Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
576/14.5TBBGC.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
INCAPACIDADE
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º, N.º 4.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º 3, 562.º, 564.º, N.º 1 E 566.º, N.ºS 2 E 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 13.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-11-2009, PROCESSO N.º 381/2002.S1;
- DE 28-10-2010, PROCESSO N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1;
- DE 20-10-2011, PROCESSO N.º 428/07.5TBFAF.G1.S1;
- DE 31-01-2012, PROCESSO N.º 875/05.7TBILH.C1.S1;
- DE 10-10-2012, PROCESSO N.º 632/2001.G1.S1;
- DE 07-05-2014, PROCESSO N.º 436/11.1TBRGR.L1.S1;
- DE 19-02-2015, PROCESSO N.º 99/12.7TCGMR.G1.S1;
- DE 06-04-2015, PROCESSO N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1;
- DE 04-06-2015, PROCESSO N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1;
- DE 28-01-2016, PROCESSO N.º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Apesar de o acórdão recorrido, ao referir-se genericamente à factualidade provada relativamente aos danos sofridos pelo autor, incluir alguns pontos que só relevam para efeitos de prova de danos não patrimoniais, a demais fundamentação da decisão demonstra que apenas foi reavaliado pela Relação o montante indemnizatório devido pelas consequências patrimoniais das lesões corporais sofridas pelo mesmo autor, pelo que a categoria dos danos não patrimoniais não foi duplamente valorizada.

II. Não merece censura o juízo equitativo da Relação por se entender que, tendo o lesado 16 anos à data do acidente e ficando a padecer de uma lesão permanente da visão, em virtude da qual lhe foi atribuída incapacidade geral permanente de 16%, é inteiramente adequado – e conforme com os parâmetros seguidos pela jurisprudência deste Supremo Tribunal – que o montante da parcela indemnizatória pela afectação da sua capacidade geral de ganho tenha sido aumentado de € 40.000,00 para € 60.000,00.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA e BB intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC, Companhia de Seguros DD, S.A., EE - Companhia de Seguros, S.A. e FF, Lda., pedindo que os RR. sejam condenados a pagar, solidariamente, a quantia de € 125.000,00 ao A. AA, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais; e, à A. BB, a quantia de € 5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; acrescidas tais quantias de juros de mora à taxa legal, contados a partir da data da citação dos RR. até efectivo e integral pagamento.

        Para tanto alegaram que sofreram danos, que discriminam, quando, em 14 de Agosto de 2011, assistiam a um espectáculo pirotécnico no âmbito de festividades da localidade de …. Aquando do lançamento do fogo-de-artifício, uma das “balonas” não foi projectada para o ar, acabando por rebentar junto ao solo e projectando estilhaços que causaram os danos cujo ressarcimento os AA. exigem.

       Contestou a R. EE, S.A. por excepção, invocando a prescrição e alegando que os danos reclamados pelos AA. não se encontram garantidos pela cobertura do contrato celebrado com a R. FF, Lda. No mais, impugnou os factos alegados.

       Contestou a R. CC, por excepção, invocando a prescrição e a sua ilegitimidade e impugnando os factos alegados. Alegou que a Comissão de Festas de que fazia parte cumpriu todas as regras de segurança e de emergência previamente estabelecidas para o lançamento do fogo-de-artifício, tendo obtido todas as licenças necessárias para o efeito.

      Contestou também a Companhia de Seguros DD, S.A., por excepção, invocando a prescrição e alegando que o acidente em causa não se enquadra nas garantias conferidas pelo contrato de seguro que celebrou com a 1.ª R.

      Finalmente contestou a R. FF, Lda., por excepção, invocando a prescrição e a sua ilegitimidade. Alegou ainda que os seus funcionários, devidamente credenciados, actuaram de acordo com todas as normas, nenhuma responsabilidade tendo a R. no acidente em causa, sendo que as “balonas” não foram por si fabricadas, mas sim por terceiro, cuja intervenção acessória provocada requereu. Requereu também a intervenção acessória provocada de seguradora com quem havia celebrado, para além do seguro obrigatório, outro seguro facultativo.

      Os AA. suscitaram a intervenção principal provocada da Comissão de Festas em Honra de Nossa Senhora do … e … do ano de 2011, o que foi deferido por despacho de fls. 261, tendo a mesma Comissão, bem como as pessoas que a integraram, apresentado contestação nos mesmos termos da 1ª R.

       Por despacho de fls. 300 foi admitida a intervenção acessória da GG - Companhia de Seguros, S.A.. e de HH - Produtos Pirotécnicos, Lda.

       Contestou a GG, S.A. por excepção, invocando a prescrição e alegando que o sinistro não se encontra coberto pelo contrato de seguro que celebrou com a 4ª R.

       Contestou também a HH, Lda., invocando a excepção de prescrição e impugnando tudo o mais.


       Teve lugar a audiência de julgamento e, no decurso desta, foi homologada a desistência do pedido contra os RR. CC, Comissão de Festas de Nossa Senhora do … do ano de 2011, II, JJ e KK, e declarados extintos os direitos que os AA. pretendiam fazer valer contra tais RR.


      A fls. 779 foi proferida sentença, com a seguinte decisão:

“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

 Absolvo os Autores da alegada excepção de prescrição.

 Condeno a ré FF, Lda. a pagar, ao Autor, a quantia de € 55 000, 00 (cinquenta e cinco mil euros) e, à Autora, a quantia de € 2 000, 00 (dois mil euros); e, solidariamente, a Ré EE, Companhia de Seguros, S. A., até ao montante de € 45 000, 00 (quarenta e cinco mil euros), sendo esta quantia devida a cada um dos Autores, na proporção dos montantes a cada um devidos; acrescendo de juros de mora à taxa legal, a contar da citação, o montante dos danos patrimoniais (€ 40 000, 00) e, a contar da prolação da sentença, o montante dos danos não patrimoniais (€ 15 000,00 e € 2 000,00), até efectivo e integral pagamento;

 Absolvo as Rés e Intervenientes do demais contra si peticionado”.


     Inconformados, tanto a R. EE – Companhia de Seguros, S.A. como o A. AA, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

      Por acórdão de fls. 940 foi mantida a factualidade dada como provada e, a final, foi proferida a seguinte decisão:

“Em face do exposto, decide-se julgar improcedente o recurso da ré “EE – Companhia de Seguros, SA” e parcialmente procedente o recurso do autor AA, revogando parcialmente a sentença, na parte em que condenou a ré “FF, Lda” a pagar ao autor a quantia de € 55.000,00, indo, em substituição, a mesma ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 75.000,00 e mantendo-se os demais termos da sentença, designadamente, quanto à condenação no pagamento à autora e quanto à condenação da ré “EE, Companhia de Seguros, SA”, solidariamente, bem como quanto aos juros de mora, devendo considerar-se como danos patrimoniais, a quantia de € 60.000,00.”


2. Veio a R. FF, Lda., interpor recurso de revista, que qualificou de revista excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

(…)

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade da revista excepcional]

3º- Nos presentes autos estava em causa, a fixação de indemnização devida ao autor AA a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do evento ocorrido, sendo que no modesto entender da recorrente, o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, ao decidir, em face dos factos provados, subir a indemnização fixada pela Ia Instancia, com os fundamentos que do douto Acórdão melhor constam duplicou a indemnização a título de danos não patrimoniais.

[bis] - Entende a aqui recorrente que as normas relativas à fixação do "quantum" dos danos patrimoniais e não patrimoniais devidos ao Autor AA, não podem ser aplicadas como foram aos factos dados como provados, sendo que os danos não patrimoniais foram duplamente considerados, avaliados e valorizados, daí o recurso à presente revista excecional.

4º- No que diz respeito ao dano não patrimonial, extrai-se da douta sentença de 1ª Instância que o "quantum" indemnizatório atribuído teve em conta os factos dados como provados, "o grau de culpabilidade do agente (mera negligência), a desconhecida situação económica da pessoa responsável pela indemnização e a do lesado e as demais circunstâncias do caso - onde relevam as lesões e sequelas sofridas, o tempo de convalescença e ainda o sofrimento físico e psíquico -, e não descurando a doutrina e a jurisprudência"

5º- E, no que se refere aos danos não patrimoniais, diz-se na mesma sentença que na falta de outro critério fiável, tem de se ater “como ponto de partida, ao salário mínimo nacional (…) que tem vigorado em Portugal (…) e considerando que o Autor nasceu em 13 de Abril de 1995 e, em 14 de Agosto de 2011, tinha 16 anos de idade e uma esperança de vida de cerca de 62 anos (78 – 16) e padece, em consequência do acidente, uma IPG de 16%, tudo ponderando, tendo ainda em apreço, como devido, o facto de receber por uma só vez o montante indemnizatório,(…), para evitar o seu enriquecimento indevido (…)com o apelo devido ao necessário juízo de equidade, se entende aqui como adequada a quantia de € 40 000, 00 (quarenta mil euros).”

6º- Julgando parcialmente procedente o recurso do autor AA e revogando parcialmente a sentença recorrida, na parte em que condenou a ré “FF, Lda” a pagar ao autor a quantia de €55.000,00, foi esta mesma Ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 75.000,00, devendo considerar-se como danos patrimoniais, a quantia de 60.000,00.”

7º- Ocorre que na modesta opinião da recorrente, não se vê razão ou fundamento para alterar a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância no que se refere ao valor que foi fixado a título de danos patrimoniais derivados da perda de ganho futuro.

8º- Ademais, a pretendida alteração da matéria de facto fixada pelo Tribunal de 1ª Instância não mereceu acolhimento do Tribunal da Relação, sendo que os factos provados que fundamentam a decisão recorrida são os constantes nos números 8 a 25 da decisão da 1ª Instância.

9º- Isto é, perante os mesmos factos provados, entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães subir a indemnização devida ao autor, alterando os valores inicialmente fixados a título de danos patrimoniais, tendo fundamentado a sua decisão, essencialmente no facto de considerar que "as sequelas de que o autor ficou a padecer, relacionadas com a sua capacidade visual, serão determinantes no desenvolvimento da sua atividade profissional e implicarão um esforço acrescido, até porque, conforme referiu o seu pai, pretende ser engenheiro …".

10º- No caso em apreço, não resultou provado que a incapacidade permanente geral - de 16% - fixada para o Autor, tivesse implicado a perda de rendimentos laborais, já que, à data do acidente não exercia qualquer atividade profissional, sendo que nada se sabe sobre o percurso académico ou profissional do Autor, concretamente entre a data do acidente- 14/08/2011 - e a data da entrada da ação em Tribunal - 22/07/2014 -, uma vez que entre uma e outra decorreram cerca de três anos.

11º- Considerando que o Autor não exercia qualquer atividade profissional, estamos perante um dano do qual não emerge qualquer perda de aquisição de rendimento. Por outro lado, resulta claramente dos factos provados que o Autor não ficou a padecer de uma incapacidade geral para o trabalho em geral, mas apenas e tão só ficou a padecer de Incapacidade geral para o trabalho de 16 pontos percentuais, que, sendo compatível com o exercício da atividade habitual, implica esforços suplementares.

12º- Estamos, assim, perante o chamado dano biológico, na perspetiva de repercussões que a incapacidade lhe poderá vir a causar o que, na expressão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009 – 298/06.OTBSJM.S.1 – “assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais ou sociais.” O Acórdão do Supremo Tribunal, de 4 de Outubro de 2005 – 05 A2167, julgou no sentido de que “o dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.”

14º- A maioria da jurisprudência, e certa doutrina, consideram o dano biológico como de cariz patrimonial. (cfr., entre outros, o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009 e os Acórdãos de 4 de Outubro de 2007 – 07B2957, de 10 de Maio de 2008 – 08B1343, 10 de Julho de 2008 – 08B2101, e de 6 de Maio de 1999 – 99B222, e Prof. Sinde Monteiro, in “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, 248).

15º- No dizer do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/10/2009, proferido no processo 560/09.0YFLSB – 1ª Secção, acessível in www.dgsi.pt) “o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral, referindo que a situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.”

16º- No caso em apreço, poder-se-á dizer que o dano biológico sofrido pelo Autor tem uma componente patrimonial, uma vez que lhe foi atribuída uma Incapacidade geral permanente de 16%, (embora compatível com o exercício da atividade habitual, implica esforços suplementares) e uma componente não patrimonial (depois do acidente o Autor tende a isolar-se, convive menos com os amigos, tem um dano estético de 1/7).

17º- Ora, o dano moral sofrido pelo Autor foi devidamente valorado e compensado pelo Tribunal de 1ª Instância ao fixar a quantia de €15.000,00, fundamentando a decisão tomada, valor este que o Venerando Tribunal da Relação entendeu manter inalterado.

18º- Contudo, no que se refere ao dano biológico, parece resultar da fundamentação da decisão recorrida que a quantia €60.000,00 atribuída ao Autor a título de dano patrimonial, não se limita ao dano biológico na sua componente patrimonial mas também na sua componente não patrimonial, quando se refere à matéria de facto provada nos números 8 a 25.

19º- Ora, os factos provados nos indicados números 8 a 25, são precisamente aqueles que foram determinantes para que o Tribunal de 1ª Instância fixasse a indemnização pelo dano não patrimonial sofrido em €15.000,00.

20º- A ser assim, não se compreende nem aceita que a decisão recorrida fundamente a alteração da indemnização pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial sem duplicar a indemnização pelo dano não patrimonial.

21º- No caso em apreço, atenta a fundamentação vertida no douto Acórdão Recorrido, somos de entendimento que se verifica duplicação do valor indemnizatório uma vez que o dano biológico na sua componente não patrimonial já havia sido fixado.

22º- Afigura-se, por isso, não existirem razões fundadas que permitam alterar a decisão tomada na 1ª instância, devendo revogar-se o acórdão proferido, que no modesto entender da recorrente violou, designadamente, o artigo 562º, o nº 2 do artigo 566º e o nº 3 do artigo 496º do CC.

23º- Assim sendo, como nos parece que é, deve ser reduzido o “quantum” indemnizatório atribuído a título de dano biológico para o valor fixado na 1ª Instância, por se considerar que o mesmo já foi integrado – na sua parte não patrimonial – no “quantum” atribuído a título de danos morais.”

Termina pedindo a revogação da decisão do acórdão recorrido e a repristinação da decisão da sentença da 1ª instância.


O A. AA contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

“ (…)

 [excluem-se as conclusões relativas à inadmissibilidade da revista excepcional]

k) O Tribunal da Relação de Guimarães decidiu nos termos em que o já tinha feito o Tribunal de 1ª instância, entendeu fixar a indemnização devida ao Recorrido a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do sinistro;

l) Não nos encontramos perante nenhuma situação de prevalência da forma sobre a substância, conforme esta configura a questão, mas sim numa questão muito mais ampla e relevante, nomeadamente a existência ou inexistência de uma condenação ao pagamento dos referidos danos em virtude da culpa pela ocorrência do sinistro;

m) A interpretação da jurisprudência na questão da relevância social do recurso de revista teria de afetar a tranquilidade e segurança no tráfego jurídico e, colocar em causa um número de pessoas e instituições cujo [o] interesse ultrapasse em grande escala o caso concreto;

n) Conclui-se também que a fixação de uma indemnização quando é arbitrada por dois Tribunais, sendo um deles um douto Tribunal Superior, nunca é feita de forma ligeira e sem fundamento jurídico-legal que o sustente;

o) O Recorrido sofreu graves lesões na sequência do sinistro, tendo o Tribunal a quo aceite a base factual e aplicado os índices indemnizatórios que considerou justos para o IPP apurado ao Recorrido;

p) Existiram e existem consequências negativas na atividade geral do Recorrido, especialmente, no que concerne com a atividade laboral, sendo jovem estas questões ainda se adensam mais, nas hipóteses de emprego futuras, oportunidades, problemas de progressão na carreira entre variadíssimas outras questões que vão surgindo quando se vive com as consequências de um sinistro como o dos autos;

q) O Recorrido foi diagnosticado com várias lesões que causaram sofrimento, um quantum doloris de 2/7, dano estético de 1/7, incapacidade de 16%, que justifica a atuação do Tribunal da Relação de Guimarães nos termos que o fez;

r) Foi atualizado o quantum indemnizatório em relação à decisão espelhada na sentença do Tribunal de 1ª instância, única diferença entre decisões é a penas a justiça do caso concreto;

s) A matéria de facto fixada em primeira instância serviu de base para que o Recorrente fosse condenado em dois graus de jurisdição diferentes, existindo uma dupla conforme que não o permitia recorrer para a o Supremo Tribunal de Justiça;

t) A incapacidade permanente parcial terá sempre reflexos na remuneração que o lesado vai deixar de auferir, porque indubitavelmente o Recorrido ficou afetado para toda a sua vida, o que se irá transpor para qualquer profissão que tenha;

u) Não há dúvida que a respetiva indemnização se enquadra nos danos patrimoniais danos futuros – a que se refere o artigo 564.º, n.º 2 do Código Civil;

v) O douto Tribunal da Relação de Guimarães, dentro dos poderes que lhe assistem apenas adequou o quantum indemnizatório nesta sede, refazendo a justiça do caso concreto para com o Recorrido;

w) A incapacidade parcial permanente, afetou a atividade laboral do Recorrido esta, representa, em si mesmo, um dano patrimonial futuro, nunca pode reduzir-se à categoria de meros danos não patrimoniais;

x) A compensação por danos não patrimoniais tem uma componente punitiva devendo, pelo seu montante, refletir o grau de censura da atuação do lesante, o que se materializou na justeza da decisão produzida pelo Tribunal da Relação de Guimarães;

y) De acordo com o teor do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães indica que “o autor tem parcialmente razão quanto à necessidade de aumentar o valor que foi fixado a título de danos patrimoniais derivados da perda de ganho futuro.”.

z) O Recorrido crê que a posição da Recorrente atenta contra os maiores valores e princípios do Direito, não podendo por isso ser aceite pelo digníssimo Supremo Tribunal de Justiça.

aa) Conclui-se que a Recorrente sabe que não lhe afigura razão na questão ora em crise, no entanto, tenta fazer entrar pela janela o que não entrou pela porta, um recurso que não deverá ser admissível com uma fundamentação débil que vai contra os elementos mais básicos de justiça jurídico-civil”

Termina invocando a inadmissibilidade da revista por falta de verificação dos pressupostos da revista excepcional e, subsidiariamente, pugnando pela sua improcedência.


3. Por acórdão de fls. 992 da formação a que alude o nº 3 do art. 672º do Código de Processo Civil, foi mandado o recurso distribuir como revista normal por não se verificar, quanto à Recorrente, dupla conforme.

Cumpre apreciar e decidir.


4. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias):

1.º - No dia 14 de Agosto de 2011, por volta das 00h10, no …, na localidade de …, em …, ocorreu um acidente provocado pela explosão de um engenho pirotécnico.

2.º - Nesse dia e nesse local, decorriam as Festas em honra de ….

3.º - As festividades incluíam o espectáculo de fogo-de-artifício e foram organizadas pela “Comissão de Festas” em Honra de ….

4.º - Dessa Comissão de Festas faziam parte a Ré CC e os Intervenientes Principais II, JJ e KK.

5.º - Para o fornecimento, preparação, montagem, manuseamento e lançamento do fogo-de-artifício, a Comissão de Festas contratou a Ré FF, Lda.

6.º - Em virtude do contrato referido em 5.º, a Ré FF, Lda. obrigou-se a fornecer 40 unidades de balonas de tiros, com calibre máximo de 75mm, 25 unidades de balonas de tiros e cores, com calibre máximo de 75mm, 36 unidades foguetes de tiros, com calibre máximo de 75mm, 12 unidades de vulcões tiros e cores, com calibre máximo de 30mm, 30 candelas romanas, de calibre máximo de 30mm e 40 unidades de festivais pirotécnicos, de calibre máximo de 25mm, num total de matéria activa de 12 kg.

7.º - Aquando do lançamento do fogo-de-artifício, uma das balonas não foi projectada para o ar, acabando por rebentar junto ao solo e projectando estilhaços.

8.º - Os Autores, mãe e filho, foram atingidos pelos estilhaços que lhes provocaram danos e demandaram a necessidade de cuidados médicos de emergência, tendo sido encaminhados para o Centro Hospitalar de ….

9.º - O Autor AA teve, num momento posterior, de ser encaminhado com urgência para o Hospital de … no Porto.

10.º - Os estilhaços projectados, em virtude do rebentamento do engenho explosivo, causaram no Autor AA lesões no olho direito.

11.º - O Autor deu entrada no Hospital de …, no Porto, com edema na palpebral, com fragmentos de cinzas e queimaduras cutâneas na borda palpebral superior e inferior, hemorragia subconjuntival, queimaduras e hiperemia, queratite ponteada, hiperemia com efeito de Tyndall.

12.º - O fundo do olho direito revelava midríase, hemorragia subretiniana macular, palidez retiniana com isquemia marcada na periferia nasal e hemorragia vítrea periférica inferior.

13.º - Já em …, no dia 20-10-2011, o Autor foi observado pelo Professor LL do Hôpital MM, no serviço de cirurgia oftalmológica, que lhe diagnosticou um buraco macular, bem visível no fundo do olho.

14.º - Em 27-01-2012, o Autor AA foi observado pelo Professor NN, no serviço de oftalmologia do Hospital … que confirmou as lesões referidas em 13.º.

15.º - O Autor ficou a padecer de escotoma central do olho direito.

16.º - A capacidade visual do Autor jamais voltará a ser a mesma.

17.º - O Autor AA nasceu a 13 de Abril de 1995.

18.º - Até à data do acidente, o Autor era um jovem alegre, sociável, bem disposto, calmo e tranquilo.

19.º - Depois do acidente tende a isolar-se.

20.º - Convive menos com os amigos.

21.º - O acidente causou-lhe dor e perturbação.

22.º - O Autor AA ficou com uma incapacidade temporária geral entre 14 de Agosto de 2011 e 24 de Setembro de 2102.

23.º - As quais lhe demandaram um quantum doloris de 2 numa escala de 0 a 7.

24.º - E um dano estético de 1/7.

25.º - O Autor, que ainda não trabalha, ficou com incapacidade geral permanente de 16%, que, sendo compatível com o exercício da actividade habitual, implica esforços suplementares.

26.º - Os estilhaços causaram à Autora BB lesões no braço (cotovelo esquerdo), que lhe demandaram tratamento e dores.

27.º - A Ré FF, Lda. estava credenciada para lançamento de foguetes e fogo-de-artifício, com a credencial n.º … emitida pelo Ministério da Administração Interna.

28.º - E dispunha de seguro de responsabilidade civil por danos causados pelo lançamento do sobredito material pirotécnico.

29.º - E incumbiu os técnicos OO e PP para procederem à preparação, montagem, manuseamento e lançamento do fogo-de-artifício.

30.º - Os quais foram certificados e credenciados pela sociedade ré, para o exercício dessas funções e, consequentemente, dirigiram e controlaram o espectáculo em apreço.

31.º - Uma vez que, eram eles que tinham os conhecimentos técnicos e as habilitações legais para preparar, montar, manusear e proceder ao lançamento do fogo-de-artifício.

32.º - A Comissão de Festas certificou-se que estes profissionais estavam técnica e legalmente habilitados a proceder à montagem e lançamento do fogo-de-artifício que iria abrilhantar as festividades.

33.º - A Ré CC e a Comissão de Festas delimitaram com fitas vermelhas e brancas o local onde o público podia assistir ao espectáculo do fogo-de-artifício.

34.º Impondo uma distância ao público, através dessas fitas delimitadoras, de, pelo menos, 60 metros.

35.º - Os autores, quando foram atingidos pelos estilhaços, encontravam-se para lá da distância referida em 34.º.

36.º - A Ré CC e a Comissão de Festas diligenciaram e garantiram, no local, a presença dos Bombeiros Voluntários e de elementos da protecção civil.

37.º - A Comissão de Festas, obteve a “Licença para o lançamento de fogo-de-artifício”.

38.º - Obteve “licença especial de ruído”.

39.º - A Comissão de Festas celebrou com a Ré DD seguro de responsabilidade civil, por danos causados a terceiros pelo lançamento do fogo-de-artifício, titulado através da apólice ….

40.º - Para vigorar no período compreendido entre o dia 13/08/2013 e o dia 14/08/2013.

41.º - Dispõe o artigo 1.º das condições especiais da apólice, referida em 38.º, “Este contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade que ao abrigo da lei civil seja imputável ao Segurado no decurso do lançamento de foguetes e fogo de artificio, aéreos ou presos, pelo número de dias e no local identificados na Parte I das Condições Particulares da Apólice”.

42.º - Nos termos das Condições Particulares da apólice referida em 38.º, a responsabilidade da Ré DD está limitada ao capital seguro de € 30 000, 00 (trinta mil euros) por lesado, por sinistro e por período anuidade ou período da apólice.

43.º - Ficou contratualmente estipulada uma franquia de 10% por sinistro, com um mínimo de € 250, 00 (duzentos e cinquenta euros).

44.º - Foi estipulado na Cláusula 2.ª das condições contratuais da apólice referida em 38.º “1. Ficam absolutamente excluídos das garantias deste contrato os danos: “a) Decorrentes de actos ou omissões dolosas do Segurado ou de pessoas por quem este seja civilmente responsável ou das pessoas cuja responsabilidade seja garantida por esta Apólice, bem como os actos ou omissões que constituem violação dolosa de normas ou regulamentos e quaisquer multas ou coimas. Entende-se por acto doloso, todo o acto intencional praticado com o intuito de produzir dano ou com representação da possibilidade desse resultado;”.

45.º - A balona referida em 7.º, previamente metida numa estrutura tubular de 5 tubos de cerca de 50 cm de altura, foi lançada de um desses tubos e, durante o lançamento, não houve intervenção humana.

46.º - Na data do acidente, a Ré FF, Lda. Tinha transferida para a Ré EE - Companhia de Seguros, S. A. a responsabilidade civil de exploração, englobando o fabrico, comercialização e lançamento de foguetes e outros produtos pirotécnicos, através da apólice n.º ….

47.º - O artigo 3.º da condição especial 012 do contrato referido em 45.º estipula: (…) “1. Não ficam, em caso algum, garantidos por esta Condição Especial, os danos: (…) a) resultantes do não cumprimento de disposições legais ou regulamentos que estabeleçam as normas de funcionamento e execução da actividade do segurado; (…) d) resultantes da queima ou lançamento de fogo-de-artifício cuja carga contenha substâncias explosivas superiores a 50 gramas por tiro.”

48.º - O contrato de seguro referido em 45.º estabelece o limite máximo de indemnização por sinistro e anuidade de € 50 000,00, e uma franquia contratual a cargo da Ré FF, Lda., no valor de 10% dos prejuízos indemnizáveis, com o mínimo de € 750, 00 (setecentos e cinquenta euros).

49.º - A QQ - Companhia de Seguros, S.A., incorporada por fusão na Interveniente Companhia de Seguros GG, S. A., celebrou com a Ré FF, Lda., como tomadora de seguro, um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil, titulado pela Apólice RC 5…4, que, em virtude da fusão, foi renumerada para a apólice n.º RC5…0.

50.º - À data do sinistro, com o limite de capital de € 49 879, 79 (quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos).

51.º - O contrato de seguro referido em 48.º, nos termos das condições particulares, tem o seguinte âmbito de cobertura: “De acordo com as Condições Gerais, este contrato garante o pagamento das indemnizações, que possam ser exigidas ao Segurado, como civilmente responsável por danos materiais e/ou corporais causados a terceiros, em consequência e no decurso da sua actividade – Indústria de Pirotecnia, fabrico e armazenagem de produtos pirotécnicos”.

52.º - Consta das condições particulares contratualizadas: “EXCLUSÕES:

Para além das exclusões previstas nas Condições Gerais, este contrato não garante: (…) b. Os danos decorrentes da não observância de medidas de prevenção e segurança usualmente tomadas nesta actividade, inclusive as regulamentadas pela Direcção de Explosivos; c. Os danos causados em consequência de lançamento ou explosão de produtos de pirotécnica; d. Actos proibidos por Lei ou para os quais o Segurado ou os seus empregados não se encontrem habilitados aos termos legais”; (…) h. A responsabilidade civil por produtos defeituosos.”

53.º - E da condição especial 229: “229 - Responsabilidade civil exploração (…) Artigo 3.º Exclusões especificas 1. Para além das exclusões previstas no Artigo 6.º das Condições Gerais, a garantia desta Condição Especial também não abrange os danos: a) Danos decorrentes de erros ou omissões profissionais; b) Resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento de normas técnicas; c) Resultantes do incumprimento de quaisquer cláusulas contratuais”.


5. Tendo em conta o disposto no nº 4 do art. 635º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões. Assim, o presente recurso tem como objecto unicamente a seguinte questão:

- Redução do quantum indemnizatório por incapacidade geral permanente para o valor fixado pela 1ª instância “por se considerar que o mesmo já foi integrado – na sua parte não patrimonial – no “quantum” atribuído a título de danos morais.”


6. Antes de prosseguir, convém recordar os seguintes critérios gerais a ter em conta na fixação da indemnização (acompanhando-se, essencialmente, os termos da fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2016, proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt, relatado pela relatora do presente acórdão):

- “O princípio geral da obrigação de indemnizar consiste na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º, do Código Civil). A reconstituição natural é substituída pela indemnização em dinheiro quando se verificar alguma das situações do nº 1, do art. 566º, do CC: “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. A indemnização deve abranger os danos emergentes e os lucros cessantes (art. 564º, nº 1, do CC) e o seu cálculo deve ser feito segundo a fórmula da diferença, prevista no nº 2, do art. 566º, do CC (“a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”). Contudo, se o montante dos danos for indeterminado e, por isso mesmo, a fórmula da diferença não puder ser aplicada, “o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (nº 3, do art. 566º, do CC)”;

(…)

- “Como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos em www.dgsi.pt), «a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma ‘questão de direito’»; se é chamado a pronunciar-se sobre «o cálculo da indemnização» que «haja assentado decisivamente em juízos de equidade», não lhe «compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto ‘sub iudicio’»;

- “A sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. Nos termos do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1, www.dgsi.pt, «os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição». Exigência plasmada também no art. 8º, nº 3, do CC: “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.””;

- “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt)”.


Tendo presentes os critérios gerais que aqui sumariámos, passamos a apreciar a questão objecto de recurso.


7. Para apreciação da questão objecto de recurso importa ter presente que o A. AA peticionou que lhe fosse paga indemnização no montante global de € 125.000,00, sendo € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais e € 105.000,00 de danos patrimoniais futuros.

A sentença de 1ª instância fixou os seguintes valores indemnizatórios a pagar ao 1º A.: € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais; € 40.000,00 a título de danos patrimoniais. Tendo o A. apelado no sentido de a quantia indemnizatória por danos patrimoniais futuros ser elevada para o valor peticionado de € 105.000,00, o acórdão da Relação veio aumentar tal parcela indemnizatória para € 60.000,00, a qual, juntamente com a parcela indemnizatória devida por danos não patrimoniais perfaz € 75.000,00.

   Contra o aumento do montante indemnizatório por danos patrimoniais futuros do A. AA, de € 40.000,00 para € 60.000,00, a Recorrente alega essencialmente o seguinte: aceita-se que “o dano biológico sofrido pelo Autor tem uma componente patrimonial, uma vez que lhe foi atribuída uma Incapacidade geral permanente de 16%, (embora compatível com o exercício da atividade habitual, implica esforços suplementares) e uma componente não patrimonial (depois do acidente o Autor tende a isolar-se, convive menos com os amigos, tem um dano estético de 1/7)”; “Contudo, no que se refere ao dano biológico, parece resultar da fundamentação da decisão recorrida que a quantia €60.000,00 atribuída ao Autor a título de dano patrimonial, não se limita ao dano biológico na sua componente patrimonial mas também na sua componente não patrimonial, quando se refere à matéria de facto provada nos números 8 a 25”.

        

Vejamos.

      De acordo com os critérios gerais enunciados no ponto 6 do presente acórdão, não oferece dúvidas, nem a Recorrente o põe em causa, que o A. AA, que à data do acidente (e por ter apenas 16 anos) ainda não trabalhava, tem direito a ser indemnizado tanto pelos danos não patrimoniais sofridos como, a título de danos patrimoniais futuros, pela perda de capacidade geral de ganho de que ficou a padecer. O único aspecto em discussão é o de saber se, tendo-se a Relação referido à matéria de facto provada nos números 8 a 25, incorreu ou não numa duplicação da indemnização pela mesma categoria de danos.

     Aqui se reproduzem os pontos 8 a 25 dos factos provados:


8.º - Os Autores, mãe e filho, foram atingidos pelos estilhaços que lhes provocaram danos e demandaram a necessidade de cuidados médicos de emergência, tendo sido encaminhados para o Centro Hospitalar de ….

9.º - O Autor AA teve, num momento posterior, de ser encaminhado com urgência para o Hospital de … no Porto.

10.º - Os estilhaços projectados, em virtude do rebentamento do engenho explosivo, causaram no Autor AA lesões no olho direito.

11.º - O Autor deu entrada no Hospital de …, no Porto, com edema na palpebral, com fragmentos de cinzas e queimaduras cutâneas na borda palpebral superior e inferior, hemorragia subconjuntival, queimaduras e hiperemia, queratite ponteada, hiperemia com efeito de Tyndall.

12.º - O fundo do olho direito revelava midríase, hemorragia subretiniana macular, palidez retiniana com isquemia marcada na periferia nasal e hemorragia vítrea periférica inferior.

13.º - Já em França, no dia 20-10-2011, o Autor foi observado pelo Professor LL do Hòpital MM, no serviço de cirurgia oftalmológica, que lhe diagnosticou um buraco macular, bem visível no fundo do olho.

14.º - Em 27-01-2012, o Autor AA foi observado pelo Professor NN, no serviço de oftalmologia do Hospital … que confirmou as lesões referidas em 13.º.

15.º - O Autor ficou a padecer de escotoma central do olho direito.

16.º - A capacidade visual do Autor jamais voltará a ser a mesma.

17.º - O Autor AA nasceu a … de Abril de 1995.

18.º - Até à data do acidente, o Autor era um jovem alegre, sociável, bem disposto, calmo e tranquilo.

19.º - Depois do acidente tende a isolar-se.

20.º - Convive menos com os amigos.

21.º - O acidente causou-lhe dor e perturbação.

22.º - O Autor AA ficou com uma incapacidade temporária geral entre 14 de Agosto de 2011 e 24 de Setembro de 2102.

23.º - As quais lhe demandaram um quantum doloris de 2 numa escala de 0 a 7.

24.º - E um dano estético de 1/7.

25.º - O Autor, que ainda não trabalha, ficou com incapacidade geral permanente de 16%, que, sendo compatível com o exercício da actividade habitual, implica esforços suplementares.


   A Relação fundamentou a decisão de aumento da parcela indemnizatória por danos patrimoniais futuros/perda de capacidade geral de ganho nos seguintes termos:

 “Nos termos do disposto no artigo 562.º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, e esta obrigação só existe, nos termos do artigo 563.º do mesmo Código, em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, sendo a indemnização fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (artigo 566.º, n.º 1, também do CC).

Ficando provado – como é o caso - que o lesado ficou afetado com sequelas e com uma incapacidade permanente parcial, não há dúvida de que este dano biológico determina uma alteração na sua vida, sendo a sua situação pior depois do evento danoso, pelo que esta alteração tem de forçosamente relevar para efeitos de atribuição de indemnização.

Se a incapacidade permanente parcial tiver reflexos na remuneração que o lesado vai deixar de auferir, não há dúvida que a respectiva indemnização se enquadra nos danos patrimoniais – danos futuros – a que se refere o artigo 564.º, n.º 2 do Código Civil.

Contudo, pode a IPP não determinar nenhuma diminuição do rendimento do lesado, quer porque a sua atividade profissional não é especificamente afetada pela incapacidade, quer porque embora afetado pela incapacidade, o lesado consegue exercer a sua atividade com um esforço complementar, quer porque o lesado está desempregado ou já é reformado, quer porque o lesado é uma criança ou um jovem que ainda não entrou no mercado de trabalho.

No caso dos autos, o autor era estudante, não desenvolvendo, ainda, uma atividade remunerada, tendo ficado com uma incapacidade permanente geral de 16 pontos.

Nestas situações, a uma perda de ganho efetiva equivale, de alguma forma, para efeitos de indemnização, o esforço suplementar que as vítimas de incapacidade terão que desenvolver para realizar o seu trabalho no futuro.

Na verdade, sendo a incapacidade permanente, “de per si”, um dano patrimonial indemnizável, pela limitação que o lesado sofre na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, deve ser reparado, quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais – cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 20/11/2011 e de 20/01/2010 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 04/12/2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Assim, a incapacidade em causa, constitui uma desvalorização efetiva que, normalmente, terá expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização.

“A afectação do ponto de vista funcional, não pode deixar de ser determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, revestindo cariz patrimonial que justifica uma indemnização para além da valoração que se impõe a título de dano não patrimonial” - Ac. do STJ, de 23.04.2009 (relator Salvador da Costa), proferido no Proc. nº 292/04, disponível em www.dgsi.pt..

De igual modo se defende no Ac. do STJ de 16.12.2010 (Lopes do Rego), disponível em www.dgsi.pt. que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico do lesado deverá compensá-lo também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido. “É que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”.

Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se limitam “à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física. Por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” – cfr. Acórdãos do STJ de 28/10/1999, in www.dgsi.pt e de 25/06/2009, in CJ/STJ, II, pág. 128, sendo que, neste último expressamente se consagra a ideia de que, também deve considera-se, por isso mesmo, o período de esperança média de vida, de modo a contar com a vida ativa e com o período posterior à normal cessação da atividade laboral.

Daí que se venha considerando que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente da sua atividade laboral, designadamente, num jovem, condicionando as suas hipóteses de emprego, diminuído as alternativas possíveis ou oferecendo menores possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho.

A questão levantada pelo apelante/autor relativa ao montante do salário mínimo em França, por contraponto com o salário mínimo em Portugal ou quanto ao montante do salário que eventualmente venha a auferir no futuro face às suas habilitações académicas, neste contexto, perde relevância, uma vez que, como já vimos este tipo de incapacidade, constitui uma desvalorização efetiva com expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização. Nestes casos de incapacidade sem rebate nos rendimentos provenientes do trabalho, o rendimento anual do lesado não tem a mesma relevância que nos casos em que tem repercussão no nível dos rendimentos auferidos. O dano biológico traduzido numa determinada incapacidade sem perda de rendimento de trabalho, é sensivelmente o mesmo, quer o sinistrado aufira € 500,00, quer aufira € 1500,00.

No caso vertente, as sequelas de que o autor ficou a padecer, relacionadas com a sua capacidade visual, serão determinantes no desenvolvimento da sua atividade profissional e implicarão um esforço acrescido, até porque, conforme referiu o seu pai, pretende ser engenheiro informático.

  Assentes os pressupostos acima definidos, deve ainda dizer-se que a fixação da indemnização deve pautar-se por critérios de igualdade e razoabilidade, indispensáveis à realização do princípio da equidade, relevando como de particular importância a análise de decisões de tribunais superiores relativas à reparação deste tipo de danos.

Assim, a um sinistrado com 22 anos de idade, que tinha boas perspetivas de seguir carreira militar, que se goraram em virtude das sequelas do acidente, que ficou afetado com IPP de 15%, futuramente ampliada em mais 10%, atribuiu-se, a título de dano patrimonial respetivo, € 100.000,00 (STJ, 01.6.2011, 198/00.8GBCLD.L1.S1). No acórdão do STJ de 25 de Junho de 2009, foi determinada uma indemnização de € 110.000 para uma lesada de 21 anos, à data do acidente, ainda não inserida no mercado de trabalho, que ficou a sofrer de uma IPP de 50%, a subir para 53%, com graves limitações para o exercício de qualquer actividade profissional. No Acórdão do STJ de 30/09/2010, considerou-se adequada a indemnização de € 80.000,00 para uma estudante de 17 anos de idade, com uma IPP de 20% (todos os estes Acórdãos podem consultar-se em www.dgsi.pt).  

Assim, não se apurando o valor exato da diminuição de rendimento económico do autor, não se mostra adequado recorrer a um cálculo puramente aritmético, restando lançar mão do critério da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função do tipo de gravidade das sequelas existentes – veja-se o Acórdão do STJ de 13/07/2017, processo n.º 3214/11.4TBVIS.C1.S1 (Tomé Gomes), in www.dgsi.pt – onde se considerou adequado o valor de € 100.000,00 para um lesado de 36 anos de idade e com uma IPP de 39 pontos.

Tudo ponderado, designadamente a matéria que resulta dos factos provados números 8 a 25, entende-se ajustado subir a indemnização fixada a este título para € 60.000,00, assim se dando parcial provimento ao recurso do autor.” [negritos nossos]


Constata-se, assim, que a referência do acórdão recorrido aos pontos 8 a 25 da factualidade provada mais não é do que uma referência genérica a todos os factos relevantes para a prova tanto de danos patrimoniais e não patrimoniais (pontos 8 a 17) como de danos apenas não patrimoniais (pontos 18 a 24). Mas o ponto 25 (“O Autor, que ainda não trabalha, ficou com incapacidade geral permanente de 16%, que, sendo compatível com o exercício da actividade habitual, implica esforços suplementares”) foi aquele que efectivamente foi valorizado no teor da fundamentação da Relação para efeitos de aumento do montante indemnizatório pela perda de capacidade geral de ganho do A.  

Por outras palavras: apesar de, na referência genérica à factualidade provada, se incluírem alguns pontos (concretamente os pontos 18 a 24) que só relevam para efeitos de prova de danos não patrimoniais, a demais fundamentação da decisão demonstra que apenas foi reavaliado pela Relação o montante indemnizatório devido pelas consequências patrimoniais das lesões corporais sofridas pelo A., pela que a categoria dos danos não patrimoniais não foi duplamente valorizada.

Acresce que, tendo em conta os critérios gerais supra enunciados (ponto 6 do presente acórdão), os parâmetros do juízo de equidade da Relação não merecem censura. Com efeito, tendo o A. lesado 16 anos à data do acidente e ficando a padecer de uma lesão permanente da visão, em virtude da qual lhe foi atribuída incapacidade geral permanente de 16%, é inteiramente adequado – e conforme com os parâmetros seguidos pela jurisprudência deste Supremo Tribunal – que o montante da parcela indemnizatória pela afectação da sua capacidade geral de ganho tenha sido aumentado de €40.000,00 para €60.000,00.

Conclui-se, assim, não ser de acolher a pretensão da Recorrente.


8. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 30 de Maio de 2019


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho