Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
203/12.5TTGRD.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MELO LIMA
Descritores: CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO
PORTARIA DE EXTENSÃO
ÂMBITO PESSOAL DE APLICAÇÃO
ENSINO PARTICULAR
ENSINO PROFISSIONAL
Data do Acordão: 09/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COOPERATIVO - RAMO DO ENSINO.
DIREITO DO TRABALHO - DIREITO COLECTIVO / INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO / CONVENÇÃO COLECTIVA.
Doutrina:
- Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2006, 3ª Edição, pág. 1136.
Legislação Nacional:
CCT, OUTORGADO ENTRE A AEEP E A FENPROF (BTE N.º 11, DE 22/03/07, E SUCESSIVAS ATUALIZAÇÕES): - ARTIGO 1.º, N.º 1.
CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003: - ARTIGO 552.º, 573.º E 575.º, NºS. 1 E 2,
CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009: - ARTIGO 496.º, N.º1, 514.º A 516.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 75.º.
D.L. N.º 4/98, DE 8 DE JANEIRO: - ARTIGOS 2.º, N.º 1, E 13.º, N.º 1.
D.L. N.º 519-C1/79, DE 29 DE DEZEMBRO: - ARTIGOS 7.º, N.º1, 27.º, 29.º.
ESTATUTO DO ENSINO PARTICULAR E COOPERATIVO (EEPC), APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 553/80, DE 21/11 (ENTRETANTO ALTERADO PELOS D.L. NºS. 169/85, DE 20 DE MAIO, 75/86, DE 23-4, 484/88, DE 29-12, E PELA LEI N.º 30/2006, DE 11-7): - ARTIGOS 3.º, N.º3, ALÍNEA G), 8.º, N.º 1, 36.º, N.º3.
ESTATUTO DO ENSINO PARTICULAR E COOPERATIVO, CONTIDO NO DL N.º 152/2013, DE 4 DE NOVEMBRO, REVOGOU O ANTERIOR DL N.º 553/80, DE 21 DE NOVEMBRO: -ARTIGO 2.º, N.º 2, ALÍNEA D), 7.º.
LEI DE BASES DO ENSINO PARTICULAR E COOPERATIVO (LEI N.º 9/79, DE 19 DE MARÇO, ALTERADA PELA LEI N.º 33/2012, DE 23 DE AGOSTO: - ARTIGO 17.º.
LEI DE BASES DO SISTEMA EDUCATIVO, APROVADA PELA LEI N.º 46/86, DE 14 DE OUTUBRO, ALTERADA PELAS LEIS NºS. 115/97, DE 19 DE SETEMBRO, 49/2005, DE 30 DE AGOSTO, E 85/2009, DE 27 DE AGOSTO: - ARTIGOS 1.º, 4.º, N.º3, 6.º, N.º1, 19.º, 22.º, 57.º A 61.
P.E. N.º 1483/2007, DE 19/11.
P.E. N.º 25/2010, DE 11/1.
Sumário :
I - O âmbito de aplicação das convenções coletivas pode ser estendido a entidades não outorgantes mediante a publicação de portarias de extensão, sendo que essa extensão há-de ter por limite o setor económico ao qual se aplica o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e ter por referência as profissões – iguais ou análogas – abrangidas.

II - O tratamento que o legislador conferiu, por um lado, ao ensino profissional ou formação profissional e, por outro lado, ao ensino particular e cooperativo não foi, ao longo do tempo e por via dos sucessivos regimes jurídicos que os disciplinaram, o mesmo, o que encontra justificação nos objetivos que um e outro tipo de ensino visam prosseguir.

III - O legislador, ao afastar, expressamente, do âmbito de aplicação do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo a formação profissional está também a afastar a sua aplicabilidade às escolas onde se ministre o ensino profissional.

IV - Não sendo aplicável o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo às escolas profissionais, é, de igual passo, insusceptível de a estas ser aplicável, ainda que por via de extensão, um instrumento de regulamentação coletiva que, visando a regulação daquele concreto setor de atividade e podendo ter, embora, em comum com a formação profissional a vertente do ensino, difere, depois, deste, em termos de organização, criação e funcionamento.

V - A um estabelecimento de ensino profissional e trabalhadores ao seu serviço, maxime, os docentes, não é aplicável, ainda que por via de Portaria de Extensão, o Contrato Coletivo do Ensino Particular e Cooperativo.
Decisão Texto Integral:

            Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça (Revista) – 4ª Secção

            (ML/MBM/PH)

            I.

            1. Em 22 de maio de 2012, no Tribunal do Trabalho da Guarda, AA intentou a presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do Processo Comum, contra a BB, pedindo a condenação desta a:

(i) reconhecer a autora como professora licenciada e profissionalizada, e, como tal, integrada na categoria “A” – Professores Licenciados - da tabela de vencimentos do contrato coletivo de trabalho para o ensino particular e cooperativo assinado pela AEEP e a FENPROF;

(ii) pagar à autora a quantia de € 47.589,22, decorrente de diferenças salariais vencidas e não pagas, que constituem créditos laborais da autora emergentes do contrato de trabalho que vinculou a autora e a ré entre 1/9/91 e 30/11/11 e

(iii) pagar à autora juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre a quantia referida em (ii), até integral pagamento.

           

Alegou, em síntese, que foi trabalhadora subordinada da ré entre 01/09/91 e 30/11/11, data em que o contrato de trabalho cessou por despedimento coletivo promovido pela ré e que abrangeu a A.; à relação de trabalho e à sua cessação deveria aplicar-se o CCT outorgado entre a AEEP e a FENPROF (BTE n.º 11, de 22/03/07, e sucessivas atualizações), por assim o determinar o Regulamento Interno da R. e porque a R. se vinculou à aplicação daquele CCT em diversos documentos por si emitidos (v.g., recibos de vencimento, mapas do quadro de pessoal…), razão pela qual a A. deveria ter sido remunerada, a partir de 01/09/07, pelos índices salariais C3 e depois A3 previstos nesse CTT, o que não aconteceu; por consequência, são devidas à A. diferenças nas retribuições e na compensação devida pela cessação do contrato de trabalho que melhor enuncia e quantifica ao longo da petição, em consequência do que deve a ré ser condenada nos termos peticionados.

A R. contestou, pugnando pela integral improcedência da ação, alegando, para o efeito e em síntese, que o CCT invocado pela A. não se aplica à relação de trabalho que existiu entre elas, além de que a R. nunca se vinculou para com a A. no sentido do pagamento das quantias por ela peticionadas, tanto mais quanto é certo que o Regulamento Interno da R. invocado na petição apenas se aplica, na parte referente a direitos remuneratórios, ao pessoal não docente.

A A. respondeu para, em resumo, sustentar a aplicação daquele CCT à relação de trabalho entre ela e a R., indicando as portarias de extensão que tal determinariam; mais sustentou que as diferenças salariais devidas pela R. à A. também resultam da aplicação a tal relação de trabalho do Regulamento Interno da R. e da remissão nele contida para aquele CCT.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação provada e procedente, assim declarando «a A. professora licenciada e profissionalizada e, como tal, integrada na categoria “A – professores licenciados” da tabela de vencimentos do contrato coletivo de trabalho para o ensino particular e cooperativo, e assim credora, a título de créditos laborais, da quantia de € 47.589,92» e condenando a «a R., BB, no pagamento, à A., AA, da referida quantia de quarenta e sete mil quinhentos e oitenta e nove euros e noventa e dois cêntimos, acrescida de juros, à taxa legal, desde o vencimento das respetivas parcelas e até integral pagamento».

            2. Inconformada, a R. apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra que decidiu julgar «a apelação procedente, com a consequente revogação da sentença recorrida e a absolvição da R. dos pedidos contra si formulados pela A.»

É contra esta decisão que, agora, se insurge a A., mediante recurso de revista interposto para este Supremo Tribunal no qual alinha as conclusões seguintes:

«1. Na esteira do comando constitucional (artigo 75° da CRP) e de acordo com o disposto na Lei de Bases do Sistema de Ensino Português (Lei 46/86 de 14 de Outubro, alterada pela Lei 49/2005 de 30 de Agosto), o sistema de ensino português apenas abrange o ensino público, privado e cooperativo (estes dois últimos subsidiados ou não).

2. O ensino profissional, fazendo parte integrante da educação escolar, apenas em escolas públicas, privadas e cooperativas (estas duas últimas subsidiadas ou não) pode ser ministrado.

3. Assim o dita, também, o artigo 2.º do DL 4/98 de 8 de Janeiro.

4. O ensino profissional é, à semelhança do ensino secundário dito regular, uma modalidade da educação escolar. Estão, no entanto, ambas reguladas e regidas pelos mesmos princípios e objetivos, pese embora o ensino profissional através de uma vertente orientada para a vida ativa.

5. O setor económico a que a R. se dedica é económica e socialmente igual ao prosseguido pelo CCT - educação e ensino (vide neste sentido Estatutos da AEEP, entidade subscritora do CCT, cuja última alteração foi aprovada em 29 de novembro de 2013, com última publicação no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 2013).

6. O Contrato Coletivo de Trabalho do Ensino Particular e Cooperativo, conforme alude o n.º 1 do seu artigo 1.º, é aplicável em todo o território nacional, aos contratos de trabalho celebrados entre os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, representados pela Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) e os trabalhadores ao seu serviço, representados pelas associações sindicais outorgantes, abrangendo 500 empregadores e 35 224 trabalhadores.

7. Estabelecimentos de ensino particular e cooperativo são, para efeitos daquele Contrato Coletivo e como bem refere o n.° 2 daquele artigo a instituição criada por pessoas, singulares ou coletivas, privadas ou cooperantes, em que se ministre ensino coletivo a mais de cinco crianças com 3 ou mais anos.

8. Do exposto resulta que a Escola Profissional de Trancoso se insere, e está abrangida, pelos requisitos exigidos pelo CCT do Ensino Particular e Cooperativo para que lhe possa ser estendido o seu clausulado.

9. Não sendo a R. sócia da AEEP mas da ANESPO - conforme factos provados - e embora a filiação da A. na associação sindical outorgante daquele IRCT - documento n.° 10, junto com a PI e não impugnado - tal Contrato Coletivo de Trabalho só por via de Extensão ou por vontade das partes poderia ser aplicado.

10. Aplicação que se tem de considerar obrigatória.

Com efeito,

11. Resultando das normas ao caso aplicáveis que a R. é um estabelecimento de ensino particular e cooperativo cujo ramo de atividade é o definido pelo CCT do Ensino Particular e Cooperativo e que recebeu apoios financeiros do Ministério da Educação e do Fundo Social Europeu para financiamento de despesas de pessoal e de funcionamento, cumpria integralmente os requisitos exigidos para poder[em] ser-lhe aplicada[s] as Portarias de Extensão 1483/2007 de 19 de novembro e 25/2010 de 11 de janeiro, bem como a Portaria de Extensão 462/2010 de 1 de julho.

12. Mesmo que assim não se entendesse, o que só por hipótese académica se equaciona, por força dos factos provados e dos documentos juntos e não impugnados, a outra conclusão se não poderia ter chegado senão a que eles traduziam indícios, não refutados, que a vontade e prática da R. era a da aplicação da tabela salarial do CCT do Ensino Particular e Cooperativo aos trabalhadores (docentes e não docentes) ao seu serviço, vontade que a partir de determinado momento, unilateral e arbitrariamente deixaram de cumprir (vide documento 6 junto pela Ré na sua contestação).

13. Considerar o contrário será pôr em causa o dever da boa-fé a que a R., por força do disposto no artigo 126.º do Código de Trabalho, está obrigada, bem como a força probatória e autenticidade dos documentos a que alude o artigo 376.° do CC.

14. Resulta assim que o Acórdão recorrido errou na interpretação e aplicação, designadamente no disposto nos artigos 9.º, 376.° do Código Civil, artigos 1.°, 126.° e 514.º do Código de Trabalho, bem como do clausulado no CCT do Ensino Particular e Cooperativo, designadamente, dos artigo 1.º e do n.º 5 do 11.º A, assim tendo violado as referidas normas».

Conclui no sentido de dever «ser concedido provimento ao presente Recurso de Revista e em consequência, por força do erro de interpretação e aplicação do direito ao caso aplicável, ser revogado o Ac. da Relação de Coimbra nestes autos proferido».

A R. contra-alegou, mas, em virtude da prática extemporânea desse ato, foi ordenado o seu desentranhamento dos autos.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto concluiu que o recurso de revista deve improceder, parecer que, notificado às partes, não obteve qualquer resposta.

3. No caso vertente, a primordial questão suscitada no recurso consiste em saber se à relação laboral mantida entre A. e R. é aplicável o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AEEP e a FENPROF.

Concluindo-se nesse sentido, cumprirá conhecer da reclamada reclassificação profissional da A. e das inerentes e peticionadas diferenças salariais, bem como do valor indemnizatório devido a título de compensação pelo despedimento coletivo operado pela R. e que englobou a A.

Preparada a deliberação, cumpre decidir:


II

1. Os factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido foram os seguintes:

1) A A. foi contratada pela ré, a 1 de setembro de 1991, mediante contrato de trabalho a termo certo, pelo período de dois anos, para o exercício de funções inerentes à categoria profissional de professora.

2) O contrato de trabalho celebrado produzia efeitos a partir da data da sua celebração, e foi convertido em contrato de trabalho sem termo, a 1 de setembro de 1994.

3) A autora iniciou de imediato as suas funções nas instalações da ré, na Escola Profissional de Trancoso, exercendo as funções inerentes à categoria de professora, de acordo com as ordens, direção e fiscalização da ré, e nas suas instalações, auferindo, à data da cessação do contrato de trabalho, o vencimento base de € 1.349,26.

4) Este quantitativo é igual ao vertido para o nível C-3 da tabela de vencimentos do pessoal docente do contrato coletivo de trabalho do ensino particular e cooperativo publicado no n.º 11 do Boletim do Trabalho e Emprego de 22 de março de 2007 e respetivas atualizações, designadamente, a alteração publicada no n.º 10 do Boletim do Trabalho e Emprego, de 15 de março de 2008, e revisão das tabelas salariais publicada no n.º 3 do mesmo órgão, de 8 de abril de 1989.

5) O regulamento interno da escola profissional de Trancoso – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – é o constante do documento que integra as folhas 22 a 94.

6) A 14 de julho de 2011, a R. informou a A. da sua intenção de a despedir através de um processo de despedimento coletivo.

7) Constituindo-se a comissão representativa de trabalhadores, foi por esta requerido à R. o envio das informações referidas no n.º 4 do art. 360.º do Código do Trabalho, bem como a comunicação a que alude o n.º 5 do mesmo preceito legal.

8) O que a R. fez, através de carta, datada de 20 de julho de 2011, na qual agendava para o dia 27 subsequente a reunião prevista no art. 361.º n.º 1 do Código do Trabalho.

9) Realizada a reunião, a A., ali representada pela sua mandatária, pôs em causa as razões do despedimento, bem como a não atualização do seu vencimento de acordo com o contrato coletivo de trabalho.

10) Através de carta datada de 10 de agosto de 2011, foi a autora notificada da decisão da R. de proceder ao seu despedimento, com efeitos a 25 de outubro desse mesmo ano.

11) Mais foi informada dos valores que a R. considerava serem devidos pelo seu despedimento, e que perfaziam o valor líquido global de € 41.935,41.

12) Mediante carta datada de 21 de outubro de 2011, e recebida a 24 desse mesmo mês, foi a A. informada da decisão da ré em alterar a data da cessação do contrato.

13) Alegando inviabilidade financeira para proceder aos pagamentos devidos, a R. informou a A. que a cessação do seu contrato passaria a efetivar-se no dia 30 de novembro seguinte.

14) Alteração cuja repercussão nos valores a pagar, a título de compensação, de férias e de subsídios, a ré igualmente retificou.

15) Em conformidade, o contrato cessou a 30 de novembro de 2011, data em que a A. recebeu: € 27.321,60, a título de compensação pelo despedimento; € 1.349,26, de salário do mês de novembro; € 3.935,34, correspondentes a férias, subsídios de férias e de Natal e proporcionais do ano de 2011; € 2.100,91 descontos legais.

16) A R. dirigiu à Exma. Ministra da Educação, ao Exmo. Prof. Dr. …, aos Exmos. Srs. Deputados …, …, … e …, ao Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República, ao Sr. Provedor de Justiça e ao Sr. Presidente da ANESPO, as missivas – cujo teor aqui dado por integralmente reproduzido – que constam das folhas 191 a 203 do processo.

17) A A. concluiu a profissionalização no ano letivo de 2007/2008.

18) A A. solicitou junto da ré a sua reclassificação profissional.

19) O grau académico da A. foi devidamente atualizado no seu registo biográfico, cujo teor – aqui dado por integralmente reproduzido – é o constante das folhas 118 a 121.

20) A R. é filiada na Associação Nacional de Escolas Profissionais, entidade que não subscreveu o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que rege o ensino particular e cooperativo.

21) O regulamento interno da Escola Profissional de Trancoso não foi nunca depositado na Autoridade para as Condições do Trabalho ou na Inspeção-Geral do Trabalho.

22) A aplicação informática através da qual o quadro de pessoal da Escola Profissional de Trancoso era preenchido e remetido às entidades competentes não permitia deixar em branco o campo destinado ao instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

23) A R. é uma escola profissional que confere formação de nível 4, designada, até 2010, nível 3, definida em despachos normativos como “escolaridade obrigatória e ou formação profissional e formação técnica complementar ou formação técnica escolar ou outra, de nível secundário”.

24) Ao financiamento da R. é agora aplicável o despacho normativo 12/212, uma vez que é agora financiada através do POPH, anteriormente do PRODEP, anteriormente pelos despachos normativos 42-B/2000 e 4-A/2008.

25) As entidades financiadoras impunham à R. um orçamento anual máximo da escola para as diversas rubricas.

26) Os professores da R. tinham e têm consciência e conhecimento do modelo de financiamento da escola.

27) A R. fez circular a comunicação cujo teor – aqui dado por integralmente reproduzido – é o constante das folhas 155 e 156, da qual a A. teve conhecimento.

2. As instâncias divergiram na solução jurídica a dar à presente causa, daí que tivessem alcançado juízos decisórios opostos: ao passo que a 1.ª instância, considerando ser aplicável à relação laboral que vigorou entre A. e R. o instrumento de regulamentação coletiva anteriormente referido, dando, assim, integral procedência aos pedidos formulados pela A., já o Tribunal da Relação recusou a aplicabilidade dessa contratação coletiva e, consequentemente, não concedeu provimento à ação.

2.1. Na sentença da 1.ª instância, reconhecendo-se que a associação a que pertence a R. «não subscreveu o contrato coletivo de trabalho que regula o ensino superior privado ou cooperativo» e que não se vinculou a nenhum outro, concluiu-‑se, todavia, que a ré «disponibilizou ao seu pessoal docente o regime contratual coletivo que regulamenta os estabelecimentos de ensino particulares ou cooperativos. E isto porque, do ponto de vista do tipo e do grau de ensino que ministra, a escola aqui demandada é caraterizada como uma instituição de ensino técnico-profissional, ou seja, um ensino de cariz mais profissionalizante do que propriamente escolástico ou de investigação; porém, já quanto à natureza jurídica, económica ou social da entidade que é proprietária e gestora da escola, porque não se trata de uma entidade estatal, totalmente integrada numa orgânica governativa, órgão direto do Estado para a realização da sua função educativa, ela não é pública, pelo que não pode fugir à sua caraterização como uma instituição que integra a rede dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo». Destarte e por apelo, fundamentalmente, à natureza da atividade desenvolvida pela R., afirmou a sentença da 1.ª instância que «por via do art. 1.º da Portaria 1483/2007, de 19 de novembro, publicada no n.º 222 da 1.ª Série do Diário da República» se torna extensível à relação entre as partes o «clausulado que, desde o início, voluntariamente, a escola R. disponibilizou aos seus docentes».

2.2. Entendendo diversamente, o Acórdão da Relação afastou a submissão da regulamentação da relação laboral mantida entre A. e R. ao clausulado emergente do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AEEP e a FENPROF, publicado no BTE n.º 11, de 22 de março de 2007, estruturando essa sua asserção no denominado princípio da filiação - assim afastando a aplicabilidade «direta» da contratação coletiva em presença, ainda que com fundamento no princípio da autonomia privada - e na ausência de identidade entre a atividade desenvolvida pela R. e aquela outra prosseguida nos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo - assim afastando a vinculação da R. àquele contrato coletivo por via de Portaria de Extensão.

2.3. A recorrente defende a aplicabilidade do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AEEP e a FENPROF, publicado no BTE n.º 11, de 22 de março de 2007, à relação de trabalho que manteve com a R. alicerçando essa sua pretensão: (i) seja por via da extensão da regulamentação ali prevista operada pelas Portarias ns.º 1483/2007 de 19 de Novembro, 25/2010 de 11 de Janeiro, e 462/2010 de 1 de Julho - donde decorre que entende ser idêntica a atividade prosseguida pela ré e a atividade prosseguida pelos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo;  (ii) seja por via da vinculação, ainda que unilateral, da R. a esse instrumento de regulamentação coletiva - asserção que, no ver da recorrente, encontra apoio na factualidade provada sob os nºs. 16, 22 e 27.

Vejamos, pois.

2.4. Estatuía o disposto no art. 7.º, n.º 1, do DL n.º 519-C1/79, de 29 de dezembro, que «as convenções coletivas de trabalho obrigam as entidades patronais que as subscrevem e as inscritas nas associações patronais signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes».

Idêntico regime é o que resulta do disposto no art. 552.º do Código do Trabalho de 2003 e do disposto no art. 496.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009.

Consagra-se, nos citados preceitos, o denominado princípio da dupla filiação.

2.4.1.Não estando em causa, no presente caso, a aplicabilidade direta do CCT acima referido, pois é pacífico que o mesmo não foi subscrito por ambas as partes e apenas a A. está inscrita na entidade que o fez, resulta evidente que a solução jurídica da questão suscitada passará sempre pela análise do regime decorrente das Portarias de Extensão e sua sequente abrangência, bem como pela aplicabilidade do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho por via negocial, isto é, com fundamento na autonomia privada.

2.4.2. No que respeita a este último argumento, e sem prejuízo de se entender que a autonomia privada das partes não é suscetível de suprir a ausência da filiação nas entidades subscritoras dos instrumentos de regulamentação coletiva potencialmente aplicáveis - sob pena de subversão do dito princípio da filiação - certo é que inexistem, no elenco dos factos provados, indícios de ter sido essa a intenção das partes. Em primeiro lugar, é omisso, nesse âmbito, o contrato de trabalho inicialmente celebrado entre as partes, bem como é omissa a factualidade provada caraterizando um tal convénio celebrado entre A. e R., ainda que meramente consensual.

No mais, os documentos nos quais a A. sustenta a sua pretensão, ora não lhe são dirigidos, não a vinculando, por isso, nem vinculando, por seu turno, a R. perante a A., ora têm a sua aplicação restrita a grupo profissional distinto do docente, como sucede com o Regulamente Interno da R., maxime, o seu 18.º.

Assim sendo, e sem necessidade de outros considerandos, improcedem as conclusões 12.ª e 13.ª, da alegação de recurso.

2.4.3. Resta a possibilidade de aplicação do Contrato Coletivo em causa por via de extensão.

Por força do disposto nos arts. 27.º e 29.º, do DL n.º 519-C1/79, de 29 de dezembro, o âmbito de aplicação das convenções coletivas pode ser estendido a entidades não outorgantes mediante a publicação de portarias de extensão, sucedendo, porém, que tal extensão há-de ter por limite o setor económico ao qual se aplica o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e ter por referência as profissões – iguais ou análogas – abrangidas. Visa-se, por via da extensão dos instrumentos de regulamentação coletiva a entidades não outorgantes, assegurar uma igualdade de tratamento entre empregadores e trabalhadores pertencentes às mesmas categorias e exercendo atividade no mesmo setor económico que a convenção coletiva cobre (n.º 1, do art. 29.º).

O disposto no citado preceito não foi, quanto à sua disciplina e no que ora releva, alterado por via da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, conforme se alcança da normação contida nos seus arts. 573.º e 575.º, nºs. 1 e 2, nem pela entrada em vigor das alterações nele introduzidas em 2009 - as quais, comodamente, assumimos como integrantes do Código do Trabalho de 2009 - conforme se alcança do ora disposto nos arts. 514.º a 516.º.

A este propósito, diz-nos o Prof. Pedro Romano Martinez que «o alargamento do âmbito da convenção colectiva por regulamento de extensão está limitado a empregadores do mesmo setor de atividade e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga, desde que exerçam a sua atividade (…) no âmbito setorial e profissional do instrumento estendido (art. 575.º, n.º 1, do CT): extensão interna.

(…).

[P]or via do regulamento de extensão, o instrumento coletivo, no que respeita a empregadores, só pode encontrar aplicação no mesmo setor económico ou em relação a uma área com semelhança económica e social e, quanto a trabalhadores, à mesma profissão ou a profissões análogas ou da mesma área económica e social (art. 575.º, ns.º 1 e 2, do CT). Não se pode, pois, estender a aplicação de uma convenção coletiva ou de uma decisão arbitral a um setor económico ou a uma profissão distintos, isto é, a situações completamente diversas e se não houver circunstâncias económicas e sociais que justifiquem (art. 575.º, n.º 3, do CT)». ([1])

Os pressupostos da extensão tornam evidente que se trata de um processo estritamente supletivo ou residual perante a negociação coletiva, não podendo sobrepor-se-lhe quando esta exista ou seja viável, sob pena de violação do princípio da autonomia privada.

2.4.4. A pretensão da recorrente não tem por fundamento – já o sabemos – o princípio da dupla filiação. Tal fundamento buscar-se-ia, ao invés, nas Portarias de Extensão a que acima aludimos, sendo que o diferendo a ultrapassar se prende, fundamentalmente, com a identidade - ou ausência dela - do setor económico e/ou de atividade prosseguido pela ré e aquele outro prosseguido pelos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, sendo adquirido - conforme o nota, também, o acórdão recorrido -, que a R. não poderá deixar de qualificar-se como um estabelecimento de ensino particular.

Em rigor, importará, pois, descortinar se a atividade económica a que a R., aqui recorrida, se dedica é susceptível de integrar, de algum modo, o ensino para o qual estão vocacionados os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que, como se refere no artigo 1.º, n.º 1, do CCT em questão, são aqueles criados «por pessoas, singulares ou colectivas, privadas ou cooperativas, em que se ministre ensino a mais de cinco crianças com três ou mais anos».

2.4.5. O Acórdão recorrido, já o dissemos, na análise da enunciada questão, respondeu-lhe negativamente, fundamentando como segue:

«No (…) contrato coletivo de trabalho a que se reportam os autos estabelece-‑se (art. 1.º) que o mesmo é aplicável, em todo o território nacional, aos contratos de trabalho celebrados entre os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, representados pela Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), e os trabalhadores ao seu serviço, representados pelas associações sindicais outorgantes, definindo-se para o efeito como estabelecimento de ensino particular e cooperativo a instituição criada por pessoas, singulares ou coletivas, privadas ou cooperativas, em que se ministre ensino coletivo a mais de cinco crianças com três ou mais anos.

Conforme se provou, a R. é filiada na Associação Nacional de Escolas Profissionais, entidade que não subscreveu tal instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

Por outro lado, e como é pacífico entre as partes, a R. dedica-se em exclusivo ao ensino profissional.

A PE 1483/2007, de 19/11, veio estender no território do continente as condições de trabalho constantes de diversos contratos coletivos de trabalho, celebrados entre a AEEP e diferentes federações sindicais, incluindo aquele a que se reportam os autos, às “relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante, que beneficiem de apoio financeiro do Estado, para despesas de pessoal e de funcionamento, mediante a celebração de correspondentes contratos, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais neles previstas” - al. a) do seu art. 1.º - e às “relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior filiados na associação de empregadores outorgante e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções, não filiados ou representados pelas associações sindicais outorgantes” -  al. b).

No preâmbulo da aludida portaria salienta-se que a extensão se circunscreve aos empregadores filiados na AEEP com trabalhadores não representados por associações sindicais outorgantes, bem como – e na parte que aqui interessa – a estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante que tenham como denominador comum a comparticipação financeira do Estado em despesas de pessoal e de funcionamento através, nomeadamente, de contratos de associação, contratos simples, contratos de patrocínio e contratos de cooperação assegurando-se, assim, condições de concorrência equivalentes.

Por sua vez, a PE 25/2010, de 11/1, alargou o leque de trabalhadores e entidades envolvidos, ao estender a aplicação de tal CCT “às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante e não abrangidos pela Portaria n.º 1483/2007, de 19 de novembro, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais” (…).

No art. 75.º da CRP, e sob a epígrafe “Ensino público, particular e cooperativo”, estabelece-se:

“1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população.

2. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei”.

Assim, este princípio constitucional consagra dois tipos de ensino - o público e o particular e cooperativo.

Segundo o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (EEPC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 553/80, de 21/11, “As escolas particulares que se enquadrem nos objetivos do sistema educativo, bem como as sociedades, associações ou fundações que tenham como finalidade dominante a criação ou manutenção de estabelecimentos de ensino particular, gozam das prerrogativas das pessoas coletivas de utilidade pública” -  art. 8.º, n.º 1.

Acontece que é o próprio EEPC que, no seu art. 3.º, n.º 3, alínea g), exclui expressamente do seu âmbito de aplicação o ensino profissional:

“3 - O presente decreto-lei não se aplica:

(…)

g) Aos estabelecimentos em que se ministre ensino intensivo, que será objeto de regulamentação própria, ou o simples adestramento em qualquer técnica ou arte, o ensino prático das línguas, a formação profissional ou a extensão cultural”.

Assim, os estabelecimentos de ensino profissional, atentas as suas características próprias, estão sujeitos a um regime jurídico específico, expressamente excluído, como vimos, do EEPC, e que consta do DL n.º 4/98, de 8 de Janeiro.

E atenta a distinção constitucional a que fizemos referência, parece-nos inquestionável que os estabelecimentos de ensino profissional, quando criados por pessoas, singulares ou coletivas, de natureza privada, devem qualificar-se como estabelecimentos de ensino particular - cf. arts. 2.º, 4.º e 13.º e seguintes desse DL 4/98.

(…)

[N]o caso concreto, sendo de presumir que os outorgantes [do contrato coletivo cuja aplicabilidade é reclamada] souberam exprimir o seu pensamento em termos adequados, a interpretação que deve ser feita (…) não pode ser outra senão a de que as partes, ao aludirem a “estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior” e certamente conscientes da expressa exclusão das escolas profissionais do âmbito de aplicação do EEPC, e sendo certo que a associação onde se encontra filiada a R. o não outorgou, quiseram regular as relações de trabalho para vigorar entre elas deixando de fora o ensino profissional.

E, assim sendo, e porque as portarias de extensão não podem estender aquilo que não consta do CCT ao qual se referem, nomeadamente o universo das atividades ali previstas, facilmente se intui que as citadas PE’s não são aplicáveis à relação dos autos».

(fim de transcrição).

2.4.6. A solução jurídica alcançada, bem como a fundamentação que a sustenta, é de subscrever.

O ensino profissional pode ser, é certo, ministrado por entidade privada - conforme se alcança dos arts. 2.º, n.º 1, e 13.º, n.º 1, do DL n.º 4/98, de 8 de janeiro - e nada impede, pois, a caracterização da R. como estabelecimento de ensino privado (é o que aliás, decorre do documento n.º 3, junto aos autos, quando ali se alude à entidade proprietária da ora Escola Profissional de Trancoso).

Todavia, o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, cuja disciplina consta do DL n.º 553/80, de 21 de novembro ([2]) e destinou-se, então, a dar cumprimento ao que se dispunha no art. 17.º da Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo (Lei n.º 9/79, de 19 de março) ([3]), exclui do seu âmbito de aplicação - dando-se por adquirido que o CCT em causa obedece a essa limitação - os estabelecimentos em que se ministre a formação profissional.

            Conceptualmente, não é o legislador absoluta e terminologicamente coerente, podendo, pois, argumentar-se ser distinto o conceito de ensino profissional e o conceito de formação profissional, sendo que apenas esta última atividade estaria excluída do âmbito do Estatuto do Ensino Privado e Cooperativo, e, consequentemente, do domínio de aplicação do CCT em causa, mas já não aquela outra.

            Mas não estamos em crer que assim seja, sendo certo que, se dúvidas existissem nesse âmbito, esclareceu-as o legislador com a aprovação do novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, contido no DL n.º 152/2013, de 4 de Novembro, estatuto esse que, revogando o anterior DL n.º 553/80, de 21 de Novembro, ([4]) prevê, no seu artigo 2.º, n.º 2, alínea d), que «[o] presente Estatuto não se aplica a: (…) d) Escolas profissionais privadas».

            Consente-se não ser este novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo in casu aplicável. Todavia, não deixa de ser um auxiliar interpretativo relevante para a resolução do litígio em presença.

            Determinante na resolução desse litígio é, todavia, a conjugação - e, também, a dado passo, a evolução histórica - dos vários diplomas que sucessivamente regeram e regem as atividades a que se dedicam os estabelecimentos onde se ministra o ensino profissional e os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo.

            A Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, alterada pelas Leis nºs. 115/97, de 19 de setembro, 49/2005, de 30 de agosto, e 85/2009, de 27 de agosto, logo anunciava, na sua versão inicial, no art. 59.º, que o Governo aprovaria a legislação complementar necessária para o desenvolvimento da lei no âmbito, designadamente, da formação profissional, por um lado, e do ensino particular e cooperativo, por outro, consciente, certamente que, tratando-se embora ambos de formas de ensino, desenvolviam atividade e prosseguiam objetivos distintos, com metodologia também ela distinta.

            O Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo foi aprovado em momento anterior à Lei de Bases do Sistema Educativo, não se vislumbrando, nas alterações que àquele foram introduzidas, qualquer alusão à sua adequação com esta Lei, sendo lícito concluir que tanto não seria necessário. Aliás, compaginando o que na Lei de Bases do Sistema Educativo se previa quanto aos objetivos a prosseguir pelo ensino particular e cooperativo - também expostos na respetiva Lei de Bases - com o que no estatuto deste se anunciava quanto ao seu desiderato, facilmente se conclui pela essencial homogeneidade entre ambos.

            Diversamente, porém, já o ensino profissional veio a ser objeto de regulamentação própria por força da aprovação do DL n.º 26/89, de 21 de janeiro, donde consta, expressamente, ser este diploma um «desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pelo artigo 19.º da Lei n.º 46/86, de 14 de outubro», preceito este cuja epígrafe é formação profissional. O citado diploma viria a ser revogado pelo DL n.º 70/93, de 10 de março, e, este último, subsequentemente, pelo DL n.º 4/98, de 8 de janeiro. De todo o modo, todos dedicaram a sua regulamentação ao ensino profissional e escolas profissionais, enquanto desenvolvimento da formação profissional prevista na Lei de Bases do Sistema Educativo.

            Do exposto enquadramento decorre, com evidente clareza, que o tratamento que o legislador conferiu por um lado ao ensino profissional ou formação profissional - pois já vimos que se trata de terminologia que, podendo não ser concetualmente rigorosa, acaba por ser indistintamente utilizada para uma e mesma realidade - e, por outro lado, ao ensino particular e cooperativo não foi o mesmo.

            Compreende-se a distinção e, aliás, é ela apreensível por via dos objetivos que, de forma uniforme, os diplomas que temos vindo de citar proclamam.

Senão vejamos.

            De acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo, mormente o art. 19.º, n.º 1, na sua redacção inicial, ([5]) «[a] formação profissional, para além de complementar a preparação para a vida ativa iniciada no ensino básico, visa uma integração dinâmica no mundo do trabalho pela aquisição de conhecimentos e de competências profissionais, por forma a responder às necessidades nacionais de desenvolvimento e à evolução tecnológica».

            No desenvolvimento da citada norma, já previa o art. 3.º, do DL n.º 26/89, de 21 de Janeiro, que eram finalidades das escolas profissionais:

            «(…)

a) Contribuir para a realização pessoal dos jovens, proporcionando, designadamente, a preparação para a vida ativa;

b) Fortalecer, em modalidades alternativas às do sistema formal de ensino, os mecanismos de aproximação entre a escola e o mundo do trabalho;

c) Facultar aos jovens contactos com o mundo do trabalho e experiência profissional;

d) Prestar serviços diretos à comunidade, numa base de valorização recíproca;

e) Dotar o País dos recursos humanos de que necessita, numa perspetiva de desenvolvimento nacional, regional e local;

f) Preparar o jovem com vista à sua integração na vida ativa ou ao prosseguimento de estudos numa modalidade de qualificação profissional;

g) Proporcionar o desenvolvimento integral do jovem, favorecendo a informação e orientação profissional, bem como a transição para a vida ativa, numa modalidade de iniciação profissional, a nível do 3.º ciclo do ensino básico e até à efetivação da escolaridade obrigatória.».

            O conceito de formação profissional, bem como as finalidades a prosseguir através da mesma, não sofreram alteração significativa por via das sucessivas alterações à Lei de Bases do Sistema Educativo, tal como se alcança do seu atual art. 22.º, nem por via dos diplomas que, sucessivamente, regeram o ensino profissional, tal como se pode constatar pela previsão contida no art. 4.º, do DL n.º 70/93, de 10 de março, e, atualmente, na previsão do art. 4.º, do DL n.º 4/98, de 8 de janeiro.

            Doutro passo, a Lei de Bases do Sistema Educativo, na sua redação inicial, dedicou expressa previsão ao ensino particular e cooperativo nos arts. 54.º a 58.º, caraterizando este ensino «como uma expressão concreta da liberdade de aprender e ensinar e do direito da família a orientar a educação dos filhos» (art. 54.º, n.º 1), reconhecendo-lhes, ainda, desde que enquadrados nos «princípios gerais, finalidades, estruturas e objetivos do sistema educativo» integração da rede escolar (art. 55.º, n.º 1).

            No art. 1.º da Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo, aprovada pela Lei n.º 9/79, de 19 de março, consagra-se o direito fundamental de todo o cidadão ao pleno desenvolvimento da sua personalidade, aptidões e potencialidades, nomeadamente através da garantia do acesso à educação e à cultura e do exercício da liberdade de aprender e ensinar, sendo dever do Estado criar para tanto condições e sendo reconhecido aos pais a prioridade na escolha do processo educativo e de ensino para os seus filhos.

            Já o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo DL n.º 553/80, de 21 de novembro, anuncia, no respetivo preâmbulo, que visa a «consagração das linhas essenciais à liberdade e à responsabilidade de criação, gestão e orientação de estabelecimentos de ensino, bem como à efetivação da igualdade de oportunidades no acesso à educação». O artigo 2.º, deste Estatuto, prevê que:

«1 - O Estado reconhece a liberdade de aprender e de ensinar, incluindo o direito dos pais à escolha e à orientação do processo educativo dos filhos.

2 - O exercício da liberdade de ensino só é limitado pelo bem comum, pelas finalidades gerais da ação educativa e pelos acordos celebrados entre o Estado e os estabelecimentos de ensino particular.

(…)».

A Lei de Bases do Sistema Educativo, não obstante as suas alterações - a que já aludimos - continua a consagrar a disciplina do ensino particular e cooperativo em moldes essencialmente idênticos aos inicias, conforme se alcança dos seus atuais arts. 57.º a 61.º, sendo que o atual Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo DL n.º 152/2013, de 4 de novembro, embora não aplicável in casu, também não trouxe significativas alterações no que respeita ao âmbito e propósitos do ensino particular e cooperativo.

2.4.7. A Lei de Bases do Sistema Educativo, no seu art. 1.º, diz-nos que:

«1 - A presente lei estabelece o quadro geral do sistema educativo.

2 - O sistema educativo é o conjunto de meios pelo qual se concretiza o direito à educação, que se exprime pela garantia de uma permanente ação formativa orientada para favorecer o desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade.

3 - O sistema educativo desenvolve-se segundo um conjunto organizado de estruturas e de ações diversificadas, por iniciativa e sob responsabilidade de diferentes instituições e entidades públicas, particulares e cooperativas.

(…)».

Por seu turno, o art. 4.º, do mesmo diploma legal, com a epígrafe «Organização geral do sistema educativo» estabelece que:

«1 - O sistema educativo compreende a educação pré-escolar, a educação escolar e a educação extra-escolar.

2 - A educação pré-escolar, no seu aspeto formativo, é complementar e ou supletiva da ação educativa da família, com a qual estabelece estreita cooperação.

3 - A educação escolar compreende os ensinos básico, secundário e superior, integra modalidades especiais e inclui atividades de ocupação de tempos livres.

4 - A educação extra-escolar engloba atividades de alfabetização e de educação de base, de aperfeiçoamento e atualização cultural e científica e a iniciação, reconversão e aperfeiçoamento profissional e realiza-se num quadro aberto de iniciativas múltiplas, de natureza formal e não formal».

O DL n.º 4/98, de 8 de janeiro, no seu preâmbulo, diz-nos ser objetivo, por via da sua aplicação, «reforçar a identificação do ensino profissional, consolidar as escolas profissionais e aperfeiçoar e alterar o modelo de financiamento em vigor.

No que diz respeito ao primeiro dos referidos objetivos, procura-se reforçar a identificação do ensino profissional como uma modalidade especial de educação, dirigida à estruturação e qualificação educativa da formação profissional dos jovens, ao mesmo tempo que se procura introduzir no sistema educativo uma via própria de estudos de nível secundário alternativa ao ensino secundário regular».

Em consagração desses enunciados objetivos, estabelece, efetivamente, aquele diploma, a equivalência dos cursos profissionais ao ensino secundário regular e, naturalmente, a equivalência em grau de habilitação (cfr., art. 6.º, n.º 1).

É, pois, o próprio diploma que, disciplinando a organização, criação e funcionamento das escolas profissionais, nos carateriza este tipo de ensino como uma modalidade especial de educação.

As modalidades especiais de educação encontram, por seu turno, expressa previsão no disposto no art. 19.º e seguintes, da Lei de Bases do Sistema Educativo, sendo, no que ora releva, disciplinada a formação profissional no âmbito do já acima mencionado art. 22.º.

            Significa, assim, o que vimos de expor, que o legislador, ao afastar, expressamente, do âmbito de aplicabilidade do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo a formação profissional está, consequentemente, também a afastar a sua aplicabilidade às escolas onde se ministre o ensino profissional, na justa medida em que este a engloba ou abrange. Não sendo aplicável o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo às escolas profissionais, resulta clara a insuscetibilidade de a estas aplicar, depois, ainda que por via de extensão, um instrumento de regulamentação coletiva que, visando a regulação daquele concreto setor de atividade que, podendo ter embora em comum com a formação profissional a vertente do ensino, difere, depois, deste em termos de organização, criação e funcionamento.

            Aliás, só esta distinção explica e fundamenta a distinta disciplina que, ao longo dos anos, uma e outra atividade foram merecendo, conforme se deixou já circunstanciado.

            A disciplina contida no Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo demanda, ainda, acrescida argumentação. Se bem o analisamos e compreendemos, os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo estão vocacionados para propiciar a quem os frequente formação educativa ao nível do ensino pré-escolar, primário, preparatório, secundário unificado e secundário complementar (10.º a 12.º anos de escolaridade), diurno e noturno - cfr., art. 36.º, n.º 3 ([6]) - sendo, evidente, a não inclusão no seu âmbito de atividade as denominadas modalidades especiais de educação, na qual se insere, como dito, a formação profissional.

            Da exposição que antecede, e sem prejuízo de demais considerações que se teceram em ordem à resolução do presente litígio, temos por certa a seguinte conclusão: a formação e/ou ensino profissional sempre se afirmaram mais como uma alternativa ao modelo do ensino regular - com dinâmicas, objectivos, modelos de funcionamento, organização, criação e público distintos - do que como um sistema paralelo a este ensino. Ao invés, os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo sempre prosseguiram uma atividade paralela à do ensino regular. E é, de sobremaneira, esta realidade que justificou e justifica, impôs e impõe o distinto tratamento normativo que, ao longo dos anos, mereceram e continuam a merecer e que, doutro passo, impede se estenda, no que ora releva, o instrumento de regulamentação coletiva dos estabelecimentos de ensino privado e cooperativo aos estabelecimentos escolas profissionais.

           

Em síntese, não é a circunstância de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo e escolas profissionais terem em comum a atividade de ensino bem como trabalhadores ao seu serviço com categorias profissionais idênticas, maxime, os docentes, que tem, por si só, a virtualidade de as enquadrar no mesmo setor económico ou de atividade, a demandar a aplicabilidade, por exemplo, da contratação coletiva reclamada.

Ao invés, é precisamente a circunstância de, em comum, uns e outros, apenas terem aquelas características, que impede essa aplicação, pois que, em tudo o mais, é distinta a sua essência e finalidade. É essa essencial distinção que impede se interprete as Portarias de Extensão acima elencadas como abrangendo a atividade prosseguida na R. e, consequentemente, a extensão do seu regime à relação laboral que vigorou entre A. e R.

Conclui-se deste modo que a R. não pertence ao setor económico a que se refere a regulamentação coletiva em causa, não estando, por conseguinte, as relações laborais estabelecidas com a autora sujeitas à respetiva disciplina.

Improcedem, pois, as demais conclusões da alegação da revista.


III

Em face do exposto, nega-se a Revista e confirma-se o acórdão recorrido.

            Custas pelo recorrente.

Anexa-se Sumário

Lisboa, 10 de setembro de 2014

Melo Lima (Relator)

Mário Belo Morgado

Pinto Hespanhol

______________________
[1] Direito do Trabalho, 2006, 3ª Edição, pág. 1136

[2] Entretanto alterado pelos Decretos-lei ns. 169/85, de 20 de maio, 75/86, de 23 de abril, 484/88, de 29 de dezembro, e pela Lei n.º 30/2006, de 11 de julho.
[3] Alterada pela Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto.

[4] Cfr., o artigo 7.º, do DL n.º 152/2013, de 4 de novembro.
[5] A formação profissional está, face às alterações introduzidas na Lei de Bases do Sistema Educativo, agora prevista no art. 22.º, correspondendo, na íntegra, à antiga redacção do art. 19.º.
[6] Terminologia, então, usada e cuja conjugação importa se estabeleça com o disposto no art. 4.º, n.º 3, da Lei de Bases do Sistema Educativo.