Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1515/14.9TBFUN-B.L1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
DIREITO DE RETENÇÃO
HIPOTECA
BANCO
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
FRACÇÃO AUTÓNOMA
FRAÇÃO AUTÓNOMA
Data do Acordão: 12/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO - PLANO DE INSOLVÊNCIA / APROVAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO DO PLANO.
Doutrina:
- Ana Prata, Jorge Morais e Rui Simões, no “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Em comentário ao artigo 216.º, 601.
- Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado, 2.ª edição actualizada, em nota ao artigo 216.º, 831.
- Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 3.ª edição, 262.
- Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dias, in “PER o Processo Especial de Revitalização, Comentários aos artigos 17.°-A a 17.°-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Coimbra Editora, 145/146.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 17.º-F, N.ºS 4 E 5, 194.º, 211.º, N.º2, 215.º, 216.º, N.º1, ALS. A) E B).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 615.º, N.º1, ALÍNEAS D) E B).
LEI N.º16/2012, DE 20-04 (PER).
Sumário :
I. No contexto do PER, um credor só pode pedir a não homologação do plano de recuperação, nos termos do art. 216º, nº1, do CIRE, aplicável ex vi do art. 17-F, nº5, se tiver antes votado contra o plano nos termos do nº4 deste normativo, não carecendo de, simultaneamente, fundamentar os motivos dessa discordância, sendo, no entanto, indispensável que, para almejar a peticionada não homologação, demonstre, ulteriormente, em termos plausíveis, disjuntivamente, os requisitos das als. a) e b) do nº1 do art. 216º.

II. Dependendo a existência da garantia real direito de retenção, do crédito reclamado pelo promitente comprador de fracção autónoma predial à devedora requerente do PER, de prova que há-de fazer-se ou não, em acção judicial a intentar por si, com vista ao reconhecimento, por parte da promitente vendedora que goza do direito de retenção, importa ponderar, na aplicação do princípio da igualdade dos credores, qual a situação em que ficaria o crédito de outro credor que goza de garantia real incontestada.

III. Beneficiando o credor bancário dessa incontestada garantia hipotecária, a não ser intentada aquela acção, por incumprimento, também contra este credor – (a estratégia processual não pode ser imposta ao futuro demandante), a sua situação, ao abrigo do plano se fosse homologado, seria, previsivelmente, menos favorável que aquela que teria na ausência do plano – art. 216º, nº1, a) do CIRE.

IV. A ser homologado o plano de recuperação violaria o princípio de igualdade dos credores, do ponto em que um crédito cuja existência depende de uma acção judicial a intentar (de desfecho incerto) teria o mesmo tratamento que um crédito hipotecário que não foi impugnado.

V. O Acórdão recorrido não violou o princípio da igualdade dos credores, antes estabelecendo discriminação materialmente fundada no tratamento daqueles dois créditos: um, gozando, insofismavelmente, de garantia real e o outro, em relação ao qual a garantia que o exornará, depende de prova a fazer num contexto em relação ao qual o credor hipotecário nada pode influir, o que evidencia uma situação que favorece um dos créditos, alegadamente com garantia real de existência duvidosa, e pode comprometer a consistência da garantia do outro.

VI. A não homologação do plano de recuperação da devedora deixa o credor hipotecário em posição mais favorável que aquela que para si adviria da homologação. Tendo sido feita essa demonstração e tendo o Banco requerido atempadamente a não homologação do plano de revitalização com tal fundamento, ela não poderia deixar de ser sentenciada (até oficiosamente), sob pena de não se sancionar violação grave do princípio da igualdade dos credores da insolvência – arts. 194º, 215º e 216º, nº1, al. a) do CIRE. 

Decisão Texto Integral:

Proc. 1515/14.9.TBFUN-B.L1.S1

R-575[1]

Revista

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, Lda., requereu Processo Especial de Revitalização (PER) tendo sido aprovado o plano de recuperação, junto a fls. 185 e segs., trazido aos autos pelo Administrador Judicial Provisório em 20.10.2014.

Por requerimento entrado em Tribunal, no dia 31.10 desse ano, e que se encontra a fls. 230 e segs., o BANCO BB, S.A., com os argumentos que aí expôs, requereu a não homologação do plano aprovado.

***

Foi proferida decisão que, considerando a pretensão inatendível, indeferiu liminarmente a pretensão do BANCO BB, SA., por este, contra o exigido no art. 216º, nº1, aplicável por força do art. 17º – F, nº5, ambos do CIRE –, não ter manifestado nos autos a sua oposição contra o plano antes da sua aprovação, pois que se limitou a votar contra ele.

Consequentemente, homologou, com invocação do disposto no art. 17º-F, nº6, o plano de recuperação em causa.

***

Inconformado, apelou o BANCO BB, SA., para o Tribunal da Relação de …, que, por Acórdão de 10.5.2016 – fls. 244 a 270 –, julgou a apelação procedente e, revogando-se a sentença, não homologou o plano aprovado.

***

Inconformada, a devedora AA recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, e alegando, formulou as seguintes conclusões:

A. O presente Recurso de Revista é admissível nos termos dos arts. 14.° do CIRE, designadamente em virtude de o Douto Acórdão recorrido se encontrar em oposição com outros, proferidos no domínio da mesma legislação e sobre as mesmas questões fundamentais de direito, e sobre a quais não incidiram acórdãos de uniformização de jurisprudência.

B. As matérias que a Recorrente pretende ver apreciadas, e que foram julgadas em contradição com o decido nos Acórdãos-fundamento são as relativas (i) à suficiência, ou insuficiência, para efeitos do n.°1 do art. 216.° do CIRE, do voto contra o plano aprovado/homologado e (ii) à violação, ou não, em virtude do tratamento diferenciado de créditos garantidos e privilegiados, do princípio da igualdade previsto no art. 194.° do CIRE.

C. Em caso de admissão do recurso de revista excepcional, o Tribunal “ad quem” fica, independentemente do fundamento e/ou da extensão com que o recurso seja admitido, habilitado a conhecer de qualquer nulidade invocada pelo recorrente.

D. Ao não efectuar a ponderação de interesses a que alude o Acórdão proferido por este Venerando Tribunal na data de 25/03/2014, no âmbito do Proc. 6148/12.ITBBRG.G1.S1, e por não ter apreciado a possibilidade da redução/conversão e/ou da ineficácia relativa do mesmo, o Douto Acórdão recorrido incorreu nos vícios de omissão de pronúncia, ou de falta de fundamentação, previstos nas alíneas d) e b) do n.°1 do art. 615.° do Código de Processo Civil.

E. Dado que, por um lado, a invocação de um alegado direito de retenção serviu para justificar o tratamento diferenciado dos créditos do BANCO BB, S.A. e da BANCO CC, por outro, o mesmo direito de retenção não foi considerado suficiente para justificar o tratamento diferenciado dos créditos do BANCO BB, S.A. e do titular desse mesmo direito de retenção, o Douto Acórdão enferma de ambiguidade, ou obscuridade, insanáveis, e que, nos termos da alínea c) do n.° 1 do art. 615.° do Código de Processo Civil, determinam a nulidade do Douto Acórdão recorrido.

F. A alínea a) do n.°1 do art. 216.° do CIRE estabelece, simultaneamente, a faculdade de solicitar ao Juiz a não homologação de um plano aprovado, e o ónus processual de manifestar nos autos a oposição à homologação do plano, anteriormente à respectiva aprovação/votação.

G. Votar contra um plano não equivale a manifestar a sua oposição à respectiva homologação e encerra qualquer declaração relativa à eventual/alegada existência de um vício que obste a tal homologação, pelo que a não manifestação de oposição à homologação do plano previamente à sua aprovação, apenas pode significar uma renúncia ao (ou a preclusão do) exercício do direito de a requerer nos termos e com os fundamentos previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do art. 216.° do CIRE.

H. Tendo em conta que o n.°1 do art. 216.° do CIRE pressupõe que os credores conhecem, de antemão e integralmente, o conteúdo do plano aprovado, bem como que o requerimento que legitima o Tribunal a apreciar o respectivo pedido reveste a natureza de uma verdadeira petição inicial, da qual devem constar “os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção” e o pedido (cfr. alíneas d) e e) do art. 552.° do Código de Processo Civil), os fundamentos da oposição à homologação do plano também devem ser manifestados/alegados anteriormente à aprovação do plano, sendo certo que, se assim não fosse, o disposto no n.°2 do art. 216.° do CIRE, e a excepção prevista no mesmo, seriam absolutamente dispensáveis.

I. O sentido e o conteúdo das oposições manifestadas pelos credores não são indiferentes para a economia e utilidade do plano e do processo, pois se o devedor e os restantes credores ficarem a saber, de antemão, que um dos credores entende que o plano a votação enferma de vícios que poderão obstar à sua homologação, os primeiros poderão alterar o conteúdo do plano nos termos e ao abrigo do art. 210.° do CIRE.

J. Constituindo o voto do plano uma declaração negocial relativa à aceitação, ou rejeição, de um negócio jurídico, a mesma “vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele” (cfr. art. 236.°, n° 1 do Código Civil), sendo certo que, sendo o plano um negócio formal, “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” (cfr. art. 238.°, n.° 1 do Código Civil ).

K. O n.°1 do art. 216.° do CIRE exige expressamente (1) uma manifestação de vontade, fundamentada em termos plausíveis, de oposição à homologação e (2) a sua apresentação antes da votação do plano, pelo que, procurar/encontrar no n.° 1 do art. 216.° do CIRE a interpretação que, afinal, tal manifestação de vontade não é exigível (ou indispensável), e/ou que pode ser exercida após o momento nele taxativamente previsto, equivale a “desconstruir” o teor literal e o sentido deste preceito e a presumir/assumir que o legislador expressou incorrectamente o seu pensamento.

L. Não tendo o credor BANCO BB, S.A. manifestado tal oposição, oportuna e adequadamente, o Tribunal da Relação de … não podia/devia ter apreciado a oposição posteriormente apresentada, nem, tão pouco, recusado a homologação do plano nos termos e ao abrigo da alínea a) do n.° 1 do art. 216.° do CIRE, sendo certo que, ao fazê-lo, violou (e interpretou/aplicou incorrectamente) o art. 216.°, n.°1 do CIRE e os arts. 9º, 236.° e 238.° do Código Civil.

M. Ao considerar que é “inequivocamente diversa a situação dos dois credores”, o Tribunal da Relação de … não teve em conta que o crédito do credor DD, tal como foi reclamado e reconhecido nos autos principais, goza de preferência sobre o crédito do Credor BANCO BB S.A., bem como que, ainda que não existisse qualquer plano, este sempre poderia ser confrontado com tal direito de retenção caso promovesse a cobrança do crédito em causa por outras vias legais, designadamente a competente acção executiva/hipotecária.

N. Não cabia ao plano, e muito menos à Devedora, decidir, a final, sobre a classificação definitiva do crédito do credor DD, nem tomar posição sobre a reclamação e créditos deste e/ou sobre a impugnação da lista de créditos provisórios deduzida pelo BANCO BB, S.A., sendo certo que estando em causa dois “créditos por obrigações de contratos bilaterais em que as contraprestações, recíprocas e sinalagmáticas, ainda não foram cumpridas os mesmos não poderiam “ser afectados pelo plano de recuperação, no âmbito do processo especial de revitalização (PER), sem o acordo da contraparte” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/09/2015).

O. Tendo em conta que o plano não produz efeitos para além do prazo de vigência, se até ao termo do mesmo não existir qualquer decisão judicial relativa aos dois créditos em confronto, a questão não só deixa de relevar para efeitos da respectiva economia/execução, como será resolvida através das normas legais e imperativas, sendo certo que, face ao disposto nos arts. 195. °, n.°1, 196 ° e 197.° do CIRE, bem como à ausência de qualquer regulamentação expressa, a conclusão só pode ser que tais créditos não sofrem qualquer alteração, sendo reembolsados de acordo com as normas (e pelas vias) legais aplicáveis.

P. O plano aprovado não prevê/permite a venda do imóvel hipotecado a favor do BANCO BB S.A em causa à revelia, ou sem o consentimento, do mesmo, nem permite a afectação do produto da respectiva venda ao reembolso de qualquer outro crédito, pelo que não contempla qualquer redução do âmbito da hipoteca e/ou do crédito garantido pela mesma, excepto as que resultem da lei aplicável e de decisões judiciais vinculativas.

Q. Ao contrário do decidido pelo Tribunal da Relação de …, não existiu qualquer tratamento discriminatório dos créditos em confronto, mas, tão só, um justo e correcto enquadramento dos mesmos, designadamente, à luz das regras e das decisões relativas à classificação dos créditos, das circunstâncias do caso concreto, e das regras processuais e substantivas relativas ao PER.

R. O plano de recuperação dos autos foi aprovado pela esmagadora dos votos emitidos, sendo certo que os créditos do BANCO BB, S.A. representam apenas 4,2% do total dos créditos reconhecidos e relacionados, pelo que “ponderando que o PER tem como fim primordial a recuperação da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de interesses — o interesse individual por contraposição ao colectivo — se este se situar num patamar material e fundadamente superior em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atendendo a sua relevância pública” (cfr. Acórdão deste Venerando Tribunal de 25/03/2014)

S. De acordo com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, a invalidade parcial de um plano de recuperação determina apenas a sua ineficácia e/ou inoponibilidade relativamente aos credores que se opuseram, ou não anuíram, à redução e/ou à modificação dos seus créditos.

T. Assim, ao não homologar o plano dos autos, ainda que, se necessário, com ressalva da sua aplicabilidade ao Credor BANCO BB, S.A., o Douto Acórdão recorrido violou (e interpretou/aplicou incorrectamente) os arts. 1º, nº1, 194.° e 215.° do CIRE, bem como os arts. 292.° e 293.° do Código Civil.

Termos em que, deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se o Douto Acórdão recorrido, e repristinando-se a decisão de homologação do Plano de Recuperação aprovado, se necessário, com ressalva da eficácia do mesmo relativamente ao Credor BANCO BB, S.A.

O recorrido contra-alegou, pugnando pela irrecorribilidade do recurso por inexistir oposição de Acórdãos e, no caso de ser admitido, sustentou que deveria ser julgado improcedente.

***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação operou com a seguinte factualidade:

“Para além do que já consta em sede relatório deste acórdão, têm interesse para a decisão do recurso, os seguintes elementos processuais:

1. No plano de revitalização aprovado, no tocante aos credores BANCO CC e BANCO BB SA, consta o seguinte:

i) BANCO CC

Crédito garantido

- Capitalização dos juros remuneratórios contratualizados vencidos até à data da sentença de homologação do Plano.

- Sobre a dívida vencer-se-ão juros contados a partir da data da sentença de homologação do plano de recuperação, calculados à taxa anual Euribor a 6 meses acrescida do spread de 2,25 p.p., tomando como referencial o fixing diário publicado pelo Banco de Portugal.

- O pagamento do capital e dos juros remuneratórios será realizado com o produto líquido da venda dos imóveis sobre os quais incide a garantia, sempre até 31 de Dezembro e sempre após:

(…)

- Perdão da totalidade dos juros de mora vencidos até à data da sentença de homologação do plano de recuperação.

ii) BANCO BB SA

Crédito garantido:

A garantia (hipoteca) de que beneficia o BANCO BB, SA. incide sobre fracção autónoma designada pelas letras “FL”, integrada no Prédio “…”, sito nos …-…, freguesia de …, concelho do …, inscrito na matriz predial sob o art. 0199 e descrito na CRP do … sob o nº 0000/00000503-L/S. …. Sobre este imóvel, a AA celebrou um contrato promessa de compra e venda com DD, tendo ocorrido a tradição do imóvel.

O credor DD reclamou no processo um crédito garantido por direito de retenção no valor de € 601.000,00, que lhe foi provisoriamente reconhecido nesses termos pelo AJP. O BANCO BB, SA., por sua vez, impugnou o reconhecimento do crédito de DD.

           

Existe, assim, diferendo entre estes dois credores quanto aos direitos incidentes sobre o referido imóvel.

Uma vez que a decisão proferida (sobre) nestes autos quanto as impugnações da lista de credores não tem efeitos extra-processuais (considerando que a lista definitiva de créditos reclamados tem apenas efeitos no que respeita ao quórum deliberativo e à maioria necessária para a aprovação do plano de recuperação), ficam os credores BANCO BB SA. e DD com o ónus de, até 31 de Julho de 2018, resolverem definitivamente o dissenso entre eles existente, nomeadamente obtendo decisão judicial que julgue ou não verificada a existência de um direito de retenção sobre o imóvel.

Assim, nesta sede, cabe prever as várias soluções jurídicas da contenda:

Hipótese A) – Verificação da existência de um direito de retenção sobre o imóvel:

1. A AA cumprirá o contrato promessa de compra e venda (…) celebrado com o credor DD;

           

2. Plano de pagamento do crédito do BANCO BB, SA.:

- Capitalização dos juros remuneratórios contratualizados vencidos até à data da sentença de homologação do Plano.

- Sobre a dívida vencer-se-ão juros contados a partir da data da homologação do plano de recuperação, calculados à taxa anual Euribor a 6 meses acrescida do spread de 2,25 p. p., tomando como referencial o fixing diário publicado pelo Banco de Portugal.

- Entrega ao BANCO BB, SA., do produto líquido da venda do imóvel (remanescente do preço a pagar) sobre o qual incide a garantia, sempre até 31 de Dezembro de 2018, operando-se, desta forma, a extinção da hipoteca.

- A remanescente parte da dívida será paga nos termos previstos para os créditos comuns.

- Perdão da totalidade dos juros de mora vencidos até à data da sentença de homologação do plano de recuperação.

Hipótese B) – Sobre o imóvel não incide direito de retenção:

1. A AA não cumprirá o contrato promessa de compra e venda (…) celebrado com o credor DD, procedendo ao pagamento do crédito deste nos termos previstos no Plano (créditos comuns);

2. Plano de pagamento do crédito do BANCO BB, SA.:

- Capitalização dos juros remuneratórios contratualizados vencidos até à data da sentença de homologação do Plano.

Sobre a dívida vencer-se-ão juros contados a partir da data da sentença de homologação do plano de recuperação, calculados à taxa anual Euribor a 6 meses acrescida do spread de 2,25 p.p., tomando como referencial o fixing diário publicado pelo Banco de Portugal.

- Pagamento da dívida até 31 de Dezembro de 2018.

- Perdão da totalidade dos juros de mora vencidos até à data da sentença de homologação do plano de recuperação.

           

2. O BANCO BB, SA., dirigiu ao Administrador Judicial Provisório comunicação do seguinte teor:

“ (….) Reclamante (…)

Vem votar contra o plano de revitalização, pela devedora AA, Lda.”

Fundamentação:

Sendo pelo teor das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- Se o credor, que pede a não homologação do plano, tem, antes e quanto vota contra, de indicar fundamentadamente, os motivos por que o não vota;

- Se, no caso, existe violação do princípio de igualdade no tratamento dado no plano ao crédito que beneficia do direito de retenção, relativamente ao credor hipotecário.

- Se o Acórdão, ao não ter ponderado a homologação do plano, com redução/conversão e/ou da ineficácia relativa do mesmo, incorreu nos vícios de omissão de pronúncia, ou de falta de fundamentação, previstos nas alíneas d) e b) do n.°1 do art. 615.° do Código de Processo Civil.

Vejamos:

No que respeita à primeira questão importa saber se, quando um dos credores vota contra o plano de recuperação do devedor que recorreu ao PER, o tem de fazer com imediata invocação dos fundamentos do seu voto negativo, sendo essa fundamentação condição essencial para poder pedir a não homologação do plano em momento ulterior.

Está em causa a interpretação do art. 216º, nº1, do CIRE, aplicável por força do disposto no art. 17º-F, nº5. A decisão recorrida entendeu que não se exige ao credor, que pede a não homologação do plano nos termos do art. 216º, nº1, a indicação das razões do seu voto negativo.

Sobre a “não homologação do plano a solicitação dos interessados”, o art. 216º, no seu nº1, estipula: “O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio (….), cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: (…)”.

Decorre do art. 17º-F do CIRE – norma inserida pelo PER – que não existem negociações que devam decorrer em assembleia de credores, já que o nº3 refere os requisitos do quórum deliberativo e o nº4 refere que a votação se efectua por escrito, o mesmo resultando do art. 211º, aplicável por remissão do citado nº4 do art. 17-F.

O nº2 do art. 211º, que rege sobre a votação por escrito, estatui que o voto escrito deve conter a aprovação ou rejeição da proposta de plano de insolvência (de revitalização, adaptadamente). Este preceito não impõe que, em caso de voto a rejeitar o plano, o votante credor tenha de justificar por que o faz.  

Nesse momento da votação não sabe se o plano vai ou não ser aprovado uma vez que a votação visa apenas visa apurar o quórum deliberativo. A decisão do juiz, quanto à homologação, ocorre no prazo de 10 dias seguintes à recepção da documentação contendo os votos escritos, que é remetida pelo administrador judicial provisório, como decorre das disposições conjugadas dos nºs 4 e 5 do referido art. 17º-F.

Assim, a remissão feita pelo nº5 para o art. 216º, nº1, do CIRE, que se reporta à não homologação a solicitação de qualquer dos interessados, legitima o credor, que antes votou contra, a pedir a não homologação sendo esse o momento em que deverá demonstrar, “em termos plausíveis”, uma das hipóteses previstas nas alíneas a) e b).

Compete ao credor, requerente de não homologação do plano, demonstrar, plausivelmente, uma das duas situações que o podem afectar  a existir homologação e que são as taxativamente previstas nas alíneas do nº1 do art. 216º que se transcrevem:

“a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas.”;

ou que:

b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais atribuições que ele deva prestar.”

Em comentário ao art. 216º do CIRE, no “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Ana Prata, Jorge Morais e Rui Simões, pág. 601, pode ler-se:

           

“Não é inequívoca a forma de manifestação da oposição daqueles que este artigo legitima a “solicitar” a não homologação do plano e que não participaram na assembleia, mas terá de ser no processo e em momento anterior ao da aprovação da proposta de plano, isto é, nas situações mais comuns, antes da realização da assembleia que aprova o plano.”

           

Depois de referir a opinião de Maria do Rosário Epifânio, in Manual de Direito da Insolvência, 3ª edição, pág. 262, parecendo, ao contrário desta Autora, inclinar-se para a hipótese de um credor, que votou contra o plano, possa depois aprová-lo sem incorrer em abuso do direito na modalidade venire contra factum proprium, com o argumento de que pode o credor ter apresentado proposta de plano de insolvência que tenha sofrido tais alterações que seja substancialmente diverso do aprovado, aplaude a opinião de Carvalho Fernandes e João Labareda que entendem que basta o voto contrário à proposta de plano na assembleia para que a sua oposição esteja manifestada.

Prosseguindo afirmam: – “A solicitação ao juiz de não aprovação do plano pode ainda provir de qualquer credor – desde que se tenha oposto ao plano antes da respectiva aprovação – devendo o requerente demonstrar, “em termos plausíveis”, uma das hipóteses previstas nas alíneas do nº1…isto é, que do plano resulta um prejuízo para si ou que dele decorre favorecimento de algum credor.”

           

Na obra citada, os tratadistas não referem que o voto contra, previamente anunciado pelo credor discordante do projecto de plano, tenha de ser motivado e as razões que se aduzem neste sentido no Acórdão recorrido têm plena justificação: “Desde logo, o art. 216º, nº 1 apenas exige que, antes da aprovação, o credor manifeste a sua oposição ao plano e já não que, concomitantemente, a fundamente e a demonstre ainda que em termos plausíveis.

Depois, sem se saber ainda se o plano vai merecer a aprovação dos credores, é injustificadamente oneroso impor ao credor que, antes da votação, dê a conhecer nos autos, para além da sua oposição, os fundamentos em que a mesma assenta, assim antecipando, quiçá sem qualquer utilidade – pois que o plano pode não ser aprovado –, peça de idêntico conteúdo àquela em que depois requererá ao juiz a não homologação do plano por verificação de alguma das circunstâncias previstas nas alíneas a) e b) do nº 1 do citado art. 216º.

Ademais, os elementos atinentes ao plano de recuperação e à sua aprovação apenas chegam à mão do juiz para homologação, depois de realizada a votação, pelo que a oposição deduzida naqueles termos em nada de relevante contribuiria para o seu esclarecimento, pois que o pedido de não homologação onde, no essencial, constarão os mesmos fundamentos, como de seguida veremos, tem de ser formulado em tempo que permita ao julgador dispor dele para apreciação logo no dia imediatamente a seguir ao do recebimento dos elementos remetidos pelo administrador provisório nos termos dos nºs 2 e 5 do art. 17º-F.”

Esta é a opinião de Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dias, in “PER o Processo Especial de Revitalização, Comentários aos artigos 17°-A a 17°-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Coimbra Editora, pág.145/146:

“Pese embora a remissão legal indicie que a comunicação de oposição deva ser feita nos autos, entendemos que, atenta a estrutura do PER e o facto de os votos serem remetidos para o administrador judicial provisório, essa comunicação deve ser remetida para o administrador judicial provisório. No caso específico dos credores, entendemos que o voto desfavorável por parte dos mesmos é suficiente para legitimar o requerimento de não homologação. Por outras palavras, afigura-se que o voto desfavorável já é manifestação suficiente da oposição ao plano, sendo dispensável uma declaração sacramental de rejeição do plano de revitalização, anterior à aprovação do plano”. (destaque nosso)

           

Também Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª edição actualizada, pág. 831, em nota ao art. 216º, defendem: “…Esta possibilidade é, evidentemente, extensível aos credores. Quanto a eles, aliás, e embora a formulação do texto da lei deixe margem para algumas dúvidas, parece-nos suficiente o voto contrário na deliberação de aprovação para se considerar preenchida oposição manifestada nos autos.”

Conclui-se, assim, que, no contexto do PER, um credor só pode pedir a não homologação do plano de revitalização, nos termos do art. 216º, nº1, do CIRE, aplicável ex vi do art. 17-F, nº5, se tiver antes votado contra o plano, nos termos do nº4 deste normativo, não carecendo de, simultaneamente, expressar os motivos dessa discordância, sendo, no entanto, indispensável que, para almejar a peticionada não homologação, demonstre, ulteriormente, em termos plausíveis, disjuntivamente, os requisitos das als. a) e b) do nº1 do art. 216º.

Não se ignora jurisprudência em sentido oposto que, ademais, legitimou o recurso com fundamento na oposição de Acórdãos: no caso o Acórdão da Relação de Coimbra de 15.9.2015 – Proc. 5570/14.3T8CBR.C1 – certificado a fls. 361 a 385 –, que manifesta discordância com a interpretação que aqui se acolhe quanto à não exigência de fundamentação no voto de oposição à aprovação do plano.

Quanto à 2ª questão:

Prende-se com saber se a homologação do plano, nos termos em que foi feita, tendo em conta o tratamento dado ao crédito hipotecário do BANCO BB e ao do credor DD, que alega direito de retenção, violou o princípio da igualdade dos credores e deveria ter conduzido à não homologação nos termos do art. 215º do CIRE.

É diversa a ratio do PER – Lei nº16/2012, de 20.4[2] – quando cotejada com a do CIRE, onde foi integrado, aquele visando a recuperação da empresa em estado pré insolvente mas recuperável, e o CIRE, antes da reforma de 2012, visando, em primeira linha, a liquidação do património do devedor insolvente em beneficio dos seus credores, execução universal, com respeito pelo princípio da igualdade. Este princípio consagrado no art. 194º do CIRE, no Título IX – Plano de insolvência – aplica-se ao PER.

A recorrente considera que o Acórdão recorrido tendo, na procedência da apelação do recorrente BANCO BB, recusado a homologação do plano de revitalização, assim revogando a decisão da 1ª Instância, violou o princípio da igualdade dos credores, par conditio creditorum.

No Acórdão recorrido a questão foi assim enfocada:

“Reconheceu-se a existência, tanto do crédito do apelante, [BANCO BB] como da garantia hipotecária de que goza.

Mas porque o também credor DD reclamou no processo um crédito no valor de € 601.000,00, igualmente reconhecido e alegadamente garantido por direito de retenção sobre a fracção “FL”, hipotecada em garantia de créditos do BANCO BB – que impugnou, além do mais, a existência da alegada garantia –, o plano, impondo a estes dois credores a resolução do dissenso entre eles existente, designadamente, obtendo até 31.07.2018 sentença que reconheça ou não reconheça aquele direito de retenção, estabeleceu, em alternativa, o seguinte:

A) Na hipótese de até 31 de Julho de 2018 haver decisão judicial que reconheça a existência do invocado direito de retenção sobre a dita fracção autónoma:

1. A AA cumprirá o contrato promessa de compra e venda (…) celebrado com o credor DD;

2. Plano de pagamento do crédito do BANCO BB, SA.:

- Capitalização dos juros remuneratórios contratualizados vencidos até à data da sentença de homologação do Plano.

- Sobre a dívida vencer-se-ão juros contados a partir da data da homologação do plano de recuperação, calculados à taxa anual Euribor a 6 meses acrescida do spread de 2,25 p. p., tomando como referencial o fixing diário publicado pelo Banco de Portugal.

- Entrega ao BANCO BB, SA., do produto líquido da venda do imóvel (remanescente do preço a pagar) sobre o qual incide a garantia, sempre até 31 de Dezembro de 2018, operando-se, desta forma, a extinção da hipoteca.

- A remanescente parte da dívida será paga nos termos previstos para os créditos comuns.

- Perdão da totalidade dos juros de mora vencidos até à data da sentença de homologação do plano de recuperação.

B) Na hipótese de até 31 de Julho 2018 haver decisão judicial que não reconheça a existência do direito de retenção:

 

1. A AA não cumprirá o contrato promessa de compra e venda (…) celebrado com o credor DD, procedendo ao pagamento do crédito deste nos termos previstos no Plano (créditos comuns);

2. Plano de pagamento do crédito do BANCO BB, SA.:

- Capitalização dos juros remuneratórios contratualizados vencidos até à data da sentença de homologação do Plano.

- Sobre a dívida vencer-se-ão juros contados a partir da data da sentença de homologação do plano de recuperação, calculados à taxa anual Euribor a 6 meses acrescida do spread de 2,25 p.p., tomando como referencial o fixing diário publicado pelo Banco de Portugal.

- Pagamento da dívida até 31 de Dezembro de 2018.

- Perdão da totalidade dos juros de mora vencidos até à data da sentença de homologação do plano de recuperação.”

O apelante BANCO BB sustentou que o plano de revitalização tratava de maneira igual os dois créditos, ambos dispondo de garantia real, quando na realidade o não são; ou seja, enquanto o Banco dispõe de uma garantia hipotecária sobre uma fracção autónoma da devedora “AA”, para garantia de quantia mutuada e que não foi objecto de qualquer impugnação e se acha reconhecido, já o crédito do credor DD que reclamou um crédito, no valor de € 610 000,00, alegadamente garantido por direito de retenção sobre a fracção “FL”, a mesma que se encontra hipotecada como garantia do crédito do BANCO BB, viu a sua alegada garantia ser impugnada.

A garantia direito de retenção, segundo alegou na reclamação de créditos dirigida ao Administrador Judicial Provisório, adviria do incumprimento pela devedora, de um contrato promessa de compra e venda da fracção “FL”, em cuja posse fora investido (traditio) pela “AA”, enquanto promitente vendedora – art. 755º, nº1, f) do Código Civil.

Em suma: enquanto o crédito do BANCO BB e a respectiva garantia existem, por não ter sido objecto de impugnação, nem o crédito nem a garantia; o crédito reclamado pelo credor DD, por ter sido impugnado, carece de demonstração.

Como se refere no Acórdão:

O plano, previne apenas duas hipóteses, a saber:

- a de até 31 de Julho de 2018 ser proferida decisão judicial que definitivamente reconheça a existência do direito de retenção a cuja titularidade o credor DD se arroga;

- e a de até 31 de Julho de 2018 ser proferida decisão judicial que definitivamente não reconheça a existência do direito de retenção a cuja titularidade o credor DD se arroga.

É omisso quanto à hipótese de nenhuma acção ser interposta ou de, no âmbito da acção que o credor DD venha a interpor para reconhecimento desse seu putativo direito, devido à relativa proximidade da data para tanto fixada, à lei processual vigente e ao normal funcionamento dos nossos tribunais, não haver, até ao termo daquele prazo, decisão judicial que, definitivamente, reconheça ou não reconheça a existência daquela garantia.

Está absolutamente fora do alcance do credor BANCO BB, SA., pugnar pela não verificação desta hipótese, e o credor DD pouco pode fazer para evitá-la.

Em tal caso – cuja verificação é, segundo as regras da experiência, a mais provável –, não diz o plano como será pago, quer o crédito do BANCO BB quer o do credor DD, devendo salientar-se que o seu teor, interpretado à luz do sentido normal da declaração, tal como o define o art. 236º, nº 1 do Código Civil, não permite sequer concluir que em tal eventualidade o pagamento dessas dívidas tenha lugar.

É inequivocamente diversa a situação dos dois credores, já que o BANCO BB goza de garantia que é indiscutível – a hipoteca sobre o imóvel –, enquanto o direito de retenção invocado por DD é tido como controvertido.

Procurando criar condições que permitam ao credor DD demonstrar judicialmente a existência da garantia a que se arroga e, consequentemente, beneficiar dela, em natural detrimento do credor hipotecário, estabelece estratégia por via da qual a satisfação dos créditos do BANCO BB fica dependente de ocorrência que foge completamente ao seu controle, e que não prevê sequer o seu pagamento no caso de não verificação da condição que estabelece.

Impor, pela exposta via, a dois credores que, como dissemos, se encontram em situação absolutamente diversa a mesma medida que só a um pode beneficiar, de desfecho temporalmente indefinido e cujo resultado foge em absoluto ao controle do credor que nela não tem qualquer interesse, e que, fora do âmbito dessa medida, vê a satisfação dos seus créditos completamente desprotegida, envolve, a nosso ver, violação do princípio da igualdade entre credores, instituído no art. 194º, nº 2.

Sendo este preceito norma aplicável ao conteúdo do plano, a violação não negligenciável de que foi objecto constitui fundamento para a não homologação do plano – art. 215º.”

Dependendo a existência da garantia – direito de retenção – do crédito reclamado pelo credor, promitente comprador de fracção autónoma predial à devedora requerente do PER de prova que, há-de fazer-se ou não, em acção judicial a intentar, por si, com vista ao reconhecimento por parte da promitente vendedora que goza do direito de retenção, em virtude de incumprimento do contrato promessa de compra e venda com traditio, tendo por objecto a fracção predial sobre a qual o credor bancário goza de incontestada garantia hipotecária, caso não seja intentada a acção por incumprimento também contra este – (a estratégia processual não pode ser imposta ao futuro demandante): a sua situação, ao abrigo do plano, se fosse homologado, seria, previsivelmente, menos favorável que aquela que teria na ausência do plano, art. 216º, nº1, a) do CIRE.

Sendo homologado, violaria o princípio de igualdade dos credores, do ponto em que um crédito cuja existência depende de uma acção judicial a intentar (de desfecho incerto) teria o mesmo tratamento que um crédito hipotecário que não foi impugnado.

O plano, ademais, impõe que a acção judicial com vista à decisão sobre a existência do direito de retenção, tenha que ser definitiva até 31 de Julho de 2018, dependendo do desfecho dessa acção a graduação do crédito do Banco e a do crédito de DD, sem que o Banco possa influenciar no caso da acção não ser proposta.

O crédito do Banco ficaria à mercê de factores em relação aos quais é alheio: em primeiro lugar, o credor poderia não intentar a acção; em segundo lugar, dado o curto lapso de tempo e as vicissitudes de um pleito judicial, nada pode garantir que exista uma sentença transitada em julgado até 31.7.2018. Acresce que o plano não indica como será pago, quer o crédito do BANCO BB, quer o do credor DD, consoante o desfecho da acção a intentar.

O douto Acórdão recorrido considerou que o plano violou o princípio da igualdade, argumentando: “É inequivocamente diversa a situação dos dois credores, já que o BANCO BB goza de garantia que é indiscutível – a hipoteca sobre o imóvel –, enquanto o direito de retenção invocado por DD é tido como controvertido.

Procurando criar condições que permitam ao credor DD demonstrar judicialmente a existência da garantia a que se arroga e, consequentemente, beneficiar dela, em natural detrimento do credor hipotecário, estabelece estratégia por via da qual a satisfação dos créditos do BANCO BB fica dependente de ocorrência que foge completamente ao seu controle, e que não prevê sequer o seu pagamento no caso de não verificação da condição que estabelece.

Impor, pela exposta via, a dois credores que, como dissemos, se encontram em situação absolutamente diversa a mesma medida que só a um pode beneficiar, de desfecho temporalmente indefinido e cujo resultado foge em absoluto ao controle do credor que nela não tem qualquer interesse, e que, fora do âmbito dessa medida, vê a satisfação dos seus créditos completamente desprotegida, envolve, a nosso ver, violação do princípio da igualdade entre credores, instituído no art. 194º, nº 2.

Sendo este preceito norma aplicável ao conteúdo do plano, a violação não negligenciável de que foi objecto constitui fundamento para a não homologação do plano – art. 215º.”

Enquanto Relator, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 25.3.2013 – Proc.6148/12.1TBBRG:G1.S1 – in www.dgsi.pt. – que a Recorrente invocou como Acórdão – fundamento, com vista a demonstrar oposição com o Acórdão recorrido, escrevemos, quanto ao princípio da igualdade que aí estava em apreciação:

“O art. 194º estabelece o princípio da igualdade dos credores da insolvência, estatuindo:

1 — O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.

2-O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.

 3- […]”.

 O normativo consagra de forma mitigada a igualdade dos credores da empresa em estado de insolvência do ponto em que, implicitamente, ressalva excepções assentes em “diferenciações justificadas por razões objectivas”.

O princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes sejam tratadas de modo diferente.

Em anotação àquele preceito pode ler-se, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, vol. II, pág. 46: “Com efeito, o princípio da igualdade dos credores configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência.

A sua afectação traduz, por isso, seja qual for a perspectiva, uma violação grave – não negligenciável – das regras aplicáveis.

O tribunal deve, por isso, se não for atempadamente recolhido o assentimento do lesado, recusar a homologação do plano.

 Doutro passo, se coincidir a verificação de alguma das situações contempladas no nº1 do art. 216°, o credor lesado pode tomar a iniciativa de solicitar ao tribunal uma decisão de não homologação”.

 “ […] O princípio da igualdade dos credores “par conditio creditorum” não confere um direito absoluto, pese embora a natureza muito peculiar do crédito salarial que visa remunerar a força do trabalho, muitas vezes único bem de quem trabalha e esse direito de crédito, como qualquer outro que seja disponível após estar vencido, pode sofrer afrouxamento ou restrição como decorre do texto constitucional que contempla, a par do princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio, coenvolvidos na actuação fundada na legalidade do exercício de direitos e deveres, como é apanágio do estado de Direito baseado na Dignidade da pessoa humana – art. 1º da Lei Fundamental. A parte final do art. 194º, nº1, do CIRE contém uma atenuação do princípio da igualdade dos credores da insolvência, consentindo que possa ser atenuado ou derrogado desde que objectivamente se justifique diferenciação…Nesta perspectiva, ponderando que o PER tem como fim primordial a recuperação da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de interesses – o interesse individual por contraposição ao colectivo – se este se situar num patamar material e fundadamente superior em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atenta a sua relevância pública.”

Com o devido respeito, a decisão recorrida não violou o princípio da igualdade dos credores, antes estabelecendo discriminação materialmente fundada no tratamento de dois créditos: um, gozando, insofismavelmente, de garantia real e o outro, em relação ao qual a garantia que o exornará, depende de prova a fazer num contexto em relação ao qual o credor hipotecário nada pode influir, o que evidencia uma situação que favorece um dos créditos e pode comprometer a consistência da garantia do outro.

A não homologação do plano deixaria o Banco em posição mais favorável que aquela que para si adviria da homologação. Tendo sido feita essa demonstração e tendo o credor bancário requerido a não homologação do plano,  a sua pretensão não poderia deixar de ser sentenciada (até oficiosamente), sob pena de não se sancionar violação grave do princípio da igualdade dos credores da insolvência – arts. 194º, 215º e 216º, nº1, al. a) do CIRE. 

Sustenta, ainda, a Recorrente que o princípio da igualdade poderia não ter sido aplicado, porquanto o Plano de recuperação dos autos foi aprovado pela esmagadora dos votos emitidos, sendo certo que os créditos do BANCO BB, S.A. representam apenas 4,2% do total dos créditos reconhecidos e relacionados, assinalando que o PER, tendo como fim primordial a recuperação da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de interesses – o interesse individual por contraposição ao colectivo – se esse se situar num patamar material e fundadamente superior em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atendendo a sua relevância pública.” (cfr. Acórdão deste Venerando Tribunal de 25/03/2014)”.

O excerto constitui citação do Acórdão que relatámos, mas a situação é diversa daquela de que trata o recurso. Naquele Acórdão, o recurso visava saber se a homologação do plano de recuperação violava o princípio da igualdade por ter atribuído um regime menos favorável a um crédito laboral (privilegiado) do recorrido, no confronto com os créditos e garantias dos credores Segurança Social e Fazenda Nacional, (créditos também privilegiados).

Aí se considerou que um crédito laboral reconhecido e que seria pago, de acordo com o plano de revitalização integralmente, mas com perdão de juros e em prestações, situação que o credor considerava indefensável à luz do princípio da igualdade pedindo a não homologação do plano de revitalização, tal pretensão não poderia ser atendida no confronto com outros créditos de entidades públicas: Segurança Social (contribuições previdenciais) e Fazenda Nacional (créditos tributários), visando o PER a recuperação de empresa recorrente.   

Caso fosse atendida a pretensão do credor salarial, que apenas questionava o facto do seu crédito ser pago em prestações e com perdão de juros, e não se homologando o plano, isso inviabilizaria a recuperação de uma empresa.

Em síntese, afirmou-se para justificar a derrogação excepcional daquele princípio:

Pese embora os créditos laborais e da Fazenda Nacional e da Segurança Social gozarem de privilégios nos termos da lei, garantias reais, sendo que os créditos laborais têm natureza privada individual visando a remuneração do trabalho; já os créditos por impostos e as contribuições para a Segurança Social, visando assegurar interesses do Estado, quer pela cobrança de impostos, quer pela implementação de um sistema previdencial, assim os tributos e as contribuições realizam públicos, que se situam num patamar diferente, supra individual, sem menosprezo pela dignidade do preço do trabalho.

Esta constatação é indissociável do facto de estar nas mãos dos credores públicos e privados da insolvente o destino da empresa…já que o seu regular funcionamento cria e mantém postos de trabalho, gerando riqueza; isso implica que, nas concretas circunstâncias do caso, se atenue o princípio da igualdade, de outro modo, para satisfazer plena e imediatamente o interesse do recorrido, muito provavelmente, se impulsionaria a recorrente para o estado da insolvência com a sua muito provável liquidação, sendo que, no caso em apreço, aqueles entes públicos também abdicaram da intangibilidade dos seus créditos visando a recuperação da empresa.”

As razões de decidir, como se decidiu ali, não estão presentes no caso em apreciação, onde o princípio da igualdade foi violado ao impor-se a dois credores, sem justificação material e juridicamente fundada, um tratamento igual: estando reconhecido a um a existência de uma garantia real e a outro se concedeu, em termos que só de si dependem, meios para tentar obter o reconhecimento judicial da garantia que se arroga e que nem sequer se pode asseverar que exista.

Ainda relacionada com a questão da violação do princípio da igualdade, sustenta a Recorrente que o Acórdão não ponderou a possibilidade da redução/conversão e/ou da ineficácia relativa do plano, pelo que incorreu nos vícios de omissão de pronúncia, ou de falta de fundamentação, previstos nas alíneas d) e b) do n.°1 do art. 615.° do Código de Processo Civil.

Salvo o devido respeito, não existe omissão de pronúncia geradora de nulidade do Acórdão, uma vez que a questão da redução/conversão ou ineficácia do plano não foi objecto do recurso, não tendo, pois, que ser apreciada.

Ademais, para aferir do requisito do nº1, a) do art. 216º do CIRE, o Acórdão teve de ponderar as consequências que decorreriam da homologação, ou não do plano de revitalização, que dados os contornos da questão, não poderia ser julgada sem lidar com princípio da igualdade dos credores insolvenciais.

Destarte o Acórdão recorrido não merece censura.

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

I. No contexto do PER, um credor só pode pedir a não homologação do plano de recuperação, nos termos do art. 216º, nº1, do CIRE, aplicável ex vi do art. 17-F, nº5, se tiver antes votado contra o plano nos termos do nº4 deste normativo, não carecendo de, simultaneamente, fundamentar os motivos dessa discordância, sendo, no entanto, indispensável que, para almejar a peticionada não homologação, demonstre, ulteriormente, em termos plausíveis, disjuntivamente, os requisitos das als. a) e b) do nº1 do art. 216º.

II. Dependendo a existência da garantia real direito de retenção, do crédito reclamado pelo promitente comprador de fracção autónoma predial à devedora requerente do PER, de prova que há-de fazer-se ou não, em acção judicial a intentar por si, com vista ao reconhecimento, por parte da promitente vendedora que goza do direito de retenção, importa ponderar, na aplicação do princípio da igualdade dos credores, qual a situação em que ficaria o crédito de outro credor que goza de garantia real incontestada.

III. Beneficiando o credor bancário dessa incontestada garantia hipotecária, a não ser intentada aquela acção, por incumprimento, também contra este credor – (a estratégia processual não pode ser imposta ao futuro demandante), a sua situação, ao abrigo do plano se fosse homologado, seria, previsivelmente, menos favorável que aquela que teria na ausência do plano – art. 216º, nº1, a) do CIRE.

IV. A ser homologado o plano de recuperação violaria o princípio de igualdade dos credores, do ponto em que um crédito cuja existência depende de uma acção judicial a intentar (de desfecho incerto) teria o mesmo tratamento que um crédito hipotecário que não foi impugnado.

V. O Acórdão recorrido não violou o princípio da igualdade dos credores, antes estabelecendo discriminação materialmente fundada no tratamento daqueles dois créditos: um, gozando, insofismavelmente, de garantia real e o outro, em relação ao qual a garantia que o exornará, depende de prova a fazer num contexto em relação ao qual o credor hipotecário nada pode influir, o que evidencia uma situação que favorece um dos créditos, alegadamente com garantia real de existência duvidosa, e pode comprometer a consistência da garantia do outro.

VI. A não homologação do plano de recuperação da devedora deixa o credor hipotecário em posição mais favorável que aquela que para si adviria da homologação. Tendo sido feita essa demonstração e tendo o Banco requerido atempadamente a não homologação do plano de revitalização com tal fundamento, ela não poderia deixar de ser sentenciada (até oficiosamente), sob pena de não se sancionar violação grave do princípio da igualdade dos credores da insolvência – arts. 194º, 215º e 216º, nº1, al. a) do CIRE. 

Decisão:

Nega-se a revista.

Custas pela Recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 14 de dezembro de 2016

Fonseca Ramos – Relator

Fernandes do Vale

Ana Paula Boularot

        

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[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.

[2] Esta lei introduziu um novo processo – o Processo Especial de Revitalização (PER) – integrando-o no CIRE, regulando-o nos arts. l º, nº2, e 17°-A a 17°-I, que, conforme consta na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº39/XIT, de 30.12.2011, “pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual.