Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6034/13.8TBBRG-N.G1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INSOLVÊNCIA
CRÉDITOS LABORAIS
DESPEDIMENTO COLECTIVO
COMPENSAÇÃO
CRÉDITOS DA INSOLVÊNCIA
DIVIDAS DA MASSA INSOLVENTE
Data do Acordão: 07/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - INSOLVÊNCIA - MASSA INSOLVENTE E INTERVENIENTES NO PROCESSO / CREDORES DA INSOLVÊNCIA.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / GARANTIAS DOS CRÉDITOS DOS TRABALHADORES / DESPEDIMENTO POR INICITIVA DO EMPREGADOR / DESPEDIMENTO COLECTIVO ( DESPEDIMENTO COLETIVO ).
Doutrina:
- Ana Prata, Jorge Morais Carvalho, Rui Simões, “Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas” Anotado, 2013, 169/173.
- Bernardo da Gama Lobo Xavier, “Compensação por despedimento”, in R.D.E.S., Ano LIII, Janeiro/Junho, 2012, N.ºs 1-2, 65/100 (70).
- Carvalho Fernandes, “Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho segundo o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, in R.D.E.S., Ano XLV, Janeiro-Setembro-2004, nºs 1, 2, 3, 5/39.
- Carvalho Fernandes, João Labareda, “Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas” Anotado, 2.ª Edição, 320/324.
- Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, Uma Introdução, 3.ª edição, 30.
- Joana Costeira, Os Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho, 2013, 91.
- Júlio Gomes, “ Nótula sobre os efeitos da insolvência do empregador nas relações de trabalho”, I Congresso do Direito da Insolvência, Almedina 2013, 292/295 (intervenção esta actualizada em Dezembro de 2014, CEJ, Ebook Processo De Insolvência e Acções Conexas).
- Leonor Pizarro Monteiro, O Trabalhador e a Insolvência da Entidade Empregadora, 112/117.
- Menezes Leitão, “A natureza dos créditos laborais resultantes de decisões do administrador da insolvência”, in Cadernos De Direito Privado, N.º34, Abril/Junho 2011, 55/66.
- Miguel Lucas Pires, Os Privilégios Creditórios, 2015, 408/ 414.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 46.º, N.º1, 47.º, N.ºS 1, 2 E 4, 51.º, N.º1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 127.º, N.º 1, AL. B), E N.º 2, 295.º, N.ºS 1 E 2, 333.º, 347.º, N.ºS 1 E 2, 359.º, N.º 1, 366.º, N.º 1.
Sumário :
I. A cessação do contrato de trabalho em sede de processo de insolvência, depois da declaração desta, através de despedimento colectivo, fez gerar na esfera jurídica do trabalhador, o direito a ser compensado nos termos previstos no artigo 366.º, n.º1 do C. Trabalho.

II. Saber qual a qualificação desse direito, se se trata de um crédito da insolvência ou de uma divida da massa insolvente, depende do apuramento da realização efectiva do trabalho prestado, isto é, será um ou outro conquanto se entenda se o trabalho foi realizado antes da declaração da insolvência, ou após tal declaração.

III. tendo o trabalhador suspendido o seu contrato de trabalho com a sociedade insolvente antes da declaração de insolvência, tal implicou a cessação por banda desta, da retribuição devida àquele, tendo o subsequente despedimento colectivo feito cessar a relação de trabalho existente entre ambos.

IV. Embora o acto que despoleta a obrigação de compensar o trabalhador pelo despedimento surja após a declaração de insolvência, numa altura em que o trabalhador já não exercia qualquer actividade para com a insolvente por haver suspendido o contrato de trabalho e sendo calculada a compensação indemnizatória pela cessação do contrato de trabalho pelos anos de actividade laboral levada a cabo pelo trabalhador a favor da entidade empregadora nos termos do artigo 366.º, n.º1 do C. Trabalho, por fixação prévia, isto é, por liquidação antecipada do dano - tendo em atenção os vinte dias de remuneração base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade -, que tem em vista a reparação presente e futura pelo interesse negativo emergente da confiança na prossecução da execução do negócio, tal compensação deverá ser considerada, nestas precisas circunstâncias, um crédito da insolvência.

V. Esta compensação, originada embora pelo despedimento colectivo, destinou-se a ressarcir uma prestação de trabalho que teve lugar, apenas e tão só, até momento anterior ao da declaração de insolvência, porquanto o trabalhador fez suspender o seu contrato de trabalho com a Insolvente, motu proprio.

VI. Neste conspectu, o fundamento do crédito do trabalhador é, sem dúvida, anterior à data da declaração da insolvência e por isso aquele só pode ser qualificado como credor desta nos termos do artigo 47.º, n.º1 do C.I.R.E..

APB

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I C, veio interpor a presente acção declarativa com processo ordinário contra A MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE X, representada pelo Sr. Administrador de Insolvência, pedindo:

a) ser declarado e a Ré condenada a reconhecer a ilicitude do despedimento do Autor e, em consequência, ser reconhecido que o Autor é credor da massa insolvente de uma indemnização por antiguidade correspondente a 45 dias de retribuição e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se, para o efeito, todo o tempo decorrido desde a data de admissão até ao trânsito em julgado da decisão judicial e que, na presente data, ascende a € 29.325,00;

b) se assim não se entender, ou seja para a hipótese subsidiária de se considerar válido o despedimento do Autor, devem, neste caso, ser a Ré condenada a reconhecer que o Autor é credor da massa insolvente no valor de € 27.642,53 a título de compensação pelo despedimento e consequentemente ser esse crédito qualificado como divida da massa;

c) em qualquer das situações supra expostas, deve sempre ser decretado e a ré condenada a reconhecer que o Autor é credor da quantia € 30.762,50;

d) ser decretado que a massa insolvente é devedora do Autor dos juros, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4%, sobre as importâncias devidas desde a data de constituição em mora até efectivo e integral pagamento;

e) deve, ainda, ser a Ré condenada a reconhecer que os créditos devidos ao autor e acima reclamados são dívidas da massa insolvente, devendo, consequentemente ser condenada no seu pagamento.

Alega, para tanto, que por sentença judicial, a insolvência da sociedade X, foi decretada por sentença já transitada em julgado, dedicando-se a referida sociedade à instalação e comercialização de material eléctrico, tendo mais de 28 trabalhadores.

O Autor foi admitido, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, em 16 de Novembro de 1998, primeiro ao serviço de J, tendo transitado com todos os direitos para a sociedade requerente, mediante contrato de trabalho subordinado e sem termo, para trabalhar, como trabalhou, sob a autoridade, direcção e fiscalização da insolvente, mediante retribuição e a continuar a exercer, como exerceu, as funções de chefe de equipa.

Como contrapartida do trabalho prestado o Autor auferia a retribuição mensal de € 1.150,00, acrescida da importância de € 5,65, a título de subsídio de alimentação diário, para além da quantia de € 190,35 referente a ajudas de custo.

Na vigência da relação laboral, o Autor suspendeu o contrato de trabalho, nos termos dos artigos 353º, nº 3 e 325º, ambos do CT com fundamento na falta de pagamento da retribuição de Abril 2013, assim como o subsídio de Natal vencido em 15 de Dezembro de 2012, suspensão essa comunicada, por carta registada com aviso de recepção, ao empregador e à Autoridade para as Condições de Trabalho, tendo-se iniciado 8 dias após a recepção da comunicação ou seja em 28 de Maio de 2013.

A empregadora reconheceu e declarou estar em mora e não prever pagar as remunerações pelo que a suspensão se tornou efectiva a partir de 30 de Maio de 2013.

O Autor manteve-se ininterruptamente ao serviço da insolvente desde a data da sua admissão até 25 de Novembro de 2014 data em foi ilicitamente despedido.

Quer a indemnização em resultado da ilicitude do despedimento do Autor, quer os demais créditos constituídos no decurso do processo de insolvência, têm necessariamente que ser reconhecidos como DIVIDAS DA MASSA INSOLVENTE, uma vez que o despedimento colectivo que ora se impugna foi iniciado pela Insolvente, na pessoa do Sr. Administrador de Insolvência, com a comunicação efectuada a 4 de Setembro de 2014, tendo, em 13 de Outubro de 2014 sido proferida a decisão de despedimento do Autor, com efeitos a partir do dia 25 de Novembro de 2014, sendo tal despedimento ilícito.

Ainda que seja válido o despedimento colectivo, sempre o Autor teria o direito à compensação indemnizatória que lhe foi atribuída pela Insolvente, ou seja, calculada a 45 dias por cada ano de antiguidade e a fracção proporcionalmente, liquidada em € 27.642,53 (€ 1.150,00: 30 x 45 dias) € 1.725,00 x 16 anos e € 1.725,00 : 365 dias x 9 dias) valor este a ser pago de uma só vez.

Além das importâncias acima referidas é também o Autor credor da retribuição pelas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano da cessação no montante de € 1.437,50 (1.150,00 : 12 x 5 meses) x 3).

Assim, os créditos salariais constituídos durante o processo de insolvência devidos ao Autor ascendem à importância global de € 30.762,50 (€ 29.325,00 + € 1.437,50) acrescida de juros.

 

Contestou a Massa Insolvente da SociedadeX, defendendo-se por impugnação, defendendo a licitude do despedimento colectivo, concluindo que os créditos ora em causa não devem ser dividas da massa, mas antes dividas da insolvência, uma vez que, quando da declaração de insolvência não havia qualquer actividade laboral, pelo que tais créditos já existiam á data da declaração de insolvência.

Foi proferida sentença, tendo a acção sido julgada  parcialmente procedente e, em consequência, condenada a massa insolvente a pagar ao autor ou ao Fundo de Garantia Salarial o crédito respeitante ao direito à compensação indemnizatória, calculada a 30 dias por cada ano de antiguidade, no valor total de 18.400 euros, e um crédito respeitante à retribuição pelas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano da cessação no montante de € 1.437,50 euros.

Inconformada, a Ré Massa insolvente apelou da sentença, a qual foi julgada procedente revogando-se a sentença apelada considera-se que o crédito compensatório do reclamante correspondente à sua antiguidade é uma dívida da insolvência, e como tal deve ser graduado com a prioridade conferida pelo privilégio mobiliário e/ou imobiliário artigo 333º, alíneas a) e b) do Código do Trabalho.

Veio o Autor recorrer de Revista excepcional, por oposição de Acórdãos, tendo tal recurso sido rejeitado uma vez que se não estava, como não está, em sede de dupla conformidade decisória, tendo os autos sido remetidos à distribuição como Revista normal e assim processados.

Foi apresentado pelo Autor o seguinte acervo conclusivo, no que à economia da Revista normal diz respeito:

- Afigura-se que o acórdão recorrido não fez correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais atinentes.

- Da matéria assente resulta que a empregadora foi declarada insolvente em 3 de Outubro de 2013, sendo que o Recorrente se manteve ininterruptamente ao serviço até 10 de Novembro de 2014, data em que foi despedido, por carta, no âmbito do processo de despedimento colectivo instaurado pelo Sr. Administrador de Insolvência.

- Nos termos do artigo 366º do Código do Trabalho, a decisão de despedimento do Recorrente, fez emergir, na sua esfera jurídica, o direito à compensação indemnizatória.

- Tal crédito, por se constituir após a declaração de insolvência do empregador e pelo facto de resultar de um acto praticado pelo Sr. Administrador de Insolvência, nos termos do art.º 51º, nº1, al c) e d), terá necessariamente de ser classificado como dívida da massa insolvente e não divida da insolvência, como erradamente foi entendido no acórdão recorrido.

- No sentido acima propugnado, sobre a mesma questão fundamental, pronunciaram-se os dois acórdãos da Relação – um de Guimarães e outro de Lisboa que em cópia juntou - nos quais é expressamente reconhecido que a compensação indemnizatória em resultado da cessação (lícita) do contrato de trabalho do trabalhador, após a declaração de insolvência, constitui uma dívida da massa insolvente, invocando ainda em abono da sua tese um outro Acórdão do STJ proferido no processo 197/14.2TTALM.L1.S1.

Nas contra alegações a Ré Massa Insolvente, pugna pela improcedência da Revista.

II A vexata quaestio no presente recurso consiste em saber se o crédito reivindicado pelo Autor constitui uma divida da massa insolvente ou uma divida da Insolvente.

As instâncias declaram assentes os seguintes factos:

- Por sentença proferida em 03/10/2013, já transitada em julgado foi declarada a insolvência da sociedade X.

- A referida sociedade dedicava-se à instalação e comercialização de material eléctrico, conforme documento junto a fls. 22 e ss., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

- O Autor foi admitido, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, em 16/11/1998, para exercer as funções de oficial de chefe de equipa, como trabalhou, sob a autoridade, direcção e fiscalização da insolvente, mediante retribuição e a continuar a exercer, como exerceu.

- Como contrapartida do trabalho prestado o Autor auferia a retribuição mensal de € 1.150,00, acrescida da importância de € 5,65 a título de subsídio de alimentação diário, para além da quantia de € 190,35 referente a ajudas de custo, conforme documento junto pelo ISS a fls. 120 e ss., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

- Na vigência da relação laboral, o autor suspendeu o contrato de trabalho, nos termos do artº 353º, nº 3 e 325º, ambos do CT com fundamento na falta de pagamento da retribuição de Abril 2013, 50% de Maio e a retribuição de Junho 2013, assim como o subsídio de Natal vencido em 15-12-2012.

- A referida suspensão foi comunicada, por carta registada com aviso de recepção, em 02 de Junho 2013, ao empregador e à Autoridade para as Condições de Trabalho, sendo que a suspensão iniciou-se 8 dias após a recepção desta comunicação ou seja 10/07/2013, conforme documento junto a fls. 30 a 35, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos

- O Autor manteve-se ininterruptamente ao serviço da insolvente desde a data da sua admissão até 10/11/2014, data em foi despedido no âmbito do despedimento colectivo promovido pelo Administrador da Insolvência, conforme documentos juntos a fls. 36 a 41, 92v e 93v, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

- O despedimento colectivo foi iniciado pela Insolvente, na pessoa do Sr. Administrador de Insolvência, com a comunicação efectuada a 04/09/2014, tendo, em 13/10/2014 sido proferida a decisão de despedimento do Autor, com efeitos a partir do dia 10/11/2014, conforme documentos juntos a fls. 36 a 41, 92v e 93v, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

- Após ter decorrido o prazo para as reclamações de créditos (30 dias) o Administrador da insolvência apresentou, em 21 de Novembro de 2013, o Relatório previsto no artigo 155º do CIRE, no qual propôs o encerramento formal do estabelecimento e a imediata liquidação dos bens da massa insolvente apreendidos ou a apreender, visando a futura repartição do produto pelos credores, conforme documentos juntos a fls. 79 e ss., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

- Aquando da declaração da insolvência, o estabelecimento comercial não se encontrava a laborar.

- Por douto despacho do Mmº Juiz, junto a fls. 90v e 91, foi determinado o prosseguimento dos autos para liquidação da mesma (X), assim como o início da mesma.

- À data da notificação do despedimento colectivo não havia Comissão de Trabalhadores na insolvente,

- Não foi constituída Comissão Representativa dos Trabalhadores.

- O Administrador da Insolvência notificou o Ministério do Trabalho em 04 de Setembro de 2014 a intenção de proceder ao despedimento colectivo, conforme documento junto a fls. 92v, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

- O autor reclamou junto do administrador da insolvência o pagamento de créditos laborais no valor total de 33.869,56 euros, conforme petição inicial junta a fls. 131 e ss., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.

- O Fundo de Garantia salarial pagou ao autor, por conta dos seus créditos laborais a que tinha direito no âmbito deste processo de insolvência, no valor total de 7.971,85 euros.

- Por sentença proferida nos autos de insolvência, já transitada em julgado, o Fundo de Garantia Salarial ficou sub-rogado nos direitos do autor na medida do pagamento dos créditos laborais já efectuado por este ao autor

- O crédito reclamado pelo autor junto do AI, no âmbito das reclamações de créditos, foi reconhecido nos termos da lista de créditos reconhecidos junta a fls. 85 e ss..

Não provado:

- O administrador da insolvência não comunicou o despedimento colectivo ao Ministério do Trabalho.

Vejamos então.

O Aresto impugnado fundou a sua resolução, além do mais, no seguinte raciocínio:

«(…) oferece maior dificuldade a solução a dar aos créditos indemnizatórios ou compensatórios, devidos ao trabalhador na sequência da cessação do seu vínculo – desde que essa cessação ocorra após a declaração de insolvência.

A doutrina tem-se dividido a este respeito.

Argumentam uns autores que se trata duma dívida da massa porque a cessação do contrato resulta de um acto praticado pela administração da massa insolvente [art. 51º, nº 1, al. c)] ora porque se trata de um acto do administrador da insolvência no exercício das suas funções [art. 51º, nº 1, al. d), defendendo que, a não ser assim, «implicaria colocar nas mãos do administrador da insolvência a qualificação ou não dos créditos laborais como créditos sobre a massa, pois em qualquer momento que decidisse por termo ao contrato converteria os créditos laborais sobre a massa numa indemnização a liquidar como crédito da insolvência».

Defendem outros autores, relativizando a circunstância de a cessação apenas se verificar em momento posterior à declaração de insolvência, que se trata de uma dívida desta, alegando que, não obstante, «é contudo, consequência daquele estado de insolvência, uma vez que a compensação é um direito adquirido com referência à duração do vínculo laboral, cujo contrato de trabalho perdurou enquanto a empresa insolvente esteve em actividade», asseverando que o facto constitutivo do direito do trabalhador (encerramento do estabelecimento conducente à extinção do vínculo) é similar independentemente do ocaso da relação jurídico-laboral se ter verificado antes ou depois da declaração de insolvência.

Nas mesmas águas navega Júlio Gomes, para quem «não parece que se possa dizer, regra geral, que a compensação devida pela cessação seja uma daquelas despesas que se inserem no escopo da lei ao qualificar certas dívidas como dívidas da massa”, e que não só as causas do despedimento “se encontram na situação económica da empresa pré-existente à declaração de insolvência, como, e, sobretudo, a compensação (…) é tarifada em função dos anos de antiguidade que terão lugar, em regra, anteriormente à declaração de insolvência, pelo menos na sua maior parte».

Tomando posição sobre a matéria, escreve Miguel Lucas Pires:

«(…), julgamos que um dos efeitos primaciais resultante da qualificação destes créditos compensatórios como da massa, qual seja a possibilidade de obtenção de pagamento imediato, não colhe, uma vez que, ao invés dos créditos retributivos (relativamente aos quais tal efeito se pode justificar, não só por existir uma contraprestação do trabalhador, como também em razão do carácter alimentar do salário e da sua natureza tantas vezes insubstituível enquanto rendimento indispensável para satisfação das necessidades mais basilares do trabalhador), tais créditos não só não pressupõem qualquer contraprestação por parte do trabalhador, como também não assumem a natureza alimentar dos créditos retributivos.

Por outro lado, é no mínimo duvidoso que a fonte de tais créditos radique na actuação do administrador da insolvência (seja enquanto acto de administração da massa insolvente, seja enquanto acto praticado no exercício das suas funções), pois se a cessação do vínculo em si pode ser reconduzida a esse acto volitivo, não é menos verdade que o direito de crédito associado a tal cessação tem fonte legal, por ser a lei que determina, para além das condições de tal cessação, a forma de cálculo da compensação a atribuir aos trabalhadores visados.

Por fim, será facilmente concebível que os trabalhadores cujo vínculo tenha cessado em momento anterior à decisão de cessação tomada pelo administrador da insolvência (por exemplo, porque se tratava de contrato a termo incerto, cuja caducidade entretanto se verificou), vejam os respectivos créditos indemnizatórios qualificados como da insolvência, enquanto aqueles cujo contrato se extinga na sequência daquela decisão, que pode até ser tomada pouco tempo depois, vejam os seus créditos da mesma natureza tratados como da massa».

Pensamos também ser muito duvidoso que a fonte dos créditos compensatórios resultantes da cessação do contrato de trabalho assente na actuação do administrador da insolvência, justamente porque o direito de crédito que emerge dessa cessação tem uma fonte legal, uma vez que é a lei que determina, para além das condições em que se dá essa cessação, a forma de cálculo da compensação a atribuir aos trabalhadores em causa.

Impressiona-nos ainda o facto da solução contrária poder conduzir a uma desigualdade de tratamento entre os trabalhadores despedidos em data anterior à declaração de insolvência, cujo crédito compensatório é dívida da insolvência, e os despedidos após a declaração da insolvência – que pode até ocorrer poucos dias depois - que vêm o crédito compensatório classificado como dívida da massa.

Assim, à semelhança de Miguel Lucas Pires, entendemos ser de qualificar os créditos laborais de cariz indemnizatório ou compensatório como da insolvência, munidos dos privilégios creditórios que os tutelam, com excepção das compensações relativas aos contratos celebrados após a declaração de insolvência, como sucede com os contratos a prazo celebrados pelo administrador, as quais deverão qualificar-se como créditos sobre a massa.

No caso em apreço, atenta a factualidade apurada, podemos concluir que o crédito compensatório do autor/recorrido se reporta ao tempo do vínculo laboral situado entre 1 de Março de 1982 e 20 de Novembro de 2013.”

(…)

Em conclusão:

Constitui dívida da insolvência a indemnização devida ao trabalhador reclamante em consequência de despedimento correspondente à sua antiguidade até à data da declaração da insolvência, não revelando o acto do Administrador da Insolvência que decidiu o despedimento depois da declaração de insolvência, tendo em conta a natureza compensatória de tais créditos.(…)».

Insurge-se o Recorrente contra o Aresto sob censura porquanto na sua tese tendo a empregadora sido declarada insolvente em 3 de Outubro de 2013 e tendo-se o Recorrente mantido, ininterruptamente, ao serviço até 10 de Novembro de 2014, data em que foi despedido no âmbito do processo de despedimento colectivo instaurado pelo Sr. Administrador de Insolvência, tendo tal decisão, nos termos do artigo 366º do Código do Trabalho, feito emergir, na sua esfera jurídica, o direito à compensação indemnizatória e tal crédito, por se ter constituído após a declaração de insolvência do empregador e pelo facto de resultar de um acto praticado pelo Sr. Administrador de Insolvência, nos termos do artigo 51º, nº1, alíneas c) e d) do CIRE, terá necessariamente de ser classificado como dívida da massa insolvente e não divida da insolvência, como erradamente foi entendido no acórdão recorrido.

Saber se se trata de um crédito da insolvência – e a consequente divida que lhe corresponde - ou de uma dívida da massa insolvente, dependerá da qualificação jurídica do crédito reclamado nos autos pela Recorrida, tendo em atenção os respectivos conceitos que defluem nos normativos insertos nos artigos 47º e 51º do CIRE.

Analisemos então.

Preceitua o artigo 47º, nº1 do CIRE que «Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantido por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio.».

Acrescenta o seu nº2 que «Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência.».

Por seu turno o nº4 enumera-nos as categorias de créditos relevantes nesta sede insolvencial, do seguinte modo, embora sem qualquer ordem de prevalência «Para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são: a) ‘Garantidos’ e ‘privilegiados’ os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes; b) ‘Subordinados’ os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência; c) ‘Comuns’ os demais créditos.».

No que tange às dívidas da massa insolvente, são as mesmas enumeradas no artigo 51º, nº1, nas suas várias alíneas, embora sem carácter taxativo, como deflui inequivocamente da sua redacção, porquanto aí se lê o seguinte:

«Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código:

a) As custas do processo de insolvência;

b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores;

c) As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente;

d) As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções;

e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência;

f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração;

g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objecto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório;

h) As dívidas constituídas por actos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes;

i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente;

j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.º.»

Esta diferenciação é de extrema importância, já que como decorre do disposto no artigo 46º, nº1 do CIRE «A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.», o que significa que as dividas da massa insolvente são pagas com precipuicidade, de onde se conclui que os créditos sobre a insolvência, seja qual for a respectiva categoria, são preteridos no confronto com aqueles,  cfr a propósito da diferença entre estas duas categorias de créditos Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, Uma Introdução, 3ª edição, 30.

O Código do Trabalho predispõe no seu artigo 347º, nº1 que a declaração de insolvência do empregador não implica, a se, a caducidade do contrato de trabalho, acrescentando o seu nº2 que antes do encerramento definitivo do estabelecimento, o administrador da insolvência pode fazer cessar o contrato de trabalho de trabalhador cuja actividade não seja indispensável ao funcionamento da empresa.

No caso em análise, cumpre chamar à colação a seguinte factualidade:

- Por sentença proferida em 03/10/2013, já transitada em julgado foi declarada a insolvência da sociedade X.

- O Autor foi admitido, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, em 16/11/1998, para exercer as funções de oficial de chefe de equipa, como trabalhou, sob a autoridade, direcção e fiscalização da insolvente, mediante retribuição.

- O Autor manteve-se ininterruptamente ao serviço da insolvente desde a data da sua admissão até 10/11/2014, data em foi despedido no âmbito do despedimento colectivo promovido pelo Administrador da Insolvência.

Daqui se abarca que o Recorrente viu cessado o seu contrato de trabalho para com a Insolvente em 10 de Novembro de 2014, não obstante tal contrato estivesse suspenso sponte sua, desde 10 de Julho de 2013, como se apurou, sendo certo que tal suspensão não eximiu qualquer das partes aos direitos, deveres e garantias resultantes do convénio havido entre ambas, nem tal suspensão obstou a que o contrato viesse a ter o seu terminus através do despedimento colectivo, cfr artigo 295º, nº1 e 2 e 359º, nº1 do CTrabalho.

A cessação do contrato de trabalho assim ocorrida, fez gerar na esfera jurídica do Autor, aqui Recorrente, o direito a ser compensado nos termos previstos no artigo 366º, nº1 do CTrabalho, compensação essa que aqui se não questiona no seu quantum, não estando esse montante controvertido – o mesmo mostra-se reconhecido pelo Administrador da Insolvência.

O aporema daqui consiste em saber qual a qualificação desse direito: crédito da insolvência ou divida da massa insolvente, conquanto se entenda que o mesmo corresponde a trabalho realizado antes da declaração da insolvência, ou antes, ao realizado após tal declaração.

Se estivéssemos perante um crédito resultante de retribuições não pagas, tout court, a questão seria de fácil resolução, pois as retribuições vencidas e não pagas antes da declaração da insolvência seriam subsumíveis às dividas da insolvência e os correspondentes créditos dos trabalhadores garantidos ou privilegiados de harmonia com o artigo 47º, nº4, alínea a) do CIRE e 333º do CTrabalho; as retribuições vencidas e não pagas em período subsequente a tal declaração, integrariam a categoria de dívidas da massa insolvente e os correspondentes créditos pagos prioritariamente, nos termos do artigo 46º do CIRE.

Mas, o direito crédito aqui em causa nesta acção, correspondente a uma compensação proveniente de um despedimento colectivo ocorrido após a declaração de insolvência da entidade empregadora e resultante de um acto praticado pelo seu administrador, podendo enquadrar pois, numa determinada leitura, a alínea d) do artigo 51º do CIRE que supra se transcreveu, podendo, mutatis mutandis, ser subsumida à alínea e) do mesmo normativo, já que a mesma provem de contrato bilateral – o contrato de trabalho havido entre o Recorrente e a agora Insolvente – cujo cumprimento não pode ser recusado, sendo pois, segundo uma interpretação literal, uma divida da massa insolvente, cfr neste sentido Carvalho Fernandes, Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho segundo o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, in RDES, Ano XLV, Janeiro-Setembro-2004, nºs 1, 2, 3, 5/39; Menezes Leitão, A natureza dos créditos laborais resultantes de decisões do administrador da insolvência, in Cadernos De Direito Privado, Nº34, Abril/Junho 2011, 55/66; Ana Prata, Jorge Morais Carvalho, Rui Simões, Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas Anotado, 2013, 169/173; Carvalho Fernandes, João Labareda, Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas Anotado, 2ª Edição, 320/324.

Embora o acto que despoleta a obrigação de compensar o trabalhador pelo despedimento surja após a declaração de insolvência e por obra do respectivo administrador, a indemnização pela cessação do contrato de trabalho ser aferida pelos anos de actividade laboral levada a cabo pelo trabalhador a favor da entidade empregadora entretanto insolvente, antes da declaração de insolvência desta, o direito de crédito e a concomitante divida «nascem» e são calculados nos termos do artigo 366º, nº1 do CTrabalho, por fixação prévia, isto é, por liquidação antecipada do dano - tendo em atenção os vinte dias de remuneração base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade -, que tem em vista a reparação presente e futura pelo interesse negativo emergente da confiança na prossecução da execução do negócio, cfr Bernardo da Gama Lobo Xavier, Compensação por despedimento, in RDES, Ano LIII, Janeiro/Junho, 2012, Nºs 1-2, 65/100 (70).

É uma reparação presente e futura, que tem a sua origem num acto de despedimento colectivo encetado pelo administrador da insolvência após a sua declaração e por causa da mesma, actual pois, embora o respectivo cálculo se encontre pré-fixado e por referência aos anos de trabalho desempenhados antes daquela declaração, por imposição legal, sendo aqui que reside, quanto a nós, o quid para a qualificação da divida assim contraída como sendo da insolvência, porquanto se não reporta a um período anterior, calculada previamente pela própria Lei, com base numa situação laboral pretérita, constituindo um direito adquirido com referência duração do vínculo laboral, cujo contrato de trabalho perdurou enquanto a empresa insolvente esteve em actividade, sendo duvidoso que a fonte de tais créditos radique na actuação do administrador, cfr neste sentido inter alia Joana Costeira, Os Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho, 2013, 91; Miguel Lucas Pires, Os Privilégios Creditórios», 2015, 408/ 414; Leonor Pizarro Monteiro, O Trabalhador e a Insolvência da Entidade Empregadora, 112/117; Júlio Gomes (aqui primeiro Adjunto), Nótula sobre os efeitos da insolvência do empregador nas relações de trabalho, I Congresso do Direito da Insolvência, Almedina 2013, 292/295, intervenção esta actualizada em Dezembro de 2014, CEJ, Ebook Processo De Insolvência e Acções Conexas, desenvolvendo a seguinte argumentação no que à economia da questão em tela diz respeito «(…) Repare-se que a tese da doutrina dominante conduz, outrossim, a uma grave desigualdade de tratamento entre trabalhadores: trabalhadores da empresa que tenham sido abrangidos por um despedimento colectivo praticado antes da declaração de insolvência terão apenas um crédito sobre a insolvência, enquanto os trabalhadores que sejam objecto de um despedimento colectivo ou de uma caducidade por encerramento após a declaração de insolvência teriam um crédito sobre a massa, apenas porque, por hipótese, o despedimento colectivo ou a caducidade que os afectou teve lugar alguns dias depois.

Dir-se-á, contudo, que esta é uma solução que poderá ser materialmente injusta, mas que resulta do art. 51.º do CIRE. Afigura-se-nos, no entanto, que importa fazer uma interpretação teleológica e restritiva do art. 51.º e, designadamente, da sua alínea d). Repare-se que, de acordo com a alínea f) do n.º1 do art. 51.º, qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência é uma dívida da massa mas, acrescenta-se, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou que se reporta a período anterior a essa declaração e, do mesmo modo, a alínea g) do n.º 1 também estabelece que é dívida da massa qualquer dívida resultante de contrato que tem por objecto uma prestação duradoura, mas só na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório. A alínea e) do n.º 1 do artigo 51.º ao referir que é dívida da massa insolvente “qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência” parece referir-se, designadamente, ao contrato de trabalho. Ora pode questionar-se se a compensação por antiguidade, ainda que desencadeada por uma actuação do administrador (o despedimento colectivo, o despedimento por extinção do posto de trabalho ou o encerramento definitivo da empresa ou estabelecimento com a consequente caducidade dos contratos de trabalho) não se reporta, a final, a período anterior (ou, pelo menos, parcialmente anterior) a essa declaração?

A situação referida na alínea d) é também ela uma dívida que resulta da actuação do administrador da insolvência na medida em que este optou por não recusar o cumprimento do contrato, o que de resto, legalmente, não poderia fazer. O contrato de trabalho não cessa automaticamente, como vimos, pela declaração de insolvência do empregador e, além disso, de acordo com a doutrina dominante, o administrador não terá a possibilidade de simplesmente recusar o seu cumprimento, mas poderá fazê-lo cessar, por exemplo, por despedimento colectivo ou por caducidade (se houver encerramento definitivo da empresa).(…)».

Somos sensíveis a esta argumentação, tendo em atenção a factualidade que subjaz ao caso sujeito:

Primo: o Recorrente suspendeu o contrato de trabalho existente com a insolvente, em 10 de Julho de 2013;

Secundum: aquando da declaração da insolvência, em Outubro de 2013, a empresa já não se encontrava em laboração;

Tertio: após o prazo para as reclamações de créditos em 21 de Novembro de 2013, o Administrador da insolvência apresentou o Relatório previsto no artigo 155º do CIRE, no qual propôs o encerramento formal do estabelecimento e a imediata liquidação dos bens da massa insolvente apreendidos ou a apreender.

Ora, daqui se extrai que o Recorrente, independentemente do despedimento colectivo que sobreveio à declaração de insolvência, já havia suspendido o seu contrato de trabalho para com a insolvente, sendo certo que esta já não se encontrava em laboração, de onde poder-se concluir que a suspensão do contrato acarretou, além do mais, para o Recorrente a possibilidade de não efectuar qualquer prestação de actividade para a Insolvente e para esta, a dispensa de satisfazer àquele o vencimento mensal acordado como contrapartida daquela actividade: quer isto dizer que para todos os efeitos as obrigações primárias decorrentes da relação laboral, consistentes em prestação de actividade versus pagamento de salário, cessaram em data anterior à declaração de insolvência e consequentemente antes mesmo do despedimento colectivo levado a cabo pelo Administrador, constituindo este acto um mero pró-forma no que tange à finalização das relações entre a Insolvente e o Recorrente.

Como decorre do normativo inserto no artigo 295º, nº1 do CTrabalho «Durante a (…) suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho.», o que significa que não havendo prestação de trabalho o dever de pagar a retribuição não se mantém, alínea b) do nº1 do artigo 127º daquele diploma, acrescentando o seu nº2 que «O tempo de (…) suspensão conta-se para efeitos de antiguidade.», correspondendo esta ao período temporal em que o trabalhador se encontra integrado na empresa, ou na organização laboral do empregador.

Isto significa que o Recorrente deixou, de facto, de desempenhar as suas funções laborais para a Insolvente em 10 de Julho de 2013, antes, pois, da declaração de insolvência da entidade empregadora, bem como da cessação efectiva do seu contrato de trabalho, através do despedimento colectivo efectuado pelo Administrador em 21 de Novembro de 2013, no âmbito do processo de insolvência, apenas tendo relevância jurídica este acto formal, no que aos direitos do Recorrente concerne, para efeitos de contagem da respectiva antiguidade e nesta, para proceder ao cálculo da compensação a receber, tendo em atenção a indemnização «tarifada» resultante do normativo inserto no artigo 366º, nº1 do CTrabalho.

Vista nesta perspectiva, a compensação, no caso sub especie, originada embora por um acto do Administrador ocorrido após a declaração de insolvência, destinou-se a ressarcir um trabalho que, efectivamente, apenas foi prestado pelo Recorrente até momento anterior à declaração de insolvência da sua entidade empregadora, a aqui Insolvente, sendo assim, sem sombra para dúvidas, de uma divida da insolvência e não da massa insolvente, embora a contabilização seja feita até momento posterior àquela declaração, ex vi do disposto no nº2 do artigo 295º do CTrabalho, conjugado com o supra mencionado artigo 366º, nº1, já que o despedimento colectivo entretanto surgido se destinou apenas a desfazer os direitos, deveres e garantias das partes que restavam e que não pressupunham, quer a prestação de trabalho, quer a prestação da remuneração, sendo certo que esta foi satisfeita, pelo menos em parte, pelo  Fundo de Garantia Salarial, como decorre da matéria assente.

A cessação formal do contrato de trabalho ocorrida após a declaração de insolvência, numa altura em que o Recorrente não desempenhava, nem poderia desempenhar, qualquer actividade para a Insolvente, por um lado porque já a havia suspendido anteriormente e por outra banda, a entidade empregadora já havia deixado de laborar, tendo sido requerida a sua liquidação, não pode constituir argumento bastante para subsumir a compensação reclamada à categoria de crédito sobre a massa como vem esgrimido por aquele.

Nesta precisa situação, atenta a particularidade dos seus contornos, não se suscita qualquer problemática na qualificação do crédito aqui reclamado pelo Recorrente, porquanto a compensação devida, originada embora pelo despedimento colectivo, se destinou a ressarcir uma prestação de trabalho que teve lugar, apenas e tão só, até momento anterior ao da declaração de falência, motu proprio do Requerente, o qual fez suspender o seu contrato de trabalho com a Insolvente.

O fundamento do crédito do Requerente é, sem dúvida, anterior à data da declaração da insolvência e por isso aquele só pode ser qualificado como credor desta nos termos do artigo 47º, nº1 do CIRE.

Soçobram as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista, e embora com fundamentação algo diversa, confirma-se a decisão ínsita no Aresto impugnado.

 

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 5 de Julho de 2016

Ana Paula Boularot (Relatora)

Pinto de Almeida

Júlio Gomes