Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2647/15.1T8CSC.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: ALEGAÇÕES DE RECURSO
FALTA DE CONCLUSÕES E CONCLUSÕES EXCESSIVAS
APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ÓNUS DO RECORRENTE / DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO.
Doutrina:
- Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre O Novo Processo Civil, Lex, 1997 64/66.
- Paulo Ramos de Faria, Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas Ao Novo “Código Processo Civil”, 2014, II Volume, 52.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 7.º, 639.º, N.ºS 1, 2, ALÍNEAS A), B) E C), E 3, 641.º, N.º2, ALÍNEA B), 655.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003, IN SASTJ.
-DE 29 DE ABRIL DE 2008, E DE 27 DE MAIO DE 2010, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I A reprodução nas conclusões do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com falta de conclusões.

II Nestas circunstâncias, não há lugar à prolação de um despacho a rejeitar liminarmente o recurso, impondo-se antes um convite ao seu aperfeiçoamento, nos termos do nº3 do artigo 639º do CPCivil, atenta a sua complexidade e/ou prolixidade.

(APB)

Decisão Texto Integral:

PROC 2647/15.1T8CSC.L1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I F intentou acção com processo comum contra A, pedindo a condenação do Réu no pagamento da quantia de € 74.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.

           

Foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, com a absolvição do Réu do pedido.

Inconformado, o Autor interpôs recurso de Apelação, no qual  apresentou a respectiva motivação na qual transcreveu, sob a designação de “Conclusões”, o que já constava do corpo das alegações, prosseguindo a numeração até ali já existente.

Recebido o processo no Tribunal da Relação de Lisboa, a Exª Relatora, ao abrigo do preceituado no artigo 652º, nº 1, alínea  b) do Código de Processo Civil, por ter entendido que existia uma falta absoluta de conclusões, circunstância essa que levaria ao indeferimento do recurso ordenou o cumprimento ao disposto no artigo 655º, nº 1 do CPC.

O Apelante pronunciou-se nos seguintes termos:

«[A]inda que o recorrente possa efectivamente ter apresentado conclusões de recurso que não cumprem na íntegra o preceituado no art. 639 n.1 do CPC, por não serem de facto sintéticas e serem demasiado extensas e complexas, a verdade é que não há omissão completa das mesmas no sentido de não terem sido de todo apresentadas.

O recorrente não deixou de estabelecer em termos formais uma diferenciação entre a motivação de recurso e as respectivas conclusões, o que não poderá levar à situação mais gravosa de falta de conclusões, art. 641º nº 2 alínea b), pelo menos não sem antes convidar o recorrente a apresentar conclusões que cumpram o disposto no nº 3 do art. 639º do cpc.

Só depois de formulação de tal convite e o seu não acolhimento pelo recorrente podem ser retirados os efeitos jurídicos que correspondem à rejeição total do recurso, veja-se acórdão de STJ de 09.07.2015 nº 818/07.3TBAMD.L1.S1.

Pelo exposto, vem o recorrente aceitar tal convite, juntando para o efeito novas conclusões de recurso em cumprimento do nº 1 e 3 do art. 639º do CPC.».

O Réu, Apelado, pronunciou-se no sentido de não deverem serem consideradas as novas alegações e conclusões apresentadas, além do mais por não ter sido formulado qualquer convite nesse sentido, não se conhecendo do objecto do recurso.

Foi proferida decisão singular pela Exª Relatora a determinar o desentranhamento da nova alegação de recurso por entender que não se poderia inferir do seu anterior despacho qualquer convite para o recorrente apresentar nova alegação de recurso e considerando que as alegações apresentadas não continham verdadeiras conclusões foi rejeitado o recurso por interposto, ao abrigo do disposto no artigo 641º, nº2, alínea b), do CPCivil.

 

O Recorrente, notificado desta decisão dela reclamou para a conferência nos termos do artigo 652.º, n.º 3 do CPC, tendo sido produzido Acórdão, por maioria com um voto de vencido, a confirmar a decisão singular da Exª Relatora.

De novo irresignado vem o Recorrente interpor recurso de Revista, apresentando, em síntese e no que à economia do recurso interessa, as seguintes conclusões:

- Foi violada a norma constante do art. artigo 641, nº 2 alínea b) do cpc, que estipula que: “o Requerimento ( de recurso) é indeferido quando: não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.”, uma vez que foram efetivamente apresentadas conclusões

- Tais conclusões não foram, no entender do tribunal, “verdadeiras” conclusões, tendo o mesmo inserido as  conclusões  apresentadas  no  conceito  de falta  de conclusões constante do art. 641º n.º 2 b) de inexistência ou falta total.

- Discorda o recorrente pois, a norma a aplicar deveria ter sido a constante do art. 639º n.º 3 do cpc onde consta que: “quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas, ou nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o n.g anterior o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las , sob pena de não conhecer do recurso na parte afetada” mas também art. art. 652º n.º 1 alínea a) do cpc e art. 547º do cpc.

- A Relação não poderia aplicar automaticamente a sanção do artigo 641º nº2 alínea b), sem um prévio convite ao aperfeiçoamento das alegações de recurso, conforme previsto no artigo 639º nº 3 do cpc.

- Com tal decisão houve sem dúvida não só errada aplicação da norma e violação da lei de processo

- Esta omissão do relator, do «convite» constitui violação processual e nulidade processual nos termos do artigo 195º, nº 1, do CPC, nulidade que se repercute na decisão recorrida.

- A decisão violou ainda o artigo 209 da constituição da república portuguesa que estipula o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva,

- A decisão " ad quem" viola ainda n.º 4 do art. 20º da CRP , o princípio do processo equitativo e direito ao recurso,

- A decisão viola ainda os artigos 6º n.º2 (dever de gestão processual), art 411º principio do inquisitório, art 547º (adequação formal), art. 652º n.º 1 alínea a) e art. 7º todos do cpc, que contêm uma regra geral que conduz à consagração do convite ao aperfeiçoamento e têm por objetivo a justa composição do litigio, de forma eficaz e célere, por isso a lei processual admite e incentiva o aperfeiçoamento de articulados,

- Todo o código de processo civil segue no sentido da prevalência do mérito dobre a questões de forma, defendendo a supressão do erro, correção, aperfeiçoamento, evitando deficiências ou irregularidades puramente adjetivas condicionadas pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais que impeçam uma decisão de mérito, sendo estas as circunstâncias em que a lei foi elaborada.

Nas contra alegações o Réu pugna pela manutenção do julgado.

II A única questão que se põe no presente recurso é a de saber se no caso de o Recorrente repetir expressis verbis, em sede de acervo conclusivo, o alegatório produzido na motivação, estamos perante uma ausência de conclusões conducente à rejeição da impugnação recursiva, ou antes perante uma deficiência susceptível de um convite à respectiva correcção.

Vejamos.

O Autor Recorrente, como deflui da peça processual que oportunamente apresentou em sede de recurso de Apelação, fez repetir nas conclusões todo o arrazoado que constituía a sua motivação de recursória, cfr fls 47 a 67.

Quer isto dizer que ao invés de dar cabal cumprimento ao preceituado no artigo 639º, nºs 1 e 2, alíneas a), b) e c) do CPCivil, indicando, por um lado, os fundamentos pelos quais pedia a alteração da decisão e por outro quais as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no seu entender, com que sentido as normas que constituíram o fundamento da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas; e/ou, a norma jurídica que deveria ter sido aplicada, no seu entendimento, o Recorrente acabou por reduzir aquelas duas imposições distintas à mesma preposição, apresentando sob a forma de conclusões a motivação que as precedia.

Naquele normativo estabelecem-se os ónus que impendem sobre o Recorrente: o primeiro deles é o de alegação, aludido no nº1; o segundo é o da observância dos requisitos especificados no seu nº2 quanto à formulação das conclusões.

A falta de alegações e/ou conclusões pode caracterizar-se em duas dimensões: a formal, em que impera a ausência; e a material, onde embora exista a peça jurídica que as enforma, esta em nada se refira ao que lhe é prescrito, cfr Ac STJ de 20 de Novembro de 2003, in SASTJ.

In casu, não obstante o acervo conclusivo apresentado corresponda ao texto alegatório, não podemos dizer que não tenham sido apresentadas conclusões, porque estas estão lá, expressas de uma forma incorrecta, sem qualquer correspondência com a exigência legal correspondente a uma síntese conclusiva das pretensões formuladas, mas presentes, e, por isso, não se poderá concluir como se faz no Aresto em crise, sempre s.d.r.o.c., que a repetição nas conclusões do que é dito na motivação, cada vez mais usual, reitera-se, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada, repetir o que se disse antes na motivação.

As conclusões, mal formuladas embora, sem observância das imposições legais, existem, delas se podendo retirar quais as pretensões do Recorrente e por isso não podemos reduzir a falha assim cometida à cominação expressa no normativo inserto no artigo 641º, nº2, alínea b) do CPCivil, condenando o requerimento de impugnação apresentado ao indeferimento, sem primeiramente se dar oportunidade ao Recorrente de poder corrigir o vício, cfr neste sentido os Ac STJ de 29 de Abril de 2008 (Relator Garcia Calejo) e de 27 de Maio de 2010 (Relator Bettencourt de Faria), in www.dgsi.pt; Paulo Ramos de Faria, Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas Ao Novo Código Processo Civol, 2014, II Volume, 52.

Isto porque, o normativo inserto no artigo 639º, nº3 predispõe que «Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las», o que sempre se imporia chamar à colação, in casu, por força do princípio da cooperação a que alude o artigo 7º do CPCivil,  o qual se destina a transformar o processo civil numa “comunidade de trabalho” o que implica  a interacção das partes com o Tribunal e deste com aquelas, cfr Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre O Novo Processo Civil, Lex, 1997 64/66.

Neste preciso conspectu permitimo-nos acrescentar ex abundanti que no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalistas, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, pelo que, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, deve optar-se por aquela que favoreça a acção e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pela parte, o que, na especie equivale a dizer que se deveria ter optado por um convite à sintetização e/ou esclarecimento das conclusões, ao invés da rejeição do recurso.

Procedem, assim, as conclusões, o que conduziria à revogação da decisão plasmada no Aresto recorrido, a qual deveria ser substituída por outra que ordenasse previamente o convite a que alude o artigo 639º, nº3 do CPCivil, o que se afigura inócuo uma vez que o Autor, na sequência do despacho da Exª Relatora em cumprimento do disposto no artigo 655º, nº1 do CPCivil apresentou novas conclusões de recurso, cfr fls 89 a 116, devendo as mesmas ser apreciadas e decidir-se em conformidade.

III Destarte, concede-se a Revista, revogando-se a decisão plasmada no Acórdão impugnado, devendo o Tribunal da Relação apreciar se as conclusões apresentadas pelo Autor constantes de fls 86 a 116 de harmonia com o artigo 639º, nº3 do CPCivil, cumprem agora os requisitos legais e, se assim se entender, conhecer-se o recurso de Apelação interposto.

Custas pelo Recorrido.

Lisboa, 25 de Maio de 2017

Ana Paula Boularot - Relatora

Pinto de Almeida

Júlio Gomes