Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
155/16.2SLPRT-A.P1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: CRIMES DE ROUBO
ROUBO AGRAVADO
CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
MEDIDA DA PENA
PENA SUSPENSA
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA D APENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
Doutrina:
- Cristina Líbano Monteiro, A Pena “Unitária” do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, n.º 1, p. 162 e ss.;
- J. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed. Coimbra Editora, p. 524, 977, 979 e 988 ; Direito Penal, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 277, 280, 291, 344, 384 e 339;
- Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, p. 60;
- Rodrigues da Costa, O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ.
- Souto de Moura, A Jurisprudência do S.T.J. Sobre Fundamentação e Critério da Escolha e Medida da Pena, p. 6.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 71.º E 77.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 13/2016, DE 28-02-2018, PROCESSO N.º 125/97.8IDSTB-AS1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-06-2002, PROCESSO N.º 1857/02, IN SASTJ N.º 62;
- DE 11-12-2008, PROCESSO N.º 08P3632, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-03-2011, PROCESSO N.º 92-08.4GDGMR.S1;
- DE 26-03-2015, PROCESSO N.º 226/08.9PJLSB.S1;
- DE 18-02-2016, PROCESSO N.º 118/08.1GBAND.P1.S2, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-09-2016, PROCESSO N.º 71/13.0JACBR.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-11-2016, PROCESSO N.º 804/08.6PCCSC.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-12-2016, PROCESSO N.º 158/13.9T3AVR.P1.S1;
- DE 14-02-2017, PROCESSO N.º 321/16.0PCMTS;
- DE 17-05-2017, PROCESSO N.º 1262/11.3GAVNG.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-09-2017, PROCESSO N.º 85/13.0PJLRS-B.S1;
- DE 08-11-2017, PROCESSO N.º 155/16.2SLPRT;
- DE 16-02-2018, PROCESSO N.º 2118/13.0PBBRG.G1.S1;
- DE 07-03-2018, PROCESSO N.º 180/13.5GCVCT.G2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-05-2018, PROCESSO N.º 799/15.OJABRG.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 27-02-2019, PROCESSO N.º 186/05.8TASSB.S1.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 632/2008, DE 23-12-2008;
- ACÓRDÃO N.º 341/2013, PROCESSO N.º 15/13, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.
Sumário :

I - A obrigatoriedade da realização do cúmulo jurídico de penas de prisão, não exclui as que tenham sido suspensas, suspensão que pode ou não ser mantida.

II - Surgindo outras condenações por crimes que integram o mesmo concurso, resultam alterados os dados de facto em que assentou a decisão que aplicou a pena de substituição.

III - A pena extinta, não deve ser considerada no cúmulo jurídico de um concurso de crimes.

IV – A aplicação do regime penal dos jovens delinquentes, não obstante ser de conhecimento oficioso, não tem cabimento relativamente à pena conjunta.

V- O Código Penal, divergindo de ordenamentos jurídico-penais próximos, optou (por razões politico-criminais e dogmáticas) pelo sistema de pena conjunta, assente na consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente.

VI- O critério geral do artigo 71º tem de conjugar-se com o critério específico consagrado no art. 77.º, n.º 1 do Código Penal, respeitando, todavia, a proibição da dupla valoração.

VII. Se a aplicação de qualquer pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade (à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente), essa orientação deve ser especialmente ponderada quando se determina o quantum da pena conjunta.

VII- Não através de valorações ou gradações subjectivas do julgador (do que a este possa parecer a justa medida), mas somente como produto da objectiva e justificada comparação ou equivalência entre o desvalor legalmente atribuído aos factos contidos no comportamento global que sobreleva dos crimes em concurso, do número e dimensão das penas parcelares cumuladas, da gravidade da pena única e das finalidades da pena.

VIII- A finalidade politico-criminal da suspensão da execução da pena de prisão é a prevenção da reincidência.

IX- Pressuposto material é que o tribunal, apoiado nos factos, nas circunstâncias do seu cometimento, na personalidade do agente, neles revelada, nas suas condições de vida, na sua história criminal, na postura perante os crimes cometidos e o resultado destes e ainda no comportamento adotado posteriormente, possa prever, fundamentadamente, que a condenação e a ameaça de execução da prisão efectiva, são suficientes para que o arguido adeqúe a sua conduta de modo a respeitar o direito.

Decisão Texto Integral:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, acorda em conferência:


A- RELATÓRIO:

O Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do Porto - Juiz 14, por acórdão datado de 28 de novembro de 2018, efectuando o cúmulo jurídico das penas de prisão impostas ao arguido AA nos seguintes processos:

- comum coletivo n.º 321/16.0PCMTS, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal de Vila do Conde –Juiz 1, no qual foi condenado na pena única de 5 anos de prisão, com execução suspensa  por igual período, subordinada a regime de prova, pela prática de 5 crimes de roubo, em co-autoria e sob a forma consumada, ps. e ps. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal;

- comum coletivo n.º 155/16.2SLPRT, (este processo), no qual foi condenado na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo agravado, em coautoria e sob a forma consumada, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, e n.º 2, al. b), do Código Penal.

Condenou-o na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

a) o recurso:

Inconformado com a medida da pena única, interpôs recurso, para Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ao abrigo do disposto no art. 432º n.º 1 al.ª c) do Código de Processo Penal (CPP).

Remata a alegação, com as seguintes:
- CONCLUSÕES:
1. A decisão recorrida não considerou todos os elementos que militavam e militam a favor do arguido, considerou militarem contra o arguido circunstâncias que à data da prolação do acórdão eram já inexistentes e valorou de forma insuficiente elementos fulcrais para a determinação da sanção.
2. Apesar de lhe fazer referência, o tribunal recorrido, na determinação da medida concreta da pena, ignorou por completo o complemento apresentado ao relatório social elaborado.
3. Fazendo-o, o tribunal recorrido ignorou as seguintes circunstâncias que se impõe sejam julgadas como favoráveis ao arguido:
- No período compreendido entre 10.06.2016 e 15.02.2017 o arguido, na sequência de medida de coacção, reintegrou o agregado familiar de origem e após um incidente inicial apresentou sempre uma conduta adequada;
- O arguido identifica a ilicitude penal dos processos objecto do presente cúmulo;
- Em meio prisional o arguido demonstra um comportamento adequado com os normativos vigentes e beneficia de apoio clínico na especialidade de psiquiatria;
- Em meio livre o arguido beneficia do apoio do agregado familiar, interessado na reinserção do condenado.
4. Por outro lado, considerou o tribunal recorrido que a ociosidade do arguido tinha naturalmente que ser considerada contra si.
5. Ora, o arguido encontra-se recluído no Estabelecimento Prisional do Porto desde 28.05.2018, motivo pelo qual tal circunstância é absolutamente desprovida de sentido enquanto elemento a ser considerada contra si.
6. Por último, a decisão recorrida não valorou devidamente quer a idade do arguido à data da prática dos factos (apenas 19 anos de idade) quer o reduzido hiato temporal em que os factos foram praticados (10 dias).
7. Tais circunstâncias, devidamente consideradas, especialmente em conjunto com o contexto sócio-económico e pessoal do arguido à data dos factos, impunham uma decisão diversa daquela que foi proferida.
8. No plano dos factos, a decisão recorrida ignorou que os factos praticados foram-no sempre no âmbito de um grupo de pares, o mesmo é dizer que o ora recorrente foi sempre co-autor de tais factos, não tendo agido de forma isolada.
9. Tal circunstância, irrelevante no que à responsabilidade penal diz respeito, assume importância no contexto da presente decisão que visa, apenas, proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelarmente aplicadas.
10. A pena a aplicar tem assim que ser adequada e proporcional por referência a um jovem de 19 anos, que no espaço de 10 dias, num contexto sócio-económico difícil, no âmbito de uma conduta com o seu grupo de pares, praticou os factos em análise.
11. A pena a aplicar tem que ser adequada e proporcional ao acervo factual considerado como um todo, levando ainda em linha de conta aquilo que é a realidade actual do arguido, recluso há 7 meses, isto é, já em contacto com as instâncias formais de controlo e com resposta adequada a esse mesmo contacto.
12. Neste sentido, ponderados todos os elementos supra expostos, impõe-se a conclusão de que a pena única de seis anos aplicada é manifestamente exagerada, impondo-se a sua redução, para uma pena única de 5 anos.
13. Revogando-se a decisão recorrida nos termos supra expostos, impõe-se também a suspensão da execução de tal pena de prisão.
14 O arguido tem 22 anos de idade, tendo praticado os factos aqui em causa com 19 anos de idade.
15. Tem o apoio do seu agregado familiar de origem que se encontra interessado na sua reinserção, e a sua situação jurídico-penal é conhecida pela rede vicinal, sem quaisquer reacções negativas à sua presença.
16. A sua conduta no estabelecimento prisional tem sido perfeitamente adequada ao padrão normativo vigente.
17. A conduta ilícita global do arguido reconduz-se a 10 dias da sua vida, 10 dias esses com um contexto sócio-económico e pessoal muito particular.
18. Para além disso, o arguido encontra-se recluso há 7 meses.
19. Por esse motivo, a suspensão da execução da pena não se traduzirá numa mera ameaça teórica de cumprimento da pena de prisão: o arguido tem já conhecimento do que significa estar recluso.
20. Tal circunstância traduz-se numa muito maior eficácia de tal suspensão, eventualmente sujeita a um exigente regime de prova, que permita intervencionar os factores de risco identificados no complemento ao relatório social apresentado.
21. Nestes termos, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento violando, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 71º, nº 1 e nº 2, alíneas a), b), c), d) e e), bem como o art. 77º, nº 1, todos do CP, devendo ser revogada e substituída por outra que determine a aplicação da pena única de 5 anos de prisão, pena essa que, nos termos das disposições conjugadas do art. 50º, nºs 1 e 2 do CP, se impõe seja suspensa na sua execução.

b). a resposta:

O Ministério Publico na 1ª instância, respondeu, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido, esgrimindo os argumentos seguintes:

-se tivermos em consideração que, tal como resulta do Acórdão recorrido, o limite máximo das penas é de 12 anos e 5 meses e o mínimo de 3 anos e 3 meses de prisão, chega-se facilmente à conclusão de que a pena única aplicada de 6 (seis) anos de prisão nada tem de exagerado, sendo, isso sim, adequada e proporcional ao percurso criminoso evidenciado pelos diversos actos do arguido.

- não se pode deixar de sublinhar a preocupação que o Tribunal teve em não aplicar pena mais grave ao arguido pelos diversos crimes praticados, ao dizer - levando em consideração, para além do mais, a idade do arguido -, que “não terá sentido atribuir à pluralidade de crimes um efeito particularmente agravante dentro da moldura penal conjunta, pese embora não se possa deixar de ter em conta que AA tem evidenciado níveis diminutos de envolvimento e permeabilidade pessoal à intervenção técnica dos serviços de reinserção social, persistindo na situação de ociosidade, o que não pode deixar de militar contra si”.

- a atitude evidenciada pelo arguido não deixa qualquer tipo de margem a um juízo de prognose favorável.

c) parecer:

A Digna Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, na vista estabelecida no art. 416º n.º 1 do CPP, emitiu douto parecer, pronunciando-se pela improcedência do recurso com os fundamentos seguintes:
4. A pena única aplicada de 6 anos de prisão resulta do cúmulo jurídico efetuado entre as penas do processo nº 321/16.0PCMTS – de 1 ano e 10 meses de prisão por cada um dos cinco crimes de roubo imputados, e a pena aplicada no processo nº 155/16.2SLPRT do Juízo Central Criminal do Porto, de 3 anos e 3 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo agravado.
5. O recorrente alega, de entre o mais, ser exagerada tal medida da pena única aplicada, pugnando pela redução da mesma para 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, "eventualmente sujeita a um exigente regime de prova”.
Acompanhando os fundamentos aduzidos na resposta apresentada pelo MºPº em 1ª instância, junta a fls. 95 dos autos, bem assim os fundamentos aduzidos no acórdão cumulatório ora sob recurso, particularmente a fls. 81 do mesmo, afigura-se adequada e proporcional a medida da pena única fixada de 6 anos de prisão, tendo em apreciação a ilicitude global dos factos ilícitos cometidos pelo arguido e o disposto nos arts. 71º e 77º do CP.
*

Foi observado o disposto no art. 417º n.º 2 do CPP.

O recurso dirige-se contra acórdão proferido pelo tribunal colectivo que aplicou uma pena única de prisão superior a 5 anos, e visa exclusivamente o reexame de matéria de direito (arts. 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do CPP).

Nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.

B. OBJETO DO RECURSO:

O recorrente suscita as seguintes questões:

a)  Redução da medida da pena única; e

b)  Suspensão da execução da pena de prisão.


C. FUNDAMENTAÇÃO:
1. os factos:

O Tribunal colectivo julgou os seguintes:
Factos Provados:
I.
A.
No âmbito do Processo Abreviado n.º 239/16.7PFPRT, do Juízo Local de Pequena Criminalidade (J1), do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, AA foi em 28-06-2016 condenado na pena de 2 anos de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período de tempo, pela prática em 19-04-2016 de um crime de roubo agravado, em coautoria e sob a forma consumada, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, n.º 2, al. b), do C.P., por referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f), do C.P., tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 30-09-2016.
A dita suspensão foi extinta sem prorrogação ou revogação.
B.
No âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 321/16.0PCMTS, do Juízo Central Criminal de Vila do Conde (J1), do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, AA foi em 14-02-2017 condenado na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, subordinada a regime de prova, pela prática em 17-04-2016 de 5 crimes de roubo, em coautoria e sob a forma consumada, ps. e ps. pelo art.º 210.º, n.º 1, do C.P., nas penas parcelares para cada um deles de 1 ano e 10 meses de prisão, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 16-03-2017.
Na respetiva decisão foi dado como provado que no dia 17 de abril de 2016, na Rua ..., pelas 00h.40m, AA e as duas pessoas que o acompanhavam, interpelaram BB, CC, DD, EE e FF se por ali se deslocavam apeados, pediram cigarros e, ato contínuo, com vista a intimidar aqueles, um dos acompanhantes daquele exibiu um brinquedo em plástico que parecia uma arma e que trazia no interior do seu casaco.
Mais foi aí dado como provado que AA e os seus acompanhantes ordenaram àqueles BB, CC, DD, EE e FF que entregassem os seus objetos pessoais que consigo transportavam sem oferecerem qualquer resistência, tendo estes obedecido por medo, tendo desta forma sido subtraídos os seguintes objetos:
- A EE a quantia de € 23;
- A DD a quantia de € 6;
- A BB um relógio de imitação da marca Rolex, com um valor de cerca de € 15, um telemóvel com o valor de € 400 e a quantia de € 5 (a qual devolveram antes de se ausentarem do local);
- A CC um telemóvel revestido com uma capa em silicone com o valor de € 4000 e a quantia de € 10;
- A FF um telemóvel com o valor de € 200 e a quantia de € 35.
Após, AA e os seus acompanhantes colocaram-se em fuga, levando consigo os referidos objetos de que se apoderaram.
Foi ainda aí dado como provado que AA agiu da forma descrita, livre e consciente de, após ter formulado um plano com esse fim, se estar também a apropriar ilegitimamente dos objetos acima identificados, que não lhe pertenciam nem a si nem aos seus acompanhantes e bem sabia estar a fazê-lo contra a vontade dos seus proprietários, objetivo esse que só logrou atingir através da violência súbita exercida sobre aquelas pessoas, surpreendendo-os e constrangendo-os através de uma ação violenta e inesperada, incluindo mediante a utilização da sobredita “arma”, tendo conhecimento de que as condutas que ele e os seus acompanhantes protagonizaram eram proibidas e punidas por lei.
AA evidenciou níveis diminutos de envolvimento e permeabilidade pessoal à intervenção técnica, com a presença irregular e uma postura de alheamento face aos objetivos e exigências de intervenção judicial, nomeadamente no que se refere a procura de ocupação laboral ou formativa e envolvimento em contextos pró-sociais.
C.
No âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 155/16.2SLPRT, deste Juízo Central Criminal do Porto (J14), do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, AA foi em 08-11-2017 condenado na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, pela prática em 07-04-2016 de um crime de roubo agravado, em coautoria e sob a forma consumada, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, e n.º 2, al. b), do C.P., tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 22-03-2018.
Segundo a factualidade aí dada como provada no referido dia 07-04-2016, cerca das 11h.00m, no Largo da Estação, em Campanhã, nesta cidade do Porto, AA e os seus dois acompanhantes avistaram GG, que ali se encontrava e perguntaram-lhe se lhes emprestava o seu telemóvel no valor de € 209,99 para fazerem uma chamada, o que aquele recusou, tendo um dos acompanhantes daquele AA, enquanto os demais rodeavam GG, lhe encostado um canivete de características não concretamente apuradas à barriga, obrigando-o a entregar o seu telemóvel, o que este fez receando que viesse a ser agredido ou ferido com a navalha.
Mais se apurou que em poder do telemóvel AA e os seus acompanhantes abandonaram o local.
Mais foi dado como provado que AA agiu livre, deliberada e concertadamente, em conjugação de esforços, com o propósito, concretizado, de fazer também seu o telemóvel que aquele trazia consigo, objeto esse que sabia não lhe pertencer nem a si nem aos seus acompanhantes, recorrendo para o efeito à ameaça de uso violento da força física e ao uso de arma para intimidar aquele, aproveitando-se da sua superioridade numérica e da exibição da navalha, para frustrar as eventuais tentativas de impedir que o desapossassem de tal objeto, sabendo que a sua concertada e conjugada conduta era apta a causar medo e inquietação naquele e prejudicar a sua liberdade de determinação, bem como que era idónea a que este ficasse impossibilitado de resistir fisicamente e, consequentemente, se deixasse desapossar do aludido objeto que trazia.
II.
AA é o primeiro de três descendentes de uma família de condição socioeconómica desfavorecida, perturbada no seu funcionamento e estabilidade pelos comportamentos etílicos dos progenitores.
As interações familiares pautavam-se pelo clima de tensão e a hostilidade, nomeadamente no que se refere às práticas educativas e exercício da autoridade.
No sistema de ensino, as habilitações de AA não ultrapassam o 6.º ano de escolaridade, situando-se aquém do nível básico. Com uma evolução irregular, o seu percurso escolar foi pautado por desinvestimento nas atividades letivas, com elevado absentismo e experiências repetidas de insucesso.
AA aos 15 anos de idade foi colocado em contexto institucional, no âmbito de intervenção tutelar de promoção e proteção. Abandonou antecipadamente o quadro institucional aos 17 anos de idade, sensivelmente em 2012, regressando então ao agregado de origem. A sua reintegração familiar foi problemática, com notórias dificuldades de adaptação às rotinas domésticas e uma postura de desafio e oposição perante a autoridade parental. Autonomizou-se da família de origem aos 18 anos de idade, em situação de conflito e rutura relacional com os progenitores.
Em 2016 AA estava afastado do seu habitual contexto de inserção e de qualquer referência familiar, em situação de rotura com os progenitores, há cerca de dois anos. Residia na zona do grande Porto, em habitação arrendada que partilhava com amigos.
O seu quotidiano era organizado em função da ociosidade e dos interesses pessoais imediatos. Era preponderante a influência do grupo de pares, igualmente desvinculados de qualquer enquadramento laboral ou formativo e desprovidos de ocupação estruturada.
Na sequência da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, com início em 10-06-2016, AA reintegrou o núcleo familiar de origem, constituído pelos progenitores, o pai com 54 anos de idade e a mãe com 42 e pelos irmãos, de 19 e 11 anos de idade, e aí se mantendo até 15-02-2017.
A habitação, de tipologia 3 e construção recente, tem uma renda mensal na ordem dos 180 euros e está inserida em bairro social camarário. Os recursos económicos são provenientes da atividade laboral da progenitora, que trabalha numa empresa de prestação de serviços de limpeza, mediante um salário de € 700 por mês. Acresce o subsídio de desemprego atribuído ao progenitor, no montante de € 359 por mês.
A situação económica do agregado era restritiva, sendo certo que o arguido não contribuía para os recursos familiares. AA tinha rendimentos próprios incertos, decorrentes de trabalhos de tatuador que realizava no espaço doméstico, ocupação com caráter incipiente e esporádico, carecendo de regularidade.
Em meio prisional AA possui um comportamento adequado com os normativos vigentes e beneficia de apoio clinico na especialidade de psiquiatria.
AA beneficia do apoio do agregado familiar de origem, interessados na reinserção do condenado, todavia condicionado a um comportamento em conformidade com os normativos sociais vigentes.
2. O direito:
a)  enquadramento jurídico-penal:

Em recurso está acórdão cumulatório de penas de prisão, efectuado nestes autos por conhecimento superveniente de um concurso de cinco crimes de roubo e de um crime de roubo agravado. Após o trânsito em julgado da primeira condenação (em 30/06/2016 –proc. 7 Abreviado n.º 239/16.7PFPRT, também por um crime de roubo agravado) o arguido foi condenado em penas de prisão pela prática de outros cometidos anteriormente.

O cúmulo jurídico de penas rege-se pelas disposições dos arts. 77.º, n.º 2 e 78.º, n.º 1, do Código Penal.

A necessidade de realização de cúmulo nestas situações justifica-se porque à contemporaneidade de factos não correspondeu uma contemporaneidade processual.

O recorrente alicerça a sua pretensão em dois pilares argumentativos:

1. a pena única de seis anos aplicada é manifestamente exagerada, impondo-se a sua redução, para uma pena única de 5 anos porque o tribunal não ponderou circunstâncias que militam em seu favor, considerando outras que o desfavorecem mas não lhe podem ser imputadas;
2. impõe-se também a suspensão da execução de tal pena de prisão em razão da sua idade jovem, do apoio familiar, de os crimes terem sido cometidos em 10 dias, e de estar preso há 7 meses com comportamento normativo no estabelecimento prisional

Não questionando o concurso de crimes, nem que tenham de cumular-se juridicamente as penas, da motivação da decisão recorrida tem interesse para a questão suscitada, transcrever:
- Escolha e Medida da Sanção:
A pena única terá, considerando para o efeito as penas aplicadas parcelarmente, como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, isto é, 12 anos e 5 meses de prisão, e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, isto é 3 anos e 3 meses de prisão (cfr. art.º 77.º, n.º 1 e n.º 2 do C. P.).
Estabelecida a moldura penal do concurso, deve determinar-se a pena conjunta do concurso, dentro dos limites daquela. Tal pena será encontrada em função das exigências de culpa e de prevenção, tendo o legislador fornecido, para além dos critérios gerais estabelecidos no art.º 71.º do C. P., um critério especial: “Na determinação concreta da pena serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” (cfr. art.º 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do C.P.).
Importa pois detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre os factos concorrentes, tendo em vista a totalidade da atuação do condenado como unidade de sentido, que possibilitará uma avaliação global e a “culpa pelos factos em relação” (cfr. MONTEIRO, Cristina Líbano, in “A Pena “Unitária” do Concurso de Crimes”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, n.º 1, págs. 162 e segs).
Ora, no presente caso, pese embora os vários crimes em causa serem exatamente da mesma natureza, terem sido praticados de forma semelhante e todos dolosamente, o certo é que foram praticados num muito curto espaço de tempo, que vai de 07-04-2016 a 17-04-2016, e a que não foram alheias as condições de vida de AA na altura pautadas pelo desinvestimento escolar e familiar, inexperiência laboral, desestruturação ocupacional, convivialidade de risco e ociosidade.
Assim, tendo também em conta a idade de AA à data dos factos, afigura-se que o conjunto dos factos em apreço é ainda reconduzível a uma pluriocasionalidade ou fruto de uma multiplicidade de circunstâncias casuais ou de um particular contexto de vida de AA, de uma situação passageira que não radica na sua personalidade, que não seja um traço da sua personalidade.
Ora, assim sendo, não terá sentido atribuir à pluralidade de crimes um efeito particularmente agravante dentro da moldura penal conjunta, pese embora não se possa deixar de ter em conta que AA tem evidenciado níveis diminutos de envolvimento e permeabilidade pessoal à intervenção técnica dos serviços de reinserção social, persistindo na situação de ociosidade, o que não pode deixar de militar contra si.
Tudo ponderado julga-se adequado condenar AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

Quatro situações ocorrem no caso que, não alterando a moldura penal do concurso, convém apreciar:

i. cúmulo anterior:

O arguido foi condenado no Proc. 321/16.0PCMTS na pena única de 5 anos de prisão. Pena conjunta, tirada no Acórdão de14/02/2017, transitado em julgado em 16 de março de 2017, por ter cometido em 17/04/2017 cinco crimes de roubo, por cada um dos quais foi condenado na pena de 1 (um) ano e 10 /dez) meses de prisão.

No cúmulo jurídico de penas ora em apreço está em causa um concurso que inclui aqueles crimes e o crime de roubo agravado pelo qual foi foi condenado nestes autos. Concurso de crimes que tem de ser punido com uma única pena (artigo 77º n.º 1 do Cód. Penal), não obstante só ter sido conhecido depois de a primeira decisão condenatória se tornar definitiva. Por isso, no concurso de conhecimento superveniente, as penas parcelares englobadas naquele anterior cúmulo jurídico retomaram autonomia. No novo cúmulo jurídico, reformulando o anterior, é considerada cada uma das penas parcelares aplicadas ao arguido, pelos crimes em concurso, independentemente de terem sido, ou não, englobadas em outra pena conjunta.

Consequentemente, no vertente cúmulo jurídico, aquela pena conjunta de 5 anos de prisão deixou de existir, sendo consideradas cada uma das penas parcelares que nele tinham sido englobadas. Não subsistindo essa pena conjunta, não tem relevo para determinar a moldura mínima da pena do presente concurso de crimes.

ii. inclui pena suspensa:

Por outro lado, neste cúmulo jurídico é englobada uma pena de suspensão da execução de pena única de prisão.

A doutrina[1] e a jurisprudência[2], largamente maioritárias, consideram a suspensão, uma pena de substituição, autónoma da pena de prisão substituída.

É jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal que no cúmulo jurídico em caso de concurso superveniente de crimes, podem (devem), na formação da pena única, ser englobadas penas de prisão efetiva e penas de prisão com execução suspensa[3].

A obrigatoriedade da realização do cúmulo jurídico de penas de prisão, nos termos dos arts. 77.º e 78.º, do CP, não exclui as que tenham sido suspensas na sua execução, suspensão que pode ou não ser mantida[4].

Também o Tribunal Constitucional tomou já posição nesta questão, tendo decidido: “não julgar inconstitucional a norma constante dos arts. 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do CP, quando interpretados no sentido de ser possível, num concurso de crimes de conhecimento superveniente, proceder à acumulação de penas de prisão efectivas com penas de prisão suspensas na sua execução, ainda que a suspensão não se mostre revogada, sendo o resultado uma pena de prisão efectiva”[5].

Ao cúmulo jurídico de penas subjaz necessariamente uma pluralidade de crimes que estão, entre si, numa relação de concurso real. O concurso de crimes é necessariamente punido com uma pena única –art. 77º n.º 1 do Cód. Penal. Na medida da pena do concurso é considerado o “comportamento global”[6] fornecido pela pluralidade dos crimes que o integram.

Como se escreve no Acórdão do Tribunal Constitucional citado, o englobamento no cúmulo jurídico de conhecimento superveniente, de penas de substituição da pena de prisão aplicada na condenação tem “um fundamento válido no plano jurídico-constitucional que é o do tratamento igualitário de situações materialmente idênticas: ou seja, pretende-se tratar de igual modo as situações de concurso, quer o conhecimento do mesmo seja simultâneo ou superveniente”.

Restar à determinação da pena conjunta algum crime do concurso e a pena de prisão com que foi punido, entorse, deixando-o incompleto, o conhecimento e apreciação da dimensão e gravidade global da actividade delituosa do agente, e também da sua personalidade.

A exigência da consideração, “em conjunto, dos factos e da personalidade” não permite excluir nenhum das penas de prisão aplicadas aos crimes em concurso, tenham ou não sido substituídas.

Por sua vez, a suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto substancial a previsão de que a substituição cumpre, adequada e suficientemente, as finalidades da punição. Previsão ou “prognóstico favorável” que não pode ser uma questão de imaginação ou de fé. Tem de resultar de factos demonstrados, atinentes “à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste” –art. 50º n.º 1 do Cód. Penal. Ainda que tenham desigual densidade, concorrendo favoravelmente em determinado caso concreto, e verificado o pressuposto formal (prisão aplicada em medida até 5 anos), não deve o tribunal recusar a pena de substituição. Indiferentemente de a prisão aplicada respeitar a um só crime ou a um concurso de crimes.

A suspensão da execução da pena única, está submetida aos mesmos pressupostos. Desde logo ao pressuposto formal de a sua medida concreta não ser superior a 5 anos de prisão. Vencida esta barreira, deverá o tribunal apreciar e decidir da verificação dos pressupostos materiais, mas agora por referência aos “sentidos de vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global”[7]  e à personalidade  revelada pelo conjunto dos factos.

Surgindo outras condenações por crimes que integram o mesmo concurso, resultam alterados os dados de facto em que assentou a decisão que aplicou a pena de substituição. As novas condenações determinam “a necessária revisão da anterior decisão, cujo caso julgado está sujeito à cláusula rebus sic stantibus, conferindo a estas decisões necessariamente provisórias/intermédias/intercalares, a qualificação de uma espécie de decisões de trato sucessivo, de definição passo a passo, até à configuração definitiva, global e final”[8].

Excluindo do cúmulo jurídico um ou alguns dos crimes e respectivas penas que integram o concurso, frustra-se o conhecimento e a apreciação do “comportamento global” do agente, indispensável à determinação da pena conjunta.
iii. pena extinta:

Finalmente, exclui-se do cúmulo jurídico a pena de prisão pela prática de um dos crimes em concurso, aplicada na primeira condenação transitada em julgado em virtude de a execução ter sido suspensa e, decorrido o prazo, julgada extinta

A Lei n.º 59/2007, alterou o art. 78º n.º 1 do Código Penal eliminando a expressão “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”, e aditando o seguinte trecho: “sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.

Na génese daquele diploma está a Proposta de Lei n.º 98/X. Na Exposição de Motivos, justificando a alteração “ao nível sancionatório, prescreve-se que o conhecimento superveniente de novo crime que integre a continuação criminosa ou o concurso acarreta sempre a substituição da pena anterior, mesmo que já executada, depois de se ter procedido ao correspondente desconto, no caso de a nova pena única ser mais grave. Deste modo, assegura-se o máximo respeito pelo princípio non bis in idem, consagrado no n.º 5 do artigo 29.º da Constituição”.

Estabelece o art. 57º n.º 1 do Código Penal que “a pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação”.

À expressa vontade manifestada nos trabalhos preparatórios e à literalidade da norma, acresce ser inquestionável que pena (ou medida de segurança) cumprida[9] e pena extinta[10] são realidades jurídicas diversas na terminologia do Cód. Penal, como evidencia a leitura confrontada de várias das suas normas.

Concomitantemente, resulta do respectivo regime que a sua finalidade da suspensão da execução é precisamente a de obstar ao cumprimento da pena de prisão decretada na condenação. Não sendo revogada a suspensão, a pena é declarada extinta. Mas não se considera cumprida a pena de prisão. Por sua vez, revogada a suspensão, impõe o cumprimento da pena, sem qualquer desconto do período da suspensão que se tenha verificado, e que, muitas vezes, pode ter decorrido na totalidade. Seria um incompreensível contrasenso lógico e hermenêutico que a pena de prisão com execução suspensa se considerasse cumprida para efeitos de desconto no cúmulo jurídico de penas e já não assim quando acorre revogação da suspensão.

Na mesma linha interpretativa vai a doutrina e é nesta senda que tem caminhado a jurisprudência deste Supremo Tribunal.

Maria João Antunes pronunciando-se sobre a alteração normativa refere: “esta eliminação leva, à partida, a uma extensão dos casos de determinação da pena superveniente, sem que deva admitir-se, no entanto, uma tal determinação quando a pena anterior já esteja prescrita (artigo 122.º do CP)”.

“Se se entender que a parte final do n.º 1 do artigo 78.º do CP não é meramente redundante face ao disposto no artigo 81.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo código, tal significará que entrarão na determinação da pena única as penas já cumpridas (...), mas já não penas entretanto extintas (artigos 57.º, 43.º, n.º 6, e 59.º, n.º 3., do CP) ou prescritas”[11].”

Este Supremo Tribunal tem decidido uniformemente que “a pena suspensa já declarada extinta não deve integrar o cúmulo jurídico, já que não faz sentido integrar nessa operação uma pena substituída, quando já foi cumprida a pena de substituição[12].

Assim, embora o trânsito em julgado da condenação do arguido no NUIPC 239/16.7PFPRT encerre o ciclo temporal dos crimes que é legalmente possível englobar neste concurso, a pena de substituição ali aplicada, entretanto declarada extinta, não integra o cúmulo jurídico de penas a que se procedeu nestes autos.
iv. regime penal dos jovens:

O recorrente tinha, à data da prática dos factos, 19 anos de idade. Daí que os tribunais da condenação tenham ponderado da sua punição à luz do regime penal dos jovens.

Do acórdão proferido nestes autos (proc. 155/16.2SLPRT) em 8/11/2017, consta:

“No caso em apreço os arguidos praticaram os factos quando tinha menos de 21 anos de idade e à data da prática dos factos não tinham antecedentes criminais, mas a sua conduta posterior aos factos demonstra que os mesmos cometeram crimes de igual natureza, cuja gravidade é evidente, além de que não demonstraram em tribunal qualquer juízo de censura, relativamente aos factos.

Neste período, os arguidos não apresentam qualquer orientação por normas ou regras sociais, mantendo relações de convivialidade com conhecidos e amigos associados a práticas desviantes Assim, entende o Tribunal que a atenuação especial da pena não irá facilitar o processo de reinserção social que a própria pena visa daí a não aplicação do referido regime especial.

Do acórdão proferido no processo nº 321/16.0PCMTS, em 14/02/2017, consta:

“In casu, os arguidos, demonstram maturidade de acordo com as suas idades actuais. Tem todos consciência crítica bem clara dos factos cometidos dada a sua gravidade, como resultou da sua postura em julgamento ao confessarem os factos. Mas não terá sido um episódio único nas suas vidas, pois que a ambos os arguidos são já conhecidos antecedentes criminais. Sendo certo que o arguido HH conta com 2 condenações e o arguido AA com 1 condenação e pela prática de crimes da mesma natureza. A que acresce que em função das respectivas datas da sua prática se constata o cometimento de todos os crimes, incluindo os dos presentes autos, em datas muito próximas. Ainda assim, os arguidos, no âmbito deste processo cometeram não um – como em cada um dos processos em que sofreram outras condenações – mas 5 crimes de idêntica natureza e gravidade. Todas estas circunstâncias condicionaram também e além do mais, o próprio estatuto coactivo todos os (3) arguidos. Tudo ponderado, entendemos que cada um dos arguidos HH e AA não deverá efectivamente beneficiar da atenuação especial decorrente da aplicação deste regime especial para jovens, ainda que sem prejuízo de a sua idade e demais circunstâncias do cometimento dos crimes poder e dever ser  ponderada em sede própria e, em última instância, como atenuante geral”.

Ainda que não venha suscitada pelo recorrente, esta referência ao regime penal dos jovens enlaça-se com o momento da sua aplicabilidade e, para o que aqui importa, com a questão de saber se afastado na decisão condenatória transitada em julgado da correspondente atenuação especial das penas parcelares englobadas no cúmulo jurídico por conhecimento superveniente do concurso de crimes, permite que seja retomado (e revertido) na determinação da pena conjunta.

A jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal vai no sentido reafirmado no Ac. de 14/12/2016 (suportado em extensa enumeração de idênticos arestos): “no caso de concurso de crimes, as circunstâncias susceptíveis de justificarem a atenuação especial da pena, por aplicação quer do Regime Especial do DL 401/82, de 23-08 (cfr. o seu art. 4.º) quer do regime geral do art. 72.º do CP, actuam no momento da determinação da medida concreta de cada uma das penas singulares e não (ou também não) no momento da determinação da pena conjunta[13].

O que bem se justifica em virtude de atenuação da pena implicada no regime punitivo especial funcionar relativamente à moldura de “um facto qualificado como crime” por um jovem com idade entre 16 e 21 anos de idade. E já não sobre a moldura da pena conjunta, como também é jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal. Assim, no Ac. de 11-12-2008[14], sustentou-se que é em relação a cada um dos crimes abrangidos pelo concurso e às penas parcelares englobadas no cúmulo jurídico que se pode colocar a questão da atenuação especial “e não em relação à pena única conjunta, que não admite a atenuação especial, como o vem entendendo o STJ e resulta do art. 72.º do C. Penal, que se reporta a situações particulares em que se verificam circunstâncias que, relativamente aos casos previstos pelo legislador quando fixou os limites da moldura penal respectiva, diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, por traduzirem uma imagem global especialmente atenuada, que conduz à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa”.

“Quando se coloca a questão da determinação da pena única conjunta no concurso de infracções, já cada um dos crimes foi apreciado separadamente, com ponderação da eventual existência de circunstâncias que justificassem a atenuação especial, e é no quadro de uma moldura abstracta, mas balizada agora por penas concretas, em que já foi ponderado e eventualmente corrigida moldura penal prevista pelo legislador para cada crime, que aquela pena única é determinada. A ser diferentemente, aliás, valorizar-se-ia duplamente (isto é, na pena parcelar e na pena única) o mesmo circunstancialismo atenuativo.

Por outro lado, no caso, a denegação da atenuação especial decorrente do regime penal dos jovens foi apreciada no momento processualmente programado e aí julgada definitivamente (os acórdãos condenatórios transitaram em julgado). No vertente recurso não vem –nem poderia vir- questionada a medida de cada uma das penas parcelares ali aplicadas a cada crime do concurso. Em causa está somente a medida da pena única aplicada em acórdão cumulatório assente em factos definitivamente julgados e penas parcelares fixadas em outras decisões judiciais firmes proferidas por tribunais material e territorialmente competentes.

Destarte, a aplicação do regime penal dos jovens delinquentes, não obstante ser de conhecimento oficioso, não tem cabimento relativamente à pena conjunta.
b) critério e factores:
O recorrente alega que “a pena a aplicar tem que ser adequada e proporcional ao acervo factual considerado como um todo, levando ainda em linha de conta aquilo que é a realidade actual do arguido, recluso há 7 meses, isto é, já em contacto com as instâncias formais de controlo e com resposta adequada a esse mesmo contacto.

Neste sentido, ponderados todos os elementos supra expostos, impõe-se a conclusão de que a pena única de seis anos aplicada é manifestamente exagerada, impondo-se a sua redução, para uma pena única de 5 anos.

Vejamos então se a modelação de pena única aplicada obedeceu aos parâmetros legalmente estabelecidos.

O Código Penal, no art. 77º (regras da punição do concurso), n.º 1, dispõe:

1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. (…).

O legislador, divergindo de ordenamentos jurídico-penais próximos que optaram por sistemas que se aproximam mais da pura adição de penas (a cumprir sucessivamente, com plafonamento ou limite máximo legalmente prédeterminado) -o espanhol[15]- ou de um cúmulo material (as penas aplicadas aos crimes em concurso dão lugar a uma pena unificada), em qualquer caso também com limite definido –o italiano[16], o brasileiro[17], - ou de uma só pena -o Suíço[18]-, optou (por razões politico-criminais e de dogmática[19]) pelo sistema de pena conjunta (cada infracção é punida com a pena correspondente e as penas aplicadas ao concurso de crimes «fundem-se» numa pena única), assente na combinação dos princípios da acumulação material e do cúmulo jurídico, tendo este por base uma consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente[20].

Ao cúmulo jurídico de penas subjaz necessariamente uma pluralidade de crimes que estão, entre si, numa relação de concurso (real). No sistema do Código Penal português, a reiteração ou sucessão de infracções que podem integrar-se num mesmo concurso de crimes é interrompida e assim delimitada pelo trânsito em julgada da condenação de qualquer deles, diversamente do que sucede em outros regimes que optaram pela decisão condenatória.

A moldura penal do concurso de crimes estabelece-se de acordo com o disposto no art. 77º n.º 2 co Cód. Penal:

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

A dosimetria da pena única a aplicar (em cúmulo jurídico) ao concurso de crimes rege-se pelo segundo segmento da norma do art. 77.º, n.º 1, Código Penal, que estatui:

1 – (…) . Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Deste modo, o legislador instituiu um regime especial para guiar o juiz no procedimento conducente à fixação do quantum da pena judicial do concurso de crimes, com a indicação do iter a seguir e dos parâmetros a observar.

Na dosimetria da pena única é considerado o “comportamento global” resultante da ponderação concorrente dos “factos” perpetrados e da “personalidade” do agente revelada no seu cometimento. As regras de determinação da pena não operam aqui por referência a um qualquer dos crimes em concurso, nem a todos como se de uma unidade de sentido punitivo se tratasse, mas por referência aos factos e à pena aplicada a cada um e a todos eles[21]. É esta referenciação aos crimes do concurso e às penas parcelares que confere autonomia dogmática ao sistema da pena conjunta e o diferencia do sistema da pena unitária (ou da pena unificada).

Deste modo, a determinação da medida da pena conjunta comporta, especificidades, submetida como está a um regime especial de pena única, diverso do adotado em ordenamentos com sistemas próximos nos quais a pena judicial do concurso se obtém por absorção (dentro da moldura penal do crime mais gravemente punido) ou por exasperação (a pena mais elevada aplicável a uma das infrações do concurso é agravada em razão do número de crimes que o integram), que aparentam assentar numa operação mais simplificadamente quantificável e com maior grau de uniformização sancionatória.

No sistema do Cód. Penal português informado pelos princípios da exasperação e da cumulação e que, na expressão de J. Figueiredo Diasas nossas doutrina e jurisprudência crismam … de sistema do cúmulo jurídico[22], a moldura penal do concurso é autónoma, resultante da consideração das penas aplicadas a cada um dos crimes integrantes do concurso, tendo como limiar mínimo a pena parcelar mais elevada e como limite máximo a soma de todas as penas aplicadas.

Dentro desta moldura a fixação da pena judicial única terá de resultar da atuação conjugada do referido binómio (factos e personalidade) - art. 77.º, n.º 1, II parte, do Código Penal.

Alguma doutrina questiona a admissibilidade da valoração, na determinação da pena conjunta, de fatores que tenham servido para fixar a pena singular aplicada a cada crime.

Um deles é desde logo a culpa, não na consideração politico-criminal do legislador quando elegeu os tipos de culpa, mas já nos termos dos artigos 40º n.º 2 (em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”), e 71º n.º 1 (“a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”) que a constituem como fator determinante do limite e da medida máxima de cada pena concreta.

A doutrina maioritária[23] e a jurisprudência[24] entendem que os parâmetros contidos no art. 71º do CP – culpa e prevenção –, servem apenas de guia na operação de fixação da pena conjunta, pois os mesmos não podem ser valorados novamente sob pena de se infringir o princípio da proibição da dupla valoração, a menos que tais factores tenham um alcance diferente enquanto referidos à totalidade dos crimes. Com esta advertência parece entender-se que nada obsta a que a pena única se determine pela ponderação conjugada de factores do critério geral (enunciados no art. 71º) e do critério especial (fornecido pelo art. 77º n.º 1).

Como refere Figueiredo Dias, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 71º.º, n.º1, um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.

Mas também aqui não podem considerar-se circunstâncias que façam parte de cada um dos tipos de ilícito integrantes do concurso (proibição da dupla valoração –art. 71º n.º 2 do Código Penal).

Sustenta-se no Acórdão 14-09-2016[25], deste Supremo Tribunal: “na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele «pedaço» de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade.

É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da actividade criminosa do agente permite”.

Assim, no nosso sistema de pena única, essencial é desde logo a gravidade global dos factos. A avaliação do comportamento “unificado” pelo concurso de crimes deve assentar na ponderação conjugada do número e da gravidade das penas parcelares englobadas, da sua medida concreta e da respetiva grandeza no âmbito da moldura da pena do concurso.

Segundo J. Figueiredo Dias, na escolha da medida da pena única “tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)[26].

Critério a que o Ac. de 27/01/2016, deste Supremo Tribunal dá expressão prático-jurídica: «fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade à pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.”

Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspetiva de existência de uma pluralidade de ações puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais”[27].

Em consonância com o exposto, para encontrar o quantum da pena única, dentro da moldura aplicável, o critério geral do artigo 71º tem de ser conjugado com o critério específico consagrado no art. 77.º, n.º 1 do Código Penal, respeitando, todavia, a proibição da dupla valoração. “À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. Visão de conjunto que, todavia, não pode olvidar o número, a natureza e a medida concreta de cada pena parcelar ou então o sistema ainda que sob a terminologia da pena conjunta, seria, na realidade, o da pena unitária, em que a determinação da pena correspondente a cada um dos crimes em concurso mais não aproveitava do que para estabelecer a moldura penal do concurso.

Sem perder de vista as penas parcelares aplicadas “do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detectar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”.

“Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses factores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita”[28].

d) a pena do concurso:

No caso, o arguido cometeu em concurso real (que não questiona) 6 crimes pelos quais foi condenado, sendo:

- 5 crimes de roubo, cada um punido com a pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

- 1 crime de roubo agravado, punido com a pena de 3 anos e 3 meses de prisão;

- e, em cúmulo jurídico na pena única de 6 anos de prisão.

O acórdão recorrido adicionou à moldura mínima da pena do concurso - 3 anos e 3 meses de prisão, uma fracção correspondente a sensivelmente um terço de cada uma das 5 penas de 1 ano e 10 meses de prisão.

A “teoria” do «fator de compressão», podendo ter sentido prático e justificação em razões de certeza e segurança jurídica e de uniformidade de critérios, em casos como o dos autos em que os crimes em concurso ofendem bens jurídicos de natureza idêntica ou muito próxima (propriedade, a integridade física), ou em casos em que o bem jurídico violado plúrimas vezes é o mesmo, ou em casos de homogeneidade das penas, não é exportável para outras situações, não se podendo aceitar critérios matemáticos uniformes, alheios a uma valoração normativa dos bens jurídicos tutelados “que pode assumir uma diferença substantiva abissal consoante haja ofensa de bens patrimoniais ou de bens fundamentais, como é o caso da própria vida” ou à heterogeneidade das penas.

Na definição da pena concreta a aplicar ao concurso de crimes também “importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade bagatelar, média e grave”, em consonância com os propósitos do legislador testemunhados na «exposição de motivos» do CPP de que “convém não esquecer a importância decisiva da distinção entre a criminalidade grave e a pequena criminalidade - uma das manifestações típicas das sociedades modernas. Trata-se de duas realidades claramente distintas quanto à sua explicação criminológica, ao grau de danosidade social e ao alarme colectivo que provocam. Não poderá deixar de ser, por isso, completamente diferente o teor da reacção social num e noutro caso, máxime o teor da reacção formal.

Consequentemente, na determinação da pena conjunta, a ponderação dos crimes e das penas deve adequar-se ao tipo de criminalidade com enfase para o terrorismo, a criminalidade violenta, a criminalidade especialmente violenta e a criminalidade altamente organizada -cfr. art. 1º alªs i) a m) do CPP.

“Paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia é uma mera pluriocasionalidade”.

O “comportamento global” que preside ao cúmulo jurídico, e à aplicação da pena única, evidencia uma personalidade mais ou menos intensamente desconforme ao modo de ser suposto pela ordem jurídico-criminal. A violação, pelo agente, de vários bens jurídicos de igual importância, através da mesma ou de condutas imediatamente seguidas, exprime, geralmente e segundo as regras da lógica e da experiência comum, pluriocasionalidade criminosa. A reiteração espaçada de idênticas ou de diferentes condutas delituosas, à mesma luz, poderá evidenciar uma tendência, persistente vontade, ou carreira criminosa.

*
No acórdão recorrido entendeu-se que “o conjunto dos factos em apreço é ainda reconduzível a uma pluriocasionalidade ou fruto de uma multiplicidade de circunstâncias casuais ou de um particular contexto de vida” do arguido, “de uma situação passageira que não radica na sua personalidade, que não seja um traço da sua personalidade.
Razão pela qual se entendeu que “não terá sentido atribuir à pluralidade de crimes um efeito particularmente agravante”, sem olvidar que o arguido “tem evidenciado níveis diminutos de envolvimento e permeabilidade pessoal à intervenção técnica dos serviços de reinserção social, persistindo na situação de ociosidade”.

Em consonância fixou a pena única em medida que se aproxima do meio da moldura penal do concurso (de 3 anos e 3 meses a 12 anos e 5 meses de prisão).
e) proporcionalidade na individualização da pena

O direito penal é o garante da consolidação dos valores fundamentais reconhecidos pela comunidade. A sua função é a protecção dos bens jurídicos.

Uma vez ofendidos, impõe-se reagir de modo a restabelecer a paz jurídica, reafirmando a sua legitimação material, a sua aceitação e interiorização coletiva.

Deste modo, o parâmetro primordial do «modelo» de determinação da qualquer pena judicial é primariamente fornecido pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados, estabelecendo, em concreto, o limiar mínimo abaixo do qual se perde aquela função tutelar, isto é, a pena aplicada não alcança a necessária, suficiente e adequada “prevenção geral positiva ou prevenção de integração”.

Todavia, a absolutização desta finalidade, (da defesa da sociedade e da prevenção do crime), tendencialmente associada ao caráter mais ou menos drástico das reacções criminais, não seria compatível com a dignidade humana.

Como se testemunha na Exposição de Motivos do DL n.º 48/95 de 15/03, as molduras penais mais não são, afinal, do que a tradução da hierarquia de valores fundamentais da comunidade, onde reside a própria legitimação do direito penal.

Em perfeita consonância com o pulsar da vida, ali se adverte: “mais do que a moldura penal abstractamente cominada na lei, é a concretização da sanção que traduz a medida da violação dos valores pressupostos na norma, funcionando, assim, como referência para a comunidade”.

Assim, estabelecida a moldura penal do concurso, o primeiro e decisivo fator a considerar no procedimento de determinação da medida concreta da pena única é também o que decorre da finalidade da punição, firmado pelo legislador no art. 40.º do Código Penal: a aplicação da pena visa a protecção dos bens jurídicos violados e a ressocialização do agente (n.º 1).

Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa”.

Se a aplicação de qualquer pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade (à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente), essa orientação deve ser especialmente ponderada quando se determina o quantum da pena conjunta. Tanto porque a moldura penal resultante da pena aplicada a cada um dos crimes do concurso pode assumir amplitude enorme, e/ou atingir molduras com limiar superior muito elevado, não raro, iguais ao máximo de pena consentida, quanto porque os crimes englobados no concurso podem incluir-se apenas na pequena criminalidade, “uma das manifestações típicas das sociedades modernas”, tratando-se de uma realidade distinta da criminalidade grave, quanto à sua explicação criminológica, ao grau de danosidade social e ao alarme colectivo que provoca. Por isso, não poderá deixar de ser diferente, numa e na outra, não só a espécie como também a medida concreta da reacção formal. O legislador deixou claramente expressa a vontade de conferir tratamento distinto àquelas fenomenologias criminais, com a opção politico-criminal de tratar a pequena criminalidade preferencialmente através de medidas de diversão e consenso, acautelando-se assim os custos de uma estigmatização e de um aprofundamento da conflitualidade [29]. Neste espírito se insere o cuidado em definir legalmente o que se considera criminalidade grave –no art. 1º al.ªs i) a m) do CPP. Enquadrando-se a restante na média ou na pequena criminalidade.

A dosimetria da pena única também não pode deixar de ser orientada pela ocasionalidade ou, quando for o caso, pela acentuada inclinação revelada por certos agentes para a prática de delitos em geral ou de crimes da mesma natureza.

Orientada igualmente pela personalidade do agente mas tão-somente na justa medida revelada no cometimento dos (factos) crimes do concurso. Tomando aqui a personalidade não em razão de qualquer aspeto desvalioso do carácter ou da opção na condução da própria vida, mas apenas enquanto nela se pode radicar a responsabilidade pela decisão pessoal de violar os bens jurídicos penalmente tutelados.

Orientada ainda pela recuperação social do delinquente, não com qualquer sentido correctivo de pretensos defeitos ou desvios da personalidade, mas de o reitegrar na comunidade e aí se situar e interagir conformando a sua conduta de modo a que “não lese ou ponha em perigo bens jurídico-penais[30].

Finalmente em algumas situações –como acima se referiu- pode ter de intervir a proporcionalidade na individualização da pena conjunta, não através de valorações ou gradações subjectivas do julgador (do que a este possa parecer a justa medida), mas somente como produto da objectiva e justificada comparação ou equivalência entre o desvalor legalmente atribuído aos factos contidos no comportamento global que sobreleva dos crimes em concurso, do número e dimensão das penas parcelares cumuladas, da gravidade da pena única e das finalidades da pena.

Extrai-se do Acórdão STJ de 30/11/2016[31]:“A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global e as carateristicas da personalidade do agente nele revelado e a intensidade da medida da pena conjunta.

A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes”.

Assim, “se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta”.

“É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”.

Por outro lado, “a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que «no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada»”[32].

No mesmo sentido conclui Souto de Moura[33]: “sempre que o procedimento adoptado se tenha mostrado correcto, se tenham eleito os factores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objecto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado”.

O que bem se compreende, porque a fixação do quantum da pena concreta aplicada em cada caso não é uma operação aritmética em que os factores a ponderar possam assumir um coeficiente numérico ou uma valoração tabelada.

No Ac. nº 632/2008 de 23-12-2008, do Tribunal Constitucional, pode ler-se: “Como se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93):

«O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:

-Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);

-Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);

-Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»

A esta definição geral dos três subprincípios (em que se desdobra analiticamente o princípio da proporcionalidade) devem por agora ser acrescentadas, apenas, três precisões. A primeira diz respeito ao conteúdo exacto a conferir ao terceiro teste enunciado, comummente designado pela jurisprudência e pela doutrina por proporcionalidade em sentido estrito ou critério da justa medida. O que aqui se mede, na verdade, é a relação concretamente existente entre a carga coactiva decorrente da medida adoptada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Ou, como se disse, ainda, no Acórdão n.º 187/2001, «[t]rata-se [...] de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação 'calibrada' - de justa medida - com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis».

Sempre que tiver de convocar-se o princípio da «justa medida», impõe-se fundamentar o procedimento que conduziu à obtenção do juízo da desproporcionalidade da pena conjunta e da dimensão do correspondente excesso, enunciando o juízo comparativo efectuado e demonstrar as razões convincentes e o suporte normativo que podem justificar a intervenção correctiva e respetiva amplitude  –art. 205º n.º 1 da Constituição da República.

Intervenção corretiva necessariamente limitada pela inexistência, no Código Penal, de penas fixas, penas por degraus, ou penas com medida exata. Limitada também pela evidência de que, em muitas situações, as variáveis a ponderar se repetem ou apresentam grande similitude. Justificando-se somente perante uma análise da jurisprudência tirada em situações idênticas ou próximas daquela que estiver em julgamento no caso concreto, habilitante da formulação de um juízo onde a justa medida da pena se afirme com mais objectividade e nitidez e se possam medir e descartar diferenciações de tratamento com casos similares.
f) redução da pena única:

Vejamos, à luz do que vem de expender-se, o caso dos autos.

O concurso de crimes cometido pelo arguido inclui:

-1 crime (roubo qualificado) que pertence à categoria legal da criminalidade violenta;

-5 crimes (roubo) que pertencem à categoria legal da criminalidade especialmente violenta; e

Os crimes do concurso foram cometidos em dois momentos, com a particularidade de entre a primeira e a segunda acção naturalística terem decorrido apenas dez dias. Sendo certo que dois dias depois cometeu outro crime de roubo agravado, pelo qual foi condenado, em outro processo, na pena de 2 anos de prisão, com execução suspensa (entretanto extinta).

Neste circunstancialismo, as concretas e repetidas violações dos bens jurídicos tutelados demandam uma pena única em medida adequada e suficiente a poder reafirmar a importância e a validade das correspondentes normas, a estabilizar a confiança da comunidade e a repor o sentimento de paz jurídica e de segurança dos cidadãos.

Os factos provados, numa visão global, correspondem a um pedaço da vida do arguido, em que se tinha “afastado do seu habitual contexto de inserção e de qualquer referência familiar, em situação de rotura com os progenitores” e em que “o seu quotidiano era organizado em função da ociosidade e dos interesses pessoais imediatos. Era preponderante a influência do grupo de pares, igualmente desvinculados de qualquer enquadramento laboral ou formativo e desprovidos de ocupação estruturada”.

Não tendo à data antecedentes penais, os crimes cometidos evidenciam pluriocasionalidade. Todavia, resulta dos factos provados que adotou então um estilo de vida parasitário, sem perspectivar a estruturação de um percurso familiar e profissional socialmente integrado e contributivo. Não tivesse sido coactivamente “retirado” dessa amorfia e, evidenciam os factos, seguramente intensificava, e com fortes probabilidades, segundo as regras da experiência, agravaria a actividade delituosa, apontando no sentido de que estava a iniciar uma carreira criminosa, particularmente no crime de roubo. Circunstancialismo que exaspera as necessidades de prevenção especial de ressocialização.

Ainda em termos de reinserção revela-se preocupante o facto provado de o arguido apresentar “dificuldades de adaptação às rotinas” familiares e nunca ter exercido actividade laboral, nem ter qualquer formação profissional, não constando que, no estabelecimento prisional, esteja a habilitar-se para o exercício de uma actividade produtiva lícita ou para ser capaz de abraçar um posto de trabalho e cumprir responsavelmente as correspondentes exigências e responsabilidade.

Restituído à liberdade não tem perspetiva de qualquer oferta de emprego.

Contudo, está ainda em idade (tem 23 anos) de munir-se, querendo, de capacidades formativas que lhe permitam inserir-se no “mundo” laboral ou das actividades económicas e socialmente produtivas.

A censurabilidade ético-jurídica é elevada, tendo agido sempre com dolo direto e persistente, indiferente pela situação das vítimas.

Assim, o comportamento global consubstanciado no concurso de crimes cometimento pelo arguido, apreciado nestes autos, a personalidade neles manifestada, com a atualização constatada na audiência de julgamento, demanda uma medida da pena única que, respeitando os limites traçados pela prevenção geral de integração e pela culpa, seja suficiente e adequada a adverti-lo, séria e fortemente, instando-o a reflectir sobre o seu comportamento futuro e, ao mesmo tempo, lhe deixe escancarada a porta da reintegração na comunidade dos homens fieis ao direito.

Ponderando o circunstancialismo concreto apurado nos autos, designadamente a idade do arguido, o baixo valor das quantias, telemóveis e relógio “roubados”, de no constrangimento das vítimas não ter sido empregue violência, e levando ainda em conta o elevado “factor de compressão” adotado no acórdão recorrido, entende-se convocar o princípio da proporcionalidade[34] de modo a que não seja aplicada pena única superior àquela que é exigida para reafirmar a estabilização dos bens jurídicos ofendidos nem a que suporta a culpa do arguido, medida pela vontade, persistência e gravidade da conduta global e ainda tendo em atenção a sua relativamente fragilizada personalidade, e que no limite destas finalidades permita conter o perigo de estigmatização do condenado ou de adulteração irreversível da sua identidade humana. Em conformidade, fazendo funcionar o princípio da proporcionalidade, entende-se que é de reduzir a pena única a aplicar nestes autos ao arguido para 5 anos de prisão.

Redução apoiada ainda no princípio da proporcionalidade da pena concreta, convocando agora a interpretação de que “na formação da pena única, quanto maior é o somatório das penas parcelares, maior é o factor de compressão que incide sobre as penas que se vão somar à mais elevada, pois, se assim não fosse, muito facilmente se atingiria a pena máxima em casos em que a mesma não se justifica perante a gravidade dos factos”[35].

Consequentemente, nesta parte, concede-se parcial provimento ao recurso.

g) da pena de substituição:

O recorrente pugna ainda por que se suspenda a “execução acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social”.

Fixando-se a pena única em medida inferior a 5 anos de prisão, resulta preenchido o pressuposto formal estabelecido no art. 50º n.º 1 do Código Penal para que o Tribunal deva equacionar a suspensão da respetiva execução.

Impõe-se, por isso, averiguar se está preenchido o pressuposto material, isto é, averiguar se o tribunal pode prognosticar que a pena de substituição é adequada e suficiente para prevenir a reincidência.

A norma citada dispõe: “1- O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A finalidade politico-criminal da suspensão da execução da pena de prisão é a prevenção da reincidência.

Pressuposto material é então que o tribunal, apoiado nos factos, nas circunstâncias do seu cometimento, na personalidade do agente, neles revelada, nas suas condições de vida, na sua história criminal, na postura perante os crimes cometidos e o resultado destes e ainda no comportamento adotado posteriormente, possa prever, fundamentadamente, que a condenação e a ameaça de execução da prisão efectiva, são suficientes para que o arguido adeqúe a sua conduta de modo a respeitar o direito.

Entende J. Figueiredo Dias que “na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto”. “Como positivamente a podem influenciar circunstâncias posteriores ao facto, ainda mesmo quando elas tenham sido já tomadas em consideração em sede de medida da pena”.

Adverte que “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável –à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Já determinamos que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas também por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise”.

Este insigne Prof. rejeita que a suspensão deva decretar-se em caso de dúvida sobre o carácter favorável da prognose, ou logo que não haja razões para crer que as hipóteses de socialização serão maiores se a privação da liberdade for executada.[36].

*

Os crimes cometidos integram-se na definição legal de criminalidade violenta e criminalidade especialmente violenta.

Este tipo de criminalidade é muito frequente nos meios urbanos, gerando sentimentos de insegurança e receio entre os cidadãos.

O arguido não assumiu a responsabilização pelos factos destes autos (não prestou declarações), admitindo a co-autoria dos factos do processo n.º 321/1/16.0PCMTS.

Não reparou as vítimas nem está a fazer qualquer esforço para poder indemnizá-las, nem tão-pouco lhes pediu desculpa.

Resulta dos factos assentes que o arguido tem apenas o grau mínimo de escolarização obrigatória, está desvinculado de qualquer enquadramento profissional ou formativo, nunca ocupou um posto de trabalho, nem desenvolveu actividade económica socialmente produtiva, mantendo-se na ociosidade, sobrevivendo basicamente de expedientes e, à data dos factos, das apropriações ilícitas (“roubos”) provadas nos autos.

Resulta igualmente dos factos que manifestava dificuldades em se adaptar a rotinas, e que o seu quotidiano não tinha outra organização que não fosse em função da ociosidade e da convivialidade com o grupo de pares igualmente desvinculados de enquadramento laboral e com as mesmas problemáticas comportamentais, associadas à criminalidade.

Anteriormente à reclusão, cumpria regime de prova, começando por evidenciar níveis diminutos de envolvimento e permeabilidade pessoal à intervenção técnica com uma presença irregular nos serviços da DGRS e com uma postura de alheamento face aos objectivos da intervenção judicial, no que se refere à procura de ocupação laboral ou formativa, todavia registou progressiva adaptação.

No estabelecimento prisional, tem cumprido com as normas internas.

À data dos factos, contava 19 anos de idade, e ainda não tinha histórico penal registado. Tem agora 23 anos de idade

Decorreram 3 anos sobre a prática dos crimes e, no processo, não consta que tenha sido condenado por ter cometido outros crimes.

Os cinco crimes de roubo pelos quais foi condenado num dos processos em referência foram executados através da mesma acção naturalística, tendo sido perpetrados no mesmo local e no mesmo tempo, ainda que vitimando cinco ofendidos.

No comum coletivo n.º 321/16.0PCMTS, foi condenado, no cúmulo jurídico de cinco penas parcelares, na pena única de 5 anos de prisão, com execução suspensa por igual período de tempo, e com regime de prova, que estava a decorrer sem incidentes de monta.

A inversão do seu trajecto vivencial, possível e desejável, atenta a sua juventude, depende da vontade e da capacidade que revelar em manter uma conduta estável e da adopção de uma atitude responsável face ao seu processo de inserção, concretamente no que diz respeito à definição de um projecto de vida com investimento nas competências pessoais e profissionais e o afastamento de contextos de risco.

Assim, no concreto quadro fáctico apurado nos autos, a personalidade do arguido neles revelada e, sobretudo a sua juventude, a conduta anterior e posterior, conjugadas com a circunstância de já ter experimentando a privação da liberdade, de ter revelado evolução positiva na inserção na família natural, de aceitar as normas de conduta decorrentes do regime de prova a que já esteve submetido, e bem assim do sistema prisional onde agora está, permitem ao Tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, formulando-se um juízo de prognose no sentido de a pena suspensa, complementada com regime probatório, será adequada e suficiente para prevenir a reincidência.

Por isso, fazendo prevalecer as finalidades de prevenção especial de ressocialização, sem que resulte prejudicada a protecção dos bens jurídicos violados - atenta a medida da pena conjunta (5 anos de prisão) -, decide-se, ao abrigo do disposto no art. 50º do Cód. Penal, decretar a suspensão da execução da pena única de 5 (cinco) anos prisão aqui aplicada ao arguido, por igual período de tempo, subordinada o regime de prova, com plano de reinserção a aprovar no tribunal da 1ª instância, e que, além do mais, deve orientar-se também no sentido de inserir laboralmente o recorrente.

Assim, nesta parte, procede esta pretensão do recorrente.


IV-  DECISÃO.

Nos termos expostos, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª Secção Criminal, acorda em: --
a) concedendo provimento parcial ao recurso, reduzir a pena única em que o arguido AA, vem condenado nos autos, para 5 (cinco) anos de prisão;
b) conceder provimento ao recurso na parte em o arguido pugnava pela suspensão da execução da pena única, reduzida a 5 anos de prisão, que se decide suspender por igual período de tempo subordinada a regime de prova.
c) Restitua-se o arguido à liberdade, emitindo-se mandados de libertação.
d) Para que o arguido não fique temporariamente sem qualquer supervisão, informe-se a Direção-Geral de Reinserção Social de que o arguido passa a cumprir pena suspensa com regime de prova.

Sem custas.

Lisboa, 19 de junho de 2019

Nuno Gonçalves (relator)

Pires da Graça

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[1] J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 339 (“a suspensão da execução da pena não representa … só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma … uma pena de substituição”).
[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016 (uniformizador de jurisprudência); Ac. STJ de 28/02/2018, Proc. 125/97.8IDSTB-AS1, www.dgsi.pt/jstj.
[3] Ac. STJ de 16/022018, Proc. 2118/13.0PBBRG.G1.S1.
[4] Ac. STJ de 17/05/2017, Proc. 1262/11.3GAVNG.P1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[5] Ac. TC n.º 341/2013, proc. 15/13, 2ª sec., www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
[6] J. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, T I, 2ª ed. Coimbra Editora, pag. 977.
[7] J. Figueiredo Dias, obra citada, pag. 988.
[8] Ac. STJ de 7-03-2018, Proc. 180/13.5GCVCT.G2.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[9] Arts. 2º n.º 4, 44º n.º 3, 49º n.º 1, 61º n.º 2, 63~n.ºs 1 e 3, 64º n.ºs 2 e 3, 78º n.º 1, 81º n.º 1, poº n.º 3, 90º-G n.º 2, 90º-J n.º 3, 90-L n.º 3 e 250º n.º 6
[10] Art. 49º n.º3, 57º n.ºs 1 e 3, 59º n.º 5, 94º n.º 4, 103º n.º 1 e 250º n.º 6
[11] Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, p. 60.
[12] Ac. STJ de 26/03/2015, proc. 226/08.9PJLSB.S1; E no mesmo sentido também Acs. STJ de 06-09-2017, proc. 85/13.0PJLRS-B.S1; de 27-02-2019, proc. n.º 186/05.8TASSB.S1
[13] 158/13.9T3AVR.P1.S1 (no qual são elencados
[14] 08P3632, www.dgsi.pt.; vd. Também Ac. STJ de 20/06/2002, proc. 1857/02, SASTJ n.º 62.
[15] Código Penal: Artículo 73.: Al responsable de dos o más delitos o faltas se le impondrán todas las penas correspondientes a las diversas infracciones “ (a cumprir simultânea ou sucessivamente –art. 75).
Salvo casos especialmente previstos, o limite, judicialmente fixado, é o triplo da pena mais grave sem que possa ultrapassar 20 anos –art. 76.
 As penas que ultrapassem o plafond julgam-se extintas.
[16] Codice Penale: Art. 73 – (Concorso di reati che importano pene detentive temporanee o pene pecuniarie della stessa specie) : Se più reati importano pene temporanee detentive della stessa specie, si applica una pena unica, per un tempo uguale alla durata complessiva delle pene che si dovrebbero infliggere per i singoli reati.
Traduzindo: Se vários crimes importarem penas temporárias de prisão da mesma espécie, será aplicada uma única penalidade, por um tempo igual à duração total das penalidades que devem ser impostas para os crimes individuais.
[17] Código Penal: Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido.(…).
Art. 75 - O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos.
§ 1º - Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a trinta anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.
§ 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.
[18] Code Pénal Suisse:  Art. 49  3. Concours
1            Si, en raison d’un ou de plusieurs actes, l’auteur remplit les conditions de plusieurs peines de même genre, le juge le condamne à la peine de l’infraction la plus grave et l’augmente dans une juste proportion. Il ne peut toutefois excéder de plus de la moitié le maximum de la peine prévue pour cette infraction. Il est en outre lié par le maximum légal de chaque genre de peine.
2            Si le juge doit prononcer une condamnation pour une infraction que l’auteur a commise avant d’avoir été condamné pour une autre infraction, il fixe la peine complémentaire de sorte que l’auteur ne soit pas puni plus sévèrement que si les diverses infractions avaient fait l’objet d’un seul jugement.
[19] J. Figueiredo Dias, Direito Penal, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 280.
[20] J. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo 1ª, 2ª ed., pag. 979.
[21] J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 277.
[22] As Consequências … cit, pag, 284.
[23] Máxime: J. Figueiredo Dias e autores que cita na nota 98 da pag. 292, da ob. Citada.
[24] Máxime: Ac. STJ de 23-05-2018, 3ª sec, proc. 799/15.OJABRG.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[25] 3ª sec. Proc. 71/13.0JACBR.C1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[26] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 291.
[27] Proc., www.dgsi.pr/jstj.
[28] A. Rodrigues da Costa, “O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”.
[29] Exposição de motivos do CPP.
[30] J. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, pag. 524.
[31] Proc. 804/08.6PCCSC.L1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[32] Ac. STJ de 18/02/2016,  proc. n.º 118/08.1GBAND.P1.S2, www.dgsi.pt/jstj.
[33] A Jurisprudência do S.T.J. Sobre Fundamentação e Critério da Escolha e Medida da Pena,  pag. 6.
[34] Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Espanha “o princípio da proporcionalidade supõe a adequação da pena ao facto por que se impôs, incumbindo o juízo de proporcionalidade no início ao Legislador, e no momento da aplicação da pena ao caso concreto, ao juiz, que no infringirá a proporcionalidade na individualização das penas, se estas se acomodam às regras estabelecidas no Código Penal” .
[35] Acórdão de 16-03-2011, Proc. n.º 92-08.4GDGMR.S1, citado por A. Rodrigues da Costa, , pag. 30.
[36] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 344.