Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
130250/13.7YIPRT.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
FORMA LEGAL
RENOVAÇÃO TÁCITA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL.
DIREITO IMOBILIÁRIO – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA / CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 217.º, N.ºS 1 E 2, 223.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 3.º, N.º3.
D.L. N.º 77/99, DE 16-03: - ARTIGO 20.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 22/2/2005, PROC. N.º 04A4265, E DE 10/10/2013, PROC. N.º 4094/07.0TVLSB.L1.S1.
Sumário :
I. Deve ter-se por tacitamente renovado o contrato de mediação imobiliária quando ocorreu uma manutenção, ao nível prático-económico, da relação de mediação, durante cerca de 6 anos, sendo o seu prosseguimento conhecido e consentido por ambos os contraentes, e implicando que a A./mediadora tivesse efectivamente continuado a prestar serviços próprios da sua actividade à R., traduzidos na publicitação, mediação e finalização das vendas dos lotes originariamente previstos no contrato celebrado por escrito, cooperando ainda com a A. nessa sua actuação prática, trocando correspondência e facultando-lhe elementos para agilizar a negociação das ditas fracções.

II. Quer se tenha a exigência de forma escrita para a renovação do contrato de mediação imobiliária, no termo do prazo originariamente estipulado, como legal ou meramente convencional, não há obstáculo à referida renovação tácita, inferida dos comportamentos concludentes atrás referidos – que, por um lado, sempre implicariam o afastamento da presunção contida no nº 1 do art. 223º do CC; e, por outro, assentando o comportamento concludente da R. em documentos escritos, juntos aos autos, o carácter formal da declaração não impedia que a mesma se pudesse ter por tacitamente emitida.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda, intentou procedimento de injunção contra BB, S.A., alegando, em síntese, que prestou serviços à R., não tendo esta efectuado o seu pagamento, pedindo que se condene a R. a pagar à A. € 26 818,15, acrescidos de Juros.

Contestando, a R. questionou existência de contrato de mediação imobiliária, à data da emissão das facturas, tendo ainda impugnado a factualidade alegada pela A.

Os autos prosseguiram na forma comum, sendo proferida sentença que julgou a acção não provada e improcedente, por entender que a circunstância de o contrato se não ter renovado, no termo convencionado, pela forma escrita estipulada pelas partes, implica que inexista relação contratual susceptível de legitimar a emissão das facturas em que a A. suportava o seu direito.

2. Inconformada, apelou a A., tendo a Relação considerado fixada a seguinte matéria de facto, subjacente ao litígio, não impugnada na apelação:

1. Por acordo escrito denominado "Contrato de Mediação Imobiliária", datado de 1 de Setembro de 2001, as partes acordaram que a A., em regime de exclusividade e durante 24 meses, promoveria a venda dos lotes nºs 8,9,13, 18,20,21,22,23,26,27,28,29, 30 e 36 de um prédio pertencente à R., sito em …;

2. Na cláusula 3 do mesmo acordo consta que "As partes poderão acordar, por escrito, até 30 dias antes do final do contrato, a sua prorrogação por igual período";

3. No mesmo acordo refere-se que "para os lotes nºs 27, 28, 29, 30 e 36 e no caso da Segunda Outorgante conseguir interessado dentro das condições aqui estabelecidas, a Primeira Outorgante obriga-se a pagar-lhe uma comissão no valor de 1,9% sobre o valor da venda - acrescida de IVA, sendo paga de acordo com os pagamentos efectuados pelos clientes.

Para os lotes nºs 8, 9, 13, 18,20,21,22,23,25 e 26, a comissão será de 2,9%, acrescidos de IVA e liquidados ao ritmo do pagamento dos clientes";

4. A A. prestou à R. serviços de mediação em venda de imóveis entre a data de 03/12/2003 e 23/02/2009;

5. A A. procedeu à emissão da factura 19/2003, de 03/12/2003, no valor de € 8.454,95; factura 21/2003, de 03/12/2003, no valor de € 1.421,00; factura 12/2006, de 18/09/2006, no valor de € 3.509,00; factura 08/2009, de 23/02/2009, no valor de € 3.480,00; factura 09/2009, de 23/02/2009, no valor de € 7.134,00 e factura 10/2009, de 23/02/2009;

6. Na factura 19/2003 apenas se encontra por liquidar € 862,75 e na factura 12/2006, apenas se encontra em dívida € 1.210,00;

7. Apesar de interpelada para o efeito, a R. não liquidou os montantes referidos;

8. A A. publicitou, mediou e finalizou as vendas a que se reportam as facturas que enviou à R.;

9. Todas as facturas emitidas se referem a lotes que são objecto do acordo aludido em 1.;

10. A A. sempre promoveu a venda do empreendimento seja através de contactos directos seja através de publicidade mesmo após o prazo estabelecido no contrato;

11. Entre A. através do seu representante Sr. CC e R., através dos seus representantes DD, EE e ainda directamente para a própria administração desta foi trocada, durante o ano de 2006, correspondência com vista a agilizar a negociação para venda de fracções do imóvel;

12. Por documento datado de 5 de Dezembro de 2006 foi, pela R. formalizada a entrega das Plantas do Lote 29 - D que se destina à celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda deste Lote.


3. Passando a abordar as questões jurídicas suscitadas como objecto do recurso, a Relação, no acórdão recorrido, julgou a apelação procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de €26.815,15, acrescida de juros de mora, contados da emissão de cada factura e até integral pagamento.

Tal decisão assentou na seguinte fundamentação:

As partes celebraram um contrato denominado de “Mediação Imobiliária” nos termos do qual a Autora promoveria, em regime de exclusividade e durante 24 meses, a venda de diversos lotes de um prédio pertencente à Ré, mediante uma comissão a pagar por esta.

Nos termos do art. 3º nº 1 do DL 77/99 16/03, “a actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra ou na venda de bens imóveis ou na constituição de quaisquer direitos reais sobre os mesmos, bem como no seu arrendamento e trespasse, desenvolvendo para o efeito acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e sobre as características dos referidos imóveis”.

Por seu turno art. 20º nº 1 do mesmo diploma estabelece que o contrato de mediação imobiliária está sujeito à forma escrita, sob pena de nulidade (embora esta não possa ser invocada pela entidade mediadora).

No caso dos autos, as partes celebraram por escrito um contrato de mediação imobiliária nos termos do qual, em regime de exclusividade e durante 24 meses, a ora recorrente se obrigava a promover a venda de diversos lotes de um terreno pertencente à ora recorrida.

Na cláusula 3ª do contrato estipula-se que “as partes poderão acordar, por escrito, até 30 dias antes do final do contrato, a sua prorrogação por igual período”.

Tendo o contrato sido celebrado em 01/09/2001 o prazo de 24 meses terminou em 01/09/2003.

As partes não acordaram por escrito a prorrogação do contrato após 01/09/2003.

O que levou o Mº juiz a quo a decidir que o contrato cessou em 01/09/2003, levando assim à improcedência da acção.

Pretende a recorrente que foram praticados actos, reduzidos a escrito, dos quais se pode retirar tacitamente a existência de uma renovação contratual.

Entre tais actos conta-se o facto constante do nº 11 da matéria dada como provada:

“Entre a A. através do seu representante CC e Ré, através dos seus representantes DD, EE e ainda directamente para a própria administração desta foi trocada, durante o ano de 2006, correspondência com vista a agilizar a negociação para venda de fracções do imóvel”.

Por outro lado está provado que a Autora prestou à Ré serviços de mediação em venda de imóveis entre a data de 03/12/2003 e 23/02/2009.

Se analisarmos a correspondência travada entre Autora e Ré ao longo do ano de 2006, não podem restar dúvidas que, nesse período, ambas as partes consideravam em vigor o contrato de mediação imobiliária, trocando informações sobre a sua execução, ou seja a negociação para venda das fracções do imóvel em causa.

Entendemos que a renovação do contrato de mediação imobiliária não tem necessariamente de ser reduzida a escrito caso se mantenham os termos do contrato inicial (esse sim, reduzido a escrito) e este previsse já a possibilidade da sua prorrogação por acordo das partes.

Os interesses de ordem pública, com a inerente fiscalização, expressos no preâmbulo do DL 77/99 de 16/03, visando sobretudo a protecção do consumidor e impedir o exercício clandestino da mediação imobiliária, ficam, no que à forma diz respeito, satisfeitos com a redução a escrito do contrato, contendo os diversos elementos exigidos pelo art. 20º do aludido diploma. Entre tais elementos consta o prazo de duração do contrato. Contudo, se as partes contraentes prevêm a possibilidade de prorrogação do contrato após o seu termo, e desde que não se provem discrepâncias relativamente ao contrato inicial, não é legalmente exigível que tal prorrogação seja igualmente reduzida a escrito, já que, no fundo, estamos perante o mesmo contrato.

É certo que no âmbito da forma convencional as partes acordaram que o contrato poderia ser prorrogado por igual período, desde que o fizessem por escrito até 30 dias antes do fim do contrato.

Ou seja, o que as partes acordaram relativamente à forma escrita, foi a declaração de vontade de renovar o contrato.

Não o tendo feito, mas existindo documentos escritos posteriores àquele que seria o termo do contrato, mostrando que as partes consideravam plenamente em vigor o contrato de mediação imobiliária, trocando, como vimos, informação diversa no sentido da sua execução, há que aceitar que existiu vontade das partes em prorrogar o contrato dispensando a expressa declaração escrita com 30 dias de antecedência.

Do mesmo modo que as partes podem estipular a forma escrita para uma dada declaração – neste caso a vontade de prorrogação do contrato – também podem posteriormente, desde que tal resulte claramente demonstrado da análise do seu comportamento negocial, satisfazer-se com uma prorrogação tácita, que se deduz inevitavelmente do facto de terem prosseguido a execução do contrato após o seu termo e durante vários anos.

Neste aspecto, estamos no domínio da forma convencional, nada impedindo que o regime convencionado seja alterado, desde que exista pleno acordo de ambos os contraentes ou uma conduta da qual tal acordo resulte inequivocamente.

Nestes termos, entendemos assistir razão à recorrente, considerando-se o contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes, em vigor até 23/02/2009.

Ficou provado que a Autora prestou à Ré os serviços de mediação em venda de imóveis ente 03/12/2003 e 23/02/2009.

Ficou igualmente provado que a Autora emitiu facturas em 03/12/2003 no valor de € 8.454,95, em 03/12/2003 no valor de € 1.421,00, 18/09/2006 no valor de € 3.509,00, em 23/02/2009 no valor de € 3.480,00, 23/02/2009 no valor de € 7.134,00 e em 23/02/2009 no valor de € 12.710,40.

Tais facturas reportam-se a lotes que são objecto do acordo aludido em 1.

E resultam da actividade da Autora, que publicitou, mediou e finalizou as respectivas vendas.

Foi ainda dado como provado que a Autora sempre promoveu a venda do empreendimento seja através de contactos directos, seja através de publicidade, mesmo após o prazo estabelecido no contrato.


Finalmente provou-se que da factura nº 19/2003 apenas se encontra por liquidar € 862,75 e da factura 12/2006 € 1.210,00.

Apesar de interpelada para o efeito, a Ré não liquidou os demais montantes.

Assim, constata-se que a Autora prestou os serviços a que estava contratualmente obrigada, a saber, promoveu a venda de diversos lotes do imóvel pertencente à Ré, mesmo no período posterior ao termo do contrato e até 23/02/2009. Fê-lo com conhecimento e em benefício da Ré, publicitando, mediando e finalizando tais vendas. Não parece curial que a Ré tenha colaborado durante esses anos com a Autora, com vista à execução do contrato de mediação imobiliária e venha agora, quando já beneficiou de diversas vendas que resultaram da actividade da Autora, invocar a inexistência de contrato.

A matéria dada como provada pelo Mº juiz a quo não foi posta em causa. Dela resulta que a Autora cumpriu o estipulado no acordo celebrado com a Ré, tendo mediado com êxito vendas de diversas fracções.

Uma vez que está provado que as facturas emitidas dizem respeito à actividade da Autora no âmbito da mediação imobiliária acordada com a Ré e respeitante aos lotes do edifício a esta pertencente, não se provando, ao invés, qualquer circunstância impeditiva, modificativa ou extintiva das obrigações consubstanciadas em tais facturas – salvo dois pagamentos parcelares – deve ter-se como assente o direito da Autora de ser remunerada pela Ré nos termos das facturas emitidas e para cujo pagamento a Ré foi interpelada.

O total dos montantes em dívida ascende a € 26.818,15.

Contrariamente ao alegado pela recorrida, nas suas contra-alegações, a Autora logrou fazer prova dos factos constitutivos do seu direito, plasmados nas facturas, face às razões atrás explanadas.


4. Inconformada com tal decisão, interpôs a R. a presente revista, encerrando a respectiva alegação com as seguintes conclusões:

a. O acórdão de que se recorre é nulo por falta de especificação dos fundamentos de direito que fundamentam a decisão, cfr. Artigo 615.°, n.°1, alínea b), do CPC.

b. Os fundamentos do acórdão assentam exclusivamente em matéria fatual, não sendo feita menção a qualquer norma legal, que por ventura seja aplicável ao caso concreto e que justifique a decisão tomada.

c. Em consequência, o Tribunal recorrido viola assim o disposto no n.° 3 do artigo 607.° do CPC, nos termos do qual, o acórdão deve de interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

d. O acórdão recorrido incorreu em erro aquando da apreciação da prova e da fixação dos fatos materiais da causa: nos termos do disposto no Artigo 875.° do Código Civil, a lei exige uma certa espécie de prova (junção de escritura ou documento particular autenticado) para a existência do fato (conclusão do negócio de venda do imóvel com intervenção de mediador).

e. Ora, se não consta da matéria provada que a AA tenha junto ao processo qualquer escritura ou documento que comprove a venda das moradias propriedade da Recorrente, discriminadas no contrato, ou que esta se tenha realizado com intervenção de mediador, estamos perante um erro na apreciação da prova.

f. Desta forma, ao decidir como decidiu, o Venerando Tribunal da Relação violou o disposto nos artigos 875.° do Código Civil, bem como o artigo 342.° do mesmo código.

g. Na verdade, para ficar investida no direito de crédito que reclama, a Recorrida tinha de fazer prova de que tinha concluído o(s) negócio(s) - venda das moradias, sendo que,

h. Essa prova só poderia ser feita com a junção aos autos de escritura pública ou documento particular autenticado.

i. No que concerne à exigência de forma escrita para o contrato de mediação imobiliária, mesmo que houvesse dúvidas acerca da necessidade do cumprimento de qualquer requisito de forma para a sua celebração e renovação, essas dúvidas foram totalmente dissipadas com a publicação da Lei n.° 15/2013, de 8 de Fevereiro, a qual viria a estipular no n.° 1, do Artigo 16.°, que "o contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito."

j.  Assim se vê que a intenção do legislador foi, a de manter a redação do anterior Artigo 20.° do Decreto-Lei 77/99 de 16 de Março de 1999, reforçando-a no sentido de impor a obrigatoriedade da redução do contrato de mediação imobiliária a escrito.

k. Ora, entendemos que esta exigência de forma estende-se às renovações subsequentes, (renovações essas que não são mais do quê extensões do mesmo contrato).

I. O contrato de mediação imobiliária implica acordo acerca de vários elementos, como sejam: condições de remuneração da empresa/mediador, em termos fixos ou percentuais, forma de pagamento, indicação da taxa de IVA; identificação do angariador imobiliário que tenha colaborado; eventuais serviços acessórios, prazo de duração.

m. E assim, não tendo sido feita prova dos elementos principais do contrato, nem do valor da venda das unidades de alojamento e dos lotes, o Tribunal não dispõe de outra forma que lhe permita aferir da correção e justeza dos valores contidos nas faturas emitidas pela Recorrente, tão pouco das datas de vencimento de cada uma delas.

n. Diga-se que, não tinha qualquer cabimento, que a Recorrida mantivesse para os anos de 2003, 2006 e 2009, os mesmos termos e condições (comissões e prémios) do contrato celebrado em 2001, já que, as condições do mercado imobiliário, naqueles anos, eram completamente diferentes das existentes à data da celebração do contrato.

o. Desta forma se conclui que cabia à Recorrente carrear para os autos as escrituras de compra e venda dos lotes/unidades de alojamento, por forma a apurar se nas mesmas se faz menção à intervenção de mediador, e ainda se a remuneração peticionada se alicerça no preço pago...

p. Por outro lado, o Tribunal da Relação não podia substituir-se às partes recriando a vontade das mesmas, pois tal consubstancia uma violação ao princípio da autonomia contratual das partes, e excederia as competências que lhe foram atribuídas por força do disposto no artigo 202.° da CRP.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. lixas, doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado integralmente procedente, na medida em que a decisão recorrida não é merecedora de qualquer censura, devendo, consequentemente, revogar-se na íntegra a decisão recorrida, repristinando-se assim a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância.


A recorrida contra alegou, sustentando que deverá confirmar-se inteiramente o decidido no acórdão recorrido.


5. Começa a recorrente por imputar ao acórdão recorrido a nulidade de falta de especificação dos fundamentos de direito em que assentou a condenação proferida: tal argumento é, porém, manifestamente improcedente, já que resulta claramente da decisão, ora impugnada, o fundamento jurídico em que assentou a obrigação imposta à R. – entendendo-se que a norma do art. 20º do DL 77/99 não impunha a forma legalmente escrita quanto à possibilidade de renovação do contrato de mediação imobiliária – e considerando que a forma convencional estipulada no documento que titulava a relação contratual cedia perante a inequívoca demonstração – assente, nomeadamente, em escritos posteriores – de que as partes manifestaram, ao menos de forma tácita, a sua vontade no sentido de prorrogarem a duração da relação contratual.

Ou seja: perante tal via argumentativa, expressa a fls. 155/156, é manifesto que constam, de forma suficiente, do acórdão recorrida as razões ou fundamentos jurídicos que, perante a matéria de facto fixada, ditaram o entendimento de que a originária relação contratual subsistiu, por vontade dos contraentes, a isso não obstando o défice formal, decorrente de os interessados não terem pactuado por escrito a renovação do contrato.

E, nesta perspectiva, é manifesta a inverificação da nulidade da sentença invocada.


Invoca ainda a sociedade recorrente que a acção nunca poderia proceder sem se mostrarem juntas aos autos as escrituras públicas que titulavam a venda dos imóveis a propósito da qual teria ocorrido a prestação dos alegados serviços de mediação imobiliária que estariam na base das facturas que suportavam a pretensão da A.: ou seja, o crédito da A. implicaria necessariamente a demonstração de que, ela própria, havia concluído os negócios de venda das moradias, não podendo, consequentemente, ter-se por demonstrado o respectivo direito de crédito sem a junção aos autos da escritura pública de venda dos imóveis, traduzindo tal omissão um erro na apreciação das provas.

Não parece, todavia, que este raciocínio – segundo o qual os créditos da A. só existiriam após ela própria ter celebrado os negócios formais de venda dos imóveis abrangidos pela relação de mediação – encontre suporte, quer nos termos do próprio contrato celebrado, quer na matéria de facto fixada na sentença (e indiscutida no recurso de apelação).

Saliente-se, desde logo, que – no contrato escrito de mediação imobiliária em regime de exclusividade – a R. se obrigou a promover a venda de determinadas unidades de alojamento, ali especificadas, assumindo a publicidade e outras despesas com a promoção dos imóveis, e sendo devida a comissão, quanto a determinados lotes, se conseguisse interessado dentro das condições ali estabelecidas: Não resulta, pois, das cláusulas do contrato que incumbisse necessariamente à A. a celebração dos negócios formais de alienação dos imóveis, em termos de só se poder ter por cumprida a obrigação contratual que sobre ela impendia quando demonstrasse ter celebrado a escritura pública que titulasse o negócio de alienação.

Não pode, por outro lado, olvidar-se que – da matéria de facto fixada na sentença e não impugnada perante a Relação - resultava que a A. publicitou, mediou e finalizou as vendas a que se reportam as facturas enviadas à R. , todas elas referentes a lotes que eram objecto do escrito inicial, tendo sempre promovido a venda do empreendimento, seja através de contactos directos, seja através de publicidade, mesmo após o prazo estabelecido no contrato – e sendo trocada, durante o ano de 2006, correspondência com vista a agilizar a negociação para venda das fracções do imóvel.

Ora, perante este quadro factual, do qual resulta que a A. publicitou, mediou e finalizou a venda dos lotes mencionados no contrato inicial, tem de considerar-se demonstrado que a A. cumpriu efectivamente as obrigações que decorriam do contrato celebrado, estando, assim, verificados os pressupostos do invocado direito à remuneração – não podendo imputar-se ao acórdão recorrido a violação das disposições legais que regem acerca da repartição do ónus probatório entre os litigantes.


6. No caso dos autos, não vem controvertida entre as partes a qualificação do contrato que celebraram por escrito como de mediação imobiliária, sujeito à disciplina que constava do DL 77/99: a questão fulcral suscitada tem a ver com a eventual renovação do contrato, sem observância da forma escrita que as próprias partes haviam estipulado, ao clausularem que poderiam acordar por escrito até 30 dias antes do final do contrato, a sua prorrogação per igual período.

Ora, apesar de tal acordo ou convenção escrita de renovação não se ter verificado – o que ditaria, em princípio, o fim da relação contratual em Setembro de 2003 - resulta claramente da matéria de facto apurada que ocorreu uma manutenção, ao nível prático-económico, da relação de mediação, durante cerca de 6 anos, sendo o seu prosseguimento conhecido e consentido por ambos os litigantes, e implicando que a A. tivesse efectivamente continuado a prestar serviços próprios da sua actividade à R., traduzidos na publicitação, mediação e finalização das vendas dos lotes originariamente previstos no contrato celebrado por escrito.

Obstará a referida exigência de renovação escrita do contrato (resultante, pelo menos, de convenção dos contraentes) a que se possa ter por tacitamente renovado, por via daqueles comportamentos das partes, o contrato, mantendo-se os direitos e obrigações nele prescritos para além do termo final estipulado originariamente pelos contraentes?

Considera-se que a resposta a esta questão tem de ser negativa – e isto quer se considere a referida exigência de renovação escrita como uma exigência de forma legal ou convencional – não podendo, desde logo, deixar de se referir que este entendimento é imposto pelo princípio da boa fé contratual: na verdade, não respeitaria obviamente os ditames da boa fé e o princípio da confiança o comportamento do contraente que continuasse, ao longo de vários anos, a aceitar sem reservas, colaborando normalmente com a contraparte, a subsistência prática da relação originária, aceitando a prestação do núcleo essencial dos serviços convencionados (publicitação, mediação e finalização da venda de determinados lotes), apenas alegando a insuficiência formal do acordo de prorrogação quando lhe fosse exigido o pagamento da contraprestação de tais serviços, que aceitou sem reserva ou objecção…

Na concreta situação litigiosa - e perante os factos apurados - não pode duvidar-se razoavelmente de que houve, com toda a probabilidade, uma vontade tácita de renovação do contrato, enquadrável no art. 217º, nº1, do CC: na verdade, a execução, de forma continuada, ao longo de vários anos, do núcleo essencial de certa disciplina contratual, originariamente acordada por escrito (a publicitação, mediação e finalização da venda de determinadas fracções, por impulso da A.), sem qualquer objecção da contraparte - que inclusivamente cooperou com a A. na sua actuação prática, trocando correspondência e facultando-lhe elementos para agilizar a negociação das ditas fracções – pode e deve, segundo um critério prático, ser tomada como comportamento concludente no sentido de ter ocorrido renovação ou repristinação da relação contratual originariamente existente, por via dos comportamentos ou condutas materiais dos interessados.

Ora, se se entender que a dita cláusula contratual, impositiva da forma escrita para a renovação, implicava apenas o estabelecimento de uma específica exigência de forma convencional, deve ter-se por ilidida – face a tal comportamento tácito - a presunção estabelecida no nº1 do art. 223º do CC – o que implica, como consequência adequada, que as partes, por força do seu comportamento material e em concretização do princípio da autonomia da vontade, prescindiram da exigência formal originariamente estipulada para o acordo de renovação.

Como se afirma, por exemplo, nos Acs. de 22/2/05, proferido pelo STJ no P. 04A4265, e de 10/10/13, proferido pelo STJ no P 4094/07.0TVLSB.L1.S1.

1 - A forma convencional regulada no artº 223º, nº 1, do Código Civil não assenta em razões de ordem pública, mas sim na autonomia privada.

2 - O alcance da estipulação negocial acerca da forma é apenas o de estabelecer uma presunção ilidível de que as partes só pretendem vincular-se pela forma convencionada.

3 - O abandono da forma convencional pode resultar, tacitamente, do comportamento concludente das partes.

4 - Se as partes, por vontade própria, abandonarem tacitamente a exigência de forma estipulada, os negócios jurídicos que concluam sem sujeição à forma exigida não deixam, por tal motivo, de ser válidos e eficazes.


Nada obstava, pois, a que as partes, no plano factual, pudessem prescindir da exigência formal que originariamente haviam convencionado para a celebração do acordo de renovação: a cláusula contratual que impunha a forma escrita valia apenas como presunção juris tantum de que os interessados se não queriam vincular senão pela forma estipulada – admitindo, porém, como é óbvio, tal presunção legal a possibilidade da respectiva ilisão, de modo a ficar demonstrado que, no caso concreto, o comportamento das partes, devidamente interpretado à luz do critério da impressão do destinatário e das exigências da boa fé contratual, deveria significar razoavelmente que as partes, em consequência do seu comportamento factual, prescindiram da exigência formal que haviam inicialmente estabelecido.

Deste modo, a autonomia da vontade, tal como levou as partes a estipularem certa forma convencional para determinado acto, pode justificar que ulteriormente, em consequência do modo como actuam na vida jurídica, se possa concluir que prescindiram da forma convencionada, admitindo a renovação tácita do contrato em causa.

E, como atrás se realçou, entende-se que a reiteração continuada no cumprimento do cerne essencial de certa disciplina contratual, ao longo de vários anos, sem qualquer objecção quanto à subsistência da relação contratual existente, pode e deve – desde logo, à luz do princípio da boa fé – ser razoavelmente interpretada como envolvendo uma renovação ou repristinação tácita do contrato, prescindindo os interessados da forma convencional que inicialmente haviam estipulado.


Por outro lado, se se entender que a referida exigência de forma escrita para a renovação do contrato se prende ainda com as exigências de forma legal, contidas no art. 20º do DL 77/99, tem naturalmente de convocar-se a norma constante do nº2 do art. 217º do CC, segundo a qual o carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz.

Ora, no caso dos autos, a conclusão acerca da existência de um comportamento concludente da R. na renovação do contrato assentou decisivamente em determinados escritos, dela provenientes, e que conduziram a que se tivesse por provada a existência de correspondência destinada a agilizar a negociação para venda das fracções (ponto 11 da matéria de facto) - vejam-se nomeadamente os escritos de fls. 65 e 67 : ou seja, a conclusão acerca da existência de uma renovação tácita do contrato originário assentou decisivamente na verificação da existência de uma postura de aceitação e colaboração da R. para com a A., enquanto prestadora dos serviços de mediação acordados, ocorrida muito para além do termo final da relação contratual, extraída decisivamente de documentos escritos oportunamente juntos aos autos, mostrando-se, assim, preenchida a fattispecie do referido nº2 do art. 217º.

Esta conclusão – segundo a qual as possíveis exigências de forma, legais ou convencionais, condicionadoras da renovação do contrato, não obstaram à renovação ou repristinação prática da relação contratual, operada tacitamente em consequência dos comportamentos concludentes assumidos reiteradamente pelas partes – dispensa-nos de abordar a questão do possível abuso de direito, traduzido na alegabilidade de um vício formal da renovação do negócio pelo contraente que, ao longo de período temporal prolongado, aceitou a prestação de serviços de mediação, colaborando activamente e sem reservas na agilização das negociações destinadas à finalização dos negócios de alienação dos imóveis – criando com tal conduta na contraparte a fundada confiança em que o contrato efectivamente subsistira muito para além do termo final originariamente estipulado - e em que esse contraente não pretenderia, afinal, conformemente aos ditames da boa fé, prevalecer-se da possível invalidade formal que se pudesse ter por cometida no acto de renovação: tratando-se de matéria de conhecimento oficioso do tribunal, desde que a mesma se possa ter por emergente dos factos apurados, seria, no entanto, por via da regra do contraditório, indispensável a prévia audição das partes sobre tal tema, não debatido pelos litigantes, nos termos do nº 3 do art. 3º do CPC.


7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista, confirmando o decidido no acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 14 de Julho de 2016


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor