Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B2758
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: OBJECTO DO RECURSO
RECURSO DE REVISTA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: SJ200811180027587
Data do Acordão: 11/18/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ACLARADA A DECISÃO
Sumário :
1. Não tendo sido incluídas no objecto do recurso de apelação questões suscitadas pelo recorrente na contestação, não incorre em nulidade por omissão de pronúncia o acórdão da relação que delas não conhecer.
2. Não cabe nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça a fixação do sentido real de uma cláusula contratual, apenas lhe competindo controlar a aplicação dos critérios legais de interpretação.
3. Não podem ser apreciadas no recurso de revista, pela primeira vez, questões não julgadas já nas instâncias.
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. P... – Gestão Hoteleira, SA, instaurou contra M...– Materiais de Construção Civil, Lda., G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A. e L..., Companhia de Seguros, Lda., uma acção na qual pediu a sua condenação solidária no pagamento de € 162.623,56, acrescidos de juros de mora à taxa legal, a contar da citação, custas e procuradoria.
Para o efeito, e em síntese, alegou ter sofrido danos nas instalações e na exploração do Hotel L..., situado na Av. Fausto de Figueiredo, nº ..., Estoril, provocados por escavações destinadas à construção, pela segunda ré, como empreiteira, de um edifício no terreno contíguo ao referido hotel, de que é proprietária a primeira ré, sendo que a segunda “terá transferido para a 3ª R. a responsabilidade civil pela execução da empreitada (…)”. Disse ainda que a sua imagem junto dos operadores turísticos estrangeiros com quem trabalhava ficou afectada, pelas limitações que o acidente implicou para o funcionamento do hotel e que, para além da diminuição de receitas e do acréscimo de despesas que teve de enfrentar, deixou de auferir lucros com os quais contava.
E resumiu os danos invocados da seguinte forma: “perda de receitas em 2001 – 89.133,00 Euros; danos não patrimoniais – 25.000,00 Euros; custos com empreiteiro – 3.328,01 Euros; custos com aparelho de ar condicionado – 14.664,66 Euros; custos com recuperação do jardim – 2.133,61 Euros; custos com fornecimento de tanque de água – 110,28 Euros; custos com bebidas de aperitivos de boas vindas – 17.779,50 Euros; custos laborais acrescidos – 10.474,50 Euros” .
Todas as rés contestaram.
L... – Companhia de Seguros, S.A., em síntese, alegou não lhe ter sido comunicado o acidente pela 2ª ré; referiu existir uma franquia aplicável e sustentou, sem concretizar, que os danos invocados, ou tinham sido já reparados, ou não tinham qualquer nexo de causalidade com a actividade da mesma 2ª ré ou, ainda, estavam excluídos do âmbito do seguro, nos termos da cláusula 6º das condições particulares da apólice (que juntou).
Disse ainda, genericamente, desconhecer os factos alegados, com excepção da referência ao contrato de seguro.
As demais rés impugnaram diversos factos, alegaram a transferência de uma eventual responsabilidade para a 3ª ré e concluíram que deviam, “por ilegitimidade, ser absolvidas do pedido”.
A autora replicou e seguiram-se os demais termos da causa.
Por sentença de fls. 552, a acção foi julgada parcialmente procedente. As rés foram solidariamente condenadas a pagar, “sendo a ré seguradora até ao limite do seguro (…), a quantia global [por danos patrimoniais e não patrimoniais] de € 67.992,50 (…), acrescida do valor dos oito aparelhos de ar condicionado danificados, a apurar em liquidação posterior, tudo acrescido de juros legais desde a data da citação sobre € 42.992,50 (…) e [sobre] o valor dos aparelhos de ar condicionado e sobre a totalidade desde” a sentença até pagamento integral.
O tribunal, fazendo as devidas distinções, chegou a uma indemnização global de € 42.992,50 (€ 30.000 por perda de receitas em 2001, € 2.518,00 pelos custos relativos a bebidas de boas vindas e aperitivos, € 10.474,50 por custos laborais acrescidos).
Quanto aos danos não patrimoniais, a sentença entendeu que tinham ocorrido “danos também consideráveis na imagem da autora, nomeadamente junto de operadores turísticos estrangeiros”, valorando-os em € 25.000,00.
Finalmente, determinou a condenação no pagamento do valor correspondente a oito aparelhos de ar condicionados danificados, em montante a liquidar, e ainda nos já referidos juros.

2. Recorreram a ré L... e, subordinadamente, a autora.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, foi concedido provimento parcial a ambos os recursos. Julgando a apelação da ré, a Relação baixou para € 22.500,00 a indemnização por danos não patrimoniais, por terem sido considerados danos não cobertos pelo contrato de seguro (os que resultaram da falta de água e das inundações que se seguiram em alguns quartos do hotel, falta essa provocada por destruição de canalizações) e determinou o abatimento do valor da franquia na “indemnização pela qual a seguradora seja responsável”.
Quanto ao recurso subordinado, a Relação condenou ainda as rés no pagamento de € 2.243,90 por “custos com recuperação do jardim e custos com fornecimento de tanque de água”, danos que a 1ª Instância tinha julgado não provados.

3. Inconformada, L... – Companhia de Seguros, SA recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso foi recebido como revista, com efeito meramente devolutivo.

Nas alegações apresentadas, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1. Em face dos danos reclamados pela A., a recorrente alegou no artigo 6º da contestação que, no nº 2 das condições particulares da apólice, se excluíam, entre outros, os «prejuízos não decorrentes directamente do acidente»;
2. A recorrente foi condenada no pagamento à A. de:
- € 30.000 (…) a título de perda de receitas no ano de 2001;
-€ 2.518,00 (…) relativamente a custos em bebidas e aperitivos de agrado compensatório aos clientes da A.;
- € 1.474,50 (…) respeitantes a custos laborais acrescidos;
3. Tais danos pelos quais a recorrente L... foi julgada responsável não decorrem directa ou imediatamente do sinistro, mas tão só por forma indirecta ou mediata;
4. Devendo a recorrente ser absolvida nessa parte;
5. Após a decisão da 1ª instância, a recorrente pediu nas suas alegações para o Venerando Tribunal da Relação que a douta sentença fosse integralmente revogada e ela absolvida do pedido,
6. No douto acórdão do Tribunal da Relação procurou-se demonstrar a não razão da recorrente, salvo em parte dos danos não patrimoniais, mas não se discutiu no douto acórdão sob recurso qualquer das exclusões constantes das condições particulares da apólice e, em particular, a referida supra na 1ª conclusão.
7. O que é determinante de nulidade da decisão;
8. O acórdão recorrido violou, nomeadamente, o disposto no artigo 427º do Código Comercial e no artigo 668º, nº 1, alínea d) do C.P.C.”.

Não houve contra-alegações.

4. A matéria de facto que vem provada das instâncias é a seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):
1. A autora é uma sociedade comercial cuja actividade social consiste na gestão e exploração de unidades hoteleiras.
2. No âmbito dessa actividade, a autora é proprietária e titular da exploração da unidade hoteleira designada por Hotel L..., sita na Av. Fausto de Figueiredo, nº ..., freguesia do Estoril.
3. A unidade hoteleira supra referida e denominada Hotel L..., encontra-se edificada em dois prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob os números 1822 e 1823 da freguesia do Estoril, estando registada a aquisição a favor da autora pela inscrição G3 dos prédios 1822 e 1823, como resulta da certidão predial junta a fls. 16 a 25.
4. A ré M..., Materiais de Construção Civil, Lda., é dona e legítima proprietária do prédio urbano composto de lote de terreno para construção, com a área de 3.299,5 metros quadrados, sito na Av. Fausto de Figueiredo e Rua do Banco, no Estoril, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob a ficha 4956 da mesma freguesia do Estoril, estando este inscrito a seu favor pela inscrição G1, conforme certidão junta a fls. 26 a 29.
5. Este prédio confronta do lado norte com o Hotel L..., composto de oito pisos com subcave, cave, rés-do-chão, primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto pisos, com área coberta de 1.700 metros quadrados e logradouro de 1.599,5 metros quadrados.
6. O prédio onde se situa o Hotel L... e o prédio da propriedade da referida ré são contíguos.
7. O Hotel L... dispõe de 118 quartos, sendo 4/5 individuais, 7 suites e os restantes duplos.
8. Em Janeiro/Fevereiro do 2001, a ré M..., Materiais de Construção Civil, Lda., iniciou a construção de um novo edifício no prédio de que é proprietária.
9. Por sua vez, a autora estava em Fevereiro de 2001 a proceder a obras de requalificação das áreas de lazer (piscina, balneários e jardim) do seu prédio, bem como do isolamento dos terraços de cobertura.
10. A ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., com actividade no âmbito da construção civil e obras públicas, tinha a seu cargo, em regime de empreitada, a construção do edifício no prédio da ré M..., Materiais de Construção Civil, Lda..
11. O prédio onde se situa o Hotel L... e o prédio da propriedade da ré M..., Materiais de Construção Civil, Lda., encontram-se separados, pelo lado sul do prédio da autora e respectivamente pelo lado norte do prédio da mesma ré, por um muro construído em tijolo e cimento, com cerca de 2,5 metros de altura, sobre o qual existe uma cerca de arame, com um metro de altura.
12. Em Março de 2001, no decurso das escavações que a ré M..., Materiais de Construção Civil, Lda., através da ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., efectuava no prédio contíguo ao Hotel L..., surgiram fendas no muro de divisória, bem como na calçada que liga o muro ao Hotel L..., edificado no prédio da autora.
13. A autora enviou à ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., o telefax do dia 15 de Março de 2001, junto a fls. 30, alertando-a para a situação, no qual afirmava textualmente que:
«Vimos por este meio informá-los que verificámos a existência de fendas de preocupantes dimensões no muro do nosso edifício, contíguo à vossa obra, e na calçada que liga esse muro ao nosso prédio.
«Como é do vosso conhecimento, para além de qualquer outra consequência desagradável, nesse muro encontram-se sustentados quadros eléctricos e tubagens de gás».
14. No dia seguinte, 16 de Março de 2001, a ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., enviou à autora o fax de fls. 32, no qual, reconheceu a gravidade da situação, e informava que «na sequência da inspecção ontem efectuada entre o Director Geral do Hotel Sr. V...A... e o nosso encarregado principal Sr. Z..., informamos que procedemos de imediato à mobilização dos materiais e meios humanos necessários aos trabalhos de escoramento do muro em questão, por forma a iniciarmos os mesmos o mais urgentemente possível».
15. Na madrugada do dia 18 de Março de 2001, o muro cedeu no limite do lado sul do prédio da autora desmoronando-se numa extensão da ordem de quinze a vinte metros.
16. Esse desmoronamento foi causado pelo aluimento de terras derivado das escavações efectuadas pela ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., no prédio da ré M..., Materiais de Construção Civil, Lda..
17. Além do muro desmoronado, também ruiu uma parte de calcada (cerca de um metro da sua largura), numa extensão da ordem dos doze a quinze metros.
18. E tendo danificado o tubo de carregamento do depósito de gás, inutilizado o ramal de alimentação de água e danificado as tubagens de alimentação eléctrica.
19. A autora enviou à ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., um fax cujo teor consta de fls. 35, responsabilizando a ré pelo sucedido.
20. A ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., enviou à autora um fax cujo teor consta de fls. 37, assumindo a responsabilidade pelo sucedido.
21. Na sequência da tal fax, realizou-se no local do desmoronamento, no dia 30 de Março de 2001 uma reunião, com a presença do Director do Hotel L..., Sr. V...A... e do Engenheiro A...M..., estando presentes, em representação da ré, os Srs. Engenheiros V...N...F... e P...R....
22. A autora enviou à ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., um fax cujo teor consta de fls. 43 e 44, o qual foi recebido pela mesma.
23. A autora enviou à ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., um fax cujo teor consta de fls. 46 e 47, o qual foi recebido pela mesma.
24. A ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., enviou à autora um fax cujo teor consta de fls. 48 a 50, o qual foi recebido pela mesma.
25. A autora enviou à ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., os faxes cujo teor consta de fls. 51, 52, 55, 56, 57, 58, 59 e 60, os quais foram recebidos pela mesma.
26. A ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., enviou à autora um fax cujo teor consta do fls. 61 e 62.
27. O muro em falta foi construído efectivamente, pela ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., durante os meses do Outubro e Novembro de 2001 e em meados do Novembro seguinte foi instalado o último troço de calçada e pintado o muro, tendo em meados do Novembro de 2001 a autora e a ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., dado por concluída a obra de reparação do muro.
28. O Hotel L... fica situado no Monte Estoril, numa zona tranquila, com pouco tráfego.
29. A ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., transferira para a ré L..., Companhia de Seguros, Lda., a responsabilidade civil pela execução da empreitada através da sua apólice com o nº 130002665, nos termos que constam dos documentos de fls. 77 a 82.
30. Devido ao desmoronamento, na madrugada do dia 18 de Março de 2001, o hotel ficou privado do fornecimento de águas quente e fria, durante todo o dia e até à manhã do dia seguinte, o que causou transtornos aos clientes da autora.
31. Quando foi restabelecido o fornecimento de água, ocorreram inundações em alguns quartos, em virtude de torneiras deixadas abertas inadvertidamente pelos clientes da autora.
32. Dessas inundações resultou que diversos clientes tivessem sido transferidos para outros quartos.
33. As inundações atingiram alguns tapetes e pertences de clientes, como malas de viagem e o seu conteúdo.
34. Devido às perturbações no funcionamento do hotel, a autora teve de suportar custos salariais acrescidos, em virtude de necessitar de ter de prevenção, parte do seu pessoal, a fim do prevenir e dar solução a qualquer incómodo ao funcionamento do hotel, e, em relação ao mês subsequente ao desmoronamento, as maiores necessidades de vigilância constante, em virtude da passagem aberta no local onde antes existia o muro e a necessidade de garantir a segurança dos clientes, e para poder dar resposta às necessidades de mudança do acesso dos fornecedores ao hotel e dos funcionários do hotel às zonas de serviços (designadamente armazenamento do viveres, lavandaria e serviços do manutenção do jardim), em virtude de o acesso habitual lhes estar vedado, em consequência do desmoronamento do muro.
35. Os funcionários de manutenção e as empregadas de limpeza e dos quartos passaram a ter mais trabalho, sobretudo nas semanas subsequentes ao desmoronamento.
36. Os salários pagos pela autora, nos meses de Março a Outubro dos anos de 2000 e 2001, são os constantes do documento de fls. 67.
37. O termo das obras de remodelação no hotel da autora estava previsto para finais de Abril de 2001.
38. Com a queda do muro, ficou inviabilizada a passagem da viatura de transporte dos materiais de grande volume e da retirada do entulho, tendo passado a processar-se manualmente, com o recurso a carrinhos de mão, o que provocou atraso de cerca de um mês na conclusão dessas obras.
39. A autora pagou ao empreiteiro que executou as referidas obras de remodelação a quantia referida no documento de fls. 38, pelos trabalhos mencionados a fls. 321 e 322 dos autos, desconhecendo-se se esses trabalhos foram causados pelo desmoronamento dos presentes autos ou pelo atraso na conclusão das obras.
40. Devido à queda do muro, ficaram estragadas as partes exteriores, visíveis no documento de fls. 39, de oito aparelhos de ar condicionado, já antigos e usados, que aí se encontravam depositados.
41. Os oito aparelhos de ar condicionado, tinham sido retirados dos terraços que estavam a ser sujeitos a impermeabilização e porque eram aparelhos de exterior, podiam sem perigo de dano, estar armazenados a céu aberto.
42. A autora retirou-os dos terraços e armazenou-os provisoriamente na rampa de acesso à zona de serviços do hotel, encostados ao muro que mais tarde se desmoronou.
43. Devido ao desmoronamento, os aparelhos de ar condicionado ficaram soterrados e inutilizados.
44. Com a sua substituição, a autora gastou quantia concretamente não apurada.
45. No dia 30 do Março do 2001, ocorreu novo desmoronamento sobre a calçada que liga o muro ao Hotel L... e parte do passeio público ruiu.
46. O período de 1 de Março a 30 de Outubro de cada ano civil, é para a autora o período de maior procura dos serviços hoteleiros, denominados por épocas média e alta.
47. Durante a época alta, o hotel chega ter uma ocupação da ordem dos 80%.
48. A unidade Hotel L... está vocacionada para o chamado “turismo sénior”, sendo maioritariamente ocupada por grupos de turistas da terceira idade, normalmente das nacionalidades inglesa, holandesa e dinamarquesa e espanhola, que viajam até Portugal através de operadores turísticos dos seus países de origem e se instalam no Hotel L... em estadas de cinco a sete dias de duração média, e inclui uma zona de jardim e piscina muito apreciados pelos turistas, principalmente crianças e seniores, que permanecem nas zonas de lazer do hotel durante o dia, gozando o sossego e tranquilidade proporcionados por esses espaços.
49. Durante os meses de Junho a Setembro, tinha lugar um “barbecue” ao jantar, 2/3 vezes por semana, na área do jardim e piscina.
50. Por virtude da situação descrita, e para além do referido supra, a autora, até Outubro de 2001, não pôde utilizar o jardim para a realização de eventos como o referido “barbecue”, para programas de animação, etc..
51. A autora teve de dar conhecimento aos operadores estrangeiros da impossibilidade de utilização do jardim e piscina, à medida em que as obras da responsabilidade da ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., se foram atrasando no tempo.
52. Os grupos de turistas que não foram cancelados e chegaram a estar alojados no hotel, apresentaram reclamações.
53. Alguns grupos a quem foi dado conhecimento da situação cancelaram a sua estadia no hotel.
54. A autora está em estreito contacto com operadores turísticos estrangeiros e com quem anualmente contrata a prestação de serviços através dos chamados “contratos de allotment” que são celebrados para as épocas baixa, média e alta de cada ano civil.
55. Pelo facto de a ré G..., Gabinete Técnico de Engenharia e Planeamento, S.A., se ter, desde logo, prontificado a reparar as consequências do acidente, a autora chegou a pensar que o muro seria reparado num prazo de um a dois meses e também não pensou que fosse gasto todo o tempo que decorreu até a reconstrução do muro.
56. Por isso, não comunicou aos operadores turísticos de imediato e com antecedência, todo o período que durou a impossibilidade de usar o jardim.
57. A imagem da autora perante os operadores turísticos estrangeiros ficou muito prejudicada com o facto de terem sido informados com escassa antecedência, da impossibilidade do uso da piscina e jardim nessa época de 2001.
58. Pelo menos dois operadores turísticos, de nacionalidade dinamarquesa e holandesa, denominados, respectivamente A... e P... L... R... deixaram, desde então, de contratar os serviços hoteleiros da autora, tendo um deles cessado actividade pouco depois.
59. Os referidos operadores turísticos representavam em 2000 e 2001 uma percentagem importante (18%) do volume de negócio da autora com operadores turísticos estrangeiros, o que provocou uma quebra da projecção do estabelecimento em países como a Holanda, Bélgica e Dinamarca.
60. Todas as sete suites do Hotel L... se situam na prumada da ala sul do Hotel e outros sete quartos duplos situam-se igualmente na prumada da ala sul do hotel.
61. Todas as janelas destas unidades de alojamento eram viradas para o muro desmoronado.
62. Até à reconstrução do muro desmoronado, a autora só em último caso ocupava esses quartos e suites, e muitas vezes com redução do seu preço.
63. Pelo que esses alojamentos estiveram sem ocupação durante alguns períodos de tempo.
64. Para além disso, ainda existem cerca de quarenta quartos, nas alas norte e sul, com janelas também viradas para sul e das quais se avistava, em maior ou menor grau, a zona do muro desmoronado, embora não se tenha apurado que tal tenha sido causa para não se ocuparem os quartos ou para terem sido comercializados a preço inferior.
65. De 1 de Março a 31 de Outubro do ano 2000, a autora contabilizou 23.241 alojamentos e tinha previsto o seu aumento para o ano seguinte.
66. Em igual período do ano seguinte o hotel registou 21.934 alojamentos.
67. Pelo menos uma parte deste decréscimo ficou a dever-se às condições de funcionamento do hotel antes descritas.
68. Para cativar e compensar os clientes a autora, durante a maior parte do tempo compreendido entre o desmoronamento do muro e a sua reconstrução, seguiu um procedimento que é comum na actividade hoteleira e passou a oferecer a todos os clientes, à chegada, uma bebida e aperitivo, o que antes só fazia em relação a alguns grupos particulares, o que acarretou um custo da ordem dos € 0,60/0,70 por cliente.
69. A autora, por cada cliente alojado no hotel, auferiu no ano de 2001, em média, uma receita líquida de € 33,00 (“guest avarage”), consistindo essa receita, no lucro obtido no conjunto dos diferentes serviços prestados ao cliente: dormida, pequeno-almoço, refeições no restaurante, bar, barbecue, lavandaria e telefones.
70. A situação descrita afectou negativamente a imagem do hotel.
71. É da contratação com os operadores turísticos estrangeiros que resulta a divulgação do Hotel L... no estrangeiro, quer através de publicidade feita por estes nos países de origem, quer através da inclusão do nome e fotografia do hotel nos folhetos turísticos divulgados junto dos seus clientes.
72. O acidente que deu origem à presente acção nunca foi participado à ré L....
73. A ré procedeu aos seguintes trabalhos: remoção de todo o entulho, consolidação provisória do talude, reparação provisória da passagem técnica do hotel afectada que permitisse utilizá-la com o mínimo de segurança, cofragem enchimento, secagem e descofragem com vista à construção das muralhas em betão armado de sustentação definitiva do talude e das paredes interiores das caves dos edifícios em construção, preenchimento do vazio entre a parede exterior da muralha e a superfície a descoberto do hotel, compactação do material utilizado nesse preenchimento para prevenir futuros abatimentos e no final reposição definitiva do piso danificado do acesso técnico e das instalações afectadas.
74. A construção demorou alguns meses, tendo a mesma acompanhado a construção do edifício.
75. A ré também executou os trabalhos mencionados no documento de fls. 48 a 50.”


5. A recorrente coloca duas questões: a da nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, e a da exclusão do âmbito do contrato de seguro de alguns dos danos em cuja reparação foi solidariamente condenada – “perda de receitas no ano de 2001 (…), custos em bebidas e aperitivos de agrado compensatório aos clientes da A. (…), custos laborais acrescidos” .

6. Com efeito, a recorrente argui a nulidade do acórdão recorrido por nele se não ter discutido “qualquer das exclusões constantes das condições particulares de apólice e, em particular, a referida (…) na 1ª conclusão” – ou seja, a que respeita a “prejuízos não decorrentes directamente do acidente”. E refere essa omissão aos três grupos de danos acabados de indicar.
A verdade, todavia, é que a recorrente, apesar de ter sido condenada, em 1ª Instância, na indemnização correspondente, e diferentemente do que agora fez no recurso de revista, não incluiu no âmbito da apelação a exclusão do contrato de seguro dos danos correspondentes à perda de receitas no ano de 2001, das bebidas e aperitivos em causa e dos custos laborais acrescidos, como se pode verificar da leitura das conclusões da alegação então apresentada.
Tais questões não tinham, assim, que ser apreciadas pelo acórdão recorrido, como resulta da conjugação do disposto nos artigos 684º, nº 3, 690º, nºs 1 e 2, 716º, nº 1 e 668º, nº 1, d) do Código de Processo Civil, na versão anterior à que resultou do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
Contrariamente ao que parece sustentar a recorrente, não é suficiente para provocar omissão de pronúncia no tribunal de recurso ter alegado, na contestação, que, nos termos da apólice, estavam excluídos da cobertura pelo seguro os danos não decorrentes directamente do acidente.
Tal questão implicava, naturalmente e por exemplo, que se interpretasse os termos dessa exclusão; interpretação que a recorrente não discutiu, nomeadamente no âmbito do recurso de apelação.
Note-se, aliás, que, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 690º do Código de Processo Civil, caso pretendesse tal conhecimento na apelação, a recorrente teria o ónus de acrescentar às “normas jurídicas violadas” pela sentença que condenou na reparação dos danos que agora refere as que seriam a seu ver aplicadas àquela interpretação; o que não sucedeu, não resultando das conclusões da alegação qualquer indício de pretender questionar outros pontos, para além dos que expressamente referiu.
É certo que a recorrente sustentou perante a 2ª Instância que deveria ser absolvida do pedido formulado na acção. Simplesmente apenas suscitou, com esse objectivo, as seguintes questões: falta de participação do acidente dentro do prazo previsto no contrato para o efeito; responsabilidade pelos danos sofridos pela autora em consequência “de obras que foram efectuadas para além do período normal em que deveriam ter sido completadas”; não cobertura, pelo seguro, dos “danos sofridos pela A. por virtude da falta de água quente e fria”; dedução da franquia no montante da sua condenação.

7. Não tendo sido impugnada perante a Relação a condenação no pagamento da indemnização pelos referidos danos, nem tendo sido discutida nas instâncias a imprescindível interpretação da cláusula contratual de onde, no entender da recorrente, resultaria a respectiva exclusão do âmbito do seguro, fica o Supremo Tribunal de Justiça impedido de avaliar da correcção ou incorrecção das mesmas.
Não só não cabe nos seus poderes de cognição a fixação do sentido real da referida cláusula, apenas lhe competindo “controlar o respeito dos critérios legais de interpretação” (acórdão de 23 de Setembro de 2008, disponível em www.dgsi.pt com o nº 08B3923), como também não podem ser apreciadas em revista, pela primeira vez, questões não julgadas já nas instâncias (cfr., por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 7 de Janeiro de 1993, 26 de Junho de 1998 ou 10 de Julho de 2008. disponíveis em www.dgsi.pt com os nºs 079811, 98A1277 e 08B1846).

Nestes termos, nega-se provimento à revista.
Custas pela recorrente.

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Salvador da Costa
Lázaro Faria