Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7313/12.7TBMAI-G.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
CADUCIDADE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CONHECIMENTO
PRESSUPOSTOS
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
DEVER DE DILIGÊNCIA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO FINAL
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
EXCEPÇÃO PERENTÓRIA
Apenso:
Data do Acordão: 01/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR – MASSA INSOLVENTE E INTERVENIENTES NO PROCESSO / ÓRGÃOS DA INSOLVÊNCIA / RESPONSABILIDADE / EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE.
Doutrina:
- Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil, Anotado, 3.ª Edição revista e ampliada, p. 829 e 830;
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª Edição, p. 295;
- Júlio Gomes, Nótula sobre a Resolução em Benefício da Massa Insolvente, IV Congresso do Direito de Insolvência, p. 121 a 123.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 59.º, N.º 1, 120.º, N.ºS 1, 3, 4 E 5, 121.º, N.º 1, ALÍNEA H), 122.º, 123.º, N.º 1, 124.º, N.º 1, 125.º E 126.º, N.ºS 4, 5 E 6.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 595.º, N.º 1, ALÍNEA B) E 671.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, N.ºS 1 E 3 E 329.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 18-10-2016, PROCESSO N.º 7/13.8TBFZZ-G.E1.S1;
- DE 27-10-2016, PROCESSO N.º 3158/11.0TJVNF-H.G1.S1;
- DE 27-10-2016, PROCESSO N.º 653/13.0TBBGC-F.G1.S1;
- DE 18-09-2018, PROCESSO N.º 195/14.6TYVNG-E.P1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - O “conhecimento do acto” a que alude o art. l23.º, n.º 1, do CIRE, não se basta com o mero conhecimento da prática do ato ou negócio, implicando também o conhecimento dos pressupostos necessários para a existência do direito de resolução.

II - É ao impugnante da resolução que cabe alegar factos que neutralizem o exercício do direito à resolução, neste caso os que integram a caducidade.

III - Se o que o impugnante alega não representa um efetivo conhecimento da prática de um ato prejudicial à massa, mas apenas conjeturas sobre tal conhecimento, terá que se considerar inverificada a caducidade do direito de resolução.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA e BB intentaram - pelo Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia e por apenso aos autos da sua insolvência - contra a Massa Insolvente de AA e de BB ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente do contrato de compra e venda celebrado em 3 de setembro de 2012 entre os Insolventes (vendedores) e CC (comprador) de 10.000 ações ao portador da sociedade denominada Restaurante - O ... S.A., resolução essa oportunamente feita operar pela Administradora da Insolvência.

Com idêntica finalidade foi também instaurada pelo adquirente CC uma outra ação contra a dita Massa Insolvente, mas cuja apensação aos presentes autos foi determinada, seguindo os dois processos tramitação unitária.

Em síntese, alegaram estes dois conjuntos de Autores que o direito à resolução da suposta compra e venda caducou, por isso que a Administradora da Insolvência teve conhecimento do negócio e das suas especificidades desde agosto e setembro de 2014, mas apenas procedeu à resolução mediante cartas de 11 de maio de 2016, fazendo-o assim para além do prazo de seis meses estabelecido na lei. Mais alegaram que os Insolventes, pese embora ter o Insolvente celebrado em 2006 contrato-promessa de venda de ações da sociedade Restaurante - O ... S.A., nunca detiveram as ações em questão, que foram inicialmente adquiridas pelo Autor CC à sociedade DD, S.A. e Outros pelo preço de 350.000,00€, com dinheiro ao mesmo pertencente, sendo que o Insolvente apenas “emprestou” e “deu como garantia” o seu nome ao negócio.

Contestou a Ré, concluindo pela improcedência das ações.

Disse, em síntese, que apenas em 8 de abril de 2016 tomou conhecimento de factos relevantes para o exercício do direito à resolução, de sorte que improcedia a exceção de caducidade deduzida.

Mais disse que as ações se mantêm em poder dos Insolventes, sendo o Insolvente quem continua a gerir de facto a sociedade Restaurante - O ... (entretanto transformada em sociedade por quotas), tendo sido os Insolventes quem efetivamente adquiriu a totalidade das ações em causa em 2006, vindo os Insolventes e o CC, em 3 de setembro de 2012, a declarar contratar - mas de forma que se revela prejudicial aos interesses da massa - a compra e venda das faladas 10.000 ações ao portador.

Veio depois a ser proferido saneador-sentença que, por efeito da ocorrência da invocada caducidade do direito de resolução, julgou procedentes as ações.

Inconformada com o assim decidido, apelou a Ré Massa Insolvente.

Fê-lo com êxito, pois que a Relação do Porto considerou que não tinha ocorrido a caducidade e, em consequência, revogou a sentença e determinou o prosseguimento dos autos.

É agora a vez dos dois grupos de Autores, insatisfeitos com o decidido, pedirem revista.

                                                           +

Da respetiva alegação extraem os Autores AA e BB as seguintes conclusões:

I. Não merece censura a sentença proferida pelo Tribunal a quo que elaborou um processo minucioso dos prazos do conhecimento por parte da AI do acto, que a AI tomou conhecimento do ato aquando do incidente de qualificação de insolvência apresentado pelo credor EE em 28 de outubro de 2014 e em por outro lado, no seu requerimento probatório datado de 19 de outubro de 2015, que nesta data poderia ao abrigo doo disposto do art. 121° do n.º 1 b) doo CIRE resolver incondicionalmente.

II. Destarte, o prazo iniciou-se com o conhecimento do acto, pela AI em 28 de outubro de 2014, prazo que teve conhecimento e deveria ter acautelado, e respeitado a observância dos prazos previstos no art. 123°, ou seja, quando o AI tomou conhecimento das circunstâncias e conteúdo do acto que ocorreu em 28 de outubro de 2014 e em 19 de outubro de 2015 de que esse acto poderia ser objeto de resolução.

III. Sendo ainda de relevar, para o caso em concreto, se poder concluir que o prazo de 28 de outubro de 2014 e em 19 de outubro de 2015, é o prazo nele contido que assume o prazo de caducidade, que é entendimento unânime na doutrina e na jurisprudência, que o prazo de caducidade é quando a AI toma conhecimento dentro de seis do ato, dentro dos anos, isto é em 28 de outubro de 2014 e 19de outubro de 2015 e não em 11 de maio de 2016 como invoca e fazer crer que teve conhecimento.

IV. Nesta conformidade tem de concluir-se que os prazos constantes no art° 123.º do CIRE, e não obstante a sua epígrafe é um prazo de caducidade que ocorreu em 28 de outubro de 2014 e 19 de outubro de 2015, data de conhecimento de todos os factos por parte da AI, em que esta não procedeu em conformidade a que estava obrigada, mostrando incúria na resolução dos atos.

V. Na verdade, a AI com a declaração de resolução em 11 de maio de 2016, pretendeu exercitar um direito, defender um interesse e obter um certo efeito jurídico quando esse efeito jurídico já tinha caducado em 28 de outubro de 2014 e em 19 de outubro de 2015 e para contornar a omissão do acto invoca que teve conhecimento dos factos em 11 de maio de 2016, o que é falacioso e ofensivo à lei, que só por interesse próprio poderá entender-se tal interpretação.

VI. O art° 123.º do CIRE, ao estabelecer o prazo de seis meses, a contar do respectivo conhecimento por parte da Administradora, para que esta exerça o direito potestativo de resolver os atos prejudiciais à massa, a qual só exerceu em 11 de maio de 2016 quando teve conhecimento em 28 de outubro de 2014, que detinha todos os pressupostos, facto que invocou no parecer de incidente de qualificação de insolvência como culposa, pelo que o prazo que ocorreu em 11 de maio de 2016 é de caducidade - Ac. da RP de 12.05.2014, cit., e, bem assim, Ac. RL de 19.11.2015, p. 1061-07.7TYLSB.

VII. O legislador é perentório na fixação de um prazo. E se se negligenciasse o momento em que o administrador da insolvência devia conhecer o circunstancialismo isso significaria, em concreto um excessivo alargamento do prazo, como já aqui se defendeu era conceder ad inicio um direito à AI que não lhe assiste, e a qualquer momento encontrava fundamentos que não legais para invocar o direito da resolução.

VIII. Entende-se, por conseguinte, que a AI teve conhecimento do acto e de todos os pressupostos em três momentos, que o Tribunal da relação do Porto ignorou na sua totalidade, um em 19 de setembro de 2014, na Assembleia de credores e um segundo momento em 28 de outubro de 2014 e um terceiro em 19 de outubro de 2015, quando dá o seu parecer no âmbito da qualificação da insolvência e fundamenta o mesmo com os pressupostos do negócio.

IX. Para além da diferente interpretação que o Tribunal da Relação do Porto a que procedeu, no que respeita ao início da contagem do prazo de resolução, entende necessário o conhecimento dos pressupostos da resolução, que ocorreu em 11 de maio de 2016, quando os pressupostos já eram conhecidos em 28 de outubro de 2014 e 19 de outubro de 2015 e que o Tribunal da 1ª Instancia reconheceu que a AI teve conhecimento do acto aquando da apresentação do seu requerimento probatório em sede de incidente de qualificação de insolvência, em 19-10-2015; ora, no presente caso, o Tribunal da Relação do Porto não verificou as datas nem a interpretação do art. 123.º do CIRE, que a Administradora de Insolvência não foi célere no exercício das suas funções não podendo, por isso, escudar-se, como o faz a decisão recorrida.

X. Como parece evidente, a seguir-se o entendimento adotado nesta decisão da Relação sobre o início do prazo de resolução é alterar o espírito do legislador e assim vir ocultar a referida atuação menos diligente da AI que teve conhecimento na data do seu requerimento probatório, em 19-10-2015, como bem refere o tribunal a quo, quando o prazo se iniciou com o mero conhecimento do acto, ou seja, em 28 de outubro de 2014, já tinha conhecimento dos pressupostos do acto, pelo que aquele prazo já estaria há muito esgotado, antes mesmo de se verificar aquele comportamento negligente.

XI. Na verdade, o artigo 123.º n.º 1 do CIRE refere-se a “ ... conhecimento do acto ...” e não das circunstâncias que irão influenciar o exercício ou não do direito de resolução por parte do administrador da insolvência, apesar disso a AI teve conhecimento de todos os requisitos do ato.

XII. Como refere a lei, estipula que o prazo conta-se a partir do conhecimento do ato que se pretende resolver - art° 123.º do CIRE. Ora no que concerne ao alcance e abrangência de tal «conhecimento» deve entender-se que ele se reporta ao conhecimento, pelo AI, em 19 de setembro de 2014, na Assembleia de credores e um segundo momento em 28 de outubro de 2014 e um terceiro em 19 de outubro de 2015, quando a AI apresenta o incidente de qualificação de insolvência, em que poderia proceder a resolução incondicional do acto, o que significa que a mesma teria apenas de fazer prova do acto em si, sem necessidade de provar outros requisitos: facto que foi omitido por inércia e que encontrou uma justificação injustificável para resolver o contrato em 11 de maio de 2016, quando há muito se tinha esgotado o prazo e tinha o conhecimento de todos os atos.

XIII. Salvo o devido respeito, não podem os Recorrentes sufragar a interpretação do acórdão do Tribunal da Relação ao art. 123° do CIRE quanto ao momento do conhecimento pela AI do acto, não tem apoio na letra da lei, nem no seu espírito. Na verdade, o art°. 123.°, n.º 1 do CIRE refere expressamente “( ... ) seis meses seguintes ao conhecimento do acto”, e não das circunstâncias que irão influenciar o exercício ou não do direito de resolução por parte da AI que desde já se impugna, e fosse intenção do legislador condicionar o decurso do prazo de seis meses ao conhecimento das circunstâncias que poderiam fundamentar a resolução do acto, tê-lo-ia dito expressamente no próprio texto do preceito, tendo em conta o efeito gravoso que daí resultava para as partes intervenientes nesses atos.

XIV. Como é sabido, toda a atividade inerente ao processo de insolvência é urgente, pelo que o Administrador terá de ser célere no exercício das suas funções, assim como todas as entidades públicas terão de o ser, quando solicitadas pelo Administrador da Insolvência. Daí que não julgamos que esteja em risco, em termos legais, a caducidade do direito de resolução de qualquer acto, se o Administrador cumprir, com diligência, as suas funções, que ocorreu em três momentos: em 19 de setembro de 2014, na Assembleia de credores e um segundo momento em 28 de outubro de 2014 e um terceiro em 19 de outubro de 2015, e este último probatório do incidente da qualificação de insolvência.

XV. Nesta conformidade, não ocorrem dúvidas que o prazo de 6 meses conta-se a partir do conhecimento do acto resolúvel - que ocorreu em três momentos: em 19 de setembro de 2014, na Assembleia de credores e um segundo momento em 28 de outubro de 2014 e um terceiro em 19 de outubro de 2015, e não do conhecimento pela AI dos pressupostos que a mesma inventou em 11 de maio de 2016, para fundamentar a resolução, ou do acto de decisão daquele em resolver, assente em circunstâncias que não o determinaram.

XVI. A questão em recurso não tem merecido uma resposta unívoca por parte da jurisprudência conhecida, salvo o devido respeito pelos defensores da tese contrária, entendem os Recorrentes, na esteira dos acórdãos da Relação de Guimarães de 10.04.2014 e da Relação do Porto de 12.05.2014, que o prazo de caducidade de 6 meses estabelecido no art. 123°, n.º 1, conta-se desde o conhecimento do acto, isto é, das partes nele intervenientes, da sua data, do seu objecto e das obrigações dele resultantes para cada uma das partes, e não desde o conhecimento pela AI dos pressupostos que podem fundamentar a resolução do acto, em 11 de maio de 2016.

XVII. Os prazos para efetivar a resolução de atos em benefício da massa insolvente, consagrados no art 123° nº 1 do CIRE, logo que o administrador tenha conhecimento puro e simples que ocorreu em 19 de setembro de 2014, na Assembleia de credores e um segundo momento em 28 de outubro de 2014 e um terceiro em 19 de outubro de 2015; neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.04.2014, processo 738/12.0TBFAF-J.G1, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.05.2014, processo 3324/1 0.5TBSTS-F.P1, invoca, desde logo, a letra da lei, para sustentar que o prazo de caducidade de seis meses “se conta a partir do conhecimento puro e simples, que ocorreu como refere o Tribunal a quo, em 19-10-2015 ou em 28-10-2014, em que a AI teve conhecimento e poderia ter resolvido o ato e nunca por nunca a resolução poderia operar em 11 de maio de 2016, porque a AI já possuía há muito todos os elementos do acto para fazer a resolução do ato nos termos do art. 120° do CIRE.

XVIII. Pelo que, falece todos os argumentos interpretativos do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no que tangue á interpretação ao art. 123° do CIRE em que elabora uma interpretação sem ter o cuidado de analisar os prazos que a AI teve conhecimento dos atos, ocorrendo a caducidade em 19 de setembro de 2014, na Assembleia de credores e um segundo momento em 28 de outubro de 2014 e um terceiro em 19 de outubro de 2015.

Terminam dizendo que deve ser reconhecido que a caducidade do direito da resolução nos termos do 123.° do CIRE operou em 28 de outubro de 2014 ou em 19 de outubro de 2015, repondo-se a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instancia, a qual “elaborou uma interpretação do art. 123.º do CIRE nos termos do espírito do legislador, e por via disso, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto seja revogado, por ter interpretado erradamente o espírito do art. 123.º do CIRE e consequentemente ser reposta a decisão da 1ª Instância.”

                                                           +

Da respetiva alegação extrai o Recorrente CC as seguintes conclusões:

I.- A sentença proferida pelo Tribunal a quo, não merece censura, fundamentou de forma coerente e minuciosa os prazos, em que a Exa AI teve conhecimento, neste sentido acórdão da RGUIMARÃE5, 896/16.4T8VRL-I.G1, in www.dgsi.pt, o primeiro momento a 14/09/2014, tomou conhecimento do ato aquando do incidente de qualificação de insolvência, requerido pelo credor EE em 14 de outubro de 2014, e, que o Tribunal a quo, mandou notificar a Exma. AI para dar cumprimento, sem olvidar o seu requerimento probatório datado de 19 de outubro de 2015, que nesta data poderia ao abrigo do disposto do art. 121.º do n.º 1 b) do CIRE resolver incondicionalmente, porque foi-lhe facultado elementos para realizar atos para a resolução.

II.- Destarte, o prazo iniciou-se com o conhecimento do acto, pela Exma. AI na Assembleia de Credores quando os credores invocaram que o Restaurante ... pertencia ao Insolvente, 19/09/2014, e posteriormente a 14 de outubro de 2014, prazo que teve conhecimento e deveria ter acautelado, e respeitado a observância dos prazos previstos no art. 123.º do CIRE, ou seja, quando o AI tomou conhecimento das circunstâncias e conteúdo do acto, as partes, de que esse acto poderia ser objeto de resolução.

III- In casu, se pode concluir sem margem para dúvidas que o prazo iniciou-se a 19/09/2014 e mesmo que não fosse este prazo sempre se diria a 14/10/2014, e, na sequência do despacho do tribunal a notificar a Exma. AI de que deveria proceder em conformidade, pelo que há muito tinha o prazo de caducidade expirado, sendo entendimento unânime na doutrina e na jurisprudência, que o prazo de caducidade é quando a AI toma conhecimento e não conhecimento do conteúdo e da obrigação de realizar atos contundentes à resolução, 19/10/2014 e se assim não se entendesse se diria a 24 de Outubro de 2015 data que é peticionado documentos, e não em 11 de maio de 2016 como invoca e fazer crer que teve conhecimento.

IV.- Nesta conformidade tem de concluir-se que os prazos constantes no art° 123.º do CIRE, e não obstante a sua epígrafe é um prazo de caducidade que ocorreu em 14/09/2014, a 19/10/2014, ou quanto muito a 24 de outubro de 2015, data de conhecimento de todos os factos por parte da AI, em que esta não procedeu em conformidade a que estava obrigada, mostrando incúria na resolução dos atos, e, que o Tribunal a quo, fundamentou bem as datas que a Exma. AI teve conhecimento dos factos do negócio e não invocar 8/04/2016 e que operou a resolução a 11/5/2016, sendo falso e desvirtuar a realidade objetiva da lei.

V.- Não obstante a declaração de resolução realizada pela Exma. AI, invocar que teve conhecimento a 08/04/2016, pretendeu exercitar um direito, defender um interesse e obter um certo efeito jurídico quando esse efeito jurídico já há muito tinha caducado, em que podemos dividir em três momentos, a 14/09/2014, a 19/10/2014 e a 19/10/2015, para contornar a sua inércia, e, invocar que teve conhecimento dos factos em 08/04/2016 e realizou a comunicação da resolução a 11 de maio de 2016, o que e falacioso e ofensivo à dignidade da Justiça e está a entorpecer a Justiça, para defesa e só defesa do seu interesse próprio, nunca poderá entender-se tal interpretação.

VI.- O art. 123.º do CIRE, ao estabelecer o prazo de seis meses, a contar do respectivo conhecimento por parte da Administradora, para que esta exerça o direito potestativo de resolver os atos prejudiciais à massa, a qual só exerceu em 11 de maio de 2016 quando teve conhecimento 14/09/2014, a 19/10/2014 e a 19/10/2015, detinha todos os pressupostos, facto que invocou no parecer de incidente de qualificação de insolvência como culposa, pelo que, o prazo da resolução operado a 11 de maio de 2016 é de caducidade - neste sentido ver Ac. da RP de 12.05.2014, cit., Ac. RL de 19.11.2015, p. 1061-07.7TYL5B. in www.dgsi.pt.

VII.- O legislador é perentório na fixação de um prazo. E se se negligenciasse o momento em que o administrador da insolvência devia conhecer o circunstancialismo isso significaria, em concreto um excessivo alargamento do prazo, como já aqui se defendeu era conceder ab inicio um direito à AI que não lhe assiste, e a qualquer momento encontrava fundamentos que não legais para invocar o direito da resolução.

VIII.- Entende-se, por conseguinte, que a Exma. AI teve conhecimento do acto e de todos os pressupostos em três momentos, que o Tribunal da relação do Porto ignorou na sua totalidade, um em 19 de setembro de 2014, na Assembleia de credores e um segundo momento em 28 de outubro de 2014 e um terceiro em 19 de outubro de 2015, quando dá o seu parecer no âmbito da qualificação da insolvência e fundamenta o mesmo com os pressupostos do negócio, pelo que o prazo já há muito tinha caducado “11 de Maio de 2016”.

IX.- O Tribunal da Relação do Porto, elabora uma interpretação dos factos e das datas, no que respeita ao início da contagem do prazo de resolução, entende necessário o conhecimento dos pressupostos da resolução, que ocorreu em 11 de maio de 2016, tal facto, não é verdade, quando os pressupostos já eram conhecidos em 19/09/2014, 14/10/2015 e 19 de outubro de 2015, prazos que o Tribunal a quo, fundamenta e bem, que a Exma. AI teve conhecimento do acto aquando da apresentação do seu requerimento probatório em sede de incidente de qualificação de insolvência, em 19-10-2015; ora, in casu não ocorre dúvidas da data, em que pelo menos, no requerimento probatório apresentado a 19/10/2015, facto, que o Tribunal ad quem, não analisou nem ponderou as datas referidas na sentença do Tribunal a quo, nem tão pouco realizou a interpretação do art. 123° do CIRE, que a Administradora de Insolvência não foi célere no exercício das suas funções não podendo, por isso, escudar-se, como o faz a decisão recorrida.

X.- A seguir-se o entendimento adotado no acórdão colocado em crise, em que reconhece que o inicio do prazo para resolver o contrato a 8/04/2016, por tomou conhecimento das circunstâncias do negócio e os requisitos, é deturpar a verdade dos factos, quando a sentença do Tribunal a quo define e fundamenta a cronologia das datas em que a Exma. AI teve conhecimento das circunstâncias, em invocar o início do prazo de resolução 8/04/2016 e que o acto de comunicação a 11/05/2016, é alterar o espírito do legislador e assim vir ocultar a referida atuação menos diligente da AI que teve conhecimento das circunstâncias a 19/09/2014, 14/10/2014 e na data do seu requerimento probatório, a 19-10-2015, como bem refere o tribunal a quo, quando o prazo se iniciou com o conhecimento do acto, e, mais, das partes e as circunstâncias, ou seja, a 28 de outubro de 2014, já tinha conhecimento dos pressupostos do acto, pelo que, a 11/05/2016, o prazo já estaria há muito esgotado, antes mesmo de se verificar aquele comportamento negligente.

XI.- Na verdade, o artigo 123° n.º 1 do CIRE refere-se a “... conhecimento do acto ...” e não das circunstâncias que irão influenciar o exercício ou não do direito de resolução por parte do administrador da insolvência, apesar disso a AI teve conhecimento de todos os requisitos do ato, como refere a lei, estipula que o prazo conta-se a partir do conhecimento do ato que se pretende resolver - art° 123.º do CIRE. Ora no que concerne ao alcance e abrangência de tal «conhecimento» deve entender-se que ele se reporta ao conhecimento, pelo AI, em 19 de setembro de 2014, na Assembleia de credores e um segundo momento em 14 de outubro de 2014 e um terceiro em 19 de outubro de 2015, quando a AI apresenta o incidente de qualificação de insolvência, em que poderia proceder a resolução incondicional do acto, o que significa que a mesma teria apenas de fazer prova do acto em si, sem necessidade de provar outros requisitos.

XII. - Salvo o devido respeito, não podem os Recorrentes sufragar a interpretação do acórdão colocado em crise, ao descrever que a AI teve conhecimento a 08/04/2016, quanto ao momento do conhecimento pela AI do acto, nos termos do art. 123.º do CIRE, não tem apoio na letra da lei nem no seu espírito. Na verdade, o art.º 123°, n.º 1 do CIRE refere expressamente “( ... ) seis meses seguintes ao conhecimento do acto”, e não das circunstâncias que irão influenciar o exercício ou não do direito de resolução por parte da AI, que desde já se impugna, e fosse intenção do legislador condicionar o decurso do prazo de seis meses ao conhecimento das circunstâncias que poderiam fundamentar a resolução do acto, tê-lo-ia dito expressamente no próprio texto do preceito, tendo em conta o efeito gravoso que daí resultava para as partes intervenientes nesses atas.

XIII.- Como é sabido, toda a atividade inerente ao processo de insolvência é urgente, pelo que o Administrador terá de ser célere no exercício das suas funções, assim como todas as entidades públicas terão de o ser, quando solicitadas pelo Administrador da Insolvência. Daí que julgamos nos termos legais, a caducidade do direito de resolução de qualquer acto operou, se o Administrador cumprir, com diligência, as suas funções, que ocorreu em três momentos: a 19 de setembro de 2014, na Assembleia de credores e um segundo momento em 28 de outubro de 2014 e um terceiro em 19 de outubro de 2015, e este último probatório do incidente da qualificação de insolvência.

XIV.- Nesta conformidade, não ocorrem dúvidas que o prazo de 6 meses conta-se a partir do conhecimento do acto resolúvel - que ocorreu em três momentos: em 19 de setembro de 2014, na Assembleia de credores e um segundo momento em 28 de outubro de 2014 e um terceiro em 19 de outubro de 2015, e não do conhecimento pela AI dos pressupostos que mesma inventou em a 08/04/2016 e a prática do ato a 11 de maio de 2016, para fundamentar a resolução, ou do acto de decisão daquele em resolver, assente em circunstâncias que não o determinaram.

XV.- A questão em recurso não tem merecido uma resposta unívoca por parte da jurisprudência conhecida, salvo o devido respeito pelos defensores da tese contrária, entendem os Recorrentes, na esteira dos acórdãos da Relação de Guimarães de 10.04.2014 e da Relação do Porto de 12.05.2014, que o prazo de caducidade de 6 meses estabelecido no art. 123.º, n.º 1, conta-se desde o conhecimento do acto, isto é, das partes nele intervenientes, da sua data, do seu objecto e das obrigações dele resultantes para cada uma das partes, e não desde o conhecimento pela AI dos pressupostos que podem fundamentar a resolução do acto, em 11 de maio de 2016.

XVI.- Os prazos para efetivar a resolução de atos em benefício da massa insolvente, consagrados no art.º 123° n.º l do CIRE, logo que o administrador tenha conhecimento puro e simples que ocorreu em 19 de setembro de 2014, na Assembleia de credores e um segundo momento em 28 de outubro de 2014 e um terceiro em 19 de outubro de 2015; neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.04.2014, processo 738/12.0TBFAF-J.G1, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.05.2014, processo 3324/10.5TBSTS-F.P1, invoca, desde logo, a letra da lei, para sustentar que o prazo de caducidade de seis meses “se conta a partir do conhecimento puro e simples, que ocorreu como refere o Tribunal a quo, em 19-10-2015 ou em 28-10-2014, em que a AI teve conhecimento e poderia ter resolvido o ato e nunca por nunca a resolução poderia operar em 11 de maio de 2016, porque a AI já possuía há muito todos os elementos do acto para fazer a resolução do ato nos termos do art. 120.º do CIRE.

XVII.- In casu, falece todos os argumentos interpretativos do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no que tangue á interpretação ao art° 123° do CIRE e a conduta da Exma. AI, em que elabora uma interpretação sem ter o cuidado de analisar os prazos que a AI teve conhecimento dos atos, ocorrendo a caducidade a 19 de setembro de 2014, na Assembleia de credores a 28 de outubro de 2014 e um terceiro em 19 de outubro de 2015, em que a Exma. AI não foi célere no exercício das suas funções não podendo, por isso, escudar-se, como o faz a decisão recorrida, nos pretensos atrasos dos demais intervenientes, quando foi notificada pelo Tribunal a quo para realizar atos de resolução, facto, que omitiu não pode a mesma refugiar-se no prazo de 08/04/2016, como defende o acórdão do STJ de 27 Out. 2016, Processo 653/13.0TBBGC-F.Gl.S1 in www.dgsi.pt sobre a fundamentação da declaração de resolução em benefício da massa insolvente, tem sido entendido reiteradamente por esta Secção (6ª) do STJ que não é exigível que essa declaração “contenha uma exaustiva indicação de todos os factos que a justificam. Todavia, ela há-de integrar os factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação. Só nesta medida, conhecedor desses factos e razões, este terceiro fica em condições de os poder impugnar, como a lei lho permite”, no mesmo sentido in Cfr. Acórdãos de 25.02.2014, de 20.03.2014 e de 29.04.2014, acessíveis, como todos os adiante citados, em www.dgsi.pt.

Termina dizendo que deve ser reconhecido que a caducidade do direito da resolução nos termos do 123° do CIRE operou em 28 de outubro de 2014 ou em 19 de outubro de 2015, repondo-se a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instancia, a qual “elaborou uma interpretação do art. 123.º do CIRE nos termos do espírito do legislador, e por via disso, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto seja revogado, por ter interpretado erradamente o espírito do art. 123.º do CIRE e consequentemente ser reposta a decisão da 1ª Instância.”

                                                           +

A parte contrária contra-alegou relativamente a um dos recursos, concluindo pela respetiva improcedência.

Mais suscitou a questão prévia da inadmissibilidade do recurso.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

Questão prévia da inadmissibilidade do recurso

Contrariamente ao que diz a Recorrida Massa Insolvente, os presentes recursos de revista são admissíveis, na medida em que o acórdão recorrido, decidindo sobre a exceção perentória da caducidade, decidiu sobre matéria que se insere para todos os efeitos no âmbito do mérito da causa. Que a decisão sobre as exceções perentórias tem a ver com o mérito da causa resulta até da alínea b) do n.º 1 do art. 595.º do CPCivil.

Donde, são os presentes recursos de revista admissíveis, nos termos do n.º 1 do art. 671.º do CPCivil.

A menção que a Recorrida faz ao n.º 2 desta norma, reconduzindo o decidido a uma decisão interlocutória, carece de cabimento. Desde logo porque, contrariamente ao que se prevê em tal norma, não estamos aqui perante qualquer decisão que tenha recaído sobre a relação processual, mas sim sobre a relação substantiva. Depois porque, como expende Abílio Neto (Novo Código de Processo Civil, Anotado, 3ª ed. revista e ampliada, pp. 829 e 830), decisões interlocutórias ou intercalares são as que apreciam questões autónomas (de forma ou de índole material) diversas das decisões finais, e que não extinguem a instância, e não é isto que se passa com a decisão que incide sobre a caducidade: a caducidade não constitui uma questão autónoma, relaciona-se com a decisão final e é suscetível de extinguir a instância.

Concordantemente com o que fica dito, esclarece Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., p. 295) que incidem sobre o mérito da causa os acórdãos “em que a Relação se tenha envolvido na resolução material do litígio, no todo ou em parte, mesmo quando para o efeito aprecie a procedência ou improcedência de excepção peremptória(sublinhado nosso). É precisamente o caso.

Termos em que se julga improcedente a questão prévia em apreciação, sendo, consequentemente, de conhecer dos recursos.

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

É questão única a conhecer:

- Caducidade da resolução.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Estão provados os factos seguintes, como tal descritos no acórdão recorrido:

1 - Por sentença proferida em 06-08-2014, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de AA e de BB.

2 - A insolvência destes foi requerida pela EE – … S.A. em 05-12-2012.

3 – No período de tempo compreendido entre 13 de outubro de 2006 e, pelo menos, 31-08-2010, o insolvente assumiu o cargo de administrador da sociedade Restaurante O ... S.A. – documento de fls. 264 a 267 do apenso B), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

4 - Em 27 de dezembro de 2013 foi alterada a natureza da aludida sociedade, de sociedade anónima para sociedade por quotas, cujo capital social foi repartido em duas quotas, uma titulada pela própria sociedade, outra titulada por CC, o administrador, à data, da referida sociedade e a pessoa que, em nome da mesma, outorgou a escritura de transformação de sociedade – documento de fls. 268 a 273 do apenso B), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

5 - Através de instrumento, datado de 03-09-2012, denominado de contrato de compra e venda de ações, o insolvente marido declarou que, na qualidade de acionista da sociedade Restaurante O ... S.A. com o capital social de 50.000,00 € representado por 10.000 ações ao portador, cedia as referidas ações a CC, pelo seu valor nominal, ou seja, 50.000,00 €.

6 – Mais foi declarado no aludido instrumento que o referido preço já estava pago, dando-se quitação do mesmo – cfr. documento constante de fls. 301 do apenso B) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

7 – Os documentos aludidos nos pontos 4 a 6, inclusive, dos factos tidos por assentes foram juntos pela sociedade Restaurante - O ... Unipessoal Lda., num seu requerimento datado de 23 de novembro de 2015, dirigido ao apenso B, tendo a Sr.ª Administradora da insolvência sido deles notificada em 26 de novembro de 2015.

8 – O documento referenciado no ponto 2 dos factos provados foi, também ele, junto pela  Sr.ª  Administradora  da  insolvência  a  instruir  o  seu  relatório  junto  aos  autos  de insolvência a 17 de setembro de 2014 – cfr. fls. 839 a 845 dos autos principais.

9 – Foi a credora EE – …S.A, quem requereu a abertura do incidente de qualificação da insolvência de AA e de BB como culposa, através de requerimento apresentado em juízo em 07 de outubro de 2014 – cfr. fls. 2 a 5, inclusive, do apenso B).

10 – No aludido requerimento, e para fundamentar a sua pretensão, a referida credora veio alegar, entre outros factos, que o insolvente foi acionista e administrador da sociedade Restaurante – O ... S.A. até 07-12-2012, continuando, na prática, a ser o dono e o administrador da aludida sociedade – cfr. artigo 5º de um tal requerimento.

11 – Nos artigos 15º e 16º do tal requerimento foi ainda alegado pela aludida credora que o insolvente constituiu a sociedade Restaurante - O ... S.A. na forma de sociedade anónima tendo por único objetivo ocultar o seu património dos seus credores.

12 – No requerimento subscrito pela própria Sr.ª Administradora da insolvência, junto ao apenso B) concernente à qualificação da insolvência dos insolventes AA e BB, datado de 28 de outubro de 2014, é referido por esta que no período de tempo compreendido entre 13 de outubro de 2016 e 07 de dezembro de 2012 o insolvente AA assumiu o cargo de administrador e acionista único da sociedade Restaurante – O ... S.A.

13 – Mais é referido pela Sr.ª Administradora da insolvência nesse seu requerimento datado de 28 de outubro de 2014 que “o insolvente AA trabalha com a categoria de fiel de armazém no Restaurante – O ... S.A; não obstante é o insolvente AA que mantém a gerência de facto deste estabelecimento comercial, pois todo o aprovisionamento e demais diligências necessárias à exploração do mesmo passam pelo insolvente, conforme declarado pelo próprio em conversa telefónica à aqui signatária”.

14 – A Sr.ª Administradora remeteu aos autores AA, BB e CC a carta cuja cópia se mostra junta aos presentes autos a fls. 88 verso a 92, inclusive, e junta aos autos do apenso H) a fls. 78 verso a 82 verso, inclusive, datada de 11 de maio de 2016, na qual procede à resolução, em beneficio da massa insolvente que representa, do contrato de compra e venda de 10.000 ações da sociedade anónima Restaurante – O ... S.A, celebrado em 03 de setembro de 2012 – documentos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

15 – Os autores tomaram conhecimento da aludida carta.

Para além destes factos, é de ter em conta que, como decorre de pp. 11 e 12 do acórdão sob escrutínio, o tribunal recorrido mais teve como demonstrado que:

- em 8 de abril de 2016 (data da audiência de discussão e julgamento o âmbito do incidente de qualificação da insolvência) chegou ao conhecimento da Administradora da Insolvência, através das declarações do próprio Insolvente António Ferreira, que como contrapartida da venda das ações não foi entregue qualquer quantia.

De direito

O acórdão recorrido, aliás coincidentemente com a decisão da 1ª instância, concluiu que apesar do art. 123.º do CIRE se reportar, em termos de epígrafe, à prescrição do direito (de resolução), será de entender que o prazo de seis meses ali previsto é de caducidade. Este ponto de vista, que se afigura correto e que corresponde ao entendimento quase pacífico da doutrina e da jurisprudência, não vem contestado no presente recurso, pelo que nos iremos reportar doravante à caducidade.

Segundo o acórdão recorrido, o prazo de caducidade de seis meses do direito de resolução previsto no art. 123.º, n.º 1 do CIRE conta-se desde a data em que o administrador da insolvência tem conhecimento, não exatamente da realização do ato cuja eficácia se pretende atacar através da resolução (ou seja, a partir do conhecimento do ato puro e simples), mas sim do conhecimento das circunstâncias e do conteúdo do ato que justificam a resolução. E assim, conclui o acórdão, tendo a Administradora da Insolvência conhecimento das reais circunstâncias da compra e venda das ações em 8 de abril de 2016, não estava caduco o direito à resolução que fez operar, na certeza de que procedeu a tal resolução em 11 de maio de 2016.

Este entendimento do acórdão recorrido apresenta-se inteiramente correto, e por isso não pode deixar de ser subscrito.

A questão da devida interpretação da expressão “conhecimento do acto” a que alude o n.º 1 do art. 123.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) foi já tratada várias vezes na jurisprudência deste Supremo Tribunal, e tem recebido resposta concordante com aquela que foi adotada no acórdão recorrido. Efetivamente, tem-se entendido reiteradamente que o prazo de caducidade em causa se conta a partir do conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução.

Por se tratar de entendimento já consolidado nesta 6ª Secção (que, nos termos do Provimento n.º 15/2014 do Exmo. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, detém competência exclusiva para a apreciação das causas a que alude o art. 128.º da LOSJ), e dado que nada termos a acrescentar de relevante ao mesmo, limitamo-nos a extratar aqui alguns excertos dessa jurisprudência, que subscrevemos inteiramente.

Para o efeito, seguimos a par e passo o que já houve oportunidade de expressar no acórdão de 18 de setembro de 2018, proferido no processo n.º 195/14.6TYVNG-E.P1.S1 (acessível em www.dgsi.pt), produzido pelos mesmos juízes (mesmo relator e mesmos adjuntos) que subscrevem o presente acórdão. Aí se concluiu que o “conhecimento do acto” a que alude o art. l23.º, n.º 1, do CIRE, não se basta com o mero conhecimento do ato ou negócio, implicando também o conhecimento dos pressupostos necessários para a existência do direito de resolução. Mais se aduziu nesse acórdão que:

- No acórdão de 27 de Outubro de 2016 (processo n.º 3158/11.0TJVNF-H.G1.S1, relator Fonseca Ramos, disponível em www.dgsi.pt, concluiu-se (reproduz-se o respetivo sumário) que:

“I. Não impondo a lei insolvencial que todo e qualquer acto, praticado pelo devedor, nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, deva ser resolvido pelo administrador da insolvência (AI), antes impondo ao AI que os actos passíveis de resolução sejam “prejudiciais à massa”, bem pode suceder que o AI tenha conhecimento de um acto praticado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, mas não saiba de imediato se esse acto ou actos são prejudiciais à massa insolvente.

II. O processo de insolvência é urgente, os seus procedimentos devem ser céleres, uma vez que o interesse dos credores, e do próprio devedor, podem ser severamente prejudicados se não for acautelada a massa insolvente que é garantia, quantas vezes debilitada, da satisfação dos direitos dos credores.

III. Tal não justifica que se proceda a interpretação literal da lei, fazendo contar o termo inicial do prazo previsto no art.120º, nº1, do CIRE apenas do conhecimento do acto, não deixando margem para que o AI averigue, e possa avaliar, se o acto praticado no “período suspeito” é prejudicial à massa. Sabendo-se que esse prejuízo nem sempre resulta da aparência de um acto potencialmente lesivo, sendo prudente proceder a averiguações com vista a apurar com a diligência exigível, por exemplo, se o preço da venda de um imóvel é simulado ou não, ou se, através de negócios indirectos, mais ou menos complexos, mais se não visou que salvaguardar os interesses de certos credores em detrimento de outros.

IV. A adoptar-se a contagem do prazo, seu termo inicial, a partir do conhecimento do acto, o AI, por cautela, será tentado a resolver todo os actos do devedor enquadrados no “período suspeito” o que levará as declarações resolutivas cegas quanto à existência, ou consistente conhecimento de fundamento resolutivo – a prejudicialidade ou nocividade do negócio em relação à Massa – o que, além de colocar graves problemas aos visados, não deixa de colocar não menos graves dificuldades ao AI, sobretudo, se se entender, como parece ser comum, que sendo a acção de impugnação da resolução uma acção de simples apreciação negativa, não pode o AI, na contestação dessa acção, aduzir outros novos fundamentos tendentes ao preenchimento do requisito “prejudicialidade”.

V. Nos termos do art. 9º do Código Civil, a letra da lei não é o único elemento de que o intérprete se deve socorrer para alcançar a mens legis, afigura-se-nos que, nos casos em que exista fundada dilação entre a data do conhecimento do acto praticado, no período temporal fixado no art. 120º, nº1, do CIRE, e o efectivo conhecimento dos fundamentos e conteúdo desse acto, pode o AI comunicar a resolução nos seis meses sequentes a esse conhecimento, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.”

- No acórdão de 18 de Outubro de 2016 (processo n.º 7/13.8TBFZZ-G.E1.S1, relator Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt) observa-se que:

«(…) importa ter presente, desde logo, que os pressupostos para o exercício da resolução em benefício da massa insolvente são muito variáveis. Em princípio, exige-se a má-fé do terceiro (artigo 120.º n.º 4), ainda que esta se presuma nos casos em que tenha participado no acto ou dele tenha beneficiado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, mas em outras situações previstas no artigo 121.º n.º 1 não é requisito para a resolução a má-fé do terceiro (…). Exige-se, também, o carácter prejudicial do acto (n.º 1 do artigo 120.º), mas certos actos presumem-se prejudiciais à massa sem admissão de prova em contrário (n.º 3 do artigo 120.º) e a resolução “incondicional” prescinde por completo de tal requisito. Em resultado, existem situações em que o simples conhecimento do acto praticado pelo devedor e da data em que ocorreu possibilita a resolução do mesmo: pense-se na hipótese de o devedor ter efectuado a doação de um prédio dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência. Embora a eventual boa-fé do donatário tenha interesse em sede dos efeitos da resolução, o simples conhecimento da existência da doação e do seu momento temporal é suficiente para que o administrador possa resolver a doação. Mas mesmo no âmbito do artigo 121.º e do que a lei designa por resolução “incondicional” a situação pode ser muito diversa: assim, mesmo que o devedor tenha vendido um bem no ano anterior à data do início do processo de insolvência o mero conhecimento da venda não é suficiente para que o administrador possa resolver esse contrato. Terá, por exemplo, de averiguar se as obrigações assumidas pelo devedor excedem – e excedem manifestamente (artigo 121.º, n.º 1, alínea h)) – as da contraparte e até qual o modo de pagamento utilizado (artigo 122.º do CIRE). Não será, por conseguinte, suficiente para poder optar pela resolução o mero conhecimento da existência do acto.

Esta heterogeneidade de situações tem que ser tida em conta ao interpretar o artigo 123.º n.º 1. Interpretar o preceito como fixando o prazo de seis meses para o exercício do direito de resolução a partir do conhecimento da mera existência do acto teria como resultado um prazo manifestamente excessivo para certas situações (por exemplo, a resolução de uma doação), mas que se poderia revelar muito curto e até insuficiente para outras, em que se torna necessário determinar, designadamente, quem contratou (caso se trate de um contrato) com o devedor, qual a relação entre eles, qual o conteúdo do acto. Partindo da presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (artigo 9.º n.º 3 do Código Civil, que também se refere à presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados) entendemos que a referência ao conhecimento do acto implica o conhecimento da plenitude do mesmo em tudo o que ele releva para efeitos de resolução do contrato (…).

A divergência entre as duas posições jurisprudenciais resulta de uma diferente concepção dos deveres do administrador nesta sede. Recorde-se, aliás, que alguma doutrina – é o caso de FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, em estudo monográfico dedicado a este instituto da resolução em benefício da massa insolvente – defende que ao conhecimento pelo administrador da insolvência deveria ser equiparado o “dever de conhecimento”.

Afirma este autor, com efeito, o seguinte: “Suponhamos, v.g., que o administrador da insolvência porventura tomou conhecimento, em abstracto, da prática de vários actos, mas descurou a sua apreciação em concreto. Parece dever entender-se que essa falta de actuação não pode prejudicar a contraparte dos que negociaram com aquele que se encontra numa situação de insolvência”. E acrescenta, ainda, o mesmo autor. “É certo que tal interpretação não é a que mais favorece os credores da massa insolvente, porque esta fica sem bens ou valores que doutra sorte a poderiam integrar. Mas o legislador foi peremptório na fixação de um prazo. E se se negligenciasse o momento em que o administrador da insolvência devia conhecer o circunstancialismo isso significaria, em concreto, um excessivo alargamento do prazo”. Outra doutrina critica o referido prazo de seis meses referindo-se á “necessidade de rapidamente se pôr termo á incerteza quanto ao destino dos atos em causa, tanto mais que em certos casos eles revestem natureza onerosa”, e pondo reservas quanto ao alargamento do prazo operado pelo legislador, de três para seis meses.

Afigura-se excessivo impor ao administrador da insolvência um dever de investigar ou de averiguar o real conteúdo dos atos praticados pelo devedor, mal chegue ao seu conhecimento a existência dos mesmos. Aceita-se que não deva ficar inteiramente inerte ou passivo, devendo, por exemplo, pedir esclarecimentos e informações ao devedor sobre quem incumbe um dever de colaboração, de acordo com o artigo 83.º do CIRE. Mas seria excessivo, sobretudo porque não dispõe de especiais poderes de investigação impor-lhe o ónus, sob pena de caducidade do direito, de pesquisar as conservatórias, a tentar apurar o verdadeiro conteúdo dos actos praticados pelo devedor. Recorde-se que no caso dos autos foi dada como provada a alienação pelo devedor de pelo menos nove prédios, sitos em diferentes localidades, sendo que alguns nem sequer estavam descritos nas competentes conservatórias do registo predial. A tese de que o prazo de seis meses começaria a correr do mero conhecimento da existência do acto conduziria a beneficiar o devedor que praticasse múltiplos actos prejudiciais à massa, mais ou menos complexos, na expectativa de o administrador da insolvência não conseguir descobrir o real conteúdo de todos ou de alguns deles no prazo dos seis meses.

A tese que aqui se acolhe – a de que o prazo de seis meses só deve contar a partir do conhecimento pelo administrador do acto na sua íntegra e, portanto, dos pressupostos de que depende o exercício do direito de resolução não representa, ao contrário do que se pretende, uma ameaça excessiva para a segurança jurídica.

Em primeiro lugar, porque além do prazo de seis meses a contar do conhecimento do acto pelo administrador da insolvência, há sempre que ter em conta que a resolução nunca pode ter lugar “depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência” (n.º 1 do artigo 123.º do CIRE, parte final). Depois porque a oponibilidade da resolução do acto a transmissários posteriores a título oneroso pressupõe a má-fé destes (n.º 1 do artigo 124.º). Quanto à contraparte do devedor que veio a ser declarado insolvente, se se tratar de um adquirente a título gratuito, a obrigação de restituir só existirá “na medida do seu enriquecimento, salvo o caso de má-fé, real ou presumida” (n.º 6 do artigo 126.º), solução muito criticada pela doutrina mas que permite proteger adequadamente o donatário nos casos, por exemplo, de doação modal ou de doação remuneratória, negócios que a maior parte da doutrina considera serem gratuitos. Relativamente à contraparte a título oneroso – que até pode ser, no caso concreto, a contraparte de um negócio gravemente desequilibrado, como previsto na alínea h) do n.º 1 do artigo 121.º – a sua tutela decorre dos números 4 e 5 do artigo 126.º

Em suma, a protecção da contraparte que adquiriu a título oneroso não deve prevalecer sobre os interesses dos restantes credores e da massa.

Subscreve-se, pois, a asserção do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25/06/2015, de que “o prazo de seis meses a que se refere o artigo 123.º do CIRE apenas se inicia após o Administrador da Insolvência ter conhecimento integral da factualidade inerente ao acto em crise”.»

- No acórdão de 27 de Outubro de 2016 (processo n.º 653/13.0TBBGC-F.G1.S1, relator Pinto de Almeida, disponível igualmente em www.dgsi.pt) defende-se que:

«O art. 123º, nº 1, do CIRE prescreve que a resolução pode ser efectuada nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.

A questão é essencialmente de interpretação dessa norma legal e, concretamente, sobre o que deve entender-se por "conhecimento do acto (…).

É sabido que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei: esta constitui naturalmente o seu ponto de partida, eliminando aqueles sentidos que não tenham aí qualquer correspondência ou dando maior apoio a um dos sentidos possíveis; o objectivo essencial é reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, devendo presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nºs 1 e 3, do Código Civil).

O argumento literal não seria, em princípio, decisivo e não parece que o seja efectivamente neste caso.

Embora os termos utilizados na norma legal favoreçam aparentemente a referida tese – ao aludir ao conhecimento do "acto", apontaria para os elementos desse acto, em si objectivamente considerados, desatendendo outros elementos com ele relacionados – este factor hermenêutico só permite excluir o sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (ainda que imperfeitamente expresso).

Ora, não é este o caso: embora aponte, aparentemente, nesse sentido, a letra da lei não impõe que se considere apenas o conhecimento do "acto puro e simples" que acima se referiu, com exclusão de um sentido mais amplo que contemple o acto em si e outros elementos a ele respeitantes, indispensáveis à efectivação da resolução.

Outros factores, como a razão de ser da norma e o elemento sistemático (contexto da lei) contribuem decisivamente para esse sentido.

Basta ver que, no regime da resolução condicional, poucas ou nenhumas situações existirão em que seja suficiente, para esse efeito, o mero conhecimento dos termos do negócio; para além disso, pode ter de demonstrar-se elementos que permitam concluir pela satisfação dos requisitos previstos no art. 120º, nºs 1 a 5, do CIRE (prejudicialidade do acto, má fé do terceiro, especial relacionamento com o insolvente, situação de insolvência actual ou iminente do devedor, etc.), o que implica a realização de diligências (na procura de documentação e de informação relevante), para as quais poderá não ser suficiente o prazo de seis meses a contar do conhecimento do simples acto.

Por outro lado, como atrás se referiu, esses elementos, pelo menos nos seus pontos essenciais, terão de constar da declaração de resolução, sem que ulteriormente (na contestação da impugnação) seja admissível ao administrador da insolvência suprir qualquer omissão que, a esse respeito, haja sido cometida. Será, pois, parece-nos, pelo menos incoerente exigir que essa fundamentação contenha as razões que determinam a destruição do negócio e, ao mesmo tempo, defender que o simples conhecimento do acto ou negócio é (sempre) suficiente para o administrador se decidir pela resolução, iniciando-se a partir daí o prazo para a efectivação desta.

Importa ainda notar que, como decorre do citado art. 123º, nº 1, parte final, a resolução nunca poderá ocorrer depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.

Sobre os efeitos, considerados gravosos, que decorreriam da tese contrária, isto é, do entendimento de que o prazo só se conta a partir do conhecimento pelo administrador dos pressupostos que fundamentam a resolução, importa referir que o início da contagem do prazo não fica dependente apenas da disponibilidade e da vontade do administrador da insolvência.

O processo de insolvência e todas as questões que lhe dizem respeito têm natureza urgente, pelo que a cognoscibilidade dos elementos indispensáveis à resolução há de ter por base uma diligência compatível com essa natureza, no âmbito, aliás, de um desempenho criterioso e ordenado (cfr. art. 59º, nº 1, do CIRE).

O próprio regime legal supletivo inculca esta ideia: o prazo de caducidade começa a correr no momento em que o direito puder ser exercido (art. 329º do CC), ou seja, no momento em que (logo que) o direito puder ser efectivamente exercido; não no momento em que o titular quiser exercê-lo.

A propósito do início da contagem do prazo, Gravato Morais questiona se deve relevar apenas o conhecimento do acto ou também importa a data em que o administrador devia tê-lo conhecido. Embora não afronte directamente a nossa questão, refere que a "falta de actuação (do administrador) não pode prejudicar a contraparte dos que negociaram com aquele que se encontra numa situação de insolvência"

E acrescenta: “o legislador foi peremptório na fixação de um prazo. E se se negligenciasse o momento em que o administrador da insolvência devia conhecer o circunstancialismo isso significaria, em concreto um excessivo alargamento do prazo. Acresce que a contraparte, que se vê sujeita à resolução do acto, pode sempre impugná-lo com base no art. 125º do CIRE, invocando essa factualidade, isto é, que o administrador devia tê-lo conhecido”.

Entende-se, por conseguinte, que o “conhecimento do acto” a que alude o art. 123º, nº 1, do CIRE, não se basta com o mero conhecimento do acto ou negócio, exigindo também o conhecimento dos pressupostos necessários para a existência do direito de resolução; sem prejuízo de se poder vir a demonstrar que o administrador da insolvência não actuou com a diligência que lhe era exigível, caso em que se deve contar o prazo desde o momento em que o administrador devia ter conhecido aqueles pressupostos.»

- Em sentido coincidente com o que fica referido se pronuncia também Júlio Gomes (Nótula sobre a Resolução em Benefício da Massa Insolvente, in IV Congresso do Direito de Insolvência, pp. 121 a 123). Expende este autor que:

«Importa, parece-nos, ter presente a grande variedade de situações em que o administrador pode resolver atos do devedor em benefício da massa. Em certos casos (…) só é necessário que o administrador da insolvência conheça a existência do ato para o poder resolver. Mas na maior parte das situações o conhecimento da mera existência do ato não será suficiente para o exercício da resolução: mesmo no âmbito do artigo 121.º pode ser necessário, por exemplo para resolver um ato praticado a título oneroso, ter conhecimento do conteúdo do próprio ato e do desequilíbrio das obrigações assumidas pelo devedor e pela sua contraparte (alínea h) do n.º 1 do artigo 121.º); e fora do âmbito do artigo 121.º pode ser necessária a demonstração do prejuízo e da má-fé do terceiro.

E daí que haja acórdãos a afirmar que “a referência ao conhecimento do ato implica o conhecimento da plenitude do mesmo em tudo o que ele releva para efeitos de resolução do contrato”, “o conhecimento dos pressupostos que podem fundamentar a resolução, ou seja, o ato em si e outros elementos a ele respeitantes indispensáveis à efetivação da resolução”, “o efetivo conhecimento dos fundamentos [resolutivos] e do conteúdo do ato praticado”.

Este entendimento parece ser o que melhor se coaduna com a exigência (…) de que a declaração de resolução seja fundamentada, ao que acresce que não poderão sequer ser invocados novos fundamentos, que não constassem já desta declaração de resolução, na contestação em uma eventual ação de impugnação da resolução (…).

Com efeito, e mesmo sem esquecer a necessária diligência com que o administrador deve atuar neste domínio, parece excessivo impor-lhe um prazo de seis meses contados a partir do conhecimento da mera existência do ato, quando este pode deparar-se com um conjunto de atuações mais ou menos complexo por parte do devedor, não sendo sempre evidente ou manifesto o prejuízo para a massa ou a má-fé do terceiro, quando estes sejam pressupostos para a resolução.»

Como acima dissemos, subscrevemos e reiteramos este entendimento, que vale integralmente para o caso vertente.

Enfim, afigura-se - e isto é válido tanto para a resolução comum ou condicional (art. 120.º do CIRE) como para a resolução incondicional (art. 121.º) - que do que se trata sempre é da resolução de um ato prejudicial à massa. E para que o administrador da insolvência possa concluir que um ato é prejudicial à massa tem de ter conhecimento de todos os elementos ou circunstâncias de facto inerentes ao ato, podendo não ser suficiente o simples conhecimento da sua prática. Acresce que, como sobredito, é de entender que a resolução tem de ser fundamentada, e não se logra perceber como tal seria operacionalizado sem que o administrador estivesse na posse de todos os elementos ou circunstâncias inerentes ao ato.

Do que fica dito resulta que não procede o entendimento dos Recorrentes, na parte em que, direta ou indiretamente, preconizam (ou parecem preconizar) o contrário, aí onde aduzem que o acórdão recorrido, ao atender à data de 4 de abril de 2016, vai contra o “espírito do legislador”.

Ora, percorrendo as cartas de resolução, vemos que a resolução do contrato de compra e venda de ações ao portador em causa (contrato de 3 de setembro de 2012) foi feita operar, e nomeadamente, sob a alegação de não ter implicado realmente o pagamento de qualquer preço. Tratar-se-ia assim de um negócio celebrado a título gratuito, cujo fundamento resolutivo é feito assentar, nas declarações resolutivas emitidas pela Administradora da Insolvência, na alínea b) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE.

E de acordo com as ilações factuais retiradas pelo tribunal recorrido (que informa que procedeu à revisitação das declarações prestadas pelo Insolvente, que afirmou nada ter recebido pela venda das ações), o conhecimento deste facto adveio à Administradora da Insolvência em 4 de abril de 2016.

Donde, tendo as cartas de resolução sido enviadas em 11 de maio de 2016 e tendo os destinatários tido normal conhecimento do teor das mesmas (declarações receptícias), segue-se que não caducou o direito de resolução, por isso que entre o conhecimento do suposto ato prejudicial à massa e a declaração resolutiva não decorreram mais de seis meses.

De outro lado, importa dizer que o que os Autores alegaram nas respetivas petições iniciais - e como se apontou no supra citado acórdão deste Supremo de 18 de setembro de 2018 é ao impugnante da resolução que cabe alegar factos que neutralizem o exercício do direito à resolução, neste caso os que integram a caducidade - não representa qualquer conhecimento efetivo de ato prejudicial à massa tal como acima ficou delineado o sentido a dar a esse conhecimento. Da mesma forma que não representa qualquer atuação da Administradora da Insolvência que de alguma forma possa ser vista como omissiva da diligência devida.

Na verdade, e pegando precisamente na argumentação dos Autores, o que decorre da assembleia de credores (ocorrida em setembro de 2014), nomeadamente com referência aos factos da certidão registral da sociedade em causa, o que decorre do requerimento tendente à abertura do incidente de qualificação (apresentado em 7 de outubro de 2014), o que decorre do parecer de 19 de outubro de 2014 da Administradora da Insolvência ou o que decorre do requerimento probatório apresentado pela mesma Administradora a 20 de outubro de 2015 e subsequente apresentação das atas da sociedade, nada disso implica ou significa o menor conhecimento da natureza prejudicial do ato em causa (por gratuito) relativamente aos interesses da massa. Aliás, nem sequer os Recorrentes explicam em que medida é que tais ocorrências se correlacionam com um efetivo conhecimento da prática do ato prejudicial à massa em causa, limitando-se, no fundo, a invocar certos atos processuais e a partir daí conjeturar arbitrariamente esse conhecimento.

Conclui-se assim que o acórdão recorrido decidiu adequadamente ao ter considerado, face aos factos que teve por demonstrados, inverificada a caducidade invocada.

O que significa que improcedem as conclusões dos recursos.

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar as revistas.

Regime de custas:

Os Recorrentes AA e BB são condenados nas custas da revista que interpuseram.

O Recorrente CC é condenado nas custas da revista que interpôs.

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Sumário:

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Lisboa, 8 de janeiro de 2019

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Henrique Araújo