Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2339/16.4T8LRA.C2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
NEXO DE CAUSALIDADE
DEVER DE DILIGÊNCIA
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL –PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
Doutrina:
- Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, p. 85 e 86;
- Felipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, n.º 31, de Dezembro de 2008, p. 74 e ss.;
- Paulo Câmara, Manual de Direitos dos Valores Mobiliários, Almedina, 2.ª Edição, p. 684, 685, 691 e 692;
- Paulo Mota Pinto, in Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Coimbra Editora, 2008, II Volume, p. 1110 a 1113.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 304.º, 312.º E 314.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.º 1, 671.º, N.ºS 1 E 3 E 672.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 483.º.
REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS (RGICSF), APROVADO PELO DL N.º 298/92, DE 31-12: - ARTIGOS 3.º, ALÍNEA A), 4.º, N.º1 E 293.º, N.º1, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 10-01-2013, PROCESSO N.º 89/10.4TVPRT.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-06-2013, PROCESSO N.º 364/11.0TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-02-2014, PROCESSO N.º 1970/09.9TVPRT.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-09-2018, PROCESSO N.º 13809/16.4T8LSB.L1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-09-2018, PROCESSO N.º 13809/16.4T8LSB.L1;
- PROCESSO N.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 17-04-2018, PROCESSO N.º 3830/15.5T8LRA.L1-1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – O intermediário financeiro encontra-se vinculado às normas do que estabelecem regras próprias inerentes à sua atividade, designadamente cumprimento de deveres de informação (arts. 304º e 312º, ambos do CVM);

II - O cumprimento dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário financeiro é, porém, de geometria variável. Quer isto significar que a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente;

III – O dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto – o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento;

IV – Não cabe, em regra, nas funções dos intermediários financeiros assumir o compromisso de reembolsar os clientes pelos investimentos efetuados em produtos emitidos por outras entidades;

V - Ainda que, nos termos do nº 2, do art. 314º do CVM, se presuma a culpa, tal não implica presunções de ilicitude e /ou de causalidade.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório


1. AA e mulher, BB intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BANCO CC, S.A., pedindo, a título principal:

a) – A condenação da ré a pagar aos autores o capital e juros vencidos e vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Subsidiariamente:

b) – A declaração de nulidade de qualquer eventual contrato de adesão que a ré invoque para ter aplicado os €100.000,00 que os autores lhe entregaram;

c) – A declaração de ineficácia em relação aos autores da aplicação que a ré tenha feito daquele montante;

d) – A condenação da ré a restituir aos autores a quantia de EUR 115.000,00 e dos juros vencidos à taxa contratada, acrescida de juros legais vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral cumprimento.

Em qualquer caso:

e) - A condenação da ré a pagar aos autores a quantia de EUR 5.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Para tanto, alegaram, em síntese, que:

Sendo clientes do BANCO DD, em dia que desconhecem e sem que houvesse da sua parte qualquer ordem escrita, o gerente da ré aplicou o montante de EUR 100.000,00, pertencente àqueles, em obrigações SLN 2006;

Os autores só tiveram conhecimento dessa operação em maio de 2015, estando até então convictos de que tinham o seu dinheiro aplicado num depósito a prazo.

Os juros foram sendo semestralmente pagos, até maio de 2015;

Nunca qualquer contrato lhes foi lido ou explicado e tais documentos, a existirem, só podem ser contrato de cláusulas contratuais gerais, que não foram assinados pelos autores ou que, se o foram, foram-no de forma inconsciente, pelo que não têm validade, sendo nulos;

Em virtude da atuação da ré, os autores sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento pedem.

2. Na contestação, a ré excecionou a ineptidão da petição inicial, a incompetência em razão do território e a prescrição. Por impugnação, alegou, em resumo, que:

Os autores sempre mostraram apetência por investimentos em aplicações financeiras, o que demonstra que, não tendo formação específica em área financeira, tinham conhecimento da respetiva natureza, riscos e maior rentabilidade relativamente a um vulgar depósito a prazo;

As obrigações “SLN 2006” eram um produto seguro, acabando o seu incumprimento por ser determinado “por circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais”;

Foram explicadas aos autores as condições do produto, acompanhadas da respetiva nota técnica;

A subscrição das “Obrigações SLN” não foi sujeita a qualquer tipo de contrato de adesão, ou qualquer tipo de formulário de cláusulas contratuais gerais, sendo, antes de mais, um contrato entre os autores e a SLN (não o Banco), que não se corporizou, que a ré saiba, num qualquer escrito, mas apenas e tão-só numa proposta da SLN, veiculada pelo Banco réu e uma aceitação dos autores, corporizada numa ordem de subscrição de títulos.

3. Os autores replicaram.

4. Julgada procedente a exceção de incompetência em razão do território (cf. fls. 68-82), esta decisão veio a ser revogada por despacho do Presidente da Relação de … (cf. fls. 104-110v).

5. No despacho saneador, julgou-se improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial, relegando-se para final a apreciação da exceção perentória da prescrição.

6. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação improcedente, absolveu a ré do pedido.

7. Inconformados com tal decisão, os autores interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de … proferido acórdão a condenar a ré a pagar aos autores a quantia de EUR 100.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efetivo pagamento.

8. Irresignada, a ré interpôs recurso de revista excecional para este Supremo Tribunal, ao abrigo das alíneas a) e c), do nº 1, do art.º 672º, do CPC.

Nas suas alegações, em conclusão, disse (sic):

“DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA AO ABRIGO DO ARTº 672º do CPC (alínea a) do nº 1 do artº 672º do CPC)

I.      Tendo o Banco-R. sido condenado ao abrigo da responsabilidade civil do intermediário financeiro, o âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objeto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

II.      Pontifica a este propósito a divergência quanto à necessidade de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de "capital garantido".

III.   Tem igualmente variado a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de "capital garantido", ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida - como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exata expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento.

IV. Mostra-se igualmente indefinida a noção de nexo de causalidade entre um eventual ato ilícito do Banco/intermediário financeiro e o dano do cliente/investidor,

V.   Bem como a possibilidade de este nexo estar abrangido pela presunção de culpa do art9 7995 do Código Civil.

VI.   A discussão da extensão de uma presunção de culpa à presunção de ilicitude e causalidade reveste-se da maior relevância no âmbito do sistema jurídico, porquanto afeta todos os equilíbrios nas relações contratuais, seja quando estejamos em face de um incumprimento da prestação principal ou de uma prestação acessória.

VII. A invocação de tal extensão, cada vez mais comum, além do mais, tem sido feita com mera remissão para um Autor, o que, apesar da sua excelência técnica, não parece fundamentação jurídica suficiente, principalmente por este partir da comparação com o sistema de responsabilidade civil francês da faute, quando o sistema português de responsabilidade civil tem a sua origem próxima no sistema alemão de responsabilidade contratual Temos sido deparados com um verdadeiro dogma, ou argumento de autoridade que cumpre tratar devidamente.

Da alínea c) do nº 1 do artº 672º do CPC

VIII. O acórdão recorrido considera verificado o nexo de causalidade entre a suposta violação dos deveres de informação, meramente por invocação de uma presunção legal, ao abrigo do art. 799º do C.Civ. estendendo o âmbito desta disposição a uma presunção de ilicitude e causalidade, e isto apenas por mera remissão para posição doutrinária, por via de acórdão anterior também deste Supremo Tribunal de Justiça - de 17.03.2016 -, e em concreto do Prof. Menezes Cordeiro: «A culpa na responsabilidade contratual presume-se, nos termos do art. 799º do CC. Esta norma, segundo Menezes Cordeiro, contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. "Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir -ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura - culpa"» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5.a Edição revista a atualizada, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 431-432). «Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a "falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade" (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 432).»

IX. Este mesmo Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre esta mesma matéria, entre outros, em acórdão de 6 de Junho de 2013 relatado pelo Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, onde veio a afirmar-se que: "Ainda que, nos termos do nº 2 (do arts 314º do CdVM), se presuma a culpa no âmbito das relações contratuais, tal não afasta o pressuposto prévio da demonstração da ilicitude que recai sobre aquele que invoca o direito de indemnização e que em concreto se poderia ter traduzido na violação daqueles deveres, com função causal relativamente aos prejuízos."

X. Em causa, sendo já objeto de decisões distintas, está pois determinar se, e em que termos se poderá estender uma presunção de culpa, no âmbito da responsabilidade contratual a uma presunção de ilicitude e de causalidade.

XI. De todo o exposto resulta evidente a oposição de julgados quanto a esta matéria, da maior relevância para a boa aplicação do direito, justificando-se uma clarificação das soluções jurídica aplicar nestes casos que agora proliferam.

DO RECURSO DE REVISTA

XII. Se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento, sendo que o CdVM estabelece objetiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até - em alguns casos - quanto aos instrumentos financeiros objeto dessa intermediação.

XIII. A menção do arte 312 nº 1 al. e) do CdVM aos "riscos especiais envolvidos nas operações a realizar" refere-se claramente ao negócio de intermediação, ao dito negócio de cobertura, sob pena de redundância da al. d) da mesma disposição - essa sim referente aos instrumentos financeiros envolvidos nos serviços de intermediação.

XIV. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Aliás como também o denota a necessidade de informação acerca da volatilidade do preço do instrumento financeiro, igualmente prescrita na alínea b) deste preceito e com a qual este risco de perda está umbilicalmente ligado. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do mecanismo do instrumento financeiro e não motivado por qualquer fator extrínseco ao mesmo.

XV. Ora, o investimento efetuado foi feito em Obrigações, não sujeitas a qualquer volatilidade, sendo o respectivo retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de "capital garantido"), acrescido da respectiva rentabilidade. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

XVI. Todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital... basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento! Aliás, qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento.

XVII. O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação!

XVIII. A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!

XIX. Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

XX. É que a este respeito, impõe-se clarificar que, em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na atividade de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens.

XXI. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

XXII. O Banco-R. forneceu à A. todas as informações adequadas e necessárias à compreensão do produto financeiro em causa.

XXIII. O risco de insolvência da entidade emitente é sempre e invariavelmente inerente a qualquer instrumento financeiro e a qualquer contrato.

XXIV. Não existia, no caso, qualquer especial risco de incumprimento de que o Banco-réu devesse ter advertido a A.

XXV. A douta decisão recorrida violou, por errónea interpretação o disposto no artº 314º e 312º do CdVM.

Diga-se, ainda, sobre o nexo de causalidade,

XXVI. Sobre esta matéria, socorre-se a decisão recorrida da dita presunção de ilicitude, culpa e causalidade que vislumbram em citação do Prof. MENEZES CORDEIRO.

XXVII. Mas do texto do art. 799º nº l do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

XXVIII. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

XXIX. Não se alcançam razões (que o acórdão recorrido também não adianta...) que justifiquem que a presunção própria da censura ético-jurídica da conduta do agente deva ser estendida à relação consequencial entre o facto e o dano.

XXX. Ainda que se admitisse a solução de extensão de presunção de culpa à causalidade, a verdade é que não é adequada aos casos de incumprimento de prestações contratuais acessórias, apesar do cumprimento da prestação principal.

XXXI. De todo o modo, no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

XXXII. Mesmo que se admitisse a dita presunção, toda a qualquer presunção é teoricamente passível de ser levada a cabo no âmbito do contrato em que se verifique o incumprimento - dito de outro modo, não se pode, nem tanto defende qualquer Doutrina, partir do incumprimento de um contrato para presumir a ilicitude e causalidade da responsabilidade no âmbito de outro contrato, distinto daquele efetivamente incumprido.

XXXIII. Ora, o que assistimos é que a decisão recorrida parte do incumprimento da obrigação de reembolso pela entidade emitente da emissão obrigacionista, para depois fazer presumir a ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um diferente contrato - o de intermediação financeira!

XXXIV. Vale isto por dizer que o incumprimento alegado não é apto a desencadear a tão desejada presunção!

XXXV. Uma presunção, legal ou judicial, é um meio de prova! E sendo-o é um meio de obter uma decisão sobre um concreto facto, que deveria ser alegado ou ser instrumental em relação aos alegados. O certo é que uma presunção, legal ou judicial, é um meio de prova!

XXXVI. Todavia, a decisão recorrida apenas invoca a dita presunção, seja legal ou a judicial, como fundamento jurídico para suprir a falta, óbvia desde a PI, de qualquer facto que estabelecesse uma ligação que fosse entre uma deficiente informação pelo Banco e o dano da A.

XXXVII. A causalidade há-de ser suportada ou corporizada num ou mais factos, por forma a que possa ser considerada preenchida! Ora, a invocação de uma presunção judicial, como parece fazer a douta decisão recorrida, deveria ter como corolário a determinação de um tal facto.

XXXVIII. Todavia, esse facto não foi determinado na decisão sobre a matéria de facto -simplesmente não existe!

XXXIX. A douta decisão recorrida violou assim o disposto no artº 349º do CCiv.

XL. A A. não alegou, na sua petição inicial, qualquer facto que sustente uma qualquer relação causal entre uma qualquer violação dos deveres de informação por parte do Banco-R. e o seu alegado dano.

XLI. Neste caso, um qualquer facto que correspondesse a um nexo entre a violação de um dever de informação (ele próprio não alegado), e o dano certamente não é, não pode ser, um facto instrumental. E, por isso, deveria ter sido expressamente alegado pela A. na sua PI!

XLII. Não o tendo sido, não pode o Tribunal agora introduzir a causalidade em falta por via da sua menção apenas como se de mero mecanismo jurídico se tratasse... A causalidade é efetivamente uma figura jurídica, mas tem de resultar de factos claros que suportem... e estes têm de ser alegados e provados!

XLIII. A decisão recorrida violou assim o disposto no art 5º do CPC.

XLIV. A título de invocação e prova da causalidade, num primeiro momento seria indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

XLV. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

XLVI. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão.

XLVII. Nada disto foi feito, pela A. ou pelas instâncias!

XLVIII. A decisão em crise violou também assim o disposto no artº 563º do CCiv.

9. Nas contra-alegações, a recorrida pugnou pela inadmissibilidade da revista excecional, e, a não ser assim, pugnou pela improcedência do recurso.

10. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 608.º, n.º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC),[1] importando, assim, decidir se a ré é responsável pelo pagamento aos autores das quantias peticionadas nesta ação.


***


II – Fundamentação de facto

11. As instâncias deram como provado que:

1. Os autores foram clientes da aqui ré (à data BANCO DD), na sua agência de …, com a conta à ordem nº67…01, onde movimentavam parte do seu dinheiro, realizavam pagamentos e efetuavam poupanças.

2. Em 8 de maio de 2006, a autora mulher subscreveu, junto dessa agência, duas obrigações SLN 2006, cada uma no valor de €50.000,00.

3. Aquando do referido em 2., a autora mulher assinou o boletim de subscrição respetivo.

4. Desse documento, assinado também por funcionário do Banco, na parte respeitante ao seu recebimento, referente a “SLN 2006 Boletim de Subscrição”, datados de 8 de maio de 2006, consta o seguinte:

«Natureza da Emissão

Emissão até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a escritural, com o valor nominal de €50.000,00 cada uma, oferecidas diretamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal.» (…)

«Prazo e reembolso

O prazo de emissão é de dez anos, sendo o reembolso do capital efetuado em 09 de maio de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN-Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., a partir do 5º ano, e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

Remuneração

Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:

Cupões                                 Taxa anual nominal bruta

1º semestres                                       4,5%*

9 cupões seguintes                             Euribor a 6 meses + 1,15%

Restantes 10 semestres                     Euribor a 6 meses + 1,50%

*Taxa anual efetiva líquida: 3,632%

5. As Obrigações SLN 2006 foram emitidas (como o próprio nome indica) pela SLN, SGPS, S.A., que era, à data, titular de 100% do capital social do Banco réu (então BANCO DD), participação que deteve de forma permanente até novembro de 2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as ações integradoras do capital social daquele.

6. A circunstância de a emitente do produto referido em 2. ser a empresa que detinha o BANCO DD, sendo este, necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património, aliada às características específicas das obrigação – que são, tendencialmente, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente – levavam a que o mencionado produto financeiro fosse, à data da sua emissão, apresentado pelo Banco Réu como seguro, com um risco semelhante ao risco de um depósito a prazo no próprio Banco.

7. As orientações e comunicações internas existentes no BANCO DD e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco. Para tanto, era argumentado que a SLN Valor era a maior acionista da SLN SGPS, sendo que esta detinha 100% do BANCO DD, pelo que não era vista qualquer diferença entre o risco BANCO DD e o risco daquelas aplicações SLN.

8. A ré pretendia, à data, que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros.

9. Foi transmitido à autora, por funcionário da ré que lhes sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias.

10. À data, era extremamente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

11. A autora subscreveu as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros.

12. A autora não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ela contactavam, sendo por eles percetível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.

13. A 16-06-2013, os autores haveriam já efetuado uma “compra PTBANCO DDCXE000 TIT2…3/20…45”, no valor de 20.000,00 €.

14. Os autores têm estado impedidos de usar o dinheiro aplicado nas obrigações referidas em 2.

15. Os AA. não sabiam e nem sabem o que são obrigações.

16. O Banco Réu não explicou aos AA. o que eram obrigações.

17. Os autores não possuíam conhecimentos e nem experiência suficientes para compreenderem o tipo de investimento que fizeram e ninguém lho explicou corretamente.

18. Ninguém explicou aos AA. que BANCO DD e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN, era diferente de aplicar dinheiro no BANCO DD.

19. Ninguém explicou aos autores que o BANCO DD não tinha nenhuma responsabilidade pelo pagamento deste produto e que não o garantia.


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II – Fundamentação de direito

12. Da admissibilidade da revista «normal»

A ré veio interpor recurso de revista «excecional» do acórdão da Relação que, revogando a sentença da 1ª instância, a condenou a pagar aos autores a quantia de EUR 100.000,00, acrescida de juros.

Sucede que, in casu, não se está – manifestamente - perante uma situação de «dupla conforme», pelo que é indiscutível não se encontrar verificado o pressuposto específico que permitiria integrar a previsão do art. 672º, do CPC.

Sendo assim, na ausência de dupla conformidade entre as decisões das instâncias e mostrando-se verificados os pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição (cf. arts. 629º, nº1 e 671º, nºs 1 e 3, do CPC), a admissibilidade da revista encontra-se sujeita ao regime previsto nas referidas disposições legais.


***


13. Da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil

Insurgindo-se contra a decisão da Relação que, revogando a sentença, julgou a ação procedente, a ré pede nesta revista a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da decisão da 1ª instância.

Sustenta, no essencial, que se mostram inverificados os pressupostos da responsabilidade civil, mormente a ilicitude e o nexo de causalidade.

A obrigação de indemnizar está, como sabemos, sujeita aos pressupostos gerais previstos no art. 483º, do Código Civil: o facto; a ilicitude; a culpa efetiva ou presumida; o dano; o nexo de causalidade entre o facto e dano.

Vejamos, pois.

13.1. Os Bancos são instituições de crédito que podem efetuar a generalidade das operações bancárias não vedadas por lei, designadamente atividades de intermediação financeira – cf. arts. 3º, al. a), 4º, nº1 e 293º, nº1, al. a), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), na redação em vigor à data dos factos.

Nas relações com os autores, o BANCO DD, como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta fixadas no RGICSF, designadamente as constantes dos arts. 73º e 74º, na redação então em vigor.

Por sua vez, enquanto intermediário financeiro (cf. arts. 289.º, n.º 1, al. a) e 290.º, n.º 1, al. c), do Código dos Valores Mobiliários), estava obrigado ao cumprimento das regras que estabelecem regras próprias de conduta (cf. arts. 304º a 342º, do CVM).

Estava, por conseguinte, obrigado ao cumprimento dos deveres inerentes a esta atividade, designadamente deveres de informação, nos termos consignados nos arts. 304º[2] e 312º[3], ambos do CVM.

Neste plano, há de que ter presente que, como se estabelece no art. 7º, do CVM, “a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação (…)” deve ser “completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.”.

Tal preceito desenha o quadro geral da informação que se concretiza noutras disposições do Código, quer quanto ao conteúdo, quer quanto a aspetos procedimentais. É, contudo, uma norma de conduta incompleta, porque não estabelece deveres concretos nem as consequências jurídicas da sua eventual violação.

Pois bem.

Como refere Paulo Câmara, Manual de Direitos dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, pág. 691, “um dos alicerces do sistema mobiliário reside na função de apoio, assistência, aconselhamento e conselho que os intermediários financeiros desempenham relativamente aos seus clientes.”.

A informação – salienta o mesmo autor – constitui, por um lado, “um instrumento de proteção dos investidores, uma vez que estes poderão avaliar melhor os riscos de ganhos e de perdas ligados ao seu investimento” e, por outro lado, salvaguarda o regular e eficiente funcionamento dos mercados.[4].

O cumprimento dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário financeiro é, porém, de geometria variável. Quer isto significar que a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente.

Assim, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objeto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação.[5]

Em todo o caso, o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto – o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento.[6]

Por outro lado, como adverte Paulo Câmara, “com a cominação de uma malha apertada de deveres ligados à informação não se anula o risco do investimento (…). Assim, são, à partida, lícitas as decisões irracionais do ponto de vista económico, ainda que potenciando prejuízos. (…).[7]

Dito isto, importa apurar se, no caso em apreço, a ré incorre em responsabilidade civil perante os autores, sabido que, nos termos prescritos pelo art. 314º, do CVM, os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados em consequência do que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, presumindo-se a culpa quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Refira-se, desde já, que a presunção de culpa prevista naquele preceito não inclui presunções de ilicitude e de causalidade, desde logo, por tal amplitude não encontrar um “mínimo de correspondência” na letra da lei (cf. art. 9º, nº2, do CC) – v. neste sentido, entre outros, os acórdãos deste STJ proferidos em 6.6.2013, no proc. nº 364/11.0TVLSB.L1.S1, de que foi Relator o Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes e em 13.9.2018, no proc. n.º 13809/16.4T8LSB.L1 relatado pelo Juiz Conselheiro José Sousa Lameira, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.[8]

Ora bem.

Está em causa um contrato de intermediação financeira relativo à “receção e transmissão de ordens” (cf. art. 290º, al. a), do CVM).

Como já referimos supra, as normas do CVM, na redação anterior à entrada em vigor do DL nº 357-A/2007 de 31.10, não densificavam o dever de informação, como hoje resulta das disposições dos arts. 312º-A a 312º-G, que apenas foram aditadas por aquele Decreto-lei.

Efetivamente, o Código dos Valores Mobiliários (na redação vigente à data da subscrição das obrigações aqui em causa), para além do cumprimento do dever geral de informação previsto no art. 312º, apenas afirmava no art. 323º uma regra geral quanto ao dever de informação, donde resultava a obrigação do intermediário informar o cliente sobre a execução e resultados da operação, da ocorrência de dificuldades especiais na execução ou a inviabilidade da operação, ou de qualquer circunstância que pudesse justificar a modificação ou revogação da ordem.

Feitas estas breves considerações, há que reconhecer que, no caso sub judice, a matéria de facto provada não permite imputar ao Banco réu qualquer violação dos deveres que sobre si impendiam, mormente deveres de informação.

A circunstância de ter sido referido aos autores que “o reembolso do capital aplicado era garantido, que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse(cf. ponto 9, dos factos provados), é, por si, claramente insuficiente para configurar uma violação do dever de informação.

Efetivamente, ficou também provado que:

- “As Obrigações SLN 2006 foram emitidas (como o próprio nome indica) pela SLN, SGPS, S.A., que era, à data, titular de 100% do capital social do Banco réu (então BANCO DD), participação que deteve de forma permanente até novembro de 2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as ações integradoras do capital social daquele (cf. ponto 5 dos factos provados).

- “A circunstância de a emitente do produto referido em 2. ser a empresa que detinha o BANCO DD, sendo este, necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património, aliada às características específicas das obrigação – que são, tendencialmente, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente – levavam a que o mencionado produto financeiro fosse, à data da sua emissão, apresentado pelo Banco Réu como seguro, com um risco semelhante ao risco de um depósito a prazo no próprio Banco (cf. ponto 6, dos factos provados).

E que:

- “À data, era extremamente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.” (cf. ponto 10, dos factos provados).

Ou seja:

- Nem as características específicas das obrigações intermediadas fariam supor algum risco que devesse ser assinalado aos autores, antes da tomada de decisão, pois que, na referida ocasião, era praticamente indiferente que as obrigações tivessem uma ou outra característica, pois nada fazia supor a degradação financeira da emitente e/ou do grupo económico que integrava.

- Nem ficou provado que, à data em que foi prestada a informação, houvesse indícios que – objetivamente - fizessem supor que a emitente estivesse em risco de insolvência.

Desta forma, e tal como se considerou no supramencionado acórdão deste STJ, proferido em 6.6.2013, no proc. 364/11.0TVLSB.L1.S1, é de concluir que “a R. forneceu ao A. as informações de que dispunha e tudo se desenhava para que esse investimento fosse rentável, tanto mais que nada fazia antever nem a degradação do mercado financeiro mundial, (…), nem a da (…) emitente das obrigações.”.

De igual modo, não ficou provado que o Banco tivesse assumido e/ou violado o “compromisso de garantia do capital e de juros” no final do período de maturidade do produto financeiro.

A este respeito, e como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal proferido em 6.2.2014, no proc. 1970/09.9TVPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, numa situação com contornos semelhantes à destes autos, “para que pudessem os recorrentes reclamar, justificada e legitimamente, o reembolso do capital investido junto do banco (…), seria necessário que este tivesse assumido junto deles tal obrigação. Mas essa obrigação não foi dada por provada nos autos e nunca foi efetivamente assumida, não cabendo, aliás, nas funções habituais dos intermediários financeiros assumir o compromisso de reembolsar os clientes pelos investimentos efetuados em produtos emitidos por outras entidades.”.

Por conseguinte, no caso que apreciamos, atendendo ao elenco factual dado como provado, nada permite afirmar que a ré tenha incumprido os deveres a que estava obrigada ou que não tenha observado os ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões de diligência, lealdade e transparência exigíveis.

Conclui-se, pois, pela inexistência de ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada à ré.

13.2. Ainda que assim não fosse, a tese dos autores naufragaria por não ter sido feita a prova da causalidade.

Com efeito:

Entre nós, o art. 563º, do CC, consagra o que se costuma designar por doutrina da causalidade adequada, segundo a qual, é de eleger, de entre as possíveis ações causais, aquela que deva ser considerada relevante, no sentido de imputação do resultado danoso à conduta.

Segundo a teoria da adequação, um resultado só deve ser imputado a uma ação, quando esta for considerada, segundo as regras da experiência, idónea (adequada) a produzir o resultado ocorrido.

Ora, no caso que analisamos, como é notório, o alegado dano ocorreu em consequência da insolvência da emitente (circunstância anómala e não previsível, à data da subscrição das obrigações) e não devido a qualquer violação de deveres de informação ou de obrigação contratual a que o Banco estivesse, porventura, vinculado.

Por conseguinte, tendo presente as sobreditas considerações, bem como o circunstancialismo dado como provado é inquestionável que o resultado danoso não foi, em concreto e relevantemente, causado pela alegada conduta do Banco réu, pelo que é manifesta a inexistência de nexo de causalidade nos termos e para os efeitos suprarreferidos.[9]


***


IV – Decisão

14. Nestes termos, concedendo provimento à revista, acorda-se em revogar o acórdão recorrido e em absolver a ré dos pedidos.

Custas pelos recorridos.


Lisboa, 11 de Outubro de 2018


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relatora)

José Sousa Lameira

Hélder Almeida

___________

[1] Para além daquelas que devam ser conhecidas oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), o STJ conhece de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações de recurso, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra ou outras (arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, do mesmo diploma), sendo de ter presente que, para este efeito, as «questões» a conhecer não se confundem com os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, aos quais o tribunal o tribunal não se encontra sujeito (art. 5.º, n.º 3, também do CPC).
[2] Estabelecia então o art.304º que: 1- “os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado” ; 2- “nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”; 3- “na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar; (…).”
[2] Segundo o qual: 1- “o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (…).”.
[3]Segundo o qual: 1- “o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (…).”
[4] Ob. cit., pág. 685.
[5] Cf. Paulo Câmara, ob. cit. pág. 692 e Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, págs. 85-86.
[6] Cf., a propósito, Felipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, nº 31, de Dezembro de 2008, págs. 74 e segs..
[7] Ob. cit., pág. 684.
[8] A propósito da norma ínsita no art. 799º, nº1, do CC, Paulo Mota Pinto, in Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Coimbra Editora, 2008, II vol., págs. 1110-1113, afasta-se da posição de alguma doutrina que vê na presunção de culpa ali prevista uma presunção de ilicitude e/ou de causalidade. Mesmo na hipótese de “responsabilidade pela informação”, ainda que reconhecendo as dificuldades que levanta a prova da causalidade, mostra-se, ao que cremos, favorável a outras soluções que não passam (necessariamente) pela aludida interpretação abrangente.  
[9] Cf., neste sentido, entre outros, o acórdão do STJ proferido em 13.9.2018, no processo n.º 13809/16.4T8LSB.L1 relatado pelo Juiz Conselheiro José Sousa Lameira; o ac. da Rel. Lisboa de 17.4.2018, proferido no proc. 3830/15.5T8LRA.L1-1; a Declaração de voto exarada pelo Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes no Acórdão do STJ, proferido em 10-01-2013, no Proc. nº 89/10.4TVPRT.P1.S1 e a Declaração de voto da Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, no Acórdão do STJ, proferido no proc. 18331/16.6T8LSB.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.