Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
976/12.5TBBCL.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
MORTE DO LESADO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
QUESTÃO DE DIREITO
ACTUALIZAÇÃO DO CAPITAL INDEMNIZATÓRIO
JUROS MORATÓRIOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/29/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 496.° N.ºS 1 E 3, 562.°, 564.° N.ºS 1 E 2 E 566.° N.° 3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): -ARTIGO 671.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 28/2/2008, PROCESSO N.º 08B388, E DE 16/2/2012, PROCESSO N.º 1043/03.8TBMCN.P1.S1.
-DE 22/2/2017, PROCESSO N.º 5808/12.1TBALM.L1.S1
Sumário :
I. O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

II.  Tendo a vítima falecido, em consequência de acidente de viação, um ano e quatro meses após o sinistro e tendo sofrido, ao longo desse tempo, acentuada degradação do seu padrão de vida e autonomia, designadamente um quantum doloris de grau 7, numa escala de 1 a 7, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 95 pontos, sujeitando-se a tratamentos médicos, cirurgias e internamentos hospitalares, não merece censura a decisão que valorou a indemnização por tais danos não patrimoniais em € 125 000,00, a adicionar ao montante arbitrado a título de lesão do direito à vida.

III. Tal como não merece censura a valoração da indemnização devida ao viúvo, relativa aos danos não patrimoniais por ele sofridos com a morte da sua mulher, com quem mantinha um saudável e próximo relacionamento, em € 25 000,00.

IV. Na normalidade das situações poderá admitir-se, em princípio, que – assentando o valor indemnizatório arbitrado a título de compensação dos danos não patrimoniais essencialmente em juízos equitativos – estes terão sido formulados actualizadamente à data em que a sentença, fixando a indemnização, foi proferida: nada se dizendo sobre tal questão na sentença, o que estará fundamentalmente em causa será proceder a uma interpretação do nela estipulado, procurando determinar objectivamente, à luz da fundamentação emitida e que suporta o conteúdo decisório, se o juiz incorporou no juízo equitativo que está essencialmente na base dessa avaliação do dano, quer os valores monetários correntes, quer os próprios critérios jurisprudenciais vigentes nesse momento (e não na data da produção do acidente).

V. Porém, se o juiz que a proferiu referir explicitamente que não se procedeu a qualquer actualização de tais valores indemnizatórios, serão os juros de mora devidos desde a data da citação.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA e BB instauraram acção declarativa contra CC Seguros, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento de:

"a) Ao 1.º A. e à 2.ª A. pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima DD a quantia de 125 000,00 € e pela perda do direito à vida de 75 000,00 €, num total de 200 000,00 €, acrescidos dos juros de mora legais desde a citação até integral e efectivo pagamento;

b) Ao 1.º A. a título de danos não patrimoniais a quantia de 35 000,00 €, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento;

c) À 2.ª A. a título de danos patrimoniais decorrentes de perda de alimentos a quantia de 78 400,00 €, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento;

d) À 2.ª A. a título de danos não patrimoniais a quantia de 35 000,00 €, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento".

   Alegam, em síntese, que, no dia 8 de Abril de 2009, DD seguia, como passageira, no veículo automóvel matrícula ...-...-BU e que, quando este circulava na Rua …, freguesia de …, concelho de B…, o seu condutor, por culpa sua, perdeu o controlo da viatura, a qual acabou por sair da via e embateu numas árvores. Em consequência do embate, DD sofreu diversas lesões e, a 15 de Agosto de 2010, por causa de complicações infecciosas decorrentes do seu estado clínico, faleceu.

   O autor AA era casado com DD e a autora BB era mãe dela.

  Mais alegaram que a responsabilidade civil decorrente de danos causados a terceiros pela circulação do veículo ...-...-BU estava transferida para a ré, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 90….

   A ré contestou dizendo, em suma, que assumia a responsabilidade pelos danos causados pelo acidente, impugnando, na restante parte, o que de essencial foi alegado pelos autores.


   Foi admitida intervenção principal da EE (Sucursal em Portugal), que afirmou, fundamentalmente, que a entidade patronal de DD tinha a sua responsabilidade civil decorrente de acidentes de trabalho dos seus trabalhadores transferida para si, através do contrato de seguro titulado pela Apólice n.º 23…, e que o despiste ocorreu quando esta se deslocava da sua residência para o local de trabalho -  pedindo a condenação da ré a pagar-lhe:

"a. O montante de € 84.633,10, que a Autora já desembolsou;

b. Os juros vincendos à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

c. Deve, ainda, ao abrigo do disposto do artigo 472.º do Código do Processo Civil, a Ré ser condenada a ver declarada a sua responsabilidade nas prestações que a Autora satisfizer ao AA e, consequentemente, ser condenada a pagar à Autora, logo que por esta interpelada, os montantes que esta vier a pagar ao AA ou a terceiros e na exacta medida desse cumprimento quer:

i. por força do contrato de seguro titulado pela Apólice n.º 23…3 (…), quer

ii. no cumprimento da decisão homologada pelo Ministério Público em 06/04/2011."

   Admitiu-se, igualmente, a intervenção principal de FF, pai de DD, o qual, no entanto, não apresentou articulado.

   Os autores, dizendo que só tiveram conhecimento através da notificação do relatório pericial de novos danos de natureza não patrimonial sofridos pela sinistrada, apresentaram articulado superveniente onde ampliaram o pedido relativo aos danos não patrimoniais para mais € 300 000,00.

Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença em que se decidiu:

"a) condenar a Ré a pagar aos Autores as seguintes quantias, acrescidas de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a citação até integral pagamento:

- € 205.000,00 ao 1.º Autor AA; e

- € 33.600,00, para a 2.ª. Autora BB.

b) condenar a Ré a pagar à interveniente "EE Plc - Sucursal em Portugal" a quantia global de € 115.059,60, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a notificação para contestar o pedido formulado no articulado de intervenção espontânea até integral pagamento, sobre € 84.503,90.

c) absolver a Ré do restante pedido."


2. Inconformados com esta decisão, apelaram o autor AA e a ré, tendo a Relação começado por fixar a matéria de facto, nos seguintes termos:

1. No dia 8 de Abril de 2009, pelas 8 horas, na Rua …, freguesia de …, concelho de B…, ocorreu um despiste do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de serviço particular com matrícula ...-...-BU, propriedade de DD e conduzido por GG, com o conhecimento e autorização daquela.

2. A Rua …, no local do despiste, era composta por uma curva com boa visibilidade, avistando-se a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 m.

3. O piso estava seco e era betuminoso, em bom estado e a faixa de rodagem tinha a largura de 8 m, existindo no eixo da via uma linha longitudinal descontínua a separar ambos os sentidos de trânsito.

4. O BU circulava na Rua …, no sentido Vila do Monte  Abade do Neiva, a uma velocidade superior a 80 km/h e, após a curva, o seu condutor perdeu o controlo do veículo, invadindo a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha e acabando por sair da mesma e embater nas árvores do terreno contíguo à via, do lado esquerdo, deixando um rasto de travagem em todo o trajecto pela hemifaixa de rodagem no sentido Abade do Neiva-Vilar do Monte.

5. DD seguia no BU como passageira, tendo ficado encarcerada nesta viatura pelos membros inferiores, inconsciente, a respirar, sem pupila dilatada, mas contraída, com pulso e hemorragias.

6. Foi socorrida no local do acidente pelos Bombeiros Voluntários de B…, os quais a desencarceraram e retiraram do BU cerca de 40 minutos depois, após o que a transportaram para o Hospital de B….

7. Na sala de emergência apresentou-se assim: não abria os olhos, entubada, membros inferiores em extensão, após estímulo álgico esboçava flexão bilateral dos membros inferiores, O1VTM3, realizava movimentos espontâneos dos membros superiores, desvio conjugado do olhar para a esquerda e pupilas isocóricas, médias, não reactivas à luz.

8. Na TAC crânio-encefálica identificaram-se focos de contusão bifrontais e pequena quantidade de sangue subaracnoideu frontal direito, cisternas da base patentes, sem desvios de linha média.

9. Internada na UCIP após a colocação de sensor da PIC tipo Skullbolt para medidas de neurointensivismo, onde permaneceu até ao dia 26/04/2009.

10. Por PICs alta e mantidas com edema cerebral, apesar de medidas de neurointensivismo, foi submetida a craniectomia descompressiva bilateral (frontoparietotemporal) e colocação de novo sensor da PIC em 15/04/2009.

11. A DD foi sujeita a cirurgia e pós-operatório sem intercorrências, com PIC em valores dentro da normalidade, tendo-se iniciado levante da sedação em 21/04/2009.

12. Foi realizada traqueostomia percutânea na UCIP em 25/04/2009.

13. Submetida a duroplastia com Tissudura, implantação de drenagem ventricular externa (DVE) frontal esquerda e reposição dos retalhos ósseos com craniofix em 07/05/2009.

14. Por ITU por Cândida parapsilosis (08/05/2009) cumpriu 5 dias de fluconazol e foi retirada DVE em 12/05/2009.

15. Por ventriculomegalia tetraventricular foi submetida a trepanação parietal direita e implantado shunt ventrículo-peritoneal de baixa pressão em 29/05/2009.

16. Por febre persistente fez estudo séptico em 20/05/2009 (sedimento urinário, hemoculturas, microbiológico LCR + urina + expectoração, Rx tórax), tendo sido isolado Staph aureus no microbiológico da expectoração, Klebsiella pneumoniae no microbiológico da urina e Hemoculturas e microbiológico da LCR negativos.

17. Iniciou em 20/05/2009 antibioterapia (ATB) empírica com ciprofloxacina (5 dias) que foi ajustada para tobramicina e amoxacilia/ác, clav (12 dias), após resultados de isolamento dos agentes e respectivo antibiograma.

18. A lesada teve fraca evolução neurológica, sofreu enfartes frontais bilaterais, sem hidrocefalia, sem outras complicações e foi colocada PEG em 09/06/2009.

19. Apresentava hipersinal acentuado de ambos os frontais com sinais de contusões hemorrágicas a nível bifrontal e corona radiata de predomínio direito sequelares, hipersinal a nível do fornix e corpo caloso que se encontrava atrofiado, dilaceração tetraventricular, sulcus convexidae presente, cateter ventricular adequadamente colocado.

20. Iniciou antibioterapia com Augmentin em 13 de Junho e depois foi introduzida Vancomicina a 19 de Junho atendendo ao antibiograma de material purulento pela ferida da PEG.

21. Manteve alimentação entérica por PEG.

22. Esteve medicada para além dos antibióticos com Motilium 2 id, Amantadina 100 mg id que deveria aumentar lentamente até 3 comprimidos por dia, Lioresal 25+15+15 dia, Enoxeparina 40 id sc, Dulcolax sup dias pares e Sene 2 comprimidos impares, Lactulose e Paracetamol SOS.

23. A terapêutica do ambulatório foi de Baclofeno 25+15+15 mg, Enoxapanna 40 mg, SC, dia, Fenitoína, 100 mg, PO, 8/8 horas, Omeprazol, 20 mg, PO, dia, Furosemida, 20 mg, PO, dia, Paracetamol, 1000 mg, PO, SOS, Sene 2 cp, PO, dias ímpares, Dulcotax, 1 sup. Rectal, dias pares, Motilium, 1 cp, 878 horas, PO.

24. A DD de 8 de Abril de 2009 a 13 de Junho de 2009 foi sujeita a penso diário ao estoma por drenagem purulenta, fez mitrison a 100 m/h, por vezes apresentando resíduo gástrico e durante o internamento fez numerosas infecções urinárias, assim como respiratórias.

25. Foi transferida para o Hospital de S…, …, V…, onde deu entrada em 23 de Junho de 2009.

26. Em Outubro de 2009, a sinistrada não apresentava melhorias significativas na recuperação clínica, tanto a nível neurológico como funcional, manteve quadro de desorientação no espaço e no tempo, não cumprindo ordens, respondendo no entanto por gemidos na presença da dor.

27. Manteve espasticidade acentuada dos membros, encontrando-se acamada, necessitando de ajuda de terceiros para a realização das tarefas diárias e de cuidados diários de enfermagem, assim como de fisioterapia.

28. Em 15 de Junho de 2009, a sinistrada mantinha hidrocefalia com sinais de tensão intraventricular e edema intersticial rodeando os ventrículos laterais e o III ventrículo.

29. A sinistrada apresentou contusões frontais bilaterais, com maior extensão basal à direita e temporo-basal direita, associadas a estas áreas de contusão que apresentavam T1 e T2 prolongados, identificando-se múltiplos focos hemorrágicos, inferiores a 15 mm de diâmetro, também com envolvimento do lobo temporal esquerdo e com a típica distribuição na transição cortiço-subcortical, devendo corresponder a lesões axonais difusas.

30. Apresentou, ainda, sequelas de contusões focais fronto-basais e temporobasal, lesões axonais difusas (estádio Ilde Adams e Gennarelli) e hidorcefalia de predomínio triventricular.

31. Em 15 de Junho de 2009 fez RM do crânio, em 14 de Julho de 2009 exame à coluna cervical e abdominal, em 15 de Julho de 2009 fez tomografia computorizada crânio-encefálica, em 3 de Julho de 2010 fez ecografia abdominal superior, em 24 de Julho fez TAC cerebral.

32. A Examinanda apresentou as seguintes lesões e/ou sequelas: alterações graves do estado de consciência apresentando um grau 8 na escala de Glasgow; grau 4 de tetraparésia na escala de Ashworth; a alimentação era efectuada através de uma PEG por ajuda de 3.ª pessoa.

33. A sinistrada sofreu dores, sendo o quantum doloris, o dano estético e os índices de repercussão permanente nas actividades desportivas, de lazer e sexual fixados no grau 7, numa escala de 1 a 7.

34. A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 23-06-2009, altura a partir da qual a sinistrada ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 95 pontos.

35. Entre a data do acidente e o seu óbito, a sinistrada ficou totalmente dependente de tratamentos médicos contínuos e de terceira pessoa.

36. Viveu esse período envergonhada, sentida e constrangida, com incómodos vários, angústia, desconforto e medo de morrer.

37. A sinistrada, de pessoa alegre e divertida, ficou completamente destroçada, quer física, psicologicamente, perdeu a alegria de viver e tinha.

38. A sinistrada esteve impossibilitada de ter relações sexuais com o marido, desde o acidente até à data da sua morte, vendo-se privada do débito conjugal.

39. A 15 de Agosto de 2010 a sinistrada DD faleceu, como consequência directa e imediata, de complicações infecciosas (meningoencefatite e pneumonia bilateral) decorrentes do estado clínico sequelar que lhe adveio do acidente.

40. A DD era casada no regime de comunhão de adquiridos com o 1.º A., não tendo o casal tido filhos ou outros descendentes.

41. Os dois formavam um casal feliz e com intenção de permanecerem casados em vida comum até ao fim dos seus dias, sendo sua intenção ter filhos.

42. A DD partilhava com o 1.º A. as horas de alegria e tristeza da sua vida, auxiliando-se mutuamente no dia-a-dia da vida conjugal.

43. O 1.º A. amava a DD, por quem nutria grande respeito e carinho.

44. O acidente sofrido pela sinistrada e o seu falecimento posterior causaram no 1.º A. grande consternação, tristeza, angústia, amargura e revolta.

45. O 1.º A. de pessoa alegre e divertida, ficou, como está, abatido, desolado, com momentos de profundo pesar e depressão física, moral e psicológica.

46. O 1.º A. passou, como passa, noites sem dormir e não se conforma por ter perdido a sua esposa para sempre.

47. A falecida era filha do interveniente FF e da 2.ª A. BB, nascida a 9 de Fevereiro de 1957.

48. O casal formado pela falecida DD e pelo 1.º A. AA vivia na casa da mãe daquela, a aqui 2.ª A. BB.

49. A falecida contribuía para o sustento da mãe com a quantia de € 100,00 x 12 meses/ano, dado que a 2.ª. Autora se encontra desempregada e não recebe qualquer subsídio, nem ter qualquer rendimento.

50. Ambas mantinham entre si uma relação de grande respeito, carinho e dedicação uma à outra.

51. A sinistrada era a única filha da 2.ª A., gostava muito da sua mãe e demonstrava-o amiúde, dando-lhe beijos, abraços e mimos.

52. O acidente sofrido pela sinistrada e o seu falecimento posterior causaram na 2.ª A. grande consternação, tristeza, angústia, amargura e revolta.

53. A 2.ª A. de pessoa alegre e divertida ficou, como está, abatida, desolada, com momentos de profundo pesar e depressão física, moral e psicológica.

54. A 2.ª A. passou, como passa, noites sem dormir e não se conforma por ter perdido a sua filha para sempre.

55. A DD deslocava-se de casa para o trabalho no veículo BU e trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização de HH, casada, residente no Lugar …, …, como empregada doméstica, mediante a remuneração de 505,00 € x 14 meses/ano.

56. A entidade patronal da sinistrada tinha a sua responsabilidade decorrente de acidentes trabalho transferida para a interveniente EE Plc Sucursal em Portugal, por contrato de seguro titulado pela Apólice 00/23…3.

57. A interveniente EE Plc Sucursal em Portugal pagou os seguintes montantes: à sinistrada DD, a título de incapacidade temporária absoluta, a quantia global de € 6 394,50; ao 1.º Autor, a título de pensão anual e vitalícia, € 13 232,11 e € 30 555,70; à 2.ª. Autora, a título de pensão anual e vitalícia, € 9 116,73; a II, S.A., a título de despesas com exames e avaliação do estado Clínico da DD, € 21 982,37; a JJ, a título de honorários pela Avaliação do Dano Corporal na pessoa da DD, a quantia de € 154,50; ao Hospital S. …, a título de despesas com assistência hospitalar da DD, € 33 312,19; ao Tribunal Judicial de B…, a título de encargos judiciais, a quantia de € 129,20; a KK, Lda. a título de transporte da DD, € 311,50.

58. DD nasceu a 24 de Agosto de 1979.

59. À data do sinistro, a responsabilidade civil decorrente de danos causados a terceiros pela circulação do veículo automóvel com a matrícula ...-...-BU estava transferida para a Ré, através do contrato de seguro titulado pela Apólice n.º 90…0.


   3. Passando a apreciar as questões colocadas pelos recorrentes quanto aos valores indemnizatórios arbitrados, considerou a Relação no acórdão recorrido:

Os autores alegaram que DD, antes de falecer, sofreu danos não patrimoniais que contabilizam em € 425 000,00 .

O Tribunal a quo considerou "adequada e justa a quantia de € 100.000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela DD no período (superior a um ano e quatro meses) que decorreu entre o acidente e o seu óbito".

O autor AA e a ré censuram este segmento da sentença, defendendo aquele que a indemnização deve situar-se nos € 425 000,00 e esta que ela não deve exceder os € 20 000,00 .

Lamentavelmente, DD veio a morrer em consequência do acidente de viação, mas a sua morte só ocorreu um ano e quatro meses após o sinistro. Significa isso que ainda sofreu, ao longo desse tempo, efeitos daquele acontecimento.

O artigo 496.º n.º 1 do Código Civil dispõe que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito", acrescentando o seu n.º 3 que "o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º". Por sua vez, neste artigo 494.º diz-se que "quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem."

Por outro lado, não sendo possível a reconstituição natural, como nestes danos, pela sua natureza, sucede, a indemnização é então fixada em dinheiro.

O dano não patrimonial (também chamado dano moral) é a "lesão que se produz em interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária. Assim acontece com as dores físicas ou sofrimentos psicológicos que decorrem para o lesado de um comportamento de outrem, constitutivo deste na obrigação de indemnizar".  Ele tem por objecto um interesse "não avaliável em dinheiro" , "bens de carácter imaterial" , o que, desde logo, mostra a dificuldade em encontrar o valor da respectiva indemnização, pois ele "não pode ser avaliado em medida certa." 

Os danos não patrimoniais são fixados "equitativamente pelo tribunal" , mas "o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso."Na verdade, "os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição."

Voltando ao caso dos autos, destaca-se dos factos provados, pela sua importância, os factos 8, 13, 15, 16, 18, 21, 24, 26, 27, 29, 30 e 32 a 38, dos quais merecem particular relevo os relativos ao quantum doloris de grau 7, numa escala de 1 a 7, e o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 95 pontos. Deve também ter-se em especial consideração os tratamentos, internamentos e as cirurgias a que DD se submeteu, bem como o facto de ela, à data do acidente, ter (apenas) 29 anos de idade.

Ponderado tudo o que se deixa dito, e tendo por referência o decidido no Ac. STJ de 02-03-2011 no Proc. 1639/03.8 TBBNV.L1 e nos arestos desse ilustre Tribunal que nele são citados, afigura-se como justo e adequado fixar esta indemnização em € 125 000,00.

Outro ponto onde o autor AA e a ré discordam do decidido é o relativo ao montante de € 30 000,00 da indemnização atribuída àquele pelos danos não patrimoniais por ele sofridos.

Para o primeiro o valor devia ser de € 35 000,00 e segundo esta ele devia situar-se nos € 15 000,00 .

Aqui temos que realçar os factos 40.º a 46.º, dos quais se destaca que o autor AA era casado com DD, com quem mantinha um saudável e próximo relacionamento. Os factos provados revelam que este autor sentiu, de forma significativa, a morte da sua mulher.

Considerando todo este circunstancialismo e ainda o decidido nos Ac. Ac. STJ de 18-06-2015 no Proc. 2567/09.9TBABF.E1.S1 e de 31-5-2012 no Proc. 14143/07.6TBVNG.P1.S1, entende-se como adequado fixar esta indemnização em € 25 000,00.

A ré sustenta que "a indemnização de € 75.000,00 atribuída para (…) [o] do dano morte é manifestamente excessiva e desajustada", devendo situar-se nos € 60 000,00 .

No Ac. STJ de 26-10-2010 no Proc. 209/07-6TBVCD P.1 S.1 afirmou-se que "sendo a vida um valor absoluto, independentemente da idade, condição sócio-cultural, ou estado de saúde, irrelevam na fixação desta indemnização quaisquer outros elementos da vítima, que não a vida em si mesma" . Partilha-se desta ideia, excepto no que diz respeito à idade da vítima. Salvo melhor juízo, a dimensão do dano morte não é a mesma no caso de falecer uma criança de 10 anos, que tinha toda um vida pela sua frente para ser vivida e gozada, ou de morrer um adulto de 70 anos, que, tendo presente a esperança média de vida, somente viveria por volta de mais uma dezena de anos.

DD faleceu a pouco dias de completar 31 anos.

Tendo presente o apurado nos autos e o que se decidiu nos Ac. Ac. STJ de 3-11-2016 no Proc. 6/15.5T8VFR.P1.S1 e de 7-2-2013 no Proc. 3557/07.1TVLSB. L1.S1, bem como nos arestos que nestes se cita, fixa-se em € 70 000,00 a indemnização relativa ao dano morte.

A ré censura ainda o Tribunal a quo por que na sua perspectiva "a indemnização atribuída à Autora recorrida BB a título de danos patrimoniais, decorrentes da prestação de alimentos auferido não é devida, e caso, assim não se entenda, a mesma é excessiva e desajustada" . E a haver um dano que tenha que se compensar, então a respectiva indemnização deve ser de € 15 000,00.

Face aos factos 48.º e 49.º dos factos provados, verificamos que DD e o seu marido, o aqui autor AA, viviam na casa da mãe daquela, a aqui autora BB. E DD contribuía para o sustento da mãe com € 100,00 por mês, em virtude desta estar desempregada e de não receber qualquer subsídio, nem ter qualquer rendimento.

O n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil dispõe que "têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural."

Deste modo, "a lei manda indemnizar, tanto no caso de morte como no de lesão, o prejuízo sofrido por aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado (o cônjuge, os seus descendentes, ascendentes, irmãos e sobrinhos: cfr. art. 2009.º) ou por aqueles a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. Há na concessão deste direito de indemnização uma verdadeira excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação imposta ao lesante. Com efeito, a obrigação alimentar, quer fundada na lei, quer baseada em qualquer dos deveres de justiça em que assenta a naturalis obligatio, constitui um direito relativo a que o lesante era estranho" . Têm, portanto, "direito a indemnização, nos termos do art. 495.º, n.º 3, do CC, aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava em cumprimento de uma obrigação natural" . E esta indemnização "tem como critério não tanto a necessidade e medida estritas da prestação de alimentos a que se referem os artigos 2003.º, n.º 1, e 2004.º do mesmo diploma, mas a perda patrimonial, em termos previsíveis de danos futuros, correspondente ao que o falecido vinha efectivamente prestando, ou poderia eventualmente prestar, não fora a lesão sofrida, em termos de permitir aos beneficiários manter o nível de vida que aquele rendimento lhe proporcionaria" .

Sendo DD filha da autora BB e entregando aquela a esta mensalmente € 100,00, em virtude da sua mãe estar desempregada e de não receber qualquer subsídio, nem ter qualquer rendimento, é evidente que estão preenchidos os requisitos do citado n.º 3, designadamente o da situação de carência económica de quem recebia tal quantia.

Para determinar o valor da indemnização, o Meritíssimo Juiz a quo, tendo por referência a esperança média de vida de 82,05 anos para as mulheres "e atendendo a que, à data do acidente (momento a partir do qual a sinistrada deixou de poder auxiliar a sua mãe) a 2ª. Autora tinha 52 anos de idade, afigura-se-nos equilibrado considerar que a prestação de alimentos por parte da sinistrada se poderia prolongar por mais 28 anos, o que significa um dano patrimonial para a 2ª. Autora de € 33.600,00 (€ 100,00 x 12 x 28), montante que se fixa a este título."

Neste ponto, com o devido respeito, não se acompanha este entendimento, pois, na ausência de qualquer outro facto, há que ver as coisas segundo as regras da normalidade da vida. E estas apontam no sentido de que, não só a situação de desemprego, não obstante as dificuldades com se debate o nosso país, é tendencialmente temporária, como também, à partida, a autora BB, quando esse momento chegar, terá direito a uma reforma. Quer isto dizer que não se apresenta como razoável partir do princípio de que a sua situação de carência económica se prolongará, necessariamente, por mais 28 anos.

Aqui concorda-se com a ré quando afirma que é "justo e adequado, para compensar esse dano sofrido (…) o montante de € 15.000,00" .

Por último, a ré ataca a sentença recorrida defendendo que, contrariamente ao decidido, os "juros de mora [relativos aos danos não patrimoniais] apenas (…) [são] devidos após a data da prolação da sentença".

Diz o Meritíssimo Juiz que "no caso concreto, porque não se procedeu a qualquer actualização, uma vez que se teve em conta o pedido inicialmente formulado pelo A. e se consideraram os factos conforme alegados à data da propositura da acção, não se coloca sequer a questão de aplicação ou não de tal jurisprudência. E, não sendo um caso de actualização, os juros são devidos desde a citação."

No Ac. do STJ 4/2002 de 9-5-02 de Uniformização de Jurisprudência decidiu-se que "sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação."

Ora, o juízo de equidade, de que resulta o montante da indemnização dos danos não patrimoniais, é um juízo actualista, pois o valor encontrado é aquele que se considera como correcto no momento em que a questão se decide. Para se formular esse juízo, à partida, não se recua no tempo, procurando determinar qual o montante que na data do acidente, na da propositura da acção ou na da citação do réu seria o adequado. "Se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado."

O argumento de que se teve "em conta o pedido inicialmente formulado pelo A. e se consideraram os factos conforme alegados à data da propositura da acção", não é sinónimo de que não se fez um juízo actualista, pois, independentemente do que resulta do princípio do dispositivo, sempre o juiz, ao elaborar a sentença, tem que então apurar quais os valores que considera adequados e esse seu juízo é formulado nessa ocasião, reportando-se a esse preciso momento. Quando o Meritíssimo Juiz a quo teve "em conta o pedido inicialmente formulado pelo A. e (…) [considerou] os factos conforme alegados à data da propositura da acção", ele chegou aos valores das indemnizações por danos não patrimoniais em função do que nesse momento lhe pareceu adequado e não em função do que seria adequado numa data anterior, como a da propositura da acção ou a da citação da ré.

Sendo assim, é claro que nesta matéria assiste razão à ré, o mesmo é dizer que só são devidos juros de mora relativamente às indemnizações dos danos não patrimoniais a contar da data da sentença decisão proferida pelo Tribunal a quo, ou seja 1 de Setembro de 2016.

Com fundamento no atrás exposto, julga-se parcialmente procedentes os recursos pelo que:

1 - revoga-se a alínea a) do decisório da decisão recorrida.

2 - condena-se a ré a pagar ao autor AA a quantia de € 220 000,00, acrescida de juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a data da sentença do Tribunal a quo;

3- condena-se a ré a pagar à autora BB a quantia de € 15 000,00, acrescida de juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a data da sua (da ré) citação;

4- mantém-se no mais a sentença recorrida.

  Tal decisão tem apendiculado voto de vencido quanto ao decidido em sede de vencimento dos juros moratórios, entendendo-se que – na falta de expressa referência a uma actualização das indemnizações reportadas aos danos não patrimoniais - os juros respectivos se venceriam desde a citação.


    4. Inconformados, recorreram para este STJ os AA. e, em recurso subordinado, a R. /seguradora, encerrando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:

1ª Perante a factualidade dada como provada, os Recorrentes, com o devido respeito por opinião diversa, discordam em relação aos montantes indemnizatórios/compensatórios que foram fixados pelo Tribunal da Relação de …, a título de indemnização pelos danos sofridos pela própria vítima, assim como pelos danos sofridos pelos recorrentes.

2ª Atenta a matéria de facto provada sob pontos 5 a 39, a DD viveu ainda mais de um ano e quatro meses após o acidente, sofreu enormíssimas dores durante esse período de tempo e um incomensurável abalo psíquico, sofrimento que não poderá deixar de ser objeto de compensação, a falecida sofreu lesões graves, com sequelas daí resultantes, foi submetida a intervenções cirúrgicas, com enorme quantidade de exames efetuados e atos médicos e de enfermagem a que foi sujeita, sofreu quantum doloris, dano estético, com índices de repercussão permanente para as atividades desportivas, de lazer e sexual fixados - todos no grau máximo previsto de 7 -, com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica atribuído de 95 pontos, tendo ficado totalmente dependente de tratamentos médicos e de terceira pessoa, mais se devendo ter em especial consideração os tratamentos, internamentos e cirurgias a que a falecida foi submetida, assim como o facto de à data do acidente ter apenas 29 anos de idade.

3ª Pelo que, adequada, justa e equitativa se reputa a quantia de 425.000.00 € a título de indemnização/compensação pelos danos sofridos pela vítima, desde a data do sinistro até ao dia do seu óbito, conforme alegado nos articulados da causa e que ora se reclama, ao abrigo do disposto no artigo 496° do C.C.

4ª Decidindo de modo diverso, fez o acórdão recorrido má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 496.° n.ºs 1, 2 e 3, 562.°, 564.° n.ºs 1 e 2 e 566.° n.° 3 todos do Código Civil.

5ª O montante 70 000,00 € fixado pelo acórdão recorrido é insuficiente para ressarcir/compensar os danos por esta sofridos pela perda do direito à vida.

6ª Atenta a matéria de facto provada em 39° e 58°, atendendo à idade da vítima (faleceu poucos dias após completar 31 anos, ao facto de ter sido pessoa alegre e divertida, formando com o 1° A. um casal feliz e harmonioso e, ainda, à grande ligação afetiva que tinha com o marido e sua mãe, reputa-se como justa e adequada a quantia de 75 000.00 €, para a indemnização do dano morte, ou seja, resultante da perda do direito à vida.             

7ª Decidindo de modo diverso, fez o acórdão recorrido má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 496.° n.ºs 1, 2 e 3, 562.°, 564.° n.ºs 1 e 2 e 566.° n.° 3 todos do Código Civil.

8ª O 1º A. recorrente, tendo em conta os factos dados como provados e os danos por si sofridos, discorda dos montantes indemnizatórios/compensatórios que lhe foram atribuídos.

9ª Com efeito, resulta, ainda, da matéria de facto dada como provada que: o Recorrente era casado com a sinistrada DD no regime de comunhão de adquiridos; não tendo o casal tido filhos ou outros descendentes; os dois formavam um casal feliz e com intenção de permanecerem casados em vida comum até ao fim dos seus dias, sendo sua intenção ter filhos; a lesada partilhava com o Recorrente as horas de alegria e tristeza da sua vida auxiliando-se mutuamente no dia-a-dia da vida conjugal; o recorrente amava a vítima, por quem nutria grande respeito e carinho; o acidente sofrido pela sinistrada e o seu falecimento posterior causaram no Recorrente grande consternação, tristeza, angústia, amargura e revolta; o recorrente de pessoa alegre e divertida, ficou, como está, abatido, desolado, com momentos de profundo pesar e depressão física, moral e psicológica; o recorrente passou, como passa, noites sem dormir e não se conforma por ter perdido a sua esposa para sempre.

10ª Desta maneira, reclamasse a este título a quantia de € 35.000.00. por se revelar justa e adequada a compensar o 1° A. pelos danos morais sofridos.

11ª Decidindo de modo diverso, fez o acórdão recorrido má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 496.° n.ºs 1 e 3, 562.°, 564.° n.ºs 1 e 2 e 566.° n.° 3 todos do Código Civil.

12ª A 2ª A. recorrente, tendo em conta os factos dados como provados e os danos por si sofridos, discorda dos montantes indemnizatórios/compensatórios que lhe foram atribuídos.

13ª Com efeito, dos factos dados como provados em 48° e 49° resulta que o casal formado pela falecida e pelo 1º A., vivia na casa da 2ª A. e que a primeira contribuía para o sustento da mãe com a quantia de 100,00 e x 12 meses/ano, dado que esta última se encontrava desempregada e não recebe qualquer subsídio, nem tem qualquer rendimento.

14ª Esta quantia era dirigida ao sustento da mãe, sendo por isso prestada a título de alimentos, tal como estes vêm caraterizados no artigo 2003° do C.C.

15ª Sendo que a 2ª A. goza da qualidade prevista no artigo 495°, n° 3 do C.C., de que depende o direito à indemnização, a qual lhe deverá ser atribuída por forma a assegurar uma situação patrimonial correspondente à que teria se a vida em conjunto com a sua filha subsistisse.

16ª A DD faleceu com praticamente 31 anos de idade, pelo que poderia continuar a trabalhar por muitos mais anos e, assim, auxiliar a sua mãe.

17ª A evolução da esperança média de vida à nascença em Portugal, de acordo com os dados estatísticos revelados pelo I.N.E. em 27/05/2011, situa-se nos 76,14 anos para os homens e 82,05 anos para as mulheres, situando-se a geral nos 79,20 anos e, de acordo com os dados mais recentes publicados pela "Pordata" entre 2012 e 2014 tem-se situado por volta dos 80 anos de idade.

18ª Mais releva que à data do acidente, a partir do qual a sinistrada deixou de ajudar a sua mãe, a 2ª A. tinha 52 anos de idade.

19ª Pelo que se afigura justo e equilibrado considerar a prestação de alimentos por parte da sinistrada por mais 28 anos, o que significa um dano patrimonial para a 2ª A. de 33 600,00 e (100,00 € x 12 x 28), montante que se pede.

20ª Decidindo de modo diverso, fez o acórdão recorrido má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 496.° n.ºs 1 e 3, 562.°, 564.° n.ºs 1 e 2 e 566.° n.° 3 todos do Código Civil.

21ª No caso concreto, não se procedeu a qualquer atualização, dado que se teve em conta o pedido inicialmente formulado pelo A. e se consideraram os factos conforme alegados à data da propositura da ação, pelo que não se coloca a questão de aplicação ou não da jurisprudência citada, donde resulta que os juros são devidos desde a citação.

22ª Isto porque se perfilha o entendimento segundo o qual também aos danos não patrimoniais se aplica o disposto no artigo 805°, nº 3 do C.C., uma vez que a lei não faz qualquer distinção entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, cfr. entre outros, Ac. STJ de 26/5/93, CJSTJ, ano I, tomo 2, pág. 130.

23ª Donde resulta que são devidos juros desde a citação e a notificação da ampliação do pedido, até integral pagamento, à taxa de 4% (artigo 559°. nº 1 do C.C. e Portaria 291/93, de 08/04), ou outra que legalmente venha a estar em vigor.

24ª Decidindo de modo diverso, fez o acórdão recorrido má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 804°, 806° e 559°, n° 1 do C.C. e Portaria 291/93, de 08/04.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a decisão recorrida ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, assim se fazendo a costumada e boa...

JUSTIÇA!


   Por sua vez, a seguradora – no recurso subordinado que interpôs – questiona essencialmente os valores indemnizatórios arbitrados, sustentando que os mesmos deveriam ser fixados, respectivamente, em €60.000,00 para a lesão do direito à vida, €25.000,00 para os danos sofridos pela vítima antes do seu falecimento, €15.000,00 a título de compensação dos danos próprios do A., impugnando ainda que a quantia satisfeita pela vítima a sua mãe pudesse qualificar-se como feita no cumprimento de uma obrigação alimentar.


     5. Começa a recorrente seguradora por suscitar a questão prévia da recorribilidade quanto ao recurso principal, decorrente do obstáculo da dupla conformidade das decisões.


   No caso dos autos, verifica-se que o A. obteve na Relação decisão mais favorável do que a obtida em 1ª instância, vendo ampliado o valor global da indemnização arbitrada de €205.000,00 para €220.000,00 – mas vendo, todavia, limitada a condenação nos juros moratórios, que deixaram de ser devidos desde a data da citação: ora, sobre este ponto – que integra o objecto do recurso – a decisão da Relação não foi unânime, já que foi lavrado voto de vencido, sustentando a manutenção do decidido na sentença sobre o momento em que se inicia a contagem de juros moratórios – o que, sem mais, preclude o obstáculo à recorribilidade, nos termos do disposto no art. 671º, nº3, do CPC.

  No que respeita à situação da A./recorrente principal, verifica-se que a mesma viu a sua posição agravada em consequência do que se decidiu na revista, passando de uma indemnização de €33.600,00 para o montante de apenas €15.000,00 – justificando naturalmente esta parcial sucumbência a admissibilidade da revista normal.

   Improcede, pois, manifestamente a questão prévia da recorribilidade.


   No que respeita ao mérito dos recursos, entende-se que nenhuma censura merece o acórdão recorrido, no que se refere aos valores indemnizatórios arbitrados a título de compensação dos danos não patrimoniais invocados, conexionados com a morte da lesada.

   Como temos sustentado (veja-se, por exemplo, o Ac. de 22/2/17, proferido por este STJ no P. 5808/12.1TBALM.L1.S1), o juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

  Considera-se que os valores arbitrados a este título pelo acórdão recorrido – compensando o sofrimento da lesada no período que precedeu o óbito, a lesão do direito à vida e o desgosto e sofrimento pessoal do A./marido – se revelam proporcionais e adequados, não merecendo censura.

  Saliente-se que – no respeitante à indemnização pela lesão do direito à vida e pelos desgostos pessoalmente sofridos pelo A.- os valores pretendidos por este não se afastam sequer sensivelmente dos montantes arbitrados pelo acórdão recorrido (€ 70.000,00/75.000,00 ; €25.000,00/35.000,00), compreendendo-se tal diferença de valores no âmbito da discricionariedade consentida às instâncias na ponderação das circunstâncias peculiares do caso concreto – e revelando-se, isso sim, perfeitamente desproporcionais e inadequados os valores sustentados pela seguradora na sua alegação de recurso subordinado.

   Quanto ao montante do valor compensatório pelo dano sofrido pela lesada no período que precedeu o óbito, apontam as partes valores abissalmente opostos, pretendendo o A. o reconhecimento do direito ao montante de €425.000,00 e a seguradora ver tal montante reduzido para €20.000,00!

  Nenhuma destas visões extremadas acerca da quantificação deste relevante dano não patrimonial se justifica materialmente, importando ponderar que a lesada acabou por sobreviver -em condições efectivamente muito penosas e de grande sofrimento - durante um ano e 4 meses, sobrevindo-lhe entretanto a morte em consequências das sequelas das lesões iniciais. Implica isto que a indemnização global pelo dano não patrimonial sofrido – ponderados os sofrimentos, a penosidade e o limitado padrão de vida suportado pela lesada durante mais de 1 ano e o dano decorrente da ulterior e consequente privação do direito à vida- se aproxima dos valores indemnizatórios que este STJ vem reconhecendo em situações de equiparável gravidade (em que o lesado acaba por sobreviver ao longo de anos, durante períodos prolongados, em situações de vida praticamente vegetativa ou de profundíssima incapacidade) – vejam-se, por exemplo os casos retratados nos Acs. do STJ de 28/2/08, P. 08B388 e de 16/2/12, proferido no P. 1043/03.8TBMCN.P1.S1.

   Mantém-se, pois, o decidido nesta sede pela Relação.

   Do mesmo modo, entende-se que nenhuma censura merece o decidido acerca da quantificação, segundo juízos de equidade, do dano resultante da privação de alimentos, prestados pela falecida à A. – considerando-se, por um lado, que estava alegada e provada uma situação de carência económica que justificava o surgimento de tal obrigação; e, por outro lado, que tal valor não tinha necessariamente que representar a soma material dos valores a prestar até ao termo provável da vida da progenitora da lesada, sendo plausível supor que a sua situação de desemprego e carência se não iria necessariamente manter até ao fim da sua vida…

   Resta abordar a questão respeitante ao momento estabelecido como o do vencimento de juros moratórios pela quantia atribuída a título de compensação do dano não patrimonial.

   Como refere o acórdão recorrido, na normalidade das situações será lícito admitir, em princípio, que – assentando o valor indemnizatório arbitrado essencialmente em juízos equitativos – estes terão sido formulados actualizadamente à data em que a sentença, fixando a indemnização, foi proferida; nada se dizendo sobre tal questão na sentença, o que estará fundamentalmente em causa será proceder a uma interpretação do nela estipulado, procurando determinar objectivamente, à luz da fundamentação emitida e que suporta o conteúdo decisório, se o juiz incorporou no juízo equitativo que está essencialmente na base dessa avaliação do dano, quer os valores monetários a essa data correntes, quer os próprios critérios jurisprudenciais vigentes nesse momento (e não na data da produção do acidente).

   Sucede que, no caso dos autos, o juiz que a proferiu refere explicitamente, a fls. 446, que não se procedeu a qualquer actualização, uma vez que se teve em conta o pedido inicialmente formulado e se consideraram os factos conforme alegados à data da propositura da acção.

   Ora, perante tal posição, expressamente assumida pelo próprio julgador, referindo que não procedeu a qualquer actualização dos valores indemnizatórios que arbitrou, não poderá efectivamente concluir-se que tal actualização estaria afinal contida na sentença proferida: como atrás se referiu, a actividade de interpretação da sentença, tendente a determinar se houve ou não lugar a decisão actualizadora, cessa nos casos em que o juiz se pronunciou explicitamente sobre esse tema, declarando explicitamente se procedeu ou não a actualização do montante indemnizatório que arbitrou.

   E, no caso dos autos, determinando expressamente a sentença que não procedeu a qualquer actualização, terão de se considerar devidos juros de mora desde a citação, nos termos gerais.


     6. Nestes termos e pelo exposto concede-se parcial provimento à revista principal, decidindo que são devidos juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia arbitrada ao autor, a título de danos não patrimoniais, desde a data da citação, até integral pagamento, negando-se, em tudo o mais, as revistas e confirmando o decidido no acórdão recorrido quanto às restantes questões colocadas pelos recorrentes.

   Custas por recorrentes e recorridos, na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.


Lisboa, 29 de Junho de 2017


Lopes do Rego (Relator)

Távora Victor

António Piçarra