Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
35/1997.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
SOCIEDADES EM RELAÇÃO DE GRUPO
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
REVISOR OFICIAL DE CONTAS
FÉ PÚBLICA
Data do Acordão: 05/31/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Doutrina: - Ana Perestrelo de Oliveira, in Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2009, coordenação de António Menezes Cordeiro, pág. 1151.
- Eliseu Figueira, “ Disciplina Jurídica dos Grupos de Sociedades - Breves Notas sobre o Papel e a função do Grupo de Empresas e sua Disciplina Jurídica”, in C.J., 1990, Tomo IV, pág. 35 e segs..
- José Engrácia Antunes, Os Grupos de Sociedades, 2002, 2º edição, págs. 818, 824, 833 e 835.
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, 2005, I - Parte Geral, pág. 313 e segs..
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 217.º, 334.º, 356.º, N.º1, 980.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 482.º, 486.º, 487.º, 488.º, 489.º, N.º4, 490.º, 491.º, 492.º, 493.º, N.º1, 494.º, N.º2, AL. D), 495.º, AL. J), 501.º, 502.º, 503.º, 504.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 659.º, N.º3, 713.º, N.º6, 754.º, N.º2
ESTATUTO DOS R.O.C. APROVADO PELO DL N.º 422-A/93: - ARTIGO 37.º, N.º7.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 31-5-2005, PROCESSO 05A1413 IN WWW.DGSI.PT;
-DE 16-1-2007, PROCESSO 4009/06;
-DE 12-2-2009, C.J., 1, PÁG. 90.
Sumário : I - Nos grupos constituídos por domínio total é mais intenso o domínio do que nos grupos constituídos por contrato de subordinação e daí a remissão operada pelo art. 491.º do CSC para as disposições dos arts. 501.º a 504.º do CSC.
II - Quando o art. 502.º, n.º 1, do CSC prescreve que a sociedade subordinada (ou a sociedade dominada, se estivermos numa relação de grupo por domínio total que findou) “tem o direito de exigir que a sociedade directora compense as perdas anuais que, por qualquer razão, se verifiquem durante a vigência do contrato de subordinação”, estão aqui a tutelar-se interesses da sociedade que irá prosseguir a sua actividade, mas também interesses dos credores por uma via acrescida à que promana do art. 501.º do CSC.
III - Por isso, face a tais propósitos da lei, considerem-se ou não excessivamente garantísticos de jure condendo, não se justifica uma interpretação restritiva que apenas reconheça esse direito aos sócios livres que, no caso de sociedades com domínio total, seriam os detentores de 10% ou menos do capital da sociedade dominada (art. 489.º, n.º 4, al. c), do CSC).
IV - A responsabilidade que resulta do art. 502.º, n.º 1, do CSC é uma responsabilidade objectiva, ou seja, sejam quais forem as razões que levaram às perdas anuais, estas devem ser compensadas pela sociedade dominante (ou pela sociedade directora no caso de grupo constituído por contrato de subordinação), apenas se eximindo dessa obrigação se tais perdas tiverem sido compensadas pelas reservas constituídas durante o mesmo período.
V - A certificação legal das contas por Revisor Oficial de Contas é dotada de fé pública, nos termos do art. 37.º, n.º 7, do Estatuto dos ROC, aprovado pelo DL n.º 422-A/93 e, por isso, determinada por certificação a correcção do exercício, não pode deixar de se considerar que estamos diante de perdas registadas nas contas sociais.
Decisão Texto Integral:

1. AA - ..., S.A. demandou no dia 6-1-1997 BB …,S.A. pedindo a sua condenação no pagamento à A. da importância de 96.214.241$00 a título de perdas anuais ocorridas enquanto se manteve a relação de grupo acrescida de juros de mora contados dia a dia à taxa de 15% desde 25-6-1996 e até efectivo pagamento os quais, à data de 6-1-1997 ascendem a 6.365.955$00.

2. A A. foi constituída em 1-1-1990 como sociedade em relação de grupo por domínio total inicial, ao abrigo do artigo 488.º do Código das Sociedades Comerciais, tendo como única sócia a ré.

3. A A. registou prejuízos em 1991, 1992 e 1993 conforme relatório e contas, respectivamente, de 1.058.164$00, 45.762.210$00 e 7.423.524$00.

4. Outros prejuízos houve em 1991 e 1992 no montante de 41.970.000$00, ocultados nas contas, que constam do certificado do revisor oficial de contas. Estes prejuízos foram contabilisticamente capitalizados em imobilizado em curso.

5. O total de prejuízos acumulados enquanto durou a relação de grupo ascende a 96.214.241$00.

6. A relação de grupo terminou em 31-12-1993.

7. O valor reclamado funda-se no disposto no artigo 502.º/1 do Código das Sociedades Comerciais que possibilita à sociedade dominada exigir à sociedade dominante que “ compense as perdas anuais que, por qualquer razão, se verifiquem durante a vigência do contrato de subordinação, sempre que estas não forem compensadas pelas reservas constituídas durante o mesmo período”. O artigo 502.º é aplicável aos grupos constituídos por domínio total por força da remissão do artigo 491.º do mesmo Código que diz: “ aos grupos constituídos por domínio total aplicam-se as disposições dos artigos 501.º a 504.º e as que por força destes forem aplicáveis”.

8. A ré considera-se parte ilegítima porque em Dezembro de 1993 vendeu a totalidade da sua participação na A. à sociedade CC, S.A., ou seja, a relação de domínio total que antes existia com a ré passou a existir com a CC, cessão essa dotada de efeitos retroactivos.

9. No entanto, porque a CC, por virtude da referida alienação, passou a deter na sua esfera jurídica todos os direitos e obrigações antes mantidos entre A. e ré, sempre a CC é responsável, com base em direito de regresso, perante a ré, pelos pagamentos que esta tenha de suportar.

10. A CC em Maio de 1995 vendeu a sua participação na A. a um II da sociedade, entre os quais se contava o então administrador delegado DD ( ver fls. 142 e segs), assim fazendo cessar a relação de domínio e possibilitando a interposição da presente acção visto que a exigibilidade da compensação das perdas anuais a que alude o mencionado artigo 502.º/1 do C.S.C. apenas se verifica “após o termo do contrato de subordinação” (artigo 502.º/2 do C.S.C.), devendo ler-se, por força da remissão, “ após o termo da relação de domínio”.

11. Do protocolo de acordo de venda de acções celebrado entre a CC e o referido II consta que “a CC fez já entrega à AA de 35.000.000$00, quantia parcialmente reembolsável nas condições descritas em 4.1 infra para solver as responsabilidades imediatas da AA por dívidas vencidas à Segurança Social e ao Estado, destinando-se o remanescente a reduzir a dívida da AA ao Banco..., quantia que fica depositada em conta-caução aberta no Banco... e que só poderá ser movimentada nos termos que constam do Anexo I rubricado pelas partes e que faz parte integrante do presente contrato”

12. Para além da intervenção provocada acessória da CC, a ré requereu, dado o exposto, também a intervenção provocada acessória do Eng.º DD que, no entender da ré, agiu de forma autónoma e independente dos negócios e estratégia empresarial da ré, não ocorrendo, por conseguinte, ordens ou instruções da ré das quais pudesse advir prejuízo para autora; por isso, é o referido interveniente responsável nos termos do artigo 79.º do Código das Sociedades Comerciais.

13. Por sua vez o chamado a intervir Eng.º DD requereu a intervenção acessória provocada do Dr. EE e do Dr. FF ( ver fls. 214) que intervieram nos autos, nos termos do artigo 332.º do C.P.C., conforme fls. 227 e segs e 264. e segs.

14. As referidas verbas ( ver 4 supra), que a A. considera prejuízos ocultos, inscritas em “imobilizações em curso” correspondem ao valor líquido dos custos menos proveitos do departamentos “GG” que resultou de um acordo estabelecido entre a A. ( por iniciativa do seu administrador-delegado), a sociedade inglesa GG e HH para a futura formação de uma sociedade que desenvolveria a sua actividade na área do “design”, dando a autora “ guarida” a essa actividade enquanto a nova sociedade não estivesse formada, devendo o resultado de tal actividade no seio da A. (positivo ou negativo) ser posteriormente transferido para a sociedade a constituir especificamente para o projecto; por isso, a prática contabilística adoptada foi, no entender da ré, a única admissível, pois os referidos valores não deveriam ser tratados de “ganhos” ou “ perdas” sob o prisma contabilístico.

15. Referiu ainda a ré que os adquirentes da participação no capital social da A. - o denominado “II” - (a) conheciam perfeitamente a situação económico-financeira da sociedade no momento em que a adquiriram, porque eram quadros da A. desde o momento da sua fundação, (b) porque acompanhavam as reuniões mensais de avaliação dos negócios e a análise das contas sociais com base em relatórios em cuja elaboração participavam (c) porque o Eng.º DD era administrador delegado da sociedade A. desde o momento da sua constituição e o Dr. JJ (outro membro do referido “II”) era membro do Conselho de Administração da A. à data da transacção e porque (d) o acordo de venda das acções foi precedido de intensas negociações. Por isso, o valor reclamado ao abrigo do disposto no artigo 502.º do Código das Sociedades Comerciais não se justifica até porque a A, mercê de reestruturação financeira levada a cabo em 2003, começava a apresentar resultados positivos e, por outro lado, esta actuação dos adquirentes permite configurar uma situação de abuso do direito pela instrumentalização da sociedade em proveito próprio.

16. Sustentou ainda a ré que o normativo contido no artigo 502.º do C.S.C. encontra sentido no âmbito das relações derivadas do contrato de subordinação, mas perde sentido tratando-se de um caso de domínio total. Ao pretender aplicar-se este preceito a uma relação de domínio total, podem, à partida, suscitar- -se duas hipóteses, a da tutela dos interesses dos credores da sociedade ou a tutela dos interesses dos accionistas. Aqueles, porém, estão salvaguardados pelo disposto no artigo 501.º do C.S.C; os interesses dos accionistas estão defendidos pela aplicação das regras referentes aos contratos de compra e venda das acções. Quanto ao interesse da sociedade, certo é que esta não deve ser entendida como ente autónomo da sociedade dominante que é o único accionista da sociedade dominada, constituindo um absurdo que, alienada que fosse uma acção, cessasse o domínio, indemnizando-se a dominante a si própria.

17. Por outro lado, os prejuízos sofridos pela A. , no período em que durou a relação de domínio com a ré, quaisquer que eles tenham sido, repercutiram-se no preço pelo qual o “II” adquiriu a participação da sociedade que, pelas razões indicadas, bem conheciam, Ora, a seguir-se este entendimento, o risco de capital da ré seria duplicado, considerado o valor perdido com o investimento e o valor atribuído a título de indemnização.

18. A aplicabilidade do artigo 502.º do C.S.C. aos casos de domínio total seria o preço a pagar pela possibilidade de dar instruções desvantajosas à sociedade dominada (artigo 503.º/2 do C.S.C.) que , no caso, não ocorreram.

19. Quanto aos invocados danos, a ré salienta que estão em causa , quando a lei fala em perdas anuais, as “ perdas contabilísticas”, ou seja, as perdas apuradas nas contas de exercício e, por isso, não podem ser considerados prejuízos não contabilizados.

20. Quanto aos contabilizados, eles foram cobertos pela accionista por via das entradas no capital social da A., por via de suprimentos e por via ainda da injecção de capital quando foi alienada a empresa à CC.

21. Na réplica a A. sustenta que desconhece os termos da transacção efectuada entre a ré e a CC, não tendo recebido qualquer comunicação nem alguma vez ratificou a transmissão de dívidas, tão pouco houve, até à aquisição das participações à CC, alguma vez cessação da relação de grupo pela venda de mais de 10% do capital da sociedade, verificando-se que a relação de grupo não se extinguiu com a venda à CC e, obviamente, a venda à CC não apaga a responsabilidade que promana do artigo 502.º do C.S.C.

22. A presente acção, prossegue a autora, está baseada em responsabilidade contratual objectiva e não em responsabilidade subjectiva, constatando-se que os poderes delegados pela ré nos administradores da A. eram muito limitados.

23. A A. juntou certificação legal de contas dos exercícios de 1992 e 1993 das quais constam as reservas às contas e, nos termos do n.º7 do artigo 37.º do Estatuto dos Revisores Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/93, de 30 de Dezembro, ” a certificação legal das contas, em qualquer das suas modalidades, bem como a declaração de impossibilidade de certificação legal, são dotadas de fé pública, só podendo ser impugnadas por via judicial quando arguidas de falsidade”, o que não sucedeu no caso vertente.

24. No que respeita ao referido dossiê GG, prossegue a autora, foi sempre comandado pelo administrador da ré e presidente do Conselho de Administração da A. que decidiu manter a GG dentro da A. enquanto dava prejuízos até autonomizar a GG com a denominação social KK Lda. aparecendo como sócia, não a A., mas sim outra sociedade do LL, assumindo esta nova sociedade um prejuízo de 20.000 contos pelo passado, mantendo-se e assumindo a A. os restantes prejuízos.

25. Do dito “II” constam outros accionistas que não são parte na acção, não podendo eles ser atingidos pelo eventual reconhecimento do abuso do direito e a circunstância de os actuais accionistas da A. beneficiarem indirectamente do ganho da presente causa, não obsta a que a A. exerça os seus direitos e não se pode excluir que os accionistas, quando adquiriram a participação social à referida CC, tivessem a expectativa legítima de ver a sua participação valorizada pela indemnização que é devida à A. nos termos do artigo 502.º do C.S.C.

26. A verba entregue de 35 milhões de escudos mutuada pela CC à A. não foi a título de injecção de capitais, mas para garantia do pagamento de dívidas da A., dívidas à Segurança Social e ao Estado.

27. Designado dia para a audiência de discussão e julgamento, veio a A., por requerimento ali apresentado, a opor-se aos depoimentos de parte requeridos pela Ré e oportunamente admitidos, o que foi indeferido pelo despacho de fls. 876 e segs.

28. Inconformada com essa decisão, dela a A. interpôs recurso, recebido como agravo e subida diferida.

29. O Tribunal de 1º instância, depois de julgar improcedente a excepção de ilegitimidade, condenou (a) a ré BB - … S.A. a pagar à autora AA - ..., S.A. a quantia de 96.213.898$00 correspondente a 479.912,90€; (b) condenou ainda a ré a pagar à A. os juros de mora vencidos desde 25 de Junho de 1996 e vincendos, à taxa legal, e contados sobre a quantia referida em (a); (c) absolver autora e ré das indemnizações pedidas a título de litigância de má fé; (d) condenar autora e ré no pagamento de custas na proporção respectiva de 5% e de 95%.

30. O Tribunal da Relação confirmou a decisão proferida.

31. Nas conclusões da minuta de recurso para este Supremo Tribunal as recorrentes, apoiadas em parecer que está junto aos autos, para além da questão processual da omissão de pronúncia e da ilegitimidade da LL, sustentam, em síntese, o seguinte:

- Que o único interesse que é susceptível de justificar, nas várias hipóteses contempladas no artigo 502.º do C.S.C., a compensação das perdas incorridas pela sociedade subordinada é o interesse dos sócios livres desta última, pois o interesse que subjaz ao referido artigo 502.º do C.S.C. é o interesse dos sócios livres (na definição do artigo 494.º/2 do mesmo diploma legal) uma vez que continua a ser o interesse destes que é protegido quando termina o contrato de subordinação ou a relação de domínio.

- Que a imposição de uma obrigação de cobertura de perdas não se justifica nas situações de domínio total se não existirem sócios livres.

- Que, pelo exposto, a remissão efectuada no artigo 491.º do C.S.C. cobra, pois, sentido também relativamente à norma do artigo 502.º, contanto que lida restritivamente, da forma seguinte: […] “aos grupos constituídos por domínio total aplica-se a disposição do artigo 502.º se existirem sócios livres, sendo a sociedade dominante responsável pelas perdas ocorridas depois da entrada daqueles. Só assim […] se consegue fazer recuar o texto daquele preceito do artigo 491.º de modo a fazê-lo coincidir com a sua ratio conforme impõem os cânones da hermenêutica jurídica”.

- Que, sendo as perdas imputáveis à própria AA e não à conduta da LL, sempre sucumbiria o fundamento para a aplicação da norma do artigo 502.º na situação sub judice.

- Que, não existindo sócios livres, a sociedade dominante apenas ficará obrigada à cobertura de perdas se existir culpa da sua parte e se, consequentemente, se puder imputar à própria actuação culposa daquela as perdas incorridas pela sociedade dependente.

- Que foram tomados em consideração determinados valores, respeitantes ao designado ‘projecto GG’ que não estão inscritos como perdas no balanço e demonstração de resultados da AA.

- Que, quanto ao abuso do direito, o acórdão desconsiderou que, ao virem agora exigir a cobertura das perdas, os membros do II estão a contradizer claramente o seu comportamento anterior, revelado no contrato celebrado, e a atentar contra a situação de confiança criada (conforme resulta dos factos provados em 14, 20 e 21 infra e também, quanto ao Eng.º DD em 17, 27, 30 e 31) , em prejuízo da LL que pôde legitimamente acreditar que nenhuma outra quantia lhe seria exigida (venire contra factum proprium), não constituindo obstáculo ao reconhecimento do abuso do direito o facto de o titular do direito à compensação das perdas sofridas durante a vigência da relação de grupo constituído por domínio total não ser, ao menos em primeira linha, o II, mas sim a própria AA.

- Que os prejuízos invocados na presente acção resultam da errada gestão levada a cabo pelo referido Eng.º DD conforme resulta dos factos provados: ver infra 21, 22, 23, 34, 35, 43, 44, 45.

- Que não se provou que a ré tivesse exercido a sua relação de domínio dando instruções à autora, ora recorrida, muito menos se provando que as supostas instruções fossem causadoras dos prejuízos que a autora, ora recorrida, pretende ver ressarcidos.

- Que, a não ser assim, estaríamos perante uma situação de duplicação de esforço económico/assumpção de risco pela sociedade dominante que extravasaria a finalidade última do instituto da responsabilização em benefício da quota dos sócios livres, constituindo uma situação de abuso do direito sendo certo que os referidos gestores pertenciam todos aos quadros da autora recorrida desde o momento da sua fundação (ver 25 infra).

- Que tais gestores beneficiaram de uma redução no preço e do pagamento pela CC de 35.000.000$00 para garantir o pagamento de dívidas existentes da autora, ora recorrida, ao Estado e, em particular, à Segurança Social.

- Que a própria autora reconheceu que aquilo a que pretendeu chamar prejuízos não tem tratamento contabilístico, sendo certo que o artigo 502.º do C.S.C. “ tem por função assegurar a conservação do património contabilístico da sociedade subordinada, repondo esta, no final do termo contratual, na situação líquida em que se encontrava à data da celebração do contrato”, importando salientar que se trata aqui apenas de perdas registadas nas contas sociais, não de qualquer perda patrimonial.

- Que a ré injectou, para além dos 5.000.000$00 na realização inicial do seu capital social, 55.000.000$00 a título de aumento do capital em 1992 (ver 7 infra), nada se tendo concluído em termos de facto do investimento pela CC de 35.000.000$00 ( ver 11 e 37 infra) pois “ se a sociedade totalmente dominante, como sócio único da sociedade dominada, aprova um aumento de capital social desta última e subscreve e realiza esse mesmo aumento de capital, com vista ao financiamento da sociedade, então também o valor dessa sua prestação deverá ser deduzido ao valor das perdas, quando se tratar de liquidar a prestação devida à sociedade filha, uma vez terminada a relação de grupo ao abrigo do artigo 502.º do C.S.C. A não ser assim, também aqui estaria a condenar-se a sociedade totalmente dominante a uma injustificada duplicação daquele mesmo sacrifício patrimonial”

32. Factos provados:

1- A A. é uma sociedade anónima que se dedica à consultadoria de gestão a empresas nos domínios da estratégia global, marketing, gestão de recursos humanos, gestão industrial, gestão de qualidade, gestão económica e financeira(1.2: facto acordado).

2- A A. foi constituída em 1-9-1990 como sociedade em relação de grupo por domínio total inicial (1.3: facto acordado).

3- No exercício de 1991 a A. registou um prejuízo de 1.058.164$00 (1.4: facto acordado).

4- No exercício de 1992 a A. registou um prejuízo de 45.762.210$00 (1.5: facto acordado).

5- No exercício de 1993 a A. registou um prejuízo de 7.423.524$00 (1.6: facto acordado).

6- A autora foi constituída em 1990 com o capital social de 5.000.000$00 (1.7: facto acordado).

7- Esse capital foi aumentado em 1992 para 60.000.000$00 com inscrição comercial em Março de 1993 por reforço da entrada da ré (1.8: facto acordado).

8- Em Dezembro de 1993 a ré vendeu a totalidade da sua participação social à sociedade CC (1.9: facto acordado).

9- Essa entidade passou a ser a única accionista da AA (1.10: facto acordado).

10- Na sequência de negociações que se prolongavam desde há vários meses, a CC vendeu a totalidade da sua participação na autora em Maio de 1995 a um “II” da sociedade, entre os quais se contava o então administrador delegado já mencionado (1.11: facto acordado).

11- Nos termos do protocolo de acordo então firmado, de que a própria autora é também signatária, a vendedora assumiu um conjunto de responsabilidades da mesma, tendo a CC entregue à A. a quantia de 35.000.000$00, quantia que, apesar de parcialmente reembolsável, nunca foi reembolsada (1.12 e 1.13-: facto acordado).

12- Pela Ap. 31/940224 mostra-se registada a designação de EE como administrador por cooptação em 23-12-1993 - teor do documento de fls. 244 e segs (1.13-A: facto acordado).

13- O Dr. FF exercia funções no departamento jurídico do LL. (1.13-B: facto acordado).

14- A ré vendeu a sua participação a uma entidade do mesmo Grupo que procedeu à venda dessa participação a um conjunto de gestores da sociedade que tinham perfeito esclarecimento sobre os termos do negócio (1.13-C: facto acordado).

15- O interveniente DD conduziu e delineou a actividade operacional da A. entre 1-9-1990 e Dezembro de 1993 (20).

16- Entre 1-9-1990 e Dezembro de 1993 a ré aprovava as contas da autora, acompanhava a autora através de reuniões mensais de avaliação e “performance”, fornecia meios financeiros para cobertura de “ deficit” de tesouraria e agia de forma a tentar controlar esse “deficit” (21).

17- O interveniente DD apresentou a proposta de associação com a sociedade GG (22).

18- O administrador delegado da A. defendia a decisão de manutenção da delegação do Norte (23).

19- Pela ap. 11/900924 mostra-se registado, além do mais, que o conselho de administração da autora é composto, na data da apresentação a registo, pelos seguintes membros: Presidente: EE; Administradores: DD e FF sendo que a autora se obrigava pela assinatura de dois membros do conselho de administração ou pela de um ou mais mandatários e pela Ap. 44/920109 mostra-se registado que a autora também se obriga com a assinatura do administrador delegado, quando o houver (25).

20- No balanço junto à apresentação de contas relativamente ao exercício do ano de 1991, juntas ao respectivo relatório de gestão, mostra-se registado sob a rubrica “ activo” - “ investimentos financeiros” - “imobilizações em curso”, o valor de 15.362.000$00 e que, no balanço junto à apresentação de contas relativamente ao exercício do ano de 1992, juntas ao respectivo relatório de gestão, mostra-se registado sob a rubrica “ activo” - “investimentos financeiros” - “ imobilizações em curso”, o valor de 26.608.000$00 sendo que tais valores se referem ao valor líquido dos custos menos proveitos do departamento GG da autora (26).

21- Existiu um acordo estabelecido entre MM, em nome da GG … Ltd, HH em nome pessoal e DD, em nome da autora, no sentido de futuramente constituir uma sociedade que desenvolveria a sua actividade na área do “ design” para o qual seria transferido o departamento GG da autora (27).

22- Nos termos do que então ficou acordado, seria a autora que daria “ guarida” formal a essa actividade enquanto a nova sociedade não estivesse formada devendo o resultado de tal actividade no seio da autora (positivo ou negativo) ser posteriormente transferido para a sociedade a constituir especificamente para o projecto (28).

23- Na certificação legal das contas respeitantes a 1991, o Revisor Oficial de Contas nada referiu quanto à situação aludida em 20, sendo que na certificação legal de conta respeitante a 1992, o R.O.C. referiu que “ desde 1991, a empresa tem vindo a seguir o critério de capitalizar em Imobilizado em Curso o valor líquido dos custos menos proveitos do seu departamento “GG”, justificando tal prática com base na recuperação esperada desses valores através da cessão a um terceiro interessado dessa parte do seu negócio. O valor capitalizado em 31-12-1992 ascendia a 41970 contos do qual 26.608 contos refere-se a 1992” (34).

24- No momento em que adquiriram a participação no capital social da autora, os membros do denominado “ II” sabiam, pelo menos, que esta tinha problemas de tesouraria e que existia controlo de custos (36).

25- Todos eles eram quadros da autora desde o momento da sua fundação (37).

26- Acompanhavam as reuniões mensais de avaliação dos negócios e de análise das contas sociais com base em relatórios em cuja elaboração participavam(38).

27- Em Maio de 1994 o Dr. JJ foi nomeado membro do Conselho de Administração da autora (39).

28- O acordo de venda das acções foi precedido de negociações (40).

29- Os prejuízos da autora permitiam deduções fiscais em anos seguintes (42).

30- Na reunião do Conselho de Administração da autora, ocorrida em 17 de Outubro de 1990, foi deliberado nomear administrador delegado o interveniente DD que “ assim passaria a acumular as funções de Director-Geral com as funções de Administrador-Delegado” (47).

31- No dia 16 de Abril de 1991 reuniu o Conselho de Administração da autora que, além do mais, deliberou delegar no interveniente António DD as seguintes competências:

1º - Estabelecimento de contratos para a prestação de serviços a clientes até ao montante de 100.000 contos.

2º - Execução de despesas de gestão corrente da sociedade exceptuada a fixação de remunerações.

3º - Contratação de pessoal em regime de contrato a termo por períodos não superiores a seis meses.

4º - Execução de despesas de capital, independentemente do seu financiamento, até ao limite de 100 contos por operação e um máximo anual de 600 contos.

As condições estabelecidas nos pontos 1 e 2 são delegáveis em condições a propor pelo administrador delegado e a serem aprovadas pelo Conselho de Administração. As decisões que ultrapassam estas competências deverão ser submetidas ao Conselho de Administração que na reunião seguinte à data da sua concretização as ratificará (49 e 51).

32- O Dr. NN chegou a assistir a Conselhos de Administração da autora na expressa qualidade de “Administrador da Sociedade BB ,…,S.A., detentora da totalidade do capital social (52).

33- A autora tinha prazo para elaborar o seu orçamento anual fixado de forma a permitir a sua consolidação no orçamento do LL (53).

34- Em 23 de Dezembro de 1992 foi constituída a sociedade KK Lda. tendo como sócios a GG … e a OO Lda. (57).

35- O interveniente EE acordou com MM, director da GG - … Lda., que a KK apenas assumiria a responsabilidade de 20.000 contos pelo passado (58).

36- No dia 29 de Março de 1993, na reunião da Assembleia Geral, “ tomando a palavra o Sr. Dr. NN propôs o voto de confiança aos membros do Conselho de Administração e Conselho Fiscal os quais , apesar das dificuldades já realçadas, desempenharam os seus cargos com esforço e abnegação” (59)

37- Do valor de 35.000 contos que a CC entregou à autora, metade era reembolsável (61).

38- O II que manifestou intenção de adquirir as participações da autora, fê-lo manifestando como condição que a autora fosse aliviada de certos activos e responsabilidades(62).

39- A quantia referida foi entregue para garantir o pagamento de dívidas existentes da autora (63).

40- Essa entrega destinou-se, em primeiro lugar, a pagar dívidas à Segurança Social e ao Estado (64).

41- A ré tinha entregado ao Banco... uma carta de conforto para garantir dívidas da autora (65-B).

42- EE não era administrador da sociedade ré ao tempo dos factos em causa (73).

43- Quer a constituição da autora quer o projecto referente ao dossiê GG foram sempre iniciativa do chamado DD (74).

44- A constituição da sociedade KK não mereceu oposição do interveniente DD (76).

45- O interveniente DD foi nomeado gerente da sociedade KK no acto da sua constituição (77).

46- Os Srs. Engs. DD e PP e o Dr. QQ eram accionistas da RR em Janeiro de 1997 juntamente com a sociedade SS (facto admitido e aditado por acordo das partes).

47- A SS adquiriu parte das participações da AA às pessoas singulares identificadas no ponto anterior, logo após a compra por estas à interveniente CC em Maio de 1994 (facto admitido e aditado por acordo das partes).

Apreciando:

33. No âmbito deste recurso, importa saber se:

- O acórdão recorrido incorreu em omissão de pronúncia sobre a condenação da ré em juros desde 26-6-1996.

- A ré deve ser considerada parte ilegítima.

- O interesse que subjaz ao artigo 502.º do C.S.C. é o interesse dos sócios livres, devendo considerar-se em consequência interpretada restritivamente a remissão constante do artigo 491.º do C.S.C.

- É inaplicável o artigo 502.º do C.S.C, no âmbito de relação de grupo com domínio total, tratando-se de perdas imputáveis à administração da sociedade dominada, apenas se admitindo a responsabilidade da sociedade dominante quanto àquelas perdas que decorram de actuação culposa da sua parte que, no caso vertente, não está provada por não estar provado que a ré desse quaisquer instruções à autora.

- No caso em apreço, face aos factos provados, é de considerar que o II que adquiriu acções da autora agiu com abuso do direito.

- Os prejuízos considerados não tiveram tratamento contabilístico, pois constituem perdas registadas nas contas sociais e não perdas patrimoniais, ou seja, de meras perdas contabilísticas.

- Há razão para ao valor reclamado pela A. ser deduzido a quantia entregue para aumento de capital social da autora e o montante investido pela CC.

Vejamos então.

— Sobre a omissão de pronúncia da condenação da ré em juros contados desde 25-6-1996 (conclusões 1º a 3ª e 37ª e 38ª)

34. Consideram os recorrentes que, não obstante o acórdão recorrido ter decidido por remissão para os termos da decisão de 1ª instância em conformidade com o disposto no artigo 713.º/6 do C.P.C., ainda assim não poderia deixar de se pronunciar sobre a questão suscitada.

35. Essa questão consiste em não se alcançar a base factual com base na qual se procedeu à condenação de juros de mora contados desde 25-6-1996 visto que não cumpriu a recorrida o ónus da prova quanto à alegada interpelação da ré LL para proceder à compensação dos prejuízos ocorridos, não podendo, assim, manter-se o termo inicial da condenação em juros ( ver alegações para o Tribunal da Relação a fls. 1898, designadamente §§ 35 e 36).

36. No entender da recorrente, a remissão efectuada ao abrigo do mencionado artigo 713.º/6 do C.P.C. releva apenas quanto às questões suscitadas que tenham sido objecto de apreciação e não quanto àquelas em que houve omissão de pronúncia que foi invocada nas alegações.

37. No entanto, este pressuposto não se verifica no caso concreto. Na petição inicial a sociedade autora alegou que “ só veio a exigir a compensação dos prejuízos ocorridos em carta registada com aviso de recepção enviada à ré em 12-6-1996” (artigo 26.º da petição) “ e por esta recebida, como confessa em carta enviada à A. em 25-6-1996” (artigo 27.º da petição), concluindo que “ tem assim a autora o direito a exigir da ré juros de mora contados dia a dia à taxa de 15% desde 25-6-1996 e até efectivo pagamento os quais, à data de 1-6-1997, ascendem a 6.365.955$00”(artigo 28.º da petição).

38. Esta matéria não foi impugnada e, por isso, deve considerar-se admitida por acordo (artigo 490.º/2 do C.P.C.), constituindo, já se vê, a junção do aviso de recepção tão somente um meio de prova da interpelação.

39. A referência a esta base factual consta da sentença de 1º instância, pois, já no seu final, escreve-se: “ os juros de mora civis, à taxa legal, deverão ser contados desde 25 de Junho de 1996, altura em que a autora já tinha interpelado a ré para realizar a devida compensação - vide artigos 26.º e 27.º da petição inicial”.

40. Por isso, o Tribunal da Relação não incorreu em omissão de pronúncia, pois, quando proferiu a decisão por remissão, obviamente remeteu o recorrente para as razões enunciadas na sentença recorrida que houve a ré por interpelada desde 25-6-1996 atentos os factos que foram alegados, e tidos por assentes, nos artigos 26.º e 27.º da petição inicial.

41. Refira-se ainda que, reconduzindo-se a questão suscitada à omissão de base factual, ainda que omissão de pronúncia houvesse, o Supremo Tribunal, constatada a admissão por acordo quanto a tais factos que não foi objecto de controvérsia, poderia sempre declará-la visto que não está impedido de tomar em consideração os factos admitidos por acordo (artigo 659.º/3 do C.P.C. e 356.º/1 do Código Civil: ver ACSTJ de 16-1-2007 - Nuno Cameira - revista 4009/06,ACSTJ de 12-2-2009 - Alves Velho - também na C.J., 1, pág. 90).

42. Improcede, portanto, a invocada nulidade.

— Sobre a questão da ilegitimidade da autora (conclusão 6ª)

43. Ficou decidido que a A. é parte legítima (acórdão da Relação que confirmou a decisão de 1ª instância). Não pode agora, por força do disposto no artigo 754.º/2 do C.P.C., reapreciar-se a questão, o que não significa, como é evidente, que as questões suscitadas em torno da ilegitimidade da ré que se reconduzam à improcedência estejam precludidas.

— Sobre o âmbito de aplicação dos artigos 491.º e 502.º/1 do Código das Sociedades Comerciais

44. A lei considera sociedades coligadas (a) as sociedades em relação de simples participação, (b) as sociedades em relação de participações recíprocas, (c) as sociedades em relação de domínio e (d) as sociedades em relação de grupo (artigo 482.º do C.S.C.).

45. As sociedades em relação de grupo podem ser constituídas por domínio total (artigo 488.º e segs. do C.S.C.) por contrato de grupo paritário (artigo 492.º do C.S.C.) e por contrato de subordinação (artigo 493.º e segs do C.S.C.).

46. A autora foi constituída em 1-9-1990 como sociedade em relação de grupo por domínio total inicial (2 da matéria de facto, indicando-se doravante os factos provados apenas pelo respectivo número) sendo sociedade dominante a ré LL que em Dezembro de 1993 vendeu a totalidade da sua participação social à CC, que é entidade do mesmo Grupo da LL (8 e 14) e que passou a ser a única accionista da autora (9); a CC em Maio de 1995 vendeu a totalidade da sua participação na autora a um “ II” (10).

47. De acordo com o disposto no artigo 488.º/1 do C.S.C. uma “ sociedade pode constituir uma sociedade anónima de cujas acções ela seja inicialmente a única titular” terminando designadamente a relação de grupo “se mais de 10% do capital da sociedade dependente deixar de pertencer à sociedade dominante ou às sociedades e pessoas referidas no artigo 483.º,nº2”.

48. No caso vertente, portanto, só com a venda em 1995 da totalidade das acções da autora ao referido II é que cessou a relação de grupo.

49. Prescreve o artigo 491.º do C.S.C. que está inserido na secção I - Grupos constituídos por domínio total que “ aos grupos constituídos por domínio total aplicam-se as disposições dos artigos 501.º a 504.º e as que por força destes forem aplicáveis”, preceitos estes integrados na secção III - Contrato de subordinação do Capítulo III que respeita às sociedades em relação de grupo. O artigo 501.º tem em vista a responsabilidade para com os credores da sociedade subordinada ( in casu sociedade dominada), o artigo 502.º a responsabilidade por perdas da sociedade subordinada e o artigo 503.º o direito de dar instruções.

50. Prescreve o artigo 502.º do Código das Sociedades Comerciais sob a epígrafe “ responsabilidade por perdas da sociedade subordinada”:

1- A sociedade subordinada tem o direito de exigir que a sociedade directora compense as perdas anuais que , por qualquer razão, se verifiquem durante a vigência do contrato de subordinação, sempre que estas não forem compensadas pelas reservas constituídas durante o mesmo período.

2- A responsabilidade prevista no número anterior só é exigível após o termo do contrato de subordinação, mas torna-se exigível durante a vigência do contrato, se a sociedade subordinada for declarada falida.

51. A existência de uma relação de grupo implica (pensando-se no caso em que duas sociedades celebram um contrato de subordinação: artigo 493.º/1 do C.S.C.) e pressupõe ( pensando-se no caso de domínio total em que uma sociedade constitui outra sociedade de que a primeira é inicialmente única titular das participações sociais: artigo 488./1 do C.S.C.) o exercício da gestão da actividade da sociedade totalmente dominada ou subordinada pela direcção da sociedade dominante ou directora conforme estejamos face a uma grupo constituído por domínio total ou por contrato de subordinação.

52. As sociedades, como qualquer ente, nascem para viver e a razão de ser da existência e sobrevivência das sociedades é o lucro (artigo 980.º do Código Civil). E também, como sucede com qualquer ente, as sociedades carecem de gerir o seu próprio destino. Por isso, quando assim não acontece, isso parece resultar ou de as sociedades já não se sentirem , por si, aptas a conduzir com o sucesso pretendido a actividade que constitui o seu objecto social ou de servirem essencialmente de instrumento à prossecução de objectivos da sociedade que lhes deu existência ou que passou a controlá-las na totalidade.

53. Subordinado o interesse individual da sociedade ao interesse mais amplo da corporação ou grupo, não dispondo a sociedade de autonomia, não pode deixar de se reconhecer que a sociedade-filha corre apreciáveis riscos dos quais o mais importante é precisamente a gestão exercida originar prejuízos ou reter-lhe lucros por via de uma atribuição convencionada (artigo 495.º, alínea j) do C.S.C.).

54. Compreende-se, assim, que a lei tenha procurado assegurar os interesses da sociedade-filha uma vez recuperada a sua autonomia de gestão, o que acontece “ após o termo do contrato de subordinação” (artigo 502.º/2 do C.S.C.) ou finda a relação de grupo (artigo 489.º/4 do C.S.C.).

55. Por isso, como se disse, porque as sociedades existem para realizar o seu objecto social auferindo proveitos e da sua existência dependem e beneficiam, uns directa, outros indirectamente, tal o caso dos credores, clientes, fornecedores, trabalhadores, prestadores de serviços, etc., não se nos afigura que a lei, quando se refere expressamente à sociedade subordinada ( ou, por via da remissão do artigo 491.º do C.S.C., à sociedade dominada) como a entidade que tem o direito de exigir que a sociedade directora ( ou dominante) compense as perdas anuais, não tenha querido assegurar os interesses da própria sociedade, procurando garantir que os prejuízos sofridos por uma gestão que lhe foi prejudicial sejam reparados no momento em que ela irá seguir o seu próprio destino.

56. A circunstância de a lei, por essa via, garantir os direitos da sociedade-filha não significa que o direito à compensação não tenha igualmente por objectivo assegurar outros interesses, não se vendo que haja incompatibilidade em se pretender assegurar, por essa via, uma pluralidade de interesses que não se revelam incompatíveis.

57. No caso da relação de grupos constituídos por domínio total é mais intensa a ligação entre as sociedades, pois a sociedade dominante é a única titular da sociedade dominada e, em muitos casos, para não dizer na grande maioria dos casos - tal como sucedeu no que está em análise - a relação de grupo mantém-se nos precisos termos com que se iniciou, não tendo ocorrido alienação de 10% ou menos do capital da sociedade dependente (artigo 489.º/4, alínea c) do C.S.C.).

58. Seja como for, no caso vertente, o domínio total inicial manteve-se até à venda das acções a favor de vários accionistas e, por isso, a argumentação dos recorrentes que incide sobre a situação em que a sociedade, única titular de acções da sociedade dominada, perdeu, por alienação ou aumento de capital, a sua posição de sócia única sem contudo perder a posição de sócia com maioria igual ou superior a 90%, tem por objectivo demonstrar que a remissão efectuada pelo artigo 491.º do C.S.C. designadamente para o artigo 502.º do C.S.C. releva apenas, nos casos de domínio total, quando existem outros associados (sócios livres) na sequência da perda superveniente da posição de exclusividade da sociedade dominante sem haver, no entanto, perda da relação de grupo com base no domínio total por se manter participações maioritárias sobre, pelo menos, 90% do capital da sociedade dominada.

59. A relação de grupo por domínio total "constitui a forma mais intensa de coligação societária prevista no CSC - 482.º,d) -, pois, para além do controlo exercido sobre o órgão de gestão, a sociedade totalmente dominante exerce, na qualidade de sócia única, todas as competências pertencentes à assembleia geral da dependente, o que constitui diferença qualitativa relevante face à situação de grupo assente em contrato de subordinação.

O regime legal estabelecido para o domínio total diverge, por outro lado, significativamente, das (parcas) consequências jurídicas associadas ao mero domínio societário (cf. 486.º e 487.º): nos termos dos 501.º a 504., ex vi do 491.º, a sociedade-mãe responde pelas dívidas das filiais, está obrigada a compensar as respectivas perdas, pode dirigir instruções vinculativas, inclusive desfavoráveis, ao órgão de administração desta última, aplicando-se, consequentemente, o regime especial de responsabilidade dos administradores do 504.º. Diferentemente, na relação de domínio, na ausência de lei especial, os direitos e obrigações das sociedades coligadas são fundamentalmente determinadas pelo regime societário geral "(Ana Perestrelo de Oliveira in Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2009, coordenação de António Menezes Cordeiro, pág. 1151).

60. Por isso, a interpretação restritiva que os recorrentes sustentam que é a de, nos casos de relação de domínio total e finda que seja a relação de grupo, apenas os sócios livres, ou seja, aqueles accionistas que entretanto adquiriram 10% ou menos do capital, poderem exigir a compensação das perdas anuais - situação que se crê invulgar - traduz-se afinal na supressão do direito da sociedade dominada à compensação pelas perdas anuais verificadas durante o exercício da relação de domínio total.

61. Por outras palavras, no entender dos recorrentes, se bem os compreendemos, apenas os sócios livres, necessariamente minoritários, podem exigir a aludida compensação tendo em vista garantir a sua quota de liquidação o que levaria a que uma sociedade com sócios livres que exigissem a compensação pudesse prosseguir a sua actividade com as perdas anuais assim recuperadas ao passo que outra sociedade, sem sócios livres, não lhe restasse alternativa senão a de prosseguir a sua actividade por não se reconhecer o poder reclamar compensação pelas perdas anuais verificadas durante o exercício pela sociedade dominante.

62. Assim sendo, à sociedade dominante apenas lhe seria exigida, no caso de relação de domínio total, a compensação de perdas anuais, se existissem, quando da cessação da relação de grupo, sócios livres que outros não poderiam ser senão os que nessa ocasião fossem detentores de 10% ou menos do capital da sociedade dependente (artigo 489.º/4, alínea c) do C.S.C.).

63. Não se vê, porém, que, nos casos de domínio total superveniente (artigo 489.º do C.S.C), a seguir-se o entendimento dos recorrentes, a sociedade dominante não exercesse imediatamente aquisições tendentes ao domínio total (artigo 490.º do C.S.C.) precisamente para evitar que, mais tarde, cessada a relação de grupo, os sócios livres minoritários lhe exigissem a compensação das perdas anuais.

64. Por via dessa interpretação, ficaria derrogado o direito da sociedade - e logo no caso de domínio total - se poder compensar das perdas anuais.

65. Ora não se vê que da lei, atentos os interesses que visa salvaguardar, resulte a exclusão da responsabilidade da sociedade dominante compensar as perdas anuais que atingiram a sociedade dominada.

66. A letra da lei não parece oferecer dúvidas de que a remissão do artigo 491.º do C.S.C. opera em termos de aplicar às sociedades em relação de grupo constituídas por domínio total o regime aplicável às sociedades em relação de grupo constituídas por contrato de subordinação.

67. E, procurando socorrer-nos dos outros elementos interpretativos à luz da regra constante do artigo 9.º do Código Civil, logo acode ao espírito saber se afinal não esteve efectivamente bem dentro dos propósitos da lei a salvaguarda intensa dos interesses da sociedade ( e também dos seus credores), impondo-se no artigo 502.º do C.S.C. à sociedade-mãe uma responsabilidade acrescida, cessada a relação de grupo, na medida em que, nos termos do artigo 501.º do C.S.C., a sociedade-mãe já é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada (dominada) , constituídas antes ou depois do contrato de subordinação e até ao termo deste.

68. A este propósito refira-se que o direito de crédito da sociedade dominada ( por comodidade, dado o caso concreto, pressupondo a aplicabilidade da norma remissiva, referir-nos-emos apenas à sociedade dominada e não sociedade subordinada) nasce no termo de cada exercício anual. Assim o diz, TT: “ que o direito de crédito nasce para a sociedade subordinada logo no termo de cada exercício social anual cujas contas tenham registado perdas, é questão que não oferece dúvidas” (Os Grupos de Sociedades, 2002, 2º edição, pág. 833).

69. Assim, já se vê que estamos face a um crédito que nasce para a sociedade em consequência da relação de domínio e não em consequência da necessidade de assegurar uma quota de liquidação aos sócios livres minoritários de 10% ou menos de capital que supervenientemente tenham adquirido acções em resultado da venda ou da alteração do capital.

70. Se nas sociedades subordinadas em que o domínio é menos intenso não se duvida que a sociedade subordinada tem o direito de exigir ( através dos órgãos que a representam) que a sociedade directora compense as perdas anuais que, por qualquer razão, se verifiquem durante a vigência do contrato de subordinação - assim reza o artigo 502.º/1 do C.S.C. - valendo esta regra apesar da existência de sócios livres que, nos termos do artigo 494.º/2,alínea d) do C.S.C., são as pessoas que não possuam mais de 10% do capital das sociedades referidas nas alíneas a) a c) desse n.º2, não se compreenderia por que razão, nas relações de grupo com domínio total, onde o domínio é mais intenso não fosse aplicável às sociedades dominadas o regime do artigo 502.º/1 do C.S.C.

71. Daí a remissão não introduzir nenhuma restrição. E porque não se compreenderia um regime diverso para os grupos constituídos por contrato de subordinação, afigura-se-nos que a restrição sustentada pelos recorrentes, a aceitar-se, operaria ainda, não só ao nível da remissão, mas ao nível próprio artigo 502.º do C.S.C., traduzindo-se numa interpretação derrogatória do direito da sociedade por apenas se reconhecer o direito de compensação aos sócios livres.

72. Não tem a doutrina e a jurisprudência que tratou de questões relacionadas com grupos de sociedades questionado a aplicação do artigo 502.º/1 do C.S.C. às sociedades com domínio total por força da norma remissiva constante do artigo 491.º.

73. A dúvida que tem sido suscitada não é saber se a sociedade dominada, finda a relação de grupo, pode exigir a aludida compensação, mas a de saber se os sócios livres, designadamente não o fazendo a sociedade, podem também exercer esse direito.

74. TT, loc. cit., pág. 835 refere, a este propósito, o seguinte: "quanto aos sócios livres da sociedade, já a situação não é tão líquida. É que, não apenas o direito à compensação das perdas anuais constitui um garante, indirecto mas fundamental, da manutenção do valor da respectiva quota de liquidação, como o estado de subordinação da administração da empresa subordinada poderá induzir esta a não exercer tempestivamente tal direito, frustrando assim os próprios objectivos de protecção perseguidos pela lei. A necessidade de reforçar a eficácia protectora do regime da lei - necessidade essa que justamente levou o legislador noutros lugares paralelos a reconhecer legitimidade activa ao sócio livre individual para o exercício judicial dos direitos de indemnização da sociedade subordinada em face da directora: é o caso da actio pro societate prevista no artigo 504.,n.º2 - leva-nos aqui a considerar justificada uma aplicação analógica da mesma doutrina, embora com um regime diverso: só poderão exercer subrogatoriamente o direito à compensação das perdas aquele ou aqueles sócios livres que sejam titulares de acções ou quotas representativas de, pelo menos, 5 do capital da sociedade subordinada (artigo 77.º,n.º1)"

75. Não se trata, pois, de saber se a sociedade dominada tem ou não tem tal direito à face da lei, mas de saber se, para além dela, a outros assiste a faculdade de exercer esse direito.

76. Acompanhando-se o referido autor, verifica-se que a aludida norma, salvaguardando a integridade patrimonial da sociedade dominada, tutelando os interesses desta, tutela de igual modo os interesses dos respectivos credores. Houve da parte da lei o propósito de proporcionar acrescidas garantias para os credores sociais. Assim, como se menciona na já mencionada obra (loc. cit., pág. 818, " […] o sistema da lei portuguesa previu um regime de responsabilidade intragrupo que se revela particularmente gravoso e oneroso para a sociedade-mãe (directora ou totalmente dominante) de um grupo societário. Com efeito, perspectivado este sistema no seu conjunto, constatamos que o legislador fez recair sobre aquela sociedade uma responsabilidade simultânea e cumulativa por todas as obrigações contraídas (artigo 501.º) e por todas as perdas registadas (artigo 502.º) da sociedade-filha (subordinada ou totalmente dominada): vale isto por dizer que acabou por consagrar um sistema de tutela em favor dos credores sociais que cumula uma protecção directa ( permitindo àqueles agredir directamente o património da sociedade-mãe para obter a satisfação dos seus créditos) e uma protecção indirecta (cominando um dever de cobertura de todas as perdas anuais da sociedade-filha, o legislador vem assegurar mediatamente a conservação do património desta, que constitui a garantia principal dos créditos daqueles)"

77. Ainda que se tenha o sistema legal como excessivamente protector dos interesses dos credores - o que significa que na razão de ser da tutela legal não estão apenas os interesses dos sócios livres - não será, portanto hermeneuticamente justificável, por via interpretativa, atingir a letra e o espírito da lei, ainda que de jure condendo se possam suscitar críticas ao regime legal.

78. Vários interesses estão, assim, abrangidos pela atribuição do direito à compensação de perdas anuais. A sociedade dominada (ou subordinada) por força da remissão do artigo 491.º do C.S.C. , finda a relação de grupo, tem o direito de exigir que a sociedade dominante compense as perdas anuais que não se mostrem suportadas pelas reservas constituídas durante o mesmo período. Tem, pois, esta sociedade, quando vai prosseguir a sua actividade um justificado interesse próprio na satisfação do crédito que nasceu em momento anterior, quando ocorridas as perdas anuais, posto que exigível em momento ulterior; aceita-se que esse direito possa também ser exercido pelos sócios livres quando esteja em causa a necessidade de garantir a sua quota de liquidação. Reconhece-se que os credores da sociedade dominada vêem desta forma salvaguardados acrescidamente os seus interesses.

79. Não se nos afigura, pelo exposto, que esteja vedado à autora exigir da ré a compensação das perdas anuais verificadas durante o período em que a ré exerceu domínio total sobre a autora.

— Sobre a responsabilização da autora apenas em caso de actuação culposa

80. Afigura-se que, atento o caso vertente, esta questão não se reveste de interesse visto que, de acordo com a matéria de facto ( ver 16) entre 1-9-1990 e Dezembro de 1993 a ré aprovava as contas da autora, acompanhava a autora através de reuniões mensais de avaliação e “ performance”, fornecia meios financeiros para cobertura de “ deficit” de tesouraria e agia de forma a tentar controlar esse “ deficit” (21) e, para além disso, nem sequer se provou que o Eng.º DD conduziu e delineou a actividade operacional da A. de forma autónoma e independente dos negócios e da estratégia empresarial da ré: veja-se a resposta restritiva ao quesito 21 - facto supra 15 que suprimiu a parte agora transcrita em itálico; tão pouco se provou o quesito 24 onde se referia que “ é ao referido administrador delegado da autora que é ‘imputável’ a decisão de adquirir equipamento desajustado à actividade da sociedade e à conjuntura de resultados da mesma, da qual também resultaram prejuízos para a contabilidade da autora”.

81. Por aqui se vê que a ré acompanhava, como não podia deixar de ser, a empresa dominada, não existindo facto algum provado que permita dizer que a situação deficitária resultava de actos da administração da sociedade dominada praticados sem o conhecimento da sociedade com domínio total.

82. Aliás, o próprio texto legal - artigo 502.º/1 do C.S.C. aplicável pela norma remissiva do artigo 491.º do C.S.C. às sociedades em grupo de domínio total - confere à sociedade subordinada o direito de exigir que a sociedade directora compense as perdas anuais que, por qualquer razão, se verifiquem durante a vigência do contrato de subordinação.

83. Ora, como salienta TT, loc. cit, pág. 824, " à semelhança do que vimos acontecer a propósito das dívidas sociais no caso do artigo 501.º, o legislador reputou aqui expressamente ser indiferente a causa ou a natureza das perdas de exercício acusadas no balanço da sociedade subordinada: tal resulta inequivocamente dos dizeres da própria lei, ao afirmar que o dever de compensação abrange […] ‘as perdas anuais que ,por qualquer razão, se verifiquem durante a vigência do contrato de subordinação’ (artigo 502.,n.º1).Deste modo, o direito à compensação subsistirá ainda que tais perdas não possam ser imputadas ao poder de direcção exercido pela sociedade directora ou à integração da sociedade subordinada no universo da empresa do grupo, emergindo antes de situações a esta alheias […].Vale isto por dizer que a sociedade directora assume a globalidade do risco da exploração empresarial da sociedade subordinada".

84. Aliás, o direito à compensação das perdas anuais só ocorre porque não foram no momento próprio constituídas reservas e obviamente a sociedade dominante não pode eximir-se, por tal motivo, a uma responsabilidade omissiva que é própria.

85. Na jurisprudência veja-se o Ac. do S.T.J. de 31-5-2005 (Fernandes Magalhães) P. 05A1413 in www.dgsi.pt e, referindo-se ao disposto no artigo 501.º do C.S.C., mas valendo as razões igualmente para a situação contemplada no artigo 502.º do C.S.C., Eliseu Figueira não atribuía relevância jurídica às razões invocadas que visassem afastar a responsabilidade da sociedade directora pelo incumprimento com base na inexistência de nexo de causalidade entre o exercício do seu poder de direcção e o incumprimento verificado. Dizia o referido autor in C.J., 1990, Tomo IV, pág. 35 e segsDisciplina Jurídica dos Grupos de Sociedades - Breves Notas sobre o Papel e a função do Grupo de Empresas e sua Disciplina Jurídica” que "esta posição no sentido de que a sociedade directora pode libertar-se da obrigação e excluir a sua responsabilidade, demonstrando que o incumprimento não lhe é imputável por não haver ligação entre ele e o poder de gestão, ainda que o ónus probatório dessa circunstância recaísse sobre a sociedade dominante, pode conduzir a situações inesperadas e perigosas para os credores que, face à publicidade da relação de domínio, desenvolvam a sua actividade negocial na convicção e na confiança da solvabilidade da holding. Portanto, a responsabilidade da sociedade directora é independente da influência dominante e decorre da própria relação de domínio, traduzindo-se numa responsabilidade imputada a título de risco de empresa a cargo de quem tem o poder de gestão".

— Sobre se os gestores que adquiriram o capital social à CC agiram com abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil)

86. Também aqui, no que respeita à matéria de facto, não se vê que tenha havido actuação abusiva dos gestores a não ser que considerássemos que o facto em si do seu conhecimento prévio da situação da autora impedia a sociedade cujo capital adquiriram de exercer o direito que lhe assiste à compensação das perdas anuais.

87. Não foi invocada pelas partes que os adquirentes do capital da CC que integrava o grupo da ré e que, tal como esta, exerceu domínio total sobre a autora até à cedência das acções, se tivessem obrigado a não adquirir essa acções precisamente por terem integrado os quadros da autora desde o momento da sua criação ou a não exigirem os direitos de compensação pelas perdas dos referidos exercícios anuais.

88. A ser assim, a questão reconduzir-se-ia ao incumprimento de um acordo firmado entre ré e autores e não a um abuso do direito.

89. Pensando-se numa situação decorrente de um investimento de confiança - por hipótese, a aquisição da totalidade das acções pelos autores teria decorrido em condições economicamente muito favoráveis proporcionadas pela ré, via CC, existindo entre todos um assentimento tácito, mas inequívoco (artigo 217.º do Código Civil) de que, por isso, a autora prosseguiria o seu caminho empresarial sem nada reclamar da ré - a verdade é que os factos não nos permitem considerar um abuso do direito na modalidade que se enquadraria no âmbito da conjugação de um venire contra factum proprium e surrectio, seguindo-se o ensinamento de Menezes Cordeiro ( ver Tratado de Direito Civil, 2005, I-Parte Geral, pág. 313 e segs).

90. A existência de negociações, a exigência de entrega pela CC de 35 milhões de escudos para liquidação de dívidas à Segurança Social e ao Estado nenhum desses factos permite evidenciar que as perdas de exercício anual da ré tinham sido levadas em conta ou no preço a pagar pelos accionistas ou nas condições de venda. Tão pouco nada revela, para este propósito, o protocolo de acordo celebrado entre a CC a AA e o Eng.º DD que é circunstanciado quanto à partilha de responsabilidades entre a AA e a CC.

91. A norma do artigo 502.º/1 do C.S.C. não condiciona a exigência da compensação de perdas anuais a um prévio acerto de contas em que a compensação se efectuasse com os lucros, ganhos e outras vantagens obtidos pela sociedade no período em que esteve sujeita a domínio total. A compensação, nos dizeres da lei, é obtida “ pelas reservas constituídas durante o período de exercício”.

92. A SS, entidade alheia ao Grupo que adquiriu as participações da AA, nem sequer interveio nas aludidas negociações e, por isso, o reconhecimento do abuso do direito daquele grupo de accionistas se incidisse na inviabilidade do ressarcimento da autora, implicaria prejuízo para a própria autora e actuais detentores do capital, tal o caso da SS ( ver 47 supra).

93. Assim, também se nos afigura que, a haver abuso do direito, não poderia este projectar-se na inviabilização do direito de a autora, que é entidade que prossegue interesses próprios, exigir a compensação das perdas anuais, aspecto que importa acentuar, mas antes porventura no plano da responsabilidade individual dos accionistas face à CC e à ré.

— Sobre se pode ser considerado perda anual, nos termos e para os efeitos da compensação referida no artigo 502.º/1 do C.S.C.,as verbas inscritas no exercício de 191 sob a rubrica “activo”-“ investimentos financeiros”-“ imobilizações em curso”.

94. As referidas verbas no montante de 15.362.000$00 e 26.608.000$00 referem-se ao valor líquido dos custos menos proveitos do departamento GG da autora (20) e não foram inscritas nas perdas de exercício com base num acordo segundo o qual o resultado da actividade desse departamento no seio da autora (fosse positivo, fosse negativo) seria posteriormente transferido para a sociedade a constituir especificamente para o projecto (22). Na certificação legal de contas respeitantes a 1991, o Revisor Oficial de Contas nada referiu quanto a esta situação, mas na certificação legal de contas respeitante a 1992 o R.O.C. referiu o que se menciona em 23 supra.

95. Segundo a autora esse expediente traduz uma ocultação de prejuízos, sendo certo que, apesar de não constarem das contas, constam de elemento com força probatória plena - o certificado do Revisor Oficial de Contas.

96. Desse certificado consta, no seguimento do que se menciona em 23 supra o seguinte: “afigura-se-nos, com base no princípio contabilístico da prudência, que o activo contingente acima indicado deverá ser reconhecido apenas no exercício em que tal transacção se vier a realizar. Em conformidade, consideramos que o capital próprio em 1992 e o resultado do exercício então findo deverão ser corrigidos pelos valores acima indicados e ao referido imobilizado em curso ser atribuído um valor nulo” (ver fls. 61 dos autos - Certificado Legal das Contas de 1992 datado de 26-2-1993).

97. A ré, por sua vez, considerou que esta prática contabilística era a única admissível, pois tais valores não correspondiam a “ ganhos” ou “ perdas”, não relevando o invocado “ princípio da prudência” face aos princípios da “ verdade” e da “ clareza”, constatando-se que o R.O.C. nada referiu sobre essa matéria no que respeita ao exercício de 1991.

98. No entanto, como sublinhou a A., o artigo 37.º/7 do Estatuto dos Revisores Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 422-A/93, de 30 de Dezembro, prescreve que “ a certificação legal das contas, em qualquer das suas modalidades, bem como a declaração de impossibilidade de certificação legal, são dotadas de fé pública, só podendo ser impugnadas por via judicial quando arguidas de falsidade”.

99. Por isso, de acordo com esta regra, corrigidos, por força do determinado na declaração de certificação, os resultados dos contas dos exercícios de 1991 e 1992 e atribuído valor nulo ao imobilizado em curso, não pode deixar de se considerar o resultado contabilístico daqueles exercícios em conformidade com a correcção determinada.

100. Estamos, portanto, diante de perdas registadas nas contas sociais.

101. Se o certificado do revisor oficial de contas não se tivesse pronunciado a este respeito, considerando ao invés a autora que tais verbas deveriam ser considerados prejuízos contabilizáveis, então, sim, afigura-se aceitável o entendimento de que os referidos montantes não pudessem ser levados em conta por não se tratarem de perdas registadas em contas sociais.

102. Quer isto dizer que a ré não poderia deixar, relativamente a estas perdas, de as compensar com reservas constituídas durante esse período.

Concluindo:

I - Nos grupos constituídos por domínio total é mais intenso o domínio do que nos grupos constituídos por contrato de subordinação e daí a remissão operada pelo artigo 491.º do C.S.C. para as disposições dos artigos 501.º a 504.º do C.S.C.

II- Quando o artigo 502º/1 do C.S.C. prescreve que a sociedade subordinada ( ou a sociedade dominada, se estivermos numa relação de grupo por domínio total que findou) “ tem o direito de exigir que a sociedade directora compense as perdas anuais que, por qualquer razão, se verifiquem durante a vigência do contrato de subordinação” estão aqui a tutelar-se interesses da sociedade que irá prosseguir a sua actividade, mas também interesses dos credores por uma via acrescida à que promana do artigo 501.º do C.S.C.

III- Por isso, face a tais propósitos da lei, considerem-se ou não excessivamente garantísticos de jure condendo, não se justifica uma interpretação restritiva que apenas reconheça esse direito aos sócios livres que, no caso de sociedades com domínio total, seriam os detentores de 10% ou menos do capital da sociedade dominada (artigo 489.º/4, alínea c) do C.S.C.).

IV- A responsabilidade que resulta do artigo 502.º/1 do C.S.C. é uma responsabilidade objectiva, ou seja, sejam quais forem as razões que levaram às perdas anuais, estas devem ser compensadas pela sociedade dominante ( ou pela sociedade directora no caso de grupo constituído por contrato de subordinação) apenas se eximindo dessa obrigação se tais perdas tiverem sido compensadas pelas reservas constituídas durante o mesmo período.

V- A certificação legal das contas por Revisor Oficial de Contas é dotada de fé pública, nos termos do artigo 37.º/7 do Estatuto dos R.O.C. aprovado pelo DL n.º 422-A/93 e, por isso, determinada por certificação a correcção do exercício, não pode deixar de se considerar que estamos diante de perdas registadas nas contas sociais.

Decisão: nega-se a revista

Lisboa, 31 de Maio de 2011

Salazar Casanova (Relator)

Fernandes do Vale

Marques Pereira