Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2377/12.6TBABF.E1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: CASO JULGADO
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
TERCEIRO
SUBSTITUIÇÃO
TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE
HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
CONTRATO-PROMESSA
SIMULAÇÃO
NULIDADE
Data do Acordão: 12/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL / PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / COMEÇO E DESEMVOLVIMENTO DA INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES.
Doutrina:
-Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 1946. p. 77, 3.ª edição, volume I, 1948, p. 370 e 371, p.81 e ss.;
--Almeida Costa, anotação ao AUJ n.º 4/98, RLJ n.º 3893, ano 131.º, p. 244 e ss.;
-Antunes Varela, anotação ao AUJ n.º 4/98, RLJ, ano 103.º, p. 483 e ss.;
-Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 8.ª edição, 2001, p. 153 e 154;
-Inocêncio Galvão Telles, Registo de Acção Judicial, Sua relevância processual e substantiva, O Direito, ano 124.º, 1992, III, Julho-Setembro, p. 504;
-Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2.ª edição, p. 354, Volume II, 3.ª edição, 2014, p. 509;
-Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 306;
-Mónica Jardim, Escritos de Direito Notarial e Direito Registal, 2015, p. 4820;
-Paula Costa e Silva, A Transmissão da Coisa ou Direito em Litígio, Contributo para o Estudo da Substituição Processual, 1992, p. 307;
-Vaz Serra, anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-06-1969, RLJ, n.º 3435, 103.º, p. 471 e ss.; 103.º, págs. 483 e ss., n.º 3893, 131.º, p. 244 e ss.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 263.º, N.º 1 E 3, 581.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 28-11-2002, PROCESSO N.º 3010/02;
-DE 20-10-2005, PROCESSO N.º 2374/05;
-DE 30-05-2013, PROCESSO N.º 660/1999.P1.S1;
-DE 22-01-2015, PROCESSO N.º 24/09.2TBMDA.C2.S1;
-DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 204/12.3TBMDLD.C1.S1;
-DE 19-01-2016, PROCESSO N.º 126/12.8TBPTL.G1.S1;
-DE 06-09-2016, PROCESSO N.º 841/14.1TBFAF.G1.S1;
-DE 17-01-2017, PROCESSO N.º 775/12.4TBMGR-A.C1.S1;
-DE 27-04-2017, PROCESSO N.º 3881/14.7T8CBR-B.C1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.

Sumário :
I - Residindo o fundamento do caso julgado no prestígio dos tribunais e em razões de certeza e segurança jurídicas, vêm-se distinguindo na doutrina e na jurisprudência duas figuras: (i) a excepção dilatória do caso julgado; e (ii) a autoridade do caso julgado.

II - Enquanto a excepção do caso julgado requer a verificação da tríplice identidade estabelecida no art. 581.º do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade do caso julgado, segundo a doutrina e a jurisprudência actualmente dominantes, pode dela prescindir, estendendo-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado, implicando o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior, cujo objecto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.

III - Tendo corrido termos acção de execução específica de contrato-promessa que foi julgada procedente, sem que tenha sido aí invocada a nulidade, por simulação, desse contrato, a validade substancial deste não se apresenta como pressuposto inarredável numa segunda acção intentada por quem naquela primeira não foi parte.

IV - A afectação de terceiros pelo caso julgado pode ocorrer, essencialmente, através: (i) da eficácia reflexa do caso julgado; e (ii) da extensão do caso julgado a terceiros.

V - Um dos domínios da extensão do caso julgado a terceiros é o da substituição processual, situação em que a lei admite que seja parte no processo quem não é sujeito da relação material, posto que, ocorrendo transmissão, por acto entre vivos, de coisa ou direito litigioso, o adquirente pode substituir-se ao transmitente, não sendo, contudo, forçoso que o faça (art. 263.º, n.º 1, do CPC).

VI - Se a habilitação não for promovida e o processo seguir até final com a intervenção do transmitente, a sentença produzirá efeitos em relação ao adquirente, passando a constituir quanto a ele caso julgado, ainda que o mesmo não intervenha no processo; só assim não será no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente tiver registado a transmissão antes do registo da acção (art. 263.º, n.º 3, do CPC).

VII - Tendo a recorrente adquirido o prédio em questão quando a acção de execução específica do contrato-promessa se mostrava pendente e já estava registada, sem cuidar de averiguar esse facto ou, tendo-o constatado, sem cuidar de deduzir a competente habilitação a fim de intervir no processo e de aí fazer valer o seu direito, o caso julgado formado pela sentença que nessa acção foi proferida vincula-a, independentemente de nela não ter tido intervenção, ficando, assim, vedada a apreciação, numa nova acção, das questões da validade ou não do contrato-promessa e da propriedade sobre o dito prédio.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório:

AA, Lda., intentou, em 6 de Novembro de 2012, a presente acção declarativa, na forma de processo comum, contra BB, CC e mulher DD, EE e mulher FF, formulando os seguintes pedidos:

a) Ser declarada a nulidade, por simulação, do contrato-promessa celebrado entre os réus, datado de 30-04-2004, relativo ao prédio urbano destinado a habitação que aí identificou, sito em …, concelho de Albufeira e descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º 02…6;

b) Ser decretado o cancelamento das inscrições efectuadas ou que, no futuro, o venham a ser, a favor do réu BB;

c) Ser o réu BB condenado a pagar-lhe uma indemnização, no valor de € 4.926,15, a título de danos patrimoniais em consequência dos prejuízos causados no referido imóvel, com excepção dos identificados no artigo 91.º da petição inicial;

d) Ser o réu BB condenado a pagar-lhe uma indemnização a título de danos patrimoniais a liquidar em execução de sentença, correspondente ao montante necessário para ressarcimento do prejuízo decorrente da reparação do tecto da sala de estar a que se refere o artigo 91.º da petição inicial;

e) Ser o réu BB condenado a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, sobre as importâncias referidas nas alíneas c) e d), a partir da citação e até efectivo e integral pagamento.

Para alicerçar as suas pretensões, alegou, em suma, ter corrido termos contra os 3.ºs réus, EE e mulher FF, uma acção executiva intentada por GG, no âmbito da qual foi penhorado o direito daqueles sobre o prédio urbano descrito sob o n.º 02…6 na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, sito em Vale da …, lote A15, …, freguesia e concelho de Albufeira, tendo, na sequência de negociações encetadas com a aí exequente, acordado que, em pagamento da quantia exequenda, transmitiriam para a aqui autora AA, Lda., a propriedade do referido prédio, livre de ónus ou encargos, o que veio a concretizar-se por escritura pública celebrada em 24-07-2007, na qual os 3ºs réus outorgaram também como procuradores dos 2.ºs réus, CC e mulher DD, desistindo, em contrapartida, a exequente da execução.

A partir dessa data a autora ficou investida na posse do referido prédio, com a entrega das chaves, e passou a praticar, ininterruptamente, tal como os antepossuidores o vinham fazendo há mais de vinte anos, todos os actos inerentes à posse, tendo registado a transmissão a seu favor no dia 27-07-2007.

Mais alegou ter vindo a apurar que alguns dias antes da celebração da aludida escritura o 1.º réu, BB, intentara uma acção, registada em 06-07-2007, com vista à execução específica de um contrato-promessa de compra e venda, alegadamente celebrado em 30-04-2004, na qual foi declarado transferido para o aí autor, BB, o direito de propriedade sobre o imóvel, sendo, porém, tal contrato-promessa nulo por simulação, já que os réus se conluiaram com o intuito de prejudicar a autora.

Para fundamentar os restantes pedidos, alegou, em suma, que, em 12-07-2012, o 1.º réu ocupou o imóvel em causa, substituiu a respectiva fechadura e iniciou aí obras, causando estragos no mesmo, estando, portanto, obrigado a ressarcir a autora desses danos em montante equivalente ao da sua reparação.

Apenas o 1.º réu, BB, apresentou contestação, na qual se defendeu por excepção e por impugnação, invocando a ilegitimidade da autora, a ineptidão da petição por contradição entre o pedido e a causa de pedir e negando que a autora desconhecesse, aquando da celebração da escritura pública de compra e venda, a acção destinada a obter a execução específica do contrato-promessa que já se mostrava nessa data registada.

Replicou a autora, pugnando pela improcedência das excepções e mantendo o já alegado.

Realizada audiência prévia, na qual a autora foi convidada a aperfeiçoar a petição por forma a concretizar a vontade real dos outorgantes no contrato-promessa que pretende ver declarado nulo por simulação, convite a que acedeu, foram julgadas improcedentes as excepções dilatórias de ilegitimidade processual da autora e de ineptidão da petição inicial.

Procedeu-se à audiência de julgamento, assegurando-se no seu decurso o contraditório relativamente à possibilidade de o Tribunal conhecer da excepção de caso julgado em face do decidido, com trânsito em julgado, na referida acção (processo n.º 1631/07.3TBLLE), vindo a ser proferida sentença, em 12-02-2015, na qual:

a) Foi declarada a excepção dilatória de caso julgado relativamente ao pedido formulado pela autora sob a alínea a); e

b) Foram julgados improcedentes os restantes pedidos, deduzidos sob as alíneas b) a e), deles se absolvendo os réus.

Inconformada com o assim decidido, apelou a autora, tendo o Tribunal da Relação de …, por acórdão de 26-01-2017, julgado improcedente o recurso e confirmado a sentença impugnada.

Novamente inconformada, interpôs a autora recurso de revista excepcional, que foi admitido com fundamento na previsão contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

     Na respectiva alegação aduziu, no que agora releva, as seguintes conclusões (sic):

«13. Nas suas alegações perante o Tribunal Recorrido, a aqui Recorrente alegou na sua petição inicial outros factos - para além dos que foram considerados provados e não provados na sentença de 1ª instância -nomeadamente os constantes dos art°s 32° a 66° da p.i (para além de outros posteriormente classificados como 62-A a 62-F) e respectivos documentos, para demonstração da simulação do contrato-promessa em causa.

14. Esses factos, aliás, praticamente todos suportados por documentos não impugnados, constituíam parte do núcleo essencial da causa de pedir formulada nos presentes autos (declaração de simulação do referido contrato-promessa).

15. Na decisão de 1a instância, na indicação dos factos considerados provados e não provados, não foi efectuada qualquer referência aos referidos outros factos e documentos.

16. Relativamente a esta questão, o acórdão recorrido considerou (cfr. parte final da pág. lie início da pág.12; parte final da pág. 12 e início da pág. 13) que o facto da sentença de 1a instância não ter feito qualquer referência aos factos referidos pelo Recorrente na sua alegação de recurso não gera nulidade mas antes a sua anulação.

17. Sucede que a Recorrente, invocara expressamente nas suas alegações de recurso que se procedesse "à alteração e/ou anulação da decisão do Tribunal recorrido sobre a matéria de facto supra indicada" (cfr. conclusão n° 54 das suas alegações de recurso).

18. Razão pela qual, não se pode aceitar que o acórdão recorrido apenas tenha anunciado, sem mais, a possibilidade de anulação da decisão sem de facto ter optado, consequentemente, por efectivamente declarar tal decisão de anulação.

19. Ao assim proceder, não decidindo pela anulação da decisão conforme requerido nas alegações de recurso da Recorrente, incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d). n° 1. do artigo 615° do CPC.

20. Por outro lado, relativamente à mesma questão, o mesmo acórdão considerou que o que origina a nulidade é o facto de o Tribunal não responder aos pedidos deduzidos e também o facto de não apreciar causas de pedir invocadas (cfr. parte final pág. lie início pág. 12; parte final pág. 12 e início pág. 13).

21. Ora, os factos cuja omissão de pronúncia se reclamou eram factos correspondentes à prova da invocada simulação do contrato-promessa em causa nos autos, isto é, factos justamente referentes à causa de pedir invocada pela Recorrente na sua petição.

22. Por isso que, o acórdão recorrido, ao considerar que o que origina nulidade é o facto de o Tribunal não responder aos pedidos deduzidos e não apreciar causas de pedir invocadas, quando o que estava cm causa no recurso era justamente o facto de o Tribunal não ter apreciado a causa de pedir invocada como fundamento de invalidade do contrato-promessa em causa, incorreu em nulidade, por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do disposto na alínea c). n° 1. do artigo 615° do CPC.

23. Confirmou o acórdão recorrido a sentença de 1ª instância que considerou verificada a excepção dilatória de caso julgado relativamente ao pedido formulado sob a alínea a), a ris. 22 (no qual se solicitou que fosse decretada a nulidade, por simulação, do contra to-promessa de compra e venda, "na dimensão da autoridade de caso julgado" (cfr. pág. 91 da douta sentença de Ia instância).

24. Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado (…) comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior: (Quem o escreve é MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in Objecto da Sentença e Caso Julgado Material, publicado no BMJ n° 325, pág. 49 ss.).

25. Ora, nos presentes autos, não se vislumbra que se corra qualquer risco de repetição do conteúdo da decisão anterior, nem qualquer contradição com o conteúdo da decisão anterior, designadamente em face da notória não coincidência simultânea de sujeitos, causa de pedir e pedido, mas sobretudo porque o objecto de cada uma das acções é diferente num e noutro processo.

26. Na verdade, a questão da simulação do contrato promessa (causa de pedir nos presentes autos) nunca foi abordada, nem fazia parte da causa de pedir do processo anterior - por isso não há coexistência da relação material subjacente aos presentes autos com aqueloutra do processo anterior.

Por outro lado,

27. A regra geral aplicável à eficácia subjectiva do caso julgado é a de que este só produz efeitos em relação às partes: só relativamente às partes que intenderam ou tiveram possibilidade de intervir no processo. para defender os seus interesses e para alegarem e provarem os factos informativos do seu direito.

28. "Os terceiros, não participando no processo, não tiveram oportunidade de defender os seus interesses, que podem naturalmente colidir, no iodo ou em parte, com os da parte vencedora. Não seria, por isso, Justo que, salvo casos excepcionais, a decisão proferida numa acção em que eles não intervieram lhes fosse oponível com força de caso julgado, coarctando-lhes total, ou mesmo só parcialmente, o seu direito fundamental de defesa.

29. A inoponibilidade do caso julgado a terceiros representa, assim, um mero corolário do princípio do contraditório." (Cfr. ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, em Manual de Processo Civil, T Edição, pág.721).

30. Conforme também se refere no Ac. RE, de 12/01/2017, supra referido e junto às presentes alegações, "casos há em que o caso julgado, não afectando a existência nem o conteúdo do direito ou da posição jurídica de terceiro, pode aproveitar a este ou ser-lhe oposto por qualquer das partes. São terceiros juridicamente indiferentes, sujeitos ao regime decorrente da sentença proferida no processo em que não intervieram'".

31. "Se, no entanto, estão em causa sujeitos que se arrogam a titularidade de uma relação ou posição incompatível com a situação reconhecida na sentença, ou sujeitos que sejam titulares de uma relação ou posição dependente da definida entre as partes pela decisão transitada, então tais sujeitos, terceiros não intervenientes na acção, não estão vinculados pela referida decisão".

32. "E essa é, sem nenhuma espécie de dúvida, a única solução que se coaduna com o princípio da eficácia relativa aceite na lei" (Cfr. ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, op. cit., pág. 728).

33. Nos presentes autos, está precisamente em causa um terceiro (a aqui Recorrente), que não foi parte no anterior processo e que se arroga a titularidade de uma relação e posição incompatível com a situação reconhecida na sentença anterior, razão pela qual não é possível, in casu, considerar como verificada a referida excepção de caso julgado -autoridade de caso julgado.

34. Aliás, a interpretação das normas correspondentes à questão em causa (artigos 619° e 621° do CPC), no sentido de admitir que o caso julgado pode ser oposto a um terceiro que não foi parte no processo, mesmo quando está em causa um terceiro que se arroga da titularidade de uma relação e posição incompatível com a situação reconhecida em sentença anterior, padece de vício de inconstitucionalidade por violação do princípio do contraditório, decorrente do princípio fundamental do acesso à justiça e tutela jurisdicional efectiva (art° 20° da Lei Fundamental).

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO

Deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente e, em consequência, anulada a decisão de 1a instância e acórdão recorrido, pelos fundamentos supra expostos».


Não houve contra-alegações.

 Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


     II. Fundamentos:

De facto:

      As instâncias julgaram provada a seguinte facticidade:

1 - Por sentença proferida em 20 de Dezembro de 2006, no âmbito do processo nº 2535/06.2 TBBRG, transitada em julgado, e que correu termos pela Vara da Competência Mista do Tribunal Judicial de …, foi declarado nulo, por falta de forma, o contrato de mútuo celebrado entre GG e os aí Réus EE e mulher, FF, no valor de €249.398,95, condenando os Réus a restituírem à referida GG a quantia antes referida, acrescida de juros, à taxa legal, a cada momento devida, desde Julho de 2003 e até efectiva e integral restituição do valor mutuado;

2 - Como preliminar dessa acção declarativa, GG requereu o arresto do direito de crédito que EE e mulher, FF, detinham, num contrato-promessa de compra e venda, relativo ao prédio urbano, destinado a habitação, composto de cave, com despensa, rés-do-chão com quarto, cozinha e sala de estar, sala de jantar e casa de banho e andar com quarto, sala e casa de banho, sito em …, concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, sob o nº 02…6, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 19336, providência que foi deferida, por decisão proferida, em 25 de Janeiro de 2006;

3- Esse arresto foi registado, na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, através da apresentação 5../200…1 (inscrição F-1);

4 - Face à ausência de cumprimento pelos Réus EE e mulher, FF, GG, por apenso à mencionada ação declarativa, deduziu, em 23 de Janeiro de 2007, processo executivo, que correu termos sob o nº 2535/06.2 TBBRG-B, pelo mesmo Tribunal, alegando que os referidos Réus, apesar de interpelados para o efeito, não lhe restituíram aquela quantia, pelo que, na referida data, se encontravam em dívida da quantia global de €249.398,95, acrescida de juros, à taxa legal, devida desde Julho de 2003, que ascendiam a €34.765,53;

5 - Aquando da instauração da mencionada acção executiva, a exequente GG requereu a conversão daquele arresto em penhora, o que veio a concretizar-se, em 29 de Março de 2007;

6 - Essa penhora foi registada, na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, através da apresentação 4…/200…9 (inscrição F-2);

7 - Os Réus EE e mulher, FF, foram constituídos féis depositários do imóvel penhorado;

8 - No decurso do mês de Abril de 2007, logo após ter sido convertido em penhora o arresto sobre o imóvel identificado, GG foi contactada pelos executados, no sentido de encetarem negociações, com vista o pagamento da dívida exequenda;

9 - Na sequência dessas negociações, ficou acordado entre a exequente GG e os executados EE e mulher, FF, que, em pagamento ca quantia exequenda, transmitiriam para a aqui Autora, a sociedade “AA, Lda.”, a propriedade do prédio inicialmente arrestado e, posteriormente, penhorado, livre de ónus ou encargos;

10 - Em cumprimento desse acordo, no dia 24 de Julho de 2007, foi lavrada, no Cartório Notarial, sito em Lisboa, na rua …, uma escritura de compra e venda, pelo preço de €125.000,00, tendo como objecto o “prédio urbano, sito no Vale …, lote A15, na …, na freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Consertaria do Registo Predial de Albufeira sob o número dois mil oitocentos e dezasseis, da dita freguesia, com a aquisição registada a favor dos vendedores pela inscrição G-UM, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 19.336”, outorgada, na qualidade de vendedora, por FF, em representação de CC e mulher, DD, e, na de compradora, pela sociedade “AA, Lda.”, representada pela gerente GG;

11 - Com base nesse acordo, GG, em 27 de Julho de 2007, juntou, aos autos de execução nº2535/06.2 TBBRG-B, um requerimento, por si subscrito, em que declara que recebeu dos executados EE e FF a quantia exequenda e respectivos juros, requerendo a sustação da execução;

12 - O que determinou que viesse a ser declarada extinta a instância executiva, por sentença de 30 de Outubro de 2007, como cancelamento da penhora registada a favor de GG;

13 - Essa aquisição a favor da Autora “AA, Lda.” veio a ser registada na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, através da apresentação 4…, de 200….7;

14 - Por contrato escrito, datado de 1 de Outubro de 2007, a Autora “AA, Lda.”, na qualidade de senhoria, deu de arrendamento, a “HH, Lda.”, pela renda mensal de €500,00, o prédio urbano, acima identificado;

15 - Após a realização, em 24 de Julho de 2007, da escritura de compra e venda, a Autora “AA, Lda.” recebeu as chaves do imóvel, passando a usá-lo e a fruí-lo como entendia, designadamente, suportando os inerentes encargos de electricidade, água e contribuições legais, permitindo a sua utilização por terceiros, procedendo à respectiva manutenção e limpeza, o que fazia à vista de todos, sem qualquer estorvo ou perturbação de ninguém e com o propósito de que era dona do mesmo;

16 - Por documento escrito, datado de 30 de Abril de 2004, CC e mulher, DD, representados por FF, declararam, prometer vender a BB, que declarou comprar, com a faculdade de execução específica, o prédio urbano supra identificado;

17 - A escritura definitiva, marcada para o dia 27 de Novembro de 2006, pelo promitente-comprador não chegou a realizar-se, “em virtude de os referidos CC e mulher, DD, terem alegado que tinham “passado procuração irrevogável à mencionada FF, pelo que seria esta a outorgar a escritura, e também por falta de documentos que a mesma iria trazer”;

18 - Em 19 de Junho de 2007, BB instaurou, no Tribunal da Comarca de …, contra FF, CC e mulher, DD, “acção de execução específica de contrato-promessa de compra e venda”, que correu termos sob o nº 1631/07.3 TBLLE, no qual solicitou o seguinte: Que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos Réus, de modo a que com ela se transfira para o Autor o direito de propriedade do prédio urbano, situado em …, freguesia e concelho de Albufeira, composto de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com vários compartimentos, sito no lote A-15, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, sob o nº 02…6/24…7, e inscrito na matriz predial respectiva, no artigo 18…9; que, nos termos do disposto no artigo 829º.-A do Código Civil, a Ré FF seja condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória; que os Réus sejam condenados a expurgar todos os ónus e encargos que recaem sobre o imóvel em causa; que a Ré FF seja condenada a pagar o montante de €1.000,00, por cada mês em que, voluntariamente, negou a entrega do imóvel ao Autor, desde o mês de Novembro de 2005, até à sua efectiva entrega;

19 - Esta acção foi registada, na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, através da apresentação 38, de 6 de julhos de 2007;

20 - Por sentença proferida, em 2 de Dezembro de 2010, no processo nº 1631/07.3 TBLLE, foi julgada parcialmente provada a acção, instaurada pelo aqui Réu BB contra FF, CC e DD e, em consequência, decidiu-se: declarar transferido pra BB o direito de propriedade sobre o prédio urbano, situado em …, freguesia e concelho de Albufeira, composto de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com vários compartimentos, sito no lote A-15, descrito na Conservatória do Registro Predial de Albufeira, sob o nº 02…6/24…7 e inscrito na matriz predial, sob o artigo 19…6 (antigo artigo 18…6), livre de ónus e encargos; condenar a Ré FF a pagar ao Autor BB a quantia de €1.000,00, por cada mês ou fracção, desde 27 de Novembro de 2006, até à efectiva entrega do imóvel ao Autor, devoluto de pessoas e bens; absolver os Réus do demais peticionado;

21- Aquando das negociações havidas entre GG e o Réus EE e FF, para pagamento da quantia exequenda, decorrente da condenação no âmbito do processo nº 2535/06.2 TBBRG, estes sabiam da existência do “contrato-promessa de compra e venda, celebrado entre FF, na qualidade de procuradora dos promitentes vendedores, CC e mulher, DD, e BB, na qualidade de promitente-comprador;

22 - Circunstância que omitiram à então exequente GG e, também, à adquirente, e aqui Autora “AA, Lda., no decurso das referidas negociações;

23 - Em certo dia não apurado do mês de Julho de 2012, BB, aproveitando a circunstância de não se encontrar ninguém na habitação, acedeu ao interior da mesma, procedeu à substituição das portas de acesso, alterou fechaduras e chaves de acesso, procedendo ainda à substituição da fechadura e das chaves do portão frontal;

24 - Nesse mesmo mês de Julho de 2012, o Réu BB realizou diversas intervenções no imóvel, através de trabalhadores de construção civil que contratou para o efeito e aí passaram a laborar, procedendo ao levantamento do piso, do pavimento cerâmico e da tela impermeável de uma varanda, à mudança de tijoleira e ainda a outras intervenções, na sala de estar e outras divisões;

25 - Impedindo, desse modo, a utilização do imóvel nesse período;

26 - No âmbito dos autos de procedimento cautelar de restituição provisória de posse, apensos ao presente processo, foi ordenado, em 8 de Outubro de 2012, ao requerido BB que procedesse à restituição provisoria à requerente “AA, Lda.” do prédio urbano situado em …, freguesia e concelho de Albufeira, composto de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com vários compartimentos, sito no lote A-15, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, sob o nº 02…6/24…7, e inscrito na matriz predial sob o artigo 19…6;

27 - Em cumprimento dessa decisão, no dia 30 de Outubro de 2012, a Autora, representada por II, foi reinvestida na posse do referido prédio urbano, tendo o representante da Autora, o Réu BB e os respectivos mandatários de ambas as partes, subscrito um “auto da restituição provisória de posse”;

28 - Nessa mesma data, a Autora “AA, Lda.”, representada por II, fez a entrega do mencionado prédio à sociedade “HH, Lda.”, representada por JJ, tendo ambos elaborado e subscrito “um auto de entrega de imóvel”;

29 - As deteriorações no imóvel foram consequência da actuação levada a efeito pelo Réu BB ou por trabalhadores que executaram tais trabalhos a seu mando, no período em que manteve a sua ocupação;

30 - A reparação dos referidos estragos, excluindo a reparação do estuque do tecto da sala do rés-do-chão, importará na quantia de €4.926,15;

31 - No processo nº 6956/09.0 TBBRG, que correu termos na Vara de Competência Mista do Tribunal da Comarca de …, em que era Autora GG, Réus EE e FF e interveniente “AA, Lda., os mandatários das partes requereram, em 8 de Novembro de 2013, a extinção da instância, por transacção, a qual foi homologada, por sentença de 3 de Dezembro do mesmo ano, condenando-se “as partes nos seus precisos termos” e “ordenando-se ainda a citação desses réus, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 291º., nº 3, do Código de Processo Civil, atenta a falta de poderes do respectivo mandatário para a confissão dos factos que dela consta”;

32 - No requerimento em que colocaram termo ao processo, constam, nomeadamente, as seguintes cláusulas: “Os Réus declaram e confessam para os devidos efeitos legais que o contrato promessa de compra e venda datado de 20/04/2004, foi celebrado apenas com o intuito exclusivo de permitir o financiamento junto da Banca do promitente-comprador BB, não correspondendo, por isso, na realidade, a qualquer promessa de compra e venda relativa ao prédio urbano situado no Vale da Azinheira, lote A-15, …, freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº 02…6 e inscrito na matriz sob o artigo 19….6, jamais se tendo registado qualquer pagamento do preço nele estipulado, tratando-se de um negócio simulado e nulo, nos termos e para os efeitos previstos no art. 240º do Código Civil”; “Mais declaram e confessam que os factos referidos na cláusula anterior e a simulação subsequente ao referido negócio jurídico, são, como sempre foram, do perfeito conhecimento do referido promitente-comprador, BB”; ”Os Réus autorizam e prestam o seu consentimento para que os termos do presente acordo e as declarações nele contidas, venham a ser utilizadas por qualquer interessado, designadamente, para o efeito de ser obtida judicialmente prova da referida anulação”; ”Em consequência das declarações prestadas que constam das cláusulas anteriores a Autora declara desistir dos pedidos formulados nos presentes autos, uma vez que se encontra em curso no Tribunal Judicial de Albufeira uma outra acção judicial que visa a declaração de nulidade, por simulação, do referido contrato-promessa”;

33 - Por sentença proferida em 3 de Dezembro de 2013, no âmbito do mencionado processo nº 6956/09.0 TBBRG, da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi homologada a transacção efectuada, ”condenando-se as partes nos seus precisos termos”, ordenando-se ainda a citação dos Réus, nos termos e para os feitos do disposto no artigo 291º, nº 3, do Código de Processo Civil, atenta a falta de podres do respectivo mandatário para confissão dos factos que dela.


      De Direito:

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da autora, recorrente, salvo questão de conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a decidir:

1. Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (conclusões 13. a 19.) e por oposição entre os fundamentos e a decisão (conclusões 20. a 22.) nos termos do artigo 615.º, n.º 1, als. d) e c) do Código de Processo Civil;

2. Verificação da excepção dilatória de caso julgado na dimensão da autoridade de caso julgado (conclusões 23. a 34.).


1. Da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e por oposição entre os fundamentos e a decisão:

A causa de nulidade fundada em omissão de pronúncia, prevista na al. d) do nº 1 artigo 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil (diploma a que se referirão todos os preceitos de futuro citados sem outra menção), está em correspondência directa com o dever imposto ao juiz ter de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra (artigo 608.º, n.º 2).

Tal não significa, porém, que o juiz tenha de se ocupar de todas as considerações feitas pelas partes, já que não podem confundir-se questões com considerações, argumento ou razões produzidas pela parte.

Em consequência, a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verificará nos casos em que não tenha havido apreciação ou conhecimento de questão colocada pelas partes relevante para a resolução do litígio, em que exista absoluta omissão de conhecimento relativamente a cada questão não prejudicada pelo conhecimento de outra ou outras, não se enquadrando na previsão legal a motivação meramente deficiente.

Trata-se, de resto, de entendimento pacífico no Supremo Tribunal de Justiça, podendo ver-se, no sentido exposto e a título meramente exemplificativo, os Acórdãos de 22.01.2015 (proc. 24/09.2TBMDA.C2.S1) e de 09.07.2015 (proc. 204/12.3TBMDLD.C1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.

Sustenta a recorrente, a este propósito, que o Tribunal da Relação, apesar de ter afirmado no acórdão sob censura faltar na sentença da 1ª instância a referência a factos por si alegados, situação que, não sendo geradora de nulidade, poderia conduzir à anulação da referida sentença, não procedeu, a final, a essa anulação, julgando improcedente a arguida nulidade.

Conforme se alcança do acórdão recorrido, a Relação decidiu que a circunstância de a sentença impugnada não ter feito qualquer referência aos referidos factos – não os considerando provados ou não provados – não era geradora da sua nulidade, mas, quando muito, da sua anulação, na perspectiva de poder faltar “uma base suficiente para a decisão de direito”. Ou seja, fê-lo referindo-se ao poder que lhe é conferido pelo disposto no art. 662.º, n.º 2, al. c).

Não se referiu, contudo, no acórdão recorrido que o caso dos autos se enquadrasse nessa hipótese e acrescentou-se que, mesmo que assim fosse, também não seria essa a sede própria para apreciar a questão por se tratar de matéria relativa ao mérito do recurso.

E, de facto, ao pretender agora imputar ao acórdão recorrido o vício de omissão de pronúncia pela circunstância de a Relação não ter anulado a decisão de 1.ª instância, vê-se que a recorrente confunde os dois planos: o da nulidade da decisão decorrente de omissão de pronúncia e o da anulação da sentença por insuficiência da decisão fáctica para chegar a uma solução de direito, sendo que, no caso vertente, o dever de a Relação emitir pronúncia se restringia ao primeiro, isto é, ao invocado vício de nulidade por omissão de pronúncia, posto que, a Relação só teria de lançar mão da anulação fundada em falta, obscuridade ou contradição fáctica se tal situação ocorresse, o que, in casu, manifestamente não se verificou.

     Carece de sentido a invocada nulidade por omissão de pronúncia, que improcede.


Ainda com o mesmo fundamento pretende a recorrente existir no acórdão sob recurso oposição entre a fundamentação e a decisão por neste se ter concluído que a causa da nulidade da sentença é o facto de o Tribunal não responder aos pedidos deduzidos e não apreciar as causas de pedir invocadas e por os factos desconsiderados relativamente aos quais, no seu entender, ocorreu omissão de pronúncia serem justamente os referentes à causa de pedir por si invocada, que alicerçavam a invalidade do contrato-promessa em discussão nos autos.

     A contradição entre a motivação e a decisão, enquanto causa de nulidade prevista na al. c) do nº 1 do citado artigo 615.º, pressupõe uma intrínseca contradição lógica: que na fundamentação da sentença o julgador siga determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decida noutro sentido, oposto ou divergente. Então, a sentença é nula.

      Contudo, esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos às normas jurídicas e nem com o erro na interpretação destas (error in judicando): se o juiz entender, ainda que de forma errada, que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento for expresso na fundamentação, ou dela decorrer, estar-se-á já perante um erro de julgamento e não perante a mencionada oposição que constitui causa de nulidade.

      E não se confunde, igualmente, com a oposição que deriva de erro material, que é meramente aparente e resulta de o juiz ter escrito coisa diversa da que queria escrever, porquanto na oposição geradora da nulidade da decisão a contradição é real, o juiz escreveu o que queria escrever mas a construção da sentença está viciada na medida em que os seus fundamentos conduziriam logicamente a resultado oposto ao expresso na decisão.

       O Supremo Tribunal de Justiça tem realçado, igualmente, as diferenças entre os mencionados vícios, clarificando em que casos ocorre verdadeira oposição geradora de nulidade. Vejam-se, a este propósito, entre muitos outros os Acórdãos de 30.05.2013 (proc. 660/1999.P1.S1) e de 17.01.2017 (proc. 775/12.4TBMGR-A.C1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.

À luz destas considerações, forçoso é concluir que não assiste razão à recorrente ao pretender imputar ao acórdão o vício da nulidade, posto que não existe naquele qualquer contradição lógica entre a fundamentação e a decisão.

Contraditório seria o Tribunal da Relação atribuir relevância, na perspectiva da boa resolução do litígio, à circunstância de a 1.ª instância ter desconsiderado parte dos factos alegados – por não os ter julgado provados ou não provados – e não declarar a nulidade da sentença.

Não foi isso que aconteceu, porém, uma vez que teve por suficiente a base factual de que dispunha para apreciar o mérito da apelação.

Não se verifica a apontada contradição, razão por que a invocada nulidade terá igualmente de improceder.

2. Da excepção dilatória de caso julgado na dimensão da autoridade de caso julgado:

     Defende a recorrente que, apesar de a Relação ter confirmado a sentença de 1.ª instância por considerar verificada a excepção dilatória de caso julgado, na dimensão da autoridade do caso julgado – na parte concernente ao pedido de declaração de nulidade, por simulação, do contrato-promessa de compra e venda – não existe, no caso, coincidência de sujeitos, de causas de pedir e de pedidos, porquanto a simulação desse contrato nunca foi abordada no processo anterior.

      Sustenta ainda que, sendo aplicável à eficácia subjectiva do caso julgado a regra de que este só produz efeitos em relação às partes que intervieram ou tiveram possibilidade de nele intervir e sendo a recorrente um terceiro – que não foi parte no anterior processo e que se arroga a titularidade de uma relação e posição incompatível com a reconhecida na sentença anterior – não é possível considerar como verificada a excepção de caso julgado na referida dimensão da autoridade do caso julgado, pelo que a interpretação dos artigos 619.º e 621.º no sentido da verificação da referida excepção, padece de vício de inconstitucionalidade por violação do princípio do contraditório, decorrente do princípio fundamental do acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva nos termos do artigo 20.º da Lei Fundamental.


      Para julgar verificada a excepção de caso julgado, na dimensão da autoridade do caso julgado, confirmando a decisão da 1.ª instância, ancorou-se o Tribunal recorrido, no essencial, nas seguintes razões:

  - A eventual procedência do pedido de nulidade, por simulação, do contrato-promessa, datado de 30-04-2004, celebrado entre os demandados CC e mulher, DD como promitentes-vendedores, representados pela também demandada FF, e BB como promitente-comprador, tendo como objecto o prédio urbano identificado nos autos, iria bulir com a força e autoridade da decisão, transitada em julgado, no âmbito da acção de execução específica, referente ao mesmo contrato-promessa, que correu termos sob o n.º 1631/07.3TBLLE no Tribunal Judicial de Albufeira, que declarou transferido para o demandado BB o direito de propriedade sobre o referido imóvel;

  - A procedência dessa acção fundou-se na validade do contrato-promessa que a recorrente pretende rotular de nulo e tal fundamento está abrangido pelo instituto do caso julgado;

   - A aludida acção de execução específica foi objecto de registo em 06-07-2007, razão pela qual o demandado BB beneficia do seu efeito substantivo, sendo, por isso, a sentença aí proferida oponível à recorrente; e

  - Quando a recorrente adquiriu o prédio em causa nos autos, em 27-07-2007, tinha já a possibilidade de, sendo diligente, conhecer a pendência da mencionada acção e de nesta intervir a fim de fazer valer o direito que agora se arroga.


Vejamos:

     O fundamento do caso julgado reside, como é sabido, no prestígio dos tribunais, posto que este ficaria comprometido em alto grau se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente e, bem assim, em razões de certeza e de segurança jurídicas, já que sem o instituto do caso julgado se criaria uma situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa.

     Situações há, contudo, em que se não mostram preenchidos os pressupostos de que depende a excepção dilatória de caso julgado, e o prestígio dos tribunais, bem como a certeza e a segurança jurídicas das decisões judiciais podem ser postos em causa. Tal sucederá se uma decisão, ainda que proferida num outro processo e com outras partes, vier a dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior, transitada em julgado, abalando a autoridade desta.

      Partindo desta realidade, vêm-se distinguindo na doutrina e na jurisprudência duas figuras: a excepção dilatória do caso julgado e a autoridade do caso julgado.

      Enquanto a excepção de caso julgado requer a verificação da tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do Código de Processo Civil (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade do caso julgado, segundo a doutrina e a jurisprudência actualmente dominantes, pode dela prescindir, estendendo-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado, implicando o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior, cujo objecto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.

     A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem acolhido esta distinção, podendo ver-se no sentido exposto, por todos, os Acórdãos de 06.09.2016 (processo n.º 841/14.1TBFAF.G1.S1) e de 19.01.2016 (processo n.º 126/12.8TBPTL.G1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.

Afirmou-se no primeiro aresto que o caso julgado – excepção dilatória – é um pressuposto processual excludente, impede que o Tribunal profira uma decisão de mérito que contrarie ou repita outro definitivamente julgado; por sua vez, a autoridade do caso julgado – de conteúdo positivo – impede nova decisão de mérito ao impor a primeira, por prejudicialidade.

Também no segundo aresto foi estabelecida a distinção entre a excepção de caso julgado e a autoridade do caso julgado referindo-se que: com a primeira, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, um obstáculo a nova decisão de mérito; com a segunda, o efeito positivo de impor a primeira decisão à segunda decisão de mérito.

     Também a doutrina se tem pronunciado, podendo ver-se, para maiores desenvolvimentos, designadamente, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 306 e sgs., José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 2.ª edição, p. 354.


A sentença de 1.ª instância, procedeu, aliás, a exaustiva enunciação das posições doutrinárias que, neste particular, têm sido adoptadas.

E foi com base na mencionada distinção que a Relação, acompanhando a fundamentação vertida na decisão da 1.ª instância, decidiu, em parte, que se verificava a excepção de caso julgado na dimensão da autoridade do caso julgado, considerando, para tanto, que a procedência da acção que julgou a execução específica do contrato-promessa que a recorrente pretende agora ver declarado nulo, por simulação, trazia ínsita a validade desse mesmo negócio e que, nessa medida, tal fundamento estava abrangido pelo instituto do caso julgado.

Trata-se, porém, de conclusão que não é isenta de dúvidas, posto que, ao julgar procedente uma acção de execução específica de um contrato-promessa – em relação ao qual não foi invocado qualquer específico vício, designadamente, por divergência entre a vontade e a declaração –, o Tribunal afere, apenas e tão só, da validade formal ou aparente desse contrato, sem que possa dizer-se que a sua validade substancial esteja abrangida pelo caso julgado material.

O mesmo é dizer que, não tendo sido invocado o concreto vício da nulidade fundada em simulação do contrato na acção de execução específica que correu termos, a sua validade substancial não se apresenta como pressuposto inarredável numa segunda acção intentada por quem naquela acção não foi parte.


No entanto, a solução do presente caso não passa, a nosso ver, pelo enquadramento traçado nas Instâncias.

Sendo a recorrente um terceiro que adquiriu o bem imóvel objecto do aludido contrato-promessa de compra e venda na pendência da causa em que se discutia a execução específica do mesmo contrato, entendemos que a solução para o caso deve buscar-se, não tanto por recurso à figura da autoridade do caso julgado nos termos equacionados pelas instâncias, mas antes à luz da oponibilidade do próprio caso julgado.

A afectação de terceiros, tal como se vem distinguindo, na doutrina e na jurisprudência, pode ocorrer, essencialmente, através: (i) da eficácia reflexa do caso julgado, que se verifica quando a acção tenha ocorrido entre todos os interessados directos, esgotando, consequentemente, os sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma determinada situação jurídica, que, tendo ficado definida entre os legítimos contraditores, deverá, naturalmente, ser aceite por qualquer terceiro; e (ii) da extensão do caso julgado a terceiros, que se verifica quando, mesmo que a presença de todos os interessados directos na acção permita a produção do efeito reflexo, este não se mostra suficiente, importando abranger pelo caso julgado os terceiros para os quais ele implica constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica.

Um dos domínios da extensão do caso julgado a terceiros é o da substituição processual, situação em que a lei admite que seja parte no processo quem não é sujeito da relação material e que se encontra regulada no artigo 263º do Código de Processo Civil, o qual dispõe:

«1. No caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo,

2. (…)

3. A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção».


De harmonia com o estatuído neste preceito, ocorrendo transmissão, por acto entre vivos, de coisa ou direito litigioso, o adquirente pode substituir-se ao transmitente, não sendo, contudo, forçoso que o faça.

Ou seja, contrariamente ao que sucede nos casos em que falece alguma das partes em que a habilitação é obrigatória para que a causa possa prosseguir os seus termos (artigos 269.º, n.º 1, al. a), 270.º e 276.º, n.º 1, al. a), aqui a modificação subjectiva da instância é facultativa.

O facto de se estabelecer que o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for admitido a substituí-lo por meio de habilitação, significa que, não obstante aquele ter deixado de ter interesse próprio e pessoal na lide pendente, manter-se-á nela como substituto processual do adquirente (artigo 263.º, n.º 1).

No fundo, deixa de haver coincidência entre o sujeito passivo da relação substancial (adquirente) e o sujeito passivo da relação processual (transmitente) – cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 3.ª edição, volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 1948, p. 370 e 371.

Segue-se que, se a habilitação não for promovida (nos termos do artigo 356.º do CPC) e o processo seguir até final com a intervenção do transmitente, a sentença produzirá efeitos em relação ao adquirente, passando a constituir quanto a ele caso julgado, ainda que o mesmo não intervenha no processo (artigo 263.º, n.º 3).

É este o entendimento que se colhe dos ensinamentos, sempre actuais, de Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, p. 77 e ss.) que, por serem elucidativos, aqui transcrevemos: A partir da data da transmissão o alienante passa a figurar como substituto do adquirente; a transmissão operou uma conversão: de defensor de um interesse próprio o transmitente transforma-se em defensor do interesse alheio.

E não se diga que há nisto artifício ou violência. Abre-se a porta ao adquirente para que ele venha, quando quiser, assumir a defesa da sua posição, substituindo-se ao transmitente; não se prejudica a parte contrária, porque, embora o adquirente não intervenha no processo, a sentença que puser termo ao litígio constitui caso julgado quanto a ele; também se não agrava o transmitente, porque este pode promover a substituição.

Só assim não será (isto é, o caso julgado apenas não se estenderá ao adquirente) no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente tiver registado a transmissão antes de efectuado o registo da acção (artigo 263.º, n.º 3, in fine).

Bem se compreende esta excepção que mais não é do que uma consequência do sistema do registo predial: por um lado, face à sua função primordial, que é a de dar publicidade a uma determinada situação jurídica, tendo em vista a segurança do comércio jurídico e, por outro, face à regra da sua oponibilidade a terceiros, posto que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos relativamente a estes depois da data do respectivo registo (artigo 5.º, n.º 1, do Código do Registo Predial, doravante CRgP).

      Para melhor compreender a ratio da regra e da excepção a que acima se aludiu a propósito da oponibilidade ou não do caso julgado ao adquirente, basta atentar no exemplo dado por Alberto dos Reis (ob. cit., p. 81 e ss.) a este propósito e nas várias hipóteses acerca das quais discorre.

        Assim:

Se, no decurso de uma acção de reivindicação, o réu vender o prédio que dela é objecto a um terceiro, sem que este a ele se substitua, prosseguindo a acção até final contra o transmitente, para saber qual a posição do comprador perante a sentença que julgou procedente a acção, condenando o réu a entregar o prédio ao autor, há que distinguir três hipóteses:

a) O autor registou a acção e o adquirente não registou a transmissão ou registou-a depois de feito o registo da acção;

b) O autor não registou a acção e o comprador registou a transmissão ou o autor só registou a acção depois de registada a transmissão a favor do comprador;

c) Nem o autor registou a acção, nem o comprador registou transmissão.

Na primeira hipótese, a sentença constitui caso julgado a respeito do comprador, estando este obrigado a acatá-la e a cumpri-la, devendo, consequentemente, entregar o prédio ao autor, sendo que se não fizer a entrega voluntariamente, aquele pode, com base na sentença, promover contra si execução para entrega de coisa certa, habilitando-o como sucessor do réu no requerimento executivo (artigos. 54.º, n.º 1, 55.º, e 263.º, n.ºs 1 e 3, 1.ª parte, do).

Na segunda hipótese, a sentença não vincula o adquirente, é, quanto a ele, res inter alios acta, o que significa que o comprador não está obrigado a entregar o prédio ao autor, nem este pode promover contra aquele execução para esse efeito, mister se tornando que proponha contra ele nova acção de reivindicação com vista a obter sentença que possa opor-lhe (art. 263.º, n.º 3, in fine).

Na terceira hipótese, a situação é igual à da primeira, uma vez que, não tendo o adquirente registado a transmissão, funciona a regra do artigo 263.º, n.º 3, 1.ª parte, e não a excepção consignada na sua parte final.

É, pois, como se disse, o fim do registo que justifica a diversidade de soluções já que, destinando-se o mesmo a dar publicidade aos actos que possam afectar a propriedade imobiliária, não estando o acto registado, os terceiros ignoram-no.

      É que se o autor intentou acção de reivindicação, mas não a registou e o réu vendeu o imóvel em causa a um terceiro, este ao efectuar a comprar confiou que, nada constando do registo, estava seguro, promovendo, como tal, o registo da transmissão a seu favor, ficando, portanto, protegido por este.

       Já se a acção está registada e apesar disso o terceiro comprou o prédio, não pode depois queixar-se de lhe ser oposta a sentença que julgue a acção procedente, posto que, antes de efectuar a compra, podia e devia ter diligenciado por saber o que constava do registo a respeito do prédio. Pelo que, se realmente averiguou que se mostrava registada uma acção de reivindicação tendo por objecto o prédio e se mesmo assim se aventurou a comprar, sujeitou-se ao risco de ter de largar mão do prédio no caso de a acção proceder, não podendo, como é evidente, alegar ignorância. Se, por outro lado, não cuidou de se informar na Conservatória acerca da situação jurídica do prédio, também não se poderá queixar já que será vítima do seu imperdoável desleixo.


Feitas que estão estas considerações, vejamos agora a factualidade dada como provada, enunciando-a, para maior facilidade de análise, de forma simplificada e por ordem cronológica:

- Por documento escrito, datado de 30-04-2004, os réus CC e mulher, DD (aí representados pela ré FF) declararam prometer vender ao aqui réu BB, que declarou prometer comprar, o prédio sito em …, Albufeira, descrito sob o n.º 2…6, melhor identificado nos autos (ponto de facto16.);

- A escritura definitiva de compra e venda, marcada para 27-11-2006, não chegou a realizar-se (ponto de facto 17.);

- Em 19-06-2007 o réu BB intentou contra os réus FF, CC e mulher, DD acção de execução específica do citado contrato-promessa de compra e venda, tendo por objecto o referido prédio (ponto de facto 18.);

- Em 06-07-2007 BB registou a acção (ponto de facto 19.);

- Em 24-07-2007 os réus CC e mulher, DD (aí representados pela ré FF) venderam à autora (aí representada por GG, sua gerente) e aqui recorrente, o referido prédio (ponto de facto 10.);

- Por sentença, proferida em 02-10-2010, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo-se declarado transferido para BB o direito de propriedade sobre o prédio em questão (cf. ponto de facto 20.).


      Ora, perante este quadro fáctico, dúvidas não restam que a situação cai na previsão do citado artigo 263.º, n.ºs 1 e 3, primeira parte.

       Com efeito, quando a recorrente adquiriu o prédio em questão (24-07-2007) já a acção de execução específica do contrato-promessa se mostrava pendente e registada – foi instaurada em 19-06-2007 e levada ao registo em 06-07-2007 –.

Com o registo da acção ficou o ali promitente-comprador e autor protegido contra as aquisições por terceiros em datas posteriores àquele registo, ficando, de outro passo, a recorrente, enquanto adquirente do bem na pendência da causa, vinculada a aceitar o conteúdo da decisão que viesse a ser ali proferida, independentemente, de nela não ter tido intervenção (artigos 830.º, n.º 1, do Código Civil, 10.º, n.ºs 2 e 3, al. c), e 263.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil e 2.º, n.º 1, al. a), e 3.º, n.º 1, al. a), do CRgP).

Destarte, se a recorrente comprou o prédio na pendência da aludida acção e depois de a mesma se mostrar registada e se não cuidou de averiguar previamente esse facto ou, tendo-o constatado, não cuidou de deduzir a competente habilitação a fim de intervir no processo e aí fazer valer o seu direito, sibi imputet.

O que a recorrente não pode é pretender destruir o caso julgado formado pela sentença que na aludida acção foi proferida – declarando transferida para o réu BB a propriedade do prédio em questão – porquanto aquele a vincula, estando, portanto, obrigada a cumprir e a aceitar o que ali foi decidido.

Na verdade, mesmo não tendo tido intervenção na acção, a extensão dos efeitos da sentença à recorrente – com a sua exequibilidade contra si (arts. 54.º, n.º 1, e 55.º do CPC) – não passam de consequência normal e natural da atribuição da legitimidade substitutiva que ocorre por força da substituição processual, posto que os substituídos – no caso, os promitentes-vendedores, aqui réus – continuaram a ser parte no processo, nele figurando em nome próprio, apesar de o sujeito da relação material ter passado a ser o substituto – no caso, a recorrente –, a quem por isso mesmo se referem os efeitos civis da sentença como se ela própria fosse também sujeito da relação processual e não, em bom rigor, um terceiro (neste sentido: Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 8.ª edição, Coimbra, 2001, p. 153 e 154; Mónica Jardim, Escritos de Direito Notarial e Direito Registal, Almedina, Coimbra, 2015, p. 4820; Vaz Serra em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-06-1969, in RLJ, n.º 3435, ano 103.º, p. 471 e ss.; e José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 509).

Dito de outro modo e citando Paula Costa e Silva (A Transmissão da Coisa ou Direito em Litígio, Contributo para o Estudo da Substituição Processual, Coimbra Editora, Coimbra, 1992, p. 307), A actuação processual do substituto repercutirá os seus efeitos materiais sobre a esfera jurídica do substituído, encontrando-se este último vinculado ao caso julgado proferido na acção, em que não interveio, em virtude da legitimidade extraordinária, que é atribuída ao transmitente.

Sublinhe-se, de resto, que embora se tenha tratado questão substancialmente diversa da presente no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/98, de 5 de Novembro (no qual estava em causa uma aquisição ocorrida antes do registo da acção de execução específica), o Supremo Tribunal de Justiça não deixou de aludir aí à hipótese que se verifica nos presentes autos (aquisição de bem por terceiro na pendência da causa e depois do registo da acção), concluindo que nesse caso seria de convocar o artigo 271.º, n.º 3, do Código de Processo Civil então vigente (actual artigo 263.º, n.º 3) para resolver o conflito.

Conforme bem fez notar o Supremo Tribunal de Justiça no aludido AUJ n.º 4/98, socorrendo-se, para tanto, dos ensinamentos de Antunes Varela (in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 103.º, págs. 483 e segs.) aquela norma prevê a hipótese de transmissão da coisa durante a pendência da lide, provendo a extensão da força do caso julgado da decisão aos terceiros que adquiram direitos sobre a coisa durante o período de mora litis (rectius, após o registo da acção). «Se o autor registar a acção real, a sentença que nela obtiver terá uma eficácia superior à que normalmente deriva do caso julgado. Além de vincular as partes, a decisão produz ainda efeitos contra todo aquele que adquirir sobre a coisa litigiosa, durante a pendência da acção, direitos incompatíveis com os do autor. O registo destina-se, portanto, a dar conhecimento a terceiros de que determinada coisa está a ser objecto de um litígio e a adverti-los que devem abster-se de adquirir sobre ela direitos incompatíveis com o invocado pelo autor – sob pena de terem de suportar os efeitos da decisão que a tal respeito venha a ser proferida, mesmo que não intervenham no processo.

Foi igualmente esse o entendimento sufragado por Almeida Costa que, em anotação ao mesmo AUJ n.º 4/98 (in RLJ n.º 3893, ano 131.º, p. 244 e ss.), observou de forma lapidar, que, por força dos princípios registais, a sentença que determina a execução específica prevalece sobre uma alienação, feita a terceiro, depois do registo da acção, quer essa alienação se encontre ou não registada.

Refira-se, de resto, que no sentido exposto tem decidido este Supremo Tribunal. A título de exemplo, os Acórdãos de 28.11.2002 (processo n.º 3010/02), 20.10.2005 (processo n.º 2374/05) e de 27.04.-2017 (processo n.º 3881/14.7T8CBR-B.C1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.

Por todas as razões aduzidas, tendo a recorrente adquirido o prédio em 24-07-2007, logo, na pendência da acção de execução específica do contrato-promessa de que era objecto e numa altura em que a acção já se mostrava registada (a acção foi proposta em 19-06-2007 e levada ao registo em 06-07-2007), dúvidas não restam de que o caso julgado formado pela sentença nela proferida – na qual se declarou transferida para o autor, aqui réu, BB, a propriedade sobre o aludido prédio – vincula a recorrente, apesar de não ter intervindo na aludida acção, vedando a apreciação da questão da validade ou não do contrato-promessa e da questão da propriedade sobre o dito prédio numa nova acção.

E nem se diga que se trata de solução injusta, já que, contrariamente ao sustentado pela recorrente, bem se compreende, face às considerações acima expendidas, a sua justiça e razoabilidade.

É que se a acção figurava no registo e através da consulta deste, a recorrente (adquirente) podia saber, com perfeita segurança, da existência de um pleito destinado a fazer valer um direito incompatível com o que se propunha adquirir e se, apesar disso, fez a aquisição, ou foi imprudente, porque não se informou devidamente consultando o registo predial, ou foi aventurosa e temerária, porque o consultou e mesmo assim dispôs-se a adquirir o direito, merece ser penalizada mediante o alargamento da eficácia subjectiva do caso julgado favorável ao autor da acção em cujas malhas está presa (cf. Inocêncio Galvão Telles, “Registo de Acção Judicial (Sua relevância processual e substantiva) ” in O Direito, ano 124.º, 1992, III, Julho-Setembro, p. 504).

No que concerne, por último, à invocada inconstitucionalidade, encontra-se prejudicada a sua apreciação por não termos seguido o exacto caminho que a Relação percorreu no acórdão recorrido.

Na verdade, embora conduza ao mesmo resultado, o enquadramento jurídico a que procedemos não passou pela aplicação do disposto nos artigos 619.º e 621.º do Código de Processo Civil na interpretação normativa que deles fez o Tribunal da Relação e à qual a recorrente assaca a suposta violação da Lei Fundamental.


III. Decisão:

      Termos em que, embora com fundamentação diversa, se nega a revista e se mantém o decidido no acórdão impugnado.

       Custas pela recorrente.


Lisboa, 20 de Dezembro de 2017


Fernanda Isabel Pereira (Relator)

Olindo Geraldes

Maria do Rosário Morgado