Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1860/07.0TVLSB.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DECISÃO SURPRESA
SEGURO DE GRUPO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Sumário :

1. Reveste a natureza de contrato de adesão, o contrato de seguro de Vida-Grupo, cujo clausulado é negociado apenas entre um Banco e uma seguradora, que, para garantia de contratos de mútuo para aquisição de habitação ou para obras na habitação que celebraram com o Banco tomador do seguro, os particulares segurados se limitam a subscrever ou aceitar, através de simples declaração individual de adesão.

2. A esse contrato é aplicável o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, definido no Dec-lei 446/85, de 25/10, com as alterações introduzidas pelo Dec-lei 220/95, de 31/08.

3. O princípio da proibição das decisões-surpresa, contido no n.º 3 do art. 3º do CPC, vale apenas para os casos em que a qualificação jurídica que o juiz se propõe adoptar ou a subsunção a determinado instituto que se propõe fazer não correspondam, de todo, àquilo com que as partes, pelas posições assumidas no processo, possam contar.

4. Esse princípio não pode ser levado tão longe que esqueça que as partes são representadas por técnicos que devem conhecer o direito e que, por isso, conhecendo ou devendo conhecer os factos, devem igualmente prever todas as qualificações jurídicas de que os mesmos são susceptíveis.

5. Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, competindo àquele o ónus da prova de ter fornecido essas informações.

6. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, cabendo ao contratante determinado que as submeta a outrem o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva.

7. Consideram-se excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do n.º anterior.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1.

AA e marido BB intentaram, em 21.04.2005, pela 14ª Vara Cível da comarca de Lisboa, a presente acção com processo ordinário, contra
- CC HISPANO SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, S.A.,
- COMPANHIA DE SEGUROS DD, S.A.,
- EE, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., e
- BANCO FF S.A..
Alegaram, em síntese, o seguinte:
Celebraram com o Banco T...& A......, mais tarde incorporado no Banco 4º réu, um contrato de mútuo com hipoteca, destinado a aquisição de habitação – contrato celebrado ao abrigo do Regulamento do Crédito à Habitação para os Trabalhadores Bancários, condição que a autora detinha, pois era empregada do mutuante.
O capital mutuado foi de 7.300.000$00, sendo que já antes o mesmo Banco havia emprestado aos autores 1.000.000$00, para obras na habitação.
O empréstimo foi ainda garantido por um seguro de Vida-Grupo, em nome dos autores – cada um dos quais subscreveu, em 18.01.96, a respectiva declaração de adesão – por via do qual o Banco se comprometeu a pagar à seguradora, a aqui 3ª ré, o prémio do seguro, de que seria reembolsado pela autora, em duodécimos que acresceriam às prestações mensais do empréstimo.
Seguro com as mesmas condições havia sido celebrado para garantia do valor do mútuo de 1.000.000$00.
Em data que ignoram e unilateralmente, o Banco transmitiu o contrato de seguro de Vida-Grupo que garantia o empréstimo de 7.300.000$00 para a Companhia de Seguros M......C......., S.A., que veio a integrar a seguradora ora 2ª ré, desconhecendo os autores se o fez também em relação ao contrato que garantia o outro empréstimo.
Posteriormente, com efeitos a 01.08.2001, de forma unilateral, o mesmo Banco transmitiu os dois contratos de seguro para a aqui 1ª ré, mantendo todas as condições destes, incluindo coberturas e prémio.
A apólice subscrita pelos autores, relativa à garantia do mútuo de 7.300 contos, tinha como objecto a garantia, em caso de invalidez total e permanente, por doença ou por acidente, de qualquer dos autores, de pagamento ao beneficiário do capital seguro, isto é, do capital mutuado, o qual, com os encargos, ascendia a 7.500.000$00, o mesmo acontecendo com a apólice referente à garantia do mútuo de 1.000 contos, e mantendo-se os seguros em vigor enquanto os empréstimos não se encontrassem pagos.
E, ocorrendo algum daqueles eventos – morte ou invalidez total e permanente por doença ou acidente de qualquer dos autores – o capital ainda em dívida ao Banco em qualquer dos dois contratos, ser-lhe-ia pago pelos restantes réus, enquanto titulares das apólices, e o remanescente aos autores.
O autor marido veio a ser reformado por invalidez total e permanente, por doença, com efeitos a 13.08.2004 – o que veio a ser reconhecido por sentença judicial, transitada em julgado, sendo o pagamento dessa reforma da responsabilidade do BES, que foi a sua entidade patronal.
A 1ª ré foi, por carta registada de 03.07.2006, interpelada para que fossem cumpridas as garantias e pago o capital em dívida ao beneficiário, ora 4º réu, e o remanescente aos autores, em ambas as apólices, vindo, por carta registada de 23.10.06, a informar o autor marido de que não podia garantir o pagamento das importâncias seguras, por o sinistro ser devido a um risco que se encontrava excluído, já que se inseria na previsão “doenças neurológicas e psiquiátricas de que a pessoa seja portadora”.
A doença que levou à reforma por invalidez total e permanente do autor foi uma doença psiquiátrica, mas à data da celebração das apólices com a 3ª ré, não se encontrava excluído o risco relativo a doenças psiquiátricas – e, em qualquer caso, a doença do autor só foi diagnosticada em 2004.
Nenhum dos empréstimos está já pago ao 4º réu, sendo que os autores têm pago as prestações mensais e os prémios dos dois seguros, nas condições acordadas, pelo que têm, além do direito a que as 1ª, 2ª e 3ª rés cumpram a garantia coberta pelas apólices, pagando ao 4º réu o capital ainda em dívida dos dois mútuos (€ 2.066,41 e € 23.330,91, à data da reforma do autor), o direito a receber o remanescente do capital em dívida destes mesmos mútuos, e bem assim o direito a que o 4º réu lhes restitua as prestações que indevidamente pagaram desde a invalidez do autor (13.08.2004). Isto porque a cobertura por invalidez total e permanente do autor, resultante de doença psiquiátrica, estava, ab initio, abrangida por ambas as apólices.
Na sequência do alegado formulam os pedidos de condenação dos réus:
a) a reconhecerem que o risco de invalidez total e permanente, por doença psiquiátrica, se encontrava garantido pelas apólices de seguro iniciais associadas aos dois contratos de mútuo celebrados pelos autores com o BTA e de que este era beneficiário, garantindo o valor dos empréstimos de 1.000.000$00 e de 7.300.000$00 (7.500.000$00, com encargos);

b) a reconhecerem que a invalidez total e permanente do autor marido, por doença psiquiátrica, não se encontrava excluída dos Seguros de Vida-Grupo que foram celebrados pelos autores por exigência do BTA, ora 4º réu, para garantia dos valores dos mútuos de 1.000.000$00 e 7.500.000$00, com esta instituição;

c) a reconhecerem que tais apólices se transmitiram com as mesmas condições da 3ª ré para as 2ª e 1ª rés;

d) a entregarem as 1ª, 2ª e 3ª rés ao 4º réu os valores do capital em dívida relativos aos mútuos, que à data da reforma por invalidez do autor marido perfaziam € 2.066,41 e € 23.330,91;

e) a entregarem as 1ª, 2ª e 3ª rés aos autores o remanescente dos valores mencionados na alínea anterior – respectivamente, € 2.933,59 e € 14.078,90 – até perfazerem os valores de capital garantidos pelos dois seguros de vida, de 5.000,00 € e 37.409,89, acrescidos de juros de mora à taxa legal;

f) a devolver o 4º réu aos autores as prestações dos mútuos pagas desde a data da invalidez do autor, ou seja, desde 13.08.2004, acrescidas de juros de mora à taxa legal .

A 1ª ré, agora FF SEGUROS, S.A. (que incorporou CC Hispano Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A.), alegou em síntese, em contestação, que a aceitação das propostas de seguro só veio a ser feita pela M......C.......a, actualmente DD, e os contratos foram objecto de transmissão para a ré; porém, a doença do autor marido era anterior ao contrato de seguro e foi pelo demandante omitida aquando do preenchimento da proposta, sendo ainda certo que, nos termos clausulados, a invalidez por doença psíquica está excluída da cobertura de ambos os seguros. Termina pedindo que a acção seja julgada não provada e improcedente, com a sua consequente absolvição do pedido.

Também contestou a 2ª ré, Companhia de Seguros DD, S.A., sustentando, em síntese, que os contratos foram transmitidos em 01.08.2001 para a 1ª ré, conforme os autores reconhecem, pelo que é a contestante parte ilegítima. Além disso, a invalidez total e permanente por doença ou acidente por riscos devidos a perturbações neurológicas e epilépticas ou perturbações ou danos do foro psíquico está excluída das apólices. Conclui pedindo a sua absolvição da instância por ilegitimidade, ou, a assim não ser entendido, a sua absolvição do pedido, por improcedência da acção.

A 3ª ré EE, Companhia de Seguros, S.A. também ofereceu contestação, na qual alegou, em resumo, que o BTA celebrou com ela um contrato de seguro da espécie Vida-Grupo, titulado pela apólice Vida Grupo n.º 02.000.144, mas tal contrato foi denunciado pelo Banco em 27.10.95, produzindo a denúncia efeitos em 31.12.95, deixando o contrato de vigorar a partir desta data. O contrato de mútuo dos autos foi celebrado em 28.02.96, sendo que, para efeitos de adesão do mutuário ao contrato de seguro Vida Grupo, foram usados indevidamente, pelo BTA, impressos da contestante, que esta lhe fornecera aquando da celebração do contrato supra aludido. Porém, as propostas para o contrato de seguro a que os autores aludem nunca entraram na EE. Quanto ao mútuo de 1.000.000$00 e respectiva garantia, nada sabe, nem tem obrigação de saber. Deve, pelo exposto – remata a ré – ser absolvida do pedido.

O 4º réu, Banco FF S.A. deduziu contestação de conteúdo semelhante ao da 1ª ré, acrescentando que os contratos de seguro e de mútuo, embora associados, são realidades jurídicas diferentes, e que, por isso, não está obrigado a devolver qualquer montante recebido dos autores em cumprimento do mútuo, devendo, consequentemente, ser absolvido do pedido.

Os autores replicaram, pronunciando-se sobre a matéria de excepção deduzida nas contestações.

Foi elaborado o despacho saneador, no qual as 2ª e 3ª rés foram havidas como partes ilegítimas e, por isso, absolvidas da instância. Do mesmo passo, procedeu o juiz do processo à selecção da matéria de facto – a assente e a controvertida – com interesse para a decisão do pleito.

No seguimento normal do processo efectuou-se a audiência de julgamento, a que se seguiu a sentença, na qual a acção foi julgada parcialmente procedente, com a condenação da 1ª ré, FF Seguros, e do 4º réu, Banco FF:

- a reconhecerem ambos que o risco de invalidez total e permanente, por doença psiquiátrica, se encontrava garantido pelas apólices de seguro iniciais associadas aos dois contratos de mútuo celebrados pelos autores com o BTA e de que este era beneficiário, garantindo o valor dos empréstimos de 1.000.000$00 e de 7.300.000$00 (7.500.000$00 com encargos);

- a reconhecerem ambos que a invalidez total e permanente do autor marido, por doença psiquiátrica, não se encontrava excluída dos seguros de Vida-Grupo que foram celebrados pelos autores, por exigência do BTA, ora 4º réu, para garantia dos valores dos mútuos de 1.000.000$00 e 7.500.000$00, com esta instituição;

- a reconhecerem ambos que tais apólices se transmitiram com as mesmas condições para a 1ª ré;

- a 1ª ré, a entregar ao 4º réu os valores do capital em dívida, que à data da reforma por invalidez do autor marido perfaziam € 2.066,41 e € 23.330,91;

- A 1ª ré, a pagar aos autores o remanescente dos valores mencionados, até perfazerem os montantes dos capitais garantidos de € 4.987,98 e € 37.409,84, ou seja, € 2.921,57 e € 14.078,93, acrescidos de juros de mora à taxa legal supletiva a contar da citação até integral pagamento;

- O 4º réu, a devolver aos autores as prestações pagas desde a data da invalidez do autor, ou seja, desde 13.08.2004, acrescidas de juros de mora à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento.

Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso os indicados réus.
Debalde o fizeram, pois a Relação de Lisboa, em acórdão oportunamente proferido, julgou improcedentes as interpostas apelações (1), mantendo a decisão recorrida.

Recorrem, de novo, os ditos réus, agora de revista para este Supremo Tribunal.
E, embora alegando separadamente, formulam, um e outro, um vasto acervo de conclusões, comum, na sua maior parte, a ambos, e que, no que tange ao recorrente Banco FF S.A., se pode assim sintetizar:
1ª – O acórdão recorrido fundamenta-se em matéria não alegada nestes autos, pois jamais os recorridos alegaram que o contrato em causa reveste a natureza de contrato de adesão, e não se trata de matéria de conhecimento oficioso;
2ª – Para a aplicação do regime das Cláusulas Contratuais Gerais é indispensável que a parte que dele se pretende valer alegue e prove que o contrato em causa reveste a natureza de contrato de adesão, conforme definido no art. 1º do Dec-lei 446/85, de 25 de Outubro;
3ª – Do documento de fls. 21/22 dos autos não pode retirar-se a conclusão de ser o contrato dos autos um contrato de adesão;
4ª – Ainda que se pudesse considerar um facto não alegado, a proibição das decisões surpresa (art. 3º/3 do CPC (2)) obriga a que seja facultada às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e sobre a qual ainda não tenham tido a possibilidade de se manifestarem;
5ª – O julgador tomou conhecimento de um elemento fáctico não alegado, sem que às partes tivesse sido dada a possibilidade de, antes de proferida a decisão, sobre tal questão se pronunciarem, pelo que estamos perante uma decisão surpresa, proibida pelo art. 3º/3 e violadora do princípio do dispositivo, previsto nos arts. 264º e 664º;
6ª – Com o desrespeito do princípio do dispositivo e com a falta de audição das partes, o acórdão recorrido incorre na nulidade prevista no art. 201º/1, o que acarreta a nulidade do acto subsequente à omissão (art. 201º/2);
7ª – Decorre do exposto que o acórdão não poderia ter aplicado ao caso dos autos o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, uma vez que tal questão não foi alegada;
8ª – Os recorridos não arguiram a falta de comunicação das cláusulas que se consideraram excluídas, sendo deles o respectivo ónus alegatório (art. 264º/1), pelo que não pode pretender-se que o recorrente (Banco) deveria ter provado que cumpriu os deveres de comunicação e informação, uma vez que o seu incumprimento nem sequer foi alegado;
9ª – Os recorridos não têm, assim, direito a qualquer indemnização pela suposta falta de comunicação do clausulado do contrato em causa por parte do recorrente, pois nem sequer alegaram tal facto;
10ª – O facto em causa, que foi considerado provado, não é um facto instrumental, notório ou de conhecimento geral – é um facto novo, carecendo de prova e contraprova, pelo que teria de ser incluído na base instrutória, no caso de ter sido alegado, o que não aconteceu;
11ª – Impõe-se, pois, que o referido “facto” seja desconsiderado e, em consequência, seja proferida decisão que absolva o recorrente do pedido;
12ª – Era sobre a M...... C....... e não sobre o recorrente, que impendiam os deveres de informação e comunicação aos segurados, sendo a recorrente alheia a este procedimento: só aquela poderá esclarecer tais questões, relativas à comunicação do clausulado do seguro e à transferência do mesmo;
13ª – O risco devido a perturbações ou danos do foro psicológico encontra-se ab initio excluído do âmbito dos referidos seguros de vida, razão pela qual a 1ª ré se escusou a pagar ao recorrente qualquer montante decorrente da incapacidade diagnosticada ao autor marido;
14ª – As obrigações recíprocas decorrentes dos contratos de seguro celebrados entre os recorridos e a 2ª ré apenas respeitam às partes contratantes, escapando à alçada do recorrente as condições particulares dos contratos de seguro de vida, associados aos contratos de crédito à habitação e para obras;
15ª – Embora associados, os contratos de seguro e de mútuo são realidades jurídicas distintas e com diferentes intervenientes jurídicos, pelo que, aprovada a concessão do crédito aos mutuários, fica sempre em aberto a aprovação do contrato de seguro, pois que é à seguradora, e só a esta, que cabe estabelecer as suas próprias condições para contratar;
16ª – Não foi o recorrente quem contratou a seguradora Mundial Confiança, nem as condições do contrato, alegadamente de adesão, a que se reportam os autos;
17ª – Os fundamentos do acórdão recorrido, onde se conclui – e bem – que era esta seguradora que tinha a obrigação de informar o tomador e o segurado, e que as companhias deviam entregar ao tomador do seguro um exemplar de todos os direitos e obrigações do contrato, não estão em sintonia com a decisão tomada, pelo que se verifica a nulidade prevista no art. 668º/1.c) – oposição entre os fundamentos e a decisão;
18ª – Os recorridos nunca arguiram a nulidade de qualquer cláusula dos seguros em causa, por alegada falta de comunicação das mesmas;
19ª – Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido extravasou o âmbito do pedido e da causa de pedir, violando o disposto no art. 661º: a suposta falta de comunicação das cláusulas do contrato de seguro é questão que está para além da causa de pedir invocada nestes autos, perante a qual – e só perante ela, não também perante essa falta de comunicação nem sobre a natureza do contrato – o recorrente construiu a sua defesa;
20ª – O acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 264º, 664º, 514º, 467º/1, 489º/1, 502º/1, 503º/1, 498º/4, 690º/2 e 691º/1.

A recorrente Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A. reproduz praticamente, como se disse já, as conclusões que antecedem, acrescentando que
- Foi comunicado aos segurados, ora recorridos, a transferência da apólice de seguro de vida da Mundial Confiança para a recorrente;
- O acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão, alegada em sede de apelação, de ter a sentença decidido fora do âmbito do pedido, e incorrido em nulidade por excesso de pronúncia, sendo, pois, o dito acórdão, nulo por omissão de pronúncia (arts. 668º/1.d) e 716º/1);
- Não tendo qualquer das partes invocado a suposta falta de comunicação das cláusulas do seguro em causa, e consequente nulidade, com base nos arts. 5º e 6º do Dec-lei 446/85, de 25/10, a Relação não podia decretar a falta de comunicação de determinada cláusula do contrato de seguro e declarar a nulidade da mesma.

Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido, com a consequente negação das revistas.
Corridos os vistos, cumpre agora decidir.

2.

Vêm, das instâncias, dados como provados os factos seguintes:

1. Em 2 de Abril de 1991, os autores celebraram com o Banco Totta & Açores (actualmente Banco FF S.A.) um contrato de mútuo com hipoteca, destinado à realização de obras no imóvel sito na P................., n.os ...., ....... e ........B, sendo o capital mutuado de 1.000.000$00 (A).

2. Em 28 de Fevereiro de 1996, os autores celebraram com o mesmo Banco outro contrato de mútuo com hipoteca, desta vez destinado à aquisição de habitação, sendo o capital mutuado no montante de 7.300.000$00 (B).

3. Da Cláusula Sexta do Contrato de Mútuo e Hipoteca, celebrado com o Banco Totta & Açores, S.A., constava o seguinte: “O empréstimo é garantido, ainda, por um seguro de Vida-Grupo em nome de AA e cônjuge cujas condições, já estabelecidas entre o Banco Totta & Açores, S.A. e a EE – Companhia de Seguros, S.A., são do seu conhecimento, o qual vigorará durante a vigência do empréstimo, não podendo, portanto, ser cancelado” (C).

4. E nos termos do parágrafo único da citada Cláusula Sexta, o Banco Totta & Açores comprometeu-se a pagar directamente à Companhia de Seguros o prémio do seguro, sendo reembolsado pela mutuária, ora autora, em duodécimos que acresceriam às prestações mensais (D).

5. Assim, em 18 de Janeiro de 1996, quer a autora mulher quer o autor marido, por determinação do Banco Totta & Açores, subscreveram cada um a sua declaração de adesão à cobertura do mencionado crédito à habitação, tendo-o feito em impressos timbrados da Companhia de Seguros EE (E).

6. Sendo em qualquer dos casos o Banco Totta & Açores, S.A., ora 4º réu, o beneficiário aceitante do referido Seguro (F).

7. Os autores também haviam celebrado seguro de vida para garantia do valor do mútuo para as obras (G).

8. Posteriormente, com efeitos a 1 de Agosto de 2001, de forma unilateral, o Banco Totta & Açores, S.A., transmitiu os dois contratos de seguro para CC Hispano Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A., a 1ª ré, ou seja, a apólice n.º 000000000000 relativa ao mútuo das obras e a apólice n.º 000000000 relativa ao mútuo do crédito à habitação, mantendo todas as condições iniciais e, portanto, as mesmas coberturas e o mesmo prémio (H).

9. Por cartas de 10 de Agosto de 2001, o Banco comunicou aos autores que, ao abrigo das Condições Gerais e do DL 176/95, de 26 de Julho, procedia à transferência dos contratos de seguro em causa para a 1ª ré (I).

10. No caso do 2º mútuo, a apólice subscrita pelos autores tinha como objecto a garantia, em caso de invalidez total e permanente por doença ou por acidente de qualquer dos autores, do pagamento ao beneficiário do capital seguro, ou seja, do capital mutuado, no valor de 7.300.000$00, o qual, com os encargos, ascendia a 7.500.000$00 (J).

11. Do mesmo modo a apólice subscrita pelos autores relativa à garantia do mútuo das obras tinha também a garantia, em caso de invalidez total e permanente por doença ou por acidente de qualquer dos autores, do pagamento ao beneficiário do capital seguro, do capital mutuado de 1.000.000$00 (K).

12. Ambos os seguros manter-se-iam em vigor, conforme acordado, enquanto os empréstimos não se encontrassem pagos (L).

13. Sendo que, verificando-se a Morte ou a Invalidez Total e Permanente por Doença ou Acidente de qualquer dos autores, o capital ainda em dívida ao Banco Totta & Açores e depois ao 4º réu, em qualquer dos dois contratos de seguro, seria pago pela Seguradora titular das apólices, àquela instituição bancária, e o remanescente aos autores (M).

14. O autor marido veio a ser reformado por invalidez total e permanente, por doença, com efeitos a 13 de Agosto de 2004 (N).

15. Por carta registada de 3 de Julho de 2006, a 1ª ré foi interpelada para que fossem cumpridas as garantias e fosse pago o capital em dívida ao beneficiário Banco Totta & Açores, ora 4º réu, e o remanescente aos autores na qualidade de segurados, em ambas as apólices (O).

16. Por carta registada datada de 23.10.2006, a 1ª ré informou o autor marido de que não podia garantir o pagamento das importâncias seguras por o sinistro ser devido a um risco que se encontrava excluído por se inserir na seguinte previsão: “Doenças neurológicas (incluindo epilepsia) e psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a pessoa seja portadora” (P).

17. A doença que levou à reforma por invalidez permanente e total do autor marido foi uma doença psiquiátrica (Q).

18. Qualquer dos empréstimos que foram objecto dos seguros de vida acima referidos, ainda não se encontram pagos ao 4º réu, actualmente titular desse direito (S).

19. Os autores sempre pagaram até hoje as prestações mensais relativas a ambos os mútuos, que se mantêm em vigor, bem como os prémios dos dois seguros de vida, em duodécimos que acrescem às prestações mensais (T).

20. À data da reforma do autor, por invalidez, os valores de capital em dívida ao 4º réu eram os seguintes: € 2.066,41 e € 23.330,91 (U).

21. Nos termos da cláusula III, n.º 3, al. b) do Plano de Seguro Habitação da Companhia de Seguros Mundial Confiança pode ler-se que “adicionalmente e no que respeita à garantia de Invalidez Total e Permanente por Doença ou Acidente, não são objecto de cobertura, ficando também excluídos das garantias do contrato de seguro, os riscos devidos a perturbações ou danos do foro psíquico, de qualquer natureza” (V).

22. Por seu turno, a cláusula XI, n.º 1 do mesmo Plano de Seguro Habitação dispõe que consubstanciam obrigações da pessoa segura “informar a seguradora, com verdade e de boa fé, de todos os factos que, sendo do seu conhecimento e nos termos das condições do contrato de seguro, possam influir na apreciação do risco proposto, aceitação da adesão e estabelecimento das respectivas condições” (W).

23. Tais Cláusulas foram consignadas nos pontos 4.2 e 4.3 da Cláusula 4ª das Condições Gerais do Seguro de Vida objecto de Transmissão da Mundial Confiança para a ora ré (X).

24. Aquando do preenchimento da declaração individual de adesão junta à p.i., datada de 18 de Janeiro de 1996, o autor marido respondeu negativamente em relação às perguntas relacionadas com o seu estado de saúde, afirmando nunca ter sofrido ou sofrer de qualquer doença, não se encontrar a tomar regularmente qualquer medicamento nem ter sofrido qualquer baixa superior a dez dias durante os últimos cinco anos e, finalmente, nunca ter estado internado em hospital ou clínica ou ter sido operado ou padecido de qualquer invalidez ou defeito físico (Y).

25. Tendo ao autor marido sido atribuída uma incapacidade na sequência de “sintomas depressivo-ansiosos”, “tipo reacção depressiva profunda/distúrbio generalizado” (Z).

26. Nos termos do artigo 2º n.º 3 das Condições Gerais da Apólice de Seguro de Vida de Grupo “as omissões e declarações incompletas feitas pelo Segurado ou pelas Pessoas Seguras, referentes aos quesitos postos pela Companhia tornam nulas as garantias do contrato susceptíveis de serem influenciadas pela existência de tais factos” (AA).

27. Nas Condições Particulares da apólice relativa ao mútuo para obras, concretamente na al. b) do n.º 2 da cláusula IV, pode ler-se o seguinte: “Adicionalmente e no que respeita à garantia de Invalidez Total e Permanente por Doença ou Acidente, não são objecto de cobertura, ficando também excluídos das garantias do contrato de seguro, os riscos devidos a perturbações ou danos do foro psicológico, de qualquer natureza” (AB) .

28. Apesar de terem sido pelos autores preenchidas propostas EE, a aceitação das mesmas veio a ser feita pela Mundial Confiança (actualmente, Companhia de Seguros DD, S.A.) (1º).

29. As apólices iniciais foram emitidas, após a respectiva aceitação, pela DD (F...M...) (2º).

30. O médico que diagnosticou a doença ao autor, em 2004, concluiu que determinadas situações ocorridas em 1995 já eram sintomas da doença evolutiva que mais tarde se revelaria (3º).

31. A doença psiquiátrica do autor só foi diagnosticada em 2004 (5º).

3.

Como é sabido, e resulta, aliás, da lei do processo (arts. 684º/3 e 690º/1 e 4), são as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o âmbito do recurso: o tribunal ad quem, para além das questões de que qualquer tribunal conhece oficiosamente, só pode conhecer das que são suscitadas nessas conclusões.

Vejamos, pois, essas questões.

3.1. Sustentam, antes de mais, os recorrentes, que o acórdão recorrido (na linha do decidido na sentença da 1ª instância), ao ter como assente que os contratos de seguro aqui em causa revestem a natureza de contratos de adesão, e ter, por isso, fundamentado a sua decisão nas normas do Dec-lei 446/85, de 25 de Outubro, que institui o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (c.c.g.), lançou mão de facto não alegado pelos autores – e que não configura um facto instrumental, nem um facto notório – e aplicou ao caso normas que não lhe era lícito aplicar, pois que também não está em causa questão de conhecimento oficioso.

Os recorrentes chamam, em seu apoio, vários arestos dos tribunais superiores, que expressam o entendimento de que é indispensável, para a aplicação do regime das c.c.g., que a parte que dele se pretende fazer valer, alegue e prove que o contrato em causa reveste a natureza de contrato de adesão (3). Ou seja: a questão de um determinado contrato revestir ou não a natureza de contrato de adesão não é de conhecimento oficioso, tornando-se para tal necessário a alegação, no momento processual próprio, de modo a possibilitar o exercício do contraditório, dos factos indispensáveis a essa qualificação.

Todavia, embora se aceite tal entendimento, não se tem por acertada a afirmação dos recorrentes, que constitui o ponto de partida para a conclusão que pretendem extrair.

Embora de forma que está longe de poder considerar-se rigorosa e perfeita, o certo é que os autores alegam, na p.i., factos que permitem concluir que os invocados contratos de seguro assumem a natureza de contratos de adesão. Basta ver os arts. 8º – Assim, em 18 de Janeiro de 1996, quer a A. mulher quer o A. marido, por determinação do Banco Totta & Açores, subscreveram cada um a sua declaração de adesão à cobertura do mencionado crédito à habitação com a EE, Companhia de Seguros, S.A. (…) – e 27º – Ora à data da celebração das apólices, designadamente através da sua adesão, com a EE, ora 3ª ré, nos termos descritos nos artigos 6º a 10º desta p.i., não se encontrava excluído o risco relativo a doenças psiquiátricas – e os documentos 2 e 3 juntos com o mesmo articulado (declaração individual de adesão).

Há ainda, no processo, documentos juntos pelos próprios recorrentes com as respectivas contestações (cfr. doc. de fls. 115/118 ou 176/179; doc. de fls. 121/125, doc. de fls 126/133) que esclarecem, sem margem para dúvidas, a natureza dos contratos de seguro de quo agitur.

No primeiro dos aludidos documentos, respeitante às “cláusulas do empréstimo hipotecário concedido pelo Banco Totta & Açores a AA e marido”, lê-se (cláusula 9ª) que “o empréstimo é garantido (…) por um seguro de vida – renda certa e amortizações – em nome do mutuário seu empregado, cujas condições, já estabelecidas entre o Banco Totta & Açores e a Companhia de Seguros Império, são do seu conhecimento” (sublinhado nosso). No de fls. 121/125, refere-se que “o titular do contrato de empréstimo para crédito à habitação, efectuado com o Banco Totta & Açores, e o respectivo cônjuge, se aderente, estão abrangidos, na qualidade de Pessoas Seguras, pelo contrato de Vida Grupo, titulado pela apólice 9700594, efectuado entre a seguradora e o tomador do seguro, abaixo identificados”, sendo seguradora a Companhia de Seguros Mundial-Confiança, S.A., e tomador do seguro o Banco Totta & Açores. E, acerca da “Pessoa segura e condições de elegibilidade”, menciona-se que é pessoa segura o 1º titular do contrato de empréstimo para crédito à habitação, sujeito aos riscos que, nos termos acordados, são objecto do contrato, e que reúna as condições especificadas, entre elas a de “preencher uma declaração individual de adesão”. Menção que se repete no doc. de fls. 126 e ss., no item 3.1. Grupo Segurável.

De tudo decorre que, como bem decidiram as instâncias, estamos perante contratos cujo clausulado geral foi negociado apenas entre o Banco e a seguradora, e, portanto, sem prévia negociação desse clausulado com os autores, que se limitaram a subscrevê-lo ou a aceitá-lo.

Contratos de adesão, pois, que perfeitamente se acomodam às definições doutrinais reproduzidas no acórdão recorrido, e que aqui nos dispensamos de repetir.

Daí que lhes seja aplicável o regime jurídico das c.c.g., como expressamente decorre do art. 1º, n.º 1 do Dec-lei 446/85 (na redacção conferida pelo art. 1º do Dec-lei 220/95, de 31 de Agosto).

Deve, ainda acrescentar-se, relativamente aos elementos de facto supra aludidos, carreados pelos próprios réus, ora recorrentes, que nada obsta a que deles se sirva o julgador para qualificar o contrato. Cada uma das partes tem o ónus da alegação dos factos cujo efeito lhe é favorável, mas o nosso direito processual consagra o princípio da aquisição processual, que tem assento no art. 515º e que, segundo o Prof. MANUEL DE ANDRADE, se traduz no facto de que “os materiais (afirmações e provas) aduzidos por uma das partes ficam adquiridos para o processo. São atendíveis mesmo que sejam favoráveis à parte contrária” (4).

Vem, pois, alegada e provada matéria factual bastante para se operar a qualificação jurídica (contratos de adesão) que, dos contratos de seguro de Vida-Grupo invocados pelos autores, fizeram a sentença da 1ª instância e o acórdão recorrido. Aliás, é hoje consensual a aplicação do Dec-lei 446/85 aos contratos de seguro.

Não vale, por isso, dizer, como o fazem os recorrentes, que aquela qualificação envolve, por parte do julgador, a prolação de uma decisão-surpresa. O art. 664º consagra o princípio do conhecimento oficioso do direito: o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. A articulação deste princípio com a regra da proibição das decisões-surpresa, contida no n.º 3 do art. 3º, significa tão só que, antes de proferir a decisão, deve o julgador facultar às partes o exercício do contraditório, apenas quando a qualificação jurídica a adoptar ou a subsunção a determinado instituto não correspondam, de todo, àquilo com que estas, pelas posições assumidas no processo, possam contar. Trata-se, a nosso ver, de um princípio que não pode ser levado tão longe que esqueça que as partes são representadas por técnicos que devem conhecer o direito e que, por isso, conhecendo ou devendo conhecer os factos, devem igualmente prever todas as qualificações jurídicas de que os mesmos são susceptíveis.

No caso em apreço, a referida qualificação não assenta, como vimos, em facto (ou matéria de facto) não alegado, não estando, pois, em causa, uma decisão-surpresa, nem ocorrendo, assim, a nulidade invocada pelos recorrentes.

3.2. Mas os recorrentes dirigem ainda outro tipo de argumentação contra o acórdão recorrido.

Afirmam eles – já no pressuposto de ser aplicável o regime jurídico das c.c.g. – que os autores, ora recorridos, não arguiram, como deviam, a falta de comunicação das cláusulas que as decisões das instâncias consideraram excluídas.

Dizem os recorrentes que muito embora recaia sobre a seguradora o ónus da prova da comunicação do clausulado, o certo é que é sobre quem se pretende valer da falta de comunicação e informação que impende o ónus da respectiva alegação. Tal decorre do disposto no art. 264º, n.º 1, que estatui que incumbe às partes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, factos esses que devem ser alegados nos articulados respectivos. E isto – continuam os recorrentes – nada tem a ver com a questão do ónus da prova de comunicação efectiva das cláusulas contratuais, a que se reportam os arts. 5º e 6º do Dec-lei 446/85, e que incumbe à parte que submeteu a outrem as c.c.g..

Que dizer desta argumentação?

Os autores alegaram, na p.i. (art. 27º), que, para garantia do valor de um contrato de mútuo para aquisição de habitação, que celebraram com o 4º réu, aderiram, como segurados, a um contrato de seguro de Vida-Grupo, celebrado entre o mutuante e a EE – Companhia de Seguros, S.A., e que fizeram o mesmo para garantir o valor de outro contrato de mútuo, igualmente celebrado com o mesmo réu, para obras. As apólices que subscreveram tinham como objecto a garantia, em caso de invalidez total e permanente por doença ou por acidente de qualquer deles, do pagamento ao beneficiário (o 4º réu) do capital mutuado, nos valores de 7.300.000$00 e 1.000.000$00, respectivamente, e manter-se-iam em vigor enquanto os empréstimos não se encontrassem pagos, sendo que, ocorrendo a morte ou a invalidez total e permanente por doença ou por acidente de qualquer dos autores, a seguradora pagaria o capital que estivesse em dívida, em qualquer dos dois contratos de mútuo, ao mutuante, e o remanescente aos autores segurados.

Tendo o autor marido sido reformado por invalidez total e permanente, por doença, os autores interpelaram a 1ª ré (para a qual haviam sido, pelo mutuante, transferidos os contratos de seguro), para que fossem cumpridas as garantias, e, assim, pago o capital em dívida ao mutuante e o remanescente aos próprios autores, mas a ré recusou, a pretexto de que o sinistro era devido a um risco – doença psiquiátrica – que se encontrava excluído no clausulado dos contratos, o que os autores sustentam ser falso, pois que, “à data da celebração das apólices, designadamente através da sua adesão, com a EE, (…) não se encontrava excluído o risco relativo a doenças psiquiátricas”, pedindo, além do mais, que os réus sejam condenados a tal reconhecerem [cfr. pedidos a) e b)].

Os réus recorrentes assumiram, por seu turno, nas respectivas contestações, que os dois contratos de seguro foram ab initio celebrados com a M.... C.....(F.....M.....) e não com a EE, e posteriormente transmitidos para a 1ª ré, ora recorrente, mantendo os seguros todas as condições iniciais e, assim, as mesmas coberturas e o mesmo prémio.

E acrescentaram que a decisão de não assunção da responsabilidade pelo não pagamento do capital mutuado assentou em terem apurado que a doença de que padecia o autor marido era anterior à data da celebração do contrato de seguro e ter o segurado omitido, de forma intencional, a existência da doença, na proposta de seguro que assinou, em violação do disposto na cláusula XI, nº 1 do Plano de Seguro Habitação aplicável ao seguro de vida subjacente ao mútuo destinado à aquisição de habitação. Aduziram ainda que, no respeitante à garantia de invalidez total e permanente por doença ou acidente, os riscos devidos a perturbações ou danos do foro psíquico, de qualquer natureza, estavam ab initio excluídos pela cláusula III, n.º 3, al. b) do aludido Plano de Seguro Habitação, sendo que as aludidas cláusulas constam igualmente das Condições Gerais do Seguro de Vida objecto de transmissão da Mundial Confiança para a 1ª ré (pontos 4.2 e 4.3 da cláusula 4ª), e achando-se a III, n.º 3, al. b) igualmente reproduzida no Anexo 3, ponto 4.1, al. o) do Seguro Complementar da Invalidez Total e Permanente por Doença ou Acidente; e que a mesma exclusão constava da al. b) do n.º 2 da cláusula IV das Condições Particulares da apólice de seguro de vida subjacente ao mútuo destinado a obras na habitação, celebrada com a Mundial Confiança.

Do que fica exposto, decorre que o pedido dos autores não assenta na falta de comunicação de quaisquer cláusulas dos contratos de seguro, mas antes na recusa da ré seguradora, ora recorrente, em cumprir as obrigações que, verificado o risco assegurado, para ela resultam dos contratos de seguro em causa.

Não se vê, pois, que sobre aqueles recaísse o pretendido ónus de alegação – ónus que, como refere o acórdão deste Supremo Tribunal, de 09.10.2003, citado pelos recorrentes, apenas recai sobre o contraente que pretende prevalecer-se da violação dos deveres de comunicação e informação a que se reportam os arts. 5º e 6º do Dec-lei 446/85, o que não é, repete-se, o caso dos autores.

A violação desses deveres só foi equacionada, nas decisões das instâncias, porque, pretendendo os recorrentes valer-se das cláusulas de exclusão do risco, que indicaram, contidas nas apólices dos contratos de seguro em apreço, importava conhecer da eficácia dessas cláusulas, face, designadamente, ao disposto nos arts. 4º/1 do Dec-lei 176/95, de 26 de Julho, e 8º do Dec-lei 446/85.

De acordo com o primeiro dos apontados normativos, (n)os seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora, sendo que o n.º 2 do mesmo art. 4º logo acrescenta que (o) ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro.

Por sua vez, o art. 8º do Dec-lei 446/85 considera excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art. 5º; e este normativo estatui, no seu n.º 1, que as c.c.g. devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, e no n.º 3, que o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as c.c.g..

Invocando, assim, o teor de concretas cláusulas contratuais gerais para se eximirem à satisfação das obrigações decorrentes dos contratos de seguro, impendia sobre os recorrentes o ónus da prova (e de alegação) de terem comunicado aos autores essas cláusulas, isto é, de terem cumprido os respectivos deveres de comunicação e informação, sem dependência de qualquer alegação por parte dos autores/recorridos.

Nada alegaram e, obviamente, nada provaram a tal respeito. E as instâncias, tendo concluído que essas cláusulas contratuais gerais de exclusão de riscos, de que os recorrentes pretenderam prevalecer-se, não foram comunicadas aos autores, nem estes foram informados do seu conteúdo, entenderam que dessa conduta omissiva dos recorrentes decorre, como consequência, nos termos do já citado art. 8º do Dec-lei 446/85, a erradicação de tais c.c.g. dos contratos de seguro de Vida-Grupo em que foram incluídas, mantendo-se estes válidos no mais neles exposto.

Conclusão que, a nosso ver, não merece censura.

3.3. Nem vale argumentar em contrário que era sobre a Mundial Confiança que impendiam os deveres de informação e comunicação aos segurados.

Como adianta o acórdão recorrido, uma das características do contrato de seguro de grupo é a sua formação em dois momentos distintos: num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador do seguro e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo.

Avocando os dizeres de um autor, também citado no acórdão recorrido:

«O contrato de seguro é celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro que estabelecem, entre si, as condições de inclusão no grupo, as relações entre seguradora e tomador de seguro, com específicos direitos e obrigações recíprocos, as condições dos seguros para os aderentes, incluindo as condições gerais e especiais do seguro, que contêm as coberturas e os direitos e obrigações recíprocas da seguradora e do membro do grupo aderente.

A existência deste contrato é pressuposto da possibilidade de virem a existir pessoas seguras, que serão aquelas que vierem a aderir e que terão o seguro com as coberturas e nos termos que foi contratado entre seguradora e o tomador. Não vão poder negociar o contrato.

Celebrado o contrato de seguro entre a seguradora e o tomador, com vista à adesão dos membros de um grupo aí definido, passa-se ao segundo momento em que o tomador de seguro promove a adesão ao contrato junto dos membros do grupo.

Estes dois momentos são complementares e indissociáveis. Enquanto não se der a primeira adesão, o contrato celebrado entre seguradora e tomador de seguro não produz efeitos enquanto seguro.

Poderá produzir efeitos quanto a direitos e obrigações estabelecidos entre seguradora e tomador no que diz respeito à relação que entre ambos se estabelece e aos requisitos do grupo, mas só começa a produzir efeitos como seguro no momento da primeira adesão. Ou num momento posterior se tal for acordado pelas partes.

É com as adesões que surgem as pessoas seguras, visto que o tomador de seguro não tem essa qualidade. E, sem pessoas seguras, não há seguro» (5).

Daqui resulta que o tomador dos seguros – no caso, o Banco recorrente – não pode pretender que é alheio aos contratos de seguro, e que era a Mundial Confiança a entidade onerada com o cumprimento dos deveres de informação e comunicação aos segurados.

Desde logo porque tal pretensão esbarra frontalmente com o disposto no acima transcrito art. 4º, n.º 1 do Dec-lei 176/95, e também surge repudiada pelo art. 5º do Dec-lei 446/85; e, por outro lado, porque foi por vontade sua que se operou a transferência dos seguros para a FF Seguros, 1ª ré e ora recorrente. Quanto a esta, não lhe é lícito, de acordo com os ditames da boa fé, pretender eximir-se à sua responsabilidade com fundamento em ser o incumprimento devido à sua antecessora ou ao seu co-réu: com a transferência, para si, dos seguros em causa, assumiu as obrigações que dos respectivos contratos emergiam para a anterior titular, pelo que deveria ter-se assegurado, quando para ela foram transferidos os contratos, de que as obrigações para com os segurados se achavam cumpridas ou satisfeitas. Se o não fez, sibi imputet.

Resulta, destarte, de tudo quanto fica exposto, a improcedência das conclusões dos recorrentes, incluindo a invocada nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, ou a também afirmada pronúncia do mesmo para além dos limites do pedido e da causa de pedir. E não se vislumbra qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão – vício que se verifica quando a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente, o que não acontece no tocante ao acórdão recorrido.


4.

Nos termos expostos, negam-se as revistas de ambos os recorrentes, suportando cada um deles as custas do respectivo recurso.

Lisboa, 11 de Março de 2010

Santos Bernardino (Relator)

Bettencourt de Faria

Pereira da Silva

_______________________________________________

(1) É patente o lapso contido na parte decisória do acórdão, quando refere: em face do exposto, julga-se improcedente a acção, mantendo-se a decisão impugnada. Onde se escreveu «acção», só poderia querer-se escrever «apelação».
(2) As disposições citadas na exposição subsequente sem indicação do diploma a que pertencem são do CPC.
(3) Como sucedeu no Ac. STJ de 24.10.2006 (Proc. 06A2978), disponível em www.dgsi.pt/jstj.
(4) Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 383.
(5) PAULA RIBEIRO ALVES, Intermediação de Seguros e Seguro de Grupo – Estudos de Direito dos Seguros, 2007, págs. 291 e ss.