Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
036471
Nº Convencional: JSTJ00006814
Relator: ALVES PEIXOTO
Descritores: PERDÃO DE PENA
PRISÃO ALTERNATIVA DA MULTA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198304140364713
Data do Acordão: 04/14/1983
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS 1983-04-14, PÁG. 2734-2736 - BMJ Nº 326 ANO 1983 PÁG. 297
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL. DIR PROC PENAL. DIR PROC CIV.
DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 123 PAR2 PAR3.
CP82 ARTIGO 46 N3 ARTIGO 47 N3 N4.
CCIV66 ARTIGO 9 N1 N3.
CPP29 ARTIGO 668 ARTIGO 669 PAR1 PAR2.
CPC67 ARTIGO 766 N3.
DL 37386 DE 1949/04/26.
DL 38018 DE 1950/10/30.
DL 40184 DE 1955/06/03.
DL 47702 DE 1967/05/15.
DL 371/77 DE 1977/09/05.
L 17/82 DE 1982/07/02 ARTIGO 1 P Q ARTIGO 5 N4.
Sumário :
"O perdão referido nas alineas a) a c) do n. 1 do artigo 2 da Lei n. 3/81, de 13 de Março, abrange as penas de prisão aplicadas em alternativa das de multa".
Decisão Texto Integral:
Acordam no plenario do Supremo Tribunal de Justiça:

O Senhor Procurador-Geral adjunto da Relação de Lisboa recorreu para o pleno do Acordão de 28 de Outubro de 1981, que, confirmando despacho proferido no 1 Juizo de Policia, declarara perdoados, face ao artigo 2, n. 1, alinea b), da Lei n. 3/81, de 13 de Março, 4 dias de prisão que A ia cumprir como alternativa de 600 escudos de multa.
Disse estar em oposição com o de 24 de Junho do mesmo ano e da mesma Relação que, revogando despacho do Tribunal de Cascais, decidira não abranger o mencionado preceito o dia de prisão a expiar por Pedro Alexandre como alternativa de 125 escudos de multa.
Realmente a secção criminal achou os julgados opostos, dai resultando o prosseguimento dos autos com vista ao representante do Ministerio Publico junto do Supremo, que aderiu a segunda posição.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.
Começaremos pela existencia da oposição, ja que o ponto de vista da secção pode aqui não merecer acolhimento (artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil, aplicavel por força dos artigos 668 e 669 e seus paragrafos unicos do Codigo de Processo Penal).
Não e esse, porem, o caso.
Os acordãos supracitados debruçaram-se efectivamente sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja a de saber se as penas de prisão a que aludem as alineas a), b) e c) do n. 1 do artigo 2 da Lei n. 3/81 abrangem ou não as que o artigo 123 do Codigo Penal de 1886 criou como alternativa das de multa.
E fizeram-no no dominio da mesma legislação, precisamente esses dois preceitos.
A situação de facto em que se apoiaram, era no que interessava ao desfecho, muito semelhante - em ambos os casos os transgressores não pagaram as multas e havia sido ordenada a sua prisão por se mostrarem inviaveis a execução e a substituição por trabalho.
Deram finalmente soluções opostas: o de Junho decidiu que a mencionada Lei não abrangia a pena de prisão quando alternativa de multa, ao passo que o de Outubro foi pela inversa.
E tambem pela afirmativa que vamos, tantas e tão valiosas são as razões que lhe assistem.
Desde logo, a letra da lei que, como sabemos, e o ponto de partida de qualquer trabalho interpretativo (artigo 9, n. 1, do Codigo Civil). As tais alineas do n. 1 do artigo 2 da Lei n. 3/81 falam genericamente de penas de prisão, sem distinguir as principais das alternativas.
E o legislador, ao usar tal expressão, alias de utilização corrente, não podia ignorar que, ha relativamente pouco tempo, se servira dela para designar a dita alternativa. Pena de prisão lhe chamou no relatorio do Decreto-Lei n. 371/77, de 5 de Setembro, assim como nos paragrafos 2 e 3 do artigo 123 do Codigo Penal de 1886 (nova redacção).
Portanto, se quisesse excluir esta pena do perdão, te-lo-ia dito. Porque não o fez, teremos, em principio, de pensar que preferiu o englobamento. "Na fixação do alcance da lei, o interprete presumira que o legislador soube exprimir-se em termos adequados" (artigo 9, n. 3, do Codigo Civil).
Para nos decidirmos por tal sentido englobante, muito concorre ainda o tratamento que ao problema foi dado no Codigo Penal de 1982 e principalmente na Lei n. 17/82, de 2 de Julho. O n. 3 do artigo 47 daquele diploma la volta a falar na pena de prisão aplicada em alternativa e o n. 4 do artigo 5 deste ultimo veio dizer expressamente que nas penas de prisão referidas no n. 1 (correspondente a igual numero do artigo
2 da Lei n. 3/81) estavam abrangidas as penas de prisão previstas no apontado artigo 123.
Em qualquer das duas leis, não ha palavras ou preceito que inculquem para a mesma expressão - penas de prisão - ambitos diferentes, o que permite tomar a segunda como, de certo modo, interpretativa da primeira.
E ao afirmarmos a similitude dos diplomas, estamos ja a combater os argumentos em que se apoia a doutrina contraria.
Diz ela que a Lei n. 3/81, para perdoar a prisão de alternativa, teria logicamente de perdoar a multa de que e o anverso. Diz ainda que, se nas alineas h) e l) do artigo 1 a palavra "prisão" e empregada no sentido restrito de pena principal, não iria, logo adiante, te-lo por mais largo.
Finalmente, uma pena autonoma, efectiva e actual como a prisão cominada por lei nada tem de comum com a de alternativa, sempre na dependencia da multa e meramente eventual.
A estas tres razões bastaria responder com o texto da Lei n. 17/82: esta perdoa a prisão de alternativa e não perdoa a multa; mutatis mutandis, repete nas alineas p) e q) do artigo 1 o que a antecessora dizia nas alineas h) e l) acima citadas e, todavia, logo no artigo 5 abrange as penas de prisão a do artigo 123; finalmente vai para este conceito amplo, sem mexer, como alias lhe não competia, nas caracteristicas da prisão de alternativa.
Ha, contudo, muitos outros motivos para incluir esta pena no perdão concedido pela Lei n. 3/81 e concomitantemente para invalidar a argumentação em contrario.
E, desde logo, interessante a lição do passado. Lendo-se os diplomas que, de ha 20 anos para ca, tem distribuido igual benesse, extraem-se duas conclusões: ela respeita muito mais as regras de prisão que as pecuniarias e, sobretudo, associa frequentemente as primeiras a que resulta da conversão de multas (cf. Decretos-Leis ns. 37386, 38018, 39187, 40184 e 47702, respectivamente de 26 de Abril de 1949, 30 de Outubro de 1950, 25 de Abril de 1953, 3 de Junho de 1955 e 15 de Maio de 1967).
Justifica-se a linha tradicional. Por um lado, os motivos que levam a perdoar uma pena privativa da liberdade são diversos dos que conduzem ao perdão de uma pena pecuniaria; consequentemente, não ha razão para os dois beneficios andarem juntos.
Pelo outro, apresentando a prisão de alternativa (como dantes a de conversão) os mesmos inconvenientes da prisão principal (encargos financeiros, traumatismos da personalidade , contactos indesejaveis, sofrimento ja desnecessario), não se ve por que se ha-de perdoar esta e não aquela. Dir-se-a ate que quem perdoa o mais perdoa o menos e, por regra, a prisão de alternativa e a mais curta e a mais perniciosa.
Contra esta equiparação, objecta-se com o facto de a prisão de alternativa aparecer ligada a multa, quer historicamente, quer na medida, quer na execução.
A objecção não procede.
Primeiro porque a dita ligação não lhe tira o caracter de pena privativa da liberdade, denominador comum - diz Eduardo Correia - de todas as formas possiveis de prisão (Boletim do Ministerio da Justiça, n. 146, pagina 257).
Segundo, porque a dependencia não e assim tão grande.
Começam logo ambas as penas por ter duração diferente, o que denuncia maior gravidade da prisão. Por sua vez, esta figura na norma incriminadora ao lado das outras penas, nomeadamente da multa (artigo 123 do Codigo velho e artigo 46, n. 3, do novo); alias, so desse modo se cumpriria o mandamento constitucional de se não prender ninguem sem sentença judicial e com base em acto punido por lei com pena de prisão. Por fim, a alternativa da sanção coloca-se, por conceito, a par e não abaixo das outras.
Portanto, e doutrinalmente errado considerar a prisão de alternativa como fenomeno da fase executiva.
Sucede apenas que o seu cumprimento fica dependente de uma condição suspensiva - a falta de pagamento ou resgate da multa.
Mas e no mesmo pe que fica uma prisão de execução suspensa e, todavia, nunca ninguem pensou exclui-la do perdão, ate a pretexto de assim se manter o estimulo de boa conduta. Quer isto dizer que não e aqui de invocar a força coagente da prisão de alternativa, para mais sabendo-se que a não sofrem os condenados carecidos de meios economicos (artigo 123, paragrafo 3, do Codigo Penal de 1886 e artigo 47, n. 4, do de 1982).
E o paralelo acima estabelecido afasta, outrossim, a acusação de que a pena em causa não e afectiva e actual. Se reservarmos, como parece razoavel e ja tem sido decidido, a aplicação do perdão para o momento em que se verifique a condição supra, a prisão de alternativa sera nessa altura tão certa, tão imediata e tão inexoravel como outra qualquer.
Por fim, não deixaremos de responder aos dois ultimos argumentos da doutrina contraria: o tal conceito restrito de prisão utilizado nas alineas h) e l) do n. 1 do artigo 1 da Lei n. 3/81 e o caracter excepcional das leis que concedem o perdão.
Relativamente a este, diremos que nos limitamos a fazer uma interpretação declarativa da Lei n. 3/81; mas, extensiva que fosse, ela não brigaria com a natureza da norma e ate se justificaria por favorecer o reu.
No que concerne aquele, ha duas coisas que o invalidam: a primeira, não ser de boa tecnica interpretar a regra de um instituto (o perdão) recorrendo a de outro (amnistia) inteiramente diferente; a segunda, haverem as alineas h) e l) do artigo 1 restringido o conceito de prisão (pena principal) pela aposição das palavras "com ou sem multa", que, todavia, não aparecem nas alineas a), b) e c) do n. 1 do artigo 2.
Nestes termos se lavra o assento seguinte:
O perdão referido nas alineas a) a c) do n. 1 do artigo 2 da Lei n. 3/81, de 13 de Março, abrange as penas de prisão aplicadas em alternativa das de multa.
Não e devido imposto de justiça.

Lisboa, 14 de Abril de 1983

Manuel Alves Peixoto (relator) - Rui Corte Real - Amilcar Moreira da Silva - João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Viana - Jose Fernando Quesada Pastor - Orlando de Paiva Vasconcelos Carvalho - Jose Luis Pereira - Manuel Amaral Aguiar - Manuel do Santos Carvalho - Augusto Victor Coelho - Jose dos Santos Silveira - Manuel Baptista Dias da Fonseca - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - João Fernandes Lopes Neves - Antero Pereira Leitão - Licurgo Augusto dos Santos - Manuel Flamino dos Santos Martins - Antonio Judice de Magalhães Barros Baião - Raul Jose Dias Leite de Campos - Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos -Abel Vieira de Campos Carvalho Junior - Antonio Miguel Caeiro - Avelino da Costa Ferreira Junior - Anibal Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro - Manuel dos Santos Victor (vencido pois que em nosso modo de ver o recurso não sera de admitir em virtude de, em qualquer dos arestos em processo de transgressão, so não haver recurso ordinario por motivo de alçada, o que no caso se verificou, uma vez que a multa aplicada ser de quantia inferior a 40000 escudos - artigos 646, n. 6, do Codigo de Processo Civil e 764, parte final, do Codigo de Processo Civil.
Nos dois casos se tratava de transgressores que não pagaram as multas que eram de quantitativo inferior ao referido).