador tem o direito de reestruturar os seus serviços de harmonia com os seus objectivos com vista à obtenção dos melhores resultados na sua exploração, a verdade é que não o pode fazer à custa da alteração, para menos, das categorias dos trabalhadores;
- Assim, no caso da operação de fusão/aquisição por parte da recorrida da empresa a que o recorrente se encontrava vinculado, este deveria ser colocado em cargo equivalente ao que vinha exercendo, não sendo permitido que, daquela reestruturação, resulte uma despromoção;
- No caso dos autos, o B..., ao retirar ao recorrente as funções de direcção e coordenação, levou a cabo uma efectiva e real despromoção, desrespeitando assim o direito que lhe assistia;
- O Banco deve ser condenado a encontrar, dentro do ACTV, a categoria que mais se adeqúe às aptidões e preparação profissional do recorrente;
- Essa categoria (analisado o ACTV), atendendo à experiência profissional, à formação académica e ao vencimento do autor, não pode deixar de ser a de Chefe de serviço, divisão, secção;
- É que, independentemente de não existir correspondência exacta entre as funções anteriormente desenvolvidas pelo autor (Director Financeiro) com as previstas no ACTV aplicável à relação laboral em causa, o A. não pode estar limitado ao trabalho eminentemente administrativo de introdução de dados no sistema informático do Banco;
- O B...deveria ter encontrado categoria e funções profissionais compatíveis com as aptidões, categoria e estatuto profissional do recorrente, sob pena de as suas ordens serem, como foram, ilegais.

Estamos de acordo com o autor quando alega que da incorporação, por fusão, da empresa em que trabalhava na ré não pode resultar uma diminuição da sua categoria profissional. Na verdade, como diz Pedro Romano Martinez (ob. cit., p. 442), “o direito à categoria não pode constituir uma forma de impedir a adaptação das empresas a novas tecnologias. Não parece aceitável que uma empresa, tendo em conta a tecnologia existente numa dada altura, se celebrou contratos de trabalho que pressupunham o exercício de determinadas actividades, as quais se tornaram obsoletas em função da evolução tecnológica, não possa adaptar as actividades a novas situações, procedendo a uma reestruturação da empresa a nível, inclusive, da categoria dos trabalhadores. A adaptação pode advir igualmente de alterações jurídicas, como seja a fusão de sociedades empregadoras.”
Mas, continua aquele autor, “ao reestruturar a empresa, a entidade patronal não pode fazer retroceder o trabalhador em dois aspectos: quanto à retribuição e quanto à posição hierárquica. Isto é, não pode reduzir o salário do trabalhador, nem colocá-lo, comparativamente, numa posição hierárquica inferior.”

A LCT (aqui aplicável, uma vez que os factos em apreço ocorreram antes da publicação do Código do Trabalho) não deixa margem para dúvidas a tal respeito, ao estipular, no seu art.º 21.º, n.º 1, alíneas c) e d), que é proibido à entidade patronal “diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos na lei, nas portarias de regulamentação de trabalho e nas convenções colectivas ou, quando precedendo autorização do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, haja acordo do trabalhador”, e “baixar a categoria do trabalhador, salvo o disposto no art.º 23.º”.

No caso em apreço, por força da incorporação, por fusão, no Banco, ora ré, da empresa a que o autor estava vinculado por contrato de trabalho (a D... – Investimentos Estratégicos, SGPS, S. A.), a relação de trabalho do autor com a ré passou a ser regulamentada pelo ACTV do sector bancário, acima já referido, e, de entre as categorias profissionais previstas naquele instrumento de regulamentação colectiva, a ré devia ter atribuído ao autor a categoria que correspondesse ou que mais se aproximasse das funções que ele vinha exercendo ao serviço da D....

Na perspectiva da ré essa categoria era a de Técnico de Grau II, mas, segundo o autor, a categoria correcta seria a de Director de Departamento e, em consonância com tal entendimento, pediu que a ré fosse condenada a reconhecer-lhe essa categoria.

Acontece, porém, como bem se diz na decisão recorrida, que a categoria de Director de Departamento não consta do elenco das categorias previstas no ACTV para o sector bancário ao caso aplicável. O que daquele instrumento de regulamentação colectiva consta é a categoria de Director, mas a Relação entendeu que o leque funcional de Director de Departamento que o autor exercia anteriormente não era compaginável como tal categoria.

No recurso de revista, o autor não ataca a decisão recorrida no que toca à inexistência da categoria de Director de Departamento e a não compaginação das funções que anteriormente exercia como Director de Departamento na categoria de Director. Limita-se a alegar que a reclassificação de que foi alvo está incorrecta, que passou a desempenhar funções de natureza inferior às que vinha exercendo e a pedir que o Banco ré seja condenado a encontrar, dentro do ACTV, a categoria que mais se adeqúe às suas aptidões e preparação profissional, categoria essa que, analisado o ACTV, não pode deixar de ser, diz o A., a de Chefe de serviço, de divisão ou de secção.

Como resulta do que foi dito, o autor não atacou os fundamentos da decisão recorrida. Constatando certamente o lapso em que incorreu ao pedir o reconhecimento de uma categoria profissional não prevista no ACTV aplicável, o autor limitou-se a formular um novo pedido, de natureza genérica. Mas tal pedido, para além de ser processualmente inadmissível, por não se verificar nenhuma das situações previstas no art.º 471.º do CPC, é claramente extemporâneo, face ao disposto nos artigos 268.º, 272.º e 273.º do mesmo Código.

A improcedência do recurso é, por isso, manifesta no que toca à categoria profissional. E o mesmo acontece no que toca ao pedido de atribuição de funções inerentes à categoria profissional a que tem direito, uma vez que este pedido pressupõe que a categoria profissional já esteja reconhecida, o que no caso não acontece.

3.3 Da indemnização por danos não patrimoniais
Na petição inicial o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 15.000,00 por violação do conteúdo funcional efectivo da sua categoria profissional. Alegou a esse respeito que não exerce as funções de Director de Departamento, desde 20.12.2002, tendo sido periodicamente deslocado de sector para sector, sem atribuições concretas e definidas, em regime de semi-ocupação, sendo meramente administrativas as tarefas que lhe têm sido atribuídas e que, com tais comportamentos da ré, viu lesada a sua paz de espírito e consideração social e profissional e experimentou um episódio depressivo associado a níveis de ansiedade elevados o que o levou a recorrer a ajuda médica (psiquiatria) e ao uso de medicamentos anti-depressivos, tendo dificuldade em adormecer, vivendo em constante angústia, não tendo capacidade para explicar a familiares e amigos a retirada por parte da ré da viatura automóvel, telemóvel e cartão de crédito, que sempre lhe foram adstritos, sendo custoso deslocar-se para o trabalho, tamanha é a insignificância das tarefas que lhe são confiadas, sendo subordinado de colaboradores da ré, com vencimento, experiência e categoria profissional bastante inferiores à sua.

Os factos referidos foram levados à base instrutória, mas apenas foram dados como provados os que constam das alíneas EE), FF) e GG) da matéria de facto referida em 2, as quais correspondem, respectivamente, às respostas dadas aos quesitos 2.º, 3.º e 6.º da base instrutória. Ou seja, apenas se provou que, “[a]ctualmente, o Autor desempenha funções de introdução de dados no sistema informático do Banco”, que [o] Autor passou por vários sectores” e que [o] Autor se mostrou desgostoso e agastado em conversas havidas com pessoas suas conhecidas”.

Ora, como da factualidade provada se verifica, o autor não logrou fazer prova da existência dos alegados danos não patrimoniais. Conseguiu provar, é certo, que se mostrou desgostoso e agastado em conversas havidas com pessoas suas conhecidas, mas, se o desgosto e o agastamento podem eventualmente revestir a natureza de dano não patrimonial, a verdade é que mostrar-se desgostoso e agastado não é a mesma coisa que ter ficado desgostoso e agastado.

De qualquer modo, ainda que, in casu, se entendesse que aquele facto era susceptível de ser considerado como um dano de natureza não patrimonial e que tal dano tinha assumido uma gravidade que o tornava merecedor da tutela do direito (art.º 496.º, n.º 1, do C.C.), isso não seria suficiente para condenar a ré na peticionada indemnização, por não estar provado que o facto em questão tivesse resultado da conduta assumida pela ré relativamente à sua pessoa.

Na verdade, alegando o autor que a ré, com a sua conduta, lhe tinha causado danos não patrimoniais, sobre ele recaía, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do C.C., o ónus de provar não só a conduta imputada à ré e os danos por ele sofridos, mas também que esses danos tinham sido uma consequência directa da conduta da ré, uma vez que o nexo de causalidade adequada entre a conduta e os danos faz parte do elenco dos factos constitutivos do direito à indemnização que peticionou.

Ora, como decorre da resposta dada ao quesito 6.º, onde expressamente se perguntava se “[c]om tais comportamentos da Ré, o A. viu lesada a sua paz de espírito e a sua consideração social e profissional”, o autor não conseguiu fazer a prova do referido nexo, porquanto apenas foi dado como provado o que consta da alínea GG) dos factos, ou seja que [o] Autor se mostrou desgostoso e agastado em conversas havidas com pessoas suas conhecidas”, o que, só por si, conduziria à improcedência do recurso, nesta parte.
3.4 Do veículo automóvel, do telemóvel e do cartão de crédito
Na petição inicial o autor alegou que, desde 1995, lhe tinha sido atribuído um telemóvel e um cartão de crédito, destinando-se o telemóvel a seu uso profissional e pessoal, sem qualquer limite de utilização, tendo o cartão de crédito um limite mensal de € 125,00; que a utilização daqueles artigos integrava a sua retribuição e que os mesmos lhe foram ilegalmente retirados pela ré. E mais alegou que usufruía de uma viatura automóvel, classe média, para seu uso pessoal, com custos de manutenção, combustível e seguro a cargo da entidade empregadora, que por ele era utilizada durante os 365 dias do ano, incluindo o período laboral, as férias, fins-de-semana e períodos de doença; que tal utilização consubstanciava uma vantagem patrimonial decorrente do contrato de trabalho, e que a conduta da ré, ao notificá-lo para entregar a dita viatura, traduziu-se numa diminui da sua retribuição.

E, em consonância com o assim alegado, o autor pediu que a ré fosse condenada a reconhecer que o autor tinha direito a uma viatura automóvel, de gama média, para seu uso pessoal, responsabilizando-se a ré pelos custos de manutenção, combustível, seguro obrigatório e danos próprios, bem como à atribuição e uso de um telemóvel para uso total, sem qualquer limite de utilização e à atribuição de um cartão de crédito emitido pela ré, para utilização em despesas, com o limite mensal de € 125,00. E mais pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe os prejuízos já sofridos até 14.5.2004 pela não utilização dos referidos equipamentos (€ 10.691,00 pela não utilização do automóvel, € 800,00 pelo não uso do telemóvel e € 1.875,00 pela não utilização do cartão de crédito) e a pagar-lhe ainda, a partir daquela data e até á efectiva entrega daqueles equipamentos, a indemnização diária de € 22,46 pela não utilização do automóvel, e as indemnizações mensais de € 50,00, pela não utilização do telemóvel, e de € 125,00, pela não atribuição do cartão de crédito.

As instâncias julgaram improcedentes aquelas pretensões. Na 1.ª instância entendeu-se que a atribuição do automóvel, do telemóvel e do cartão de crédito resultava do exercício das funções e que tal utilização só perduraria enquanto o exercício daquelas se mantivesse. Na 2.ª instância entendeu-se que dos factos provados resultava que o telemóvel e o cartão de crédito eram atribuídos em razões de serviço, não podendo ser utilizados pelo autor na vida pessoal e que a utilização do automóvel na vida privada ocorria por mera tolerância da entidade empregadora, podendo ser retirado a qualquer momento, não integrando, por isso, a retribuição do autor a vantagem patrimonial que ele retirava dessa utilização.
O autor discorda da decisão recorrida, estribando-se no disposto no n.º 3 do art.º 249.º do C.T. (antigo n.º 3 do art.º 82.º da LCT), nos termos do qual, “[a]té prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador”.

Segundo o autor, compete ao empregador fazer a prova de que determinada prestação não constitui retribuição, o que no caso não teria sucedido. Vejamos se lhe assiste razão.

Nos termos do n.º 1 do art.º 82.º da LCT (lei ao caso aplicável, como já dissemos), “[s]ó se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho”. Por sua vez, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, “[a] retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa e indirectamente, em espécie ou em dinheiro”. E nos termos do n.º 3 do mesmo normativo legal “[a]té prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador”.

Na versão do autor, a natureza remuneratória da utilização do veículo automóvel, do telemóvel e do cartão de crédito resultaria de serem prestações regulares e periódicas e, ainda, da presunção legal estabelecida no n.º 3 do art.º 82.º.

Acontece, porém, que em sede da matéria de facto a ré logrou ilidir a referida presunção legal, ao ter provado que o telemóvel foi atribuído ao autor por causa das funções que exercia (alínea XX) dos factos), que o cartão de crédito só podia ser usado para pagar despesas de representação pessoal impostas pelo exercício do cargo, designadamente recepções, viagens, alojamentos, transportes e ofertas (al. ZZ) dos factos) e que o autor utilizava a viatura automóvel em serviço particular, por mera tolerância da empresa (al. II) dos factos).

Perante a factualidade referida, o telemóvel mais não era do que um instrumento de trabalho e o cartão de crédito um meio colocado à disposição do autor para fazer face despesas relacionadas com a sua actividade profissional que à entidade empregadora cumpria suportar, sendo óbvio que da utilização dos mesmos não resultava para o autor qualquer vantagem de natureza patrimonial. Não constitui, pois, uma contrapartida do trabalho prestado pelo autor, não integrando, por isso, a sua retribuição

Por sua vez, no que diz respeito ao automóvel, é óbvio que a sua utilização pelo autor na sua vida particular lhe trazia vantagens económicas, mas essas vantagens também não constituíam uma contrapartida directa do trabalho, uma vez que resultavam de uma mera liberalidade da entidade empregadora que, como tal, podia ser por ele retirada a todo o tempo, não constituindo, por isso, um componente da sua retribuição.

4. Decisão
Nos termos expostos decide-se julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente:
a) condenar a ré a reconhecer que a retribuição base do autor é de € 3.129,96, dela fazendo parte integrante não só a quantia de € 1.337,90 que lhe passou a pagar a título de retribuição de base, mas também a quantia de € 1.792,06 que lhe passou a pagar a título de “complemento de retribuição”;
b) manter a decisão recorrida quanto ao demais.
Custas, nas instâncias e no Supremo, pelo autor e pela ré, na proporção, respectivamente, de ¾ e ¼.

Supremo Tribuanal de Justiça, 24 de Setembro de 2008

Sousa Peixoto (Relator)

Sousa Grandão

Pinto Hespanhol