Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
92/16.0T8BGC.G1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
REGULAMENTO DE SEGURANÇA NO TRABALHO DA CONSTRUÇÃO CIVIL
NEXO DE CAUSALIDADE
CULPA DO EMPREGADOR
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / NEXO DE CASUALIDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 563.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 2.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 127.º, N.º 1, ALÍNEA H) E 281.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 59.º, N.º 1, ALÍNEAS C) E F).
REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADO PELA LEI N.º 98/2009 DE 04 DE SETEMBRO: - ARTIGO 18.º, N.ºS 1 E 4.
REGULAMENTO DE SEGURANÇA NO TRABALHO DA CONSTRUÇÃO CIVIL (RSTCC), APROVADO PELO DECRETO N.º 41821, DE 11 DE AGOSTO DE 1958: - ARTIGOS 66.º A 85.º.
Referências Internacionais:
DIRECTIVA N.º 92/57/CEE, DO CONSELHO, DE 24 DE JUNHO: - ARTIGO 1.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE14-03-2007, PROCESSO N.º 06S1957, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-09-2009, PROCESSO N.º 107/05.8TTLRA.C1;
- DE 19-06-2013, PROCESSO N.º 1294/04.8TTLRA.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-06-2013, PROCESSO N.º 3529/04.8TTLSB.L2.S1, WWW.DGSI.PT;
- DE 29-10-2013, PROCESSO N.º 402/07.1TTCLD.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-05-2015, PROCESSO N.º 220/11.2TTTVD.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 27-04-2017, PROCESSO N.º 1523/13.7T2AVR.P1.S1, IN WWW.STJ.PT;
- DE 01-03-2018, PROCESSO N.º 750/15.7T8MTS.P1.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

- DE 04-10-2017, PROCESSO N.º 1207/15.1T8BGC.G1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O agravamento da responsabilidade acidentária sucede quando o acidente se deve à culpa do empregador ou quando seja consequência da inobservância de regras de segurança, higiene e saúde que lhe seja imputável.

II - A diferença entre os dois fundamentos reside na prova da culpa, que tem que ser necessariamente feita no primeiro caso e que é desnecessária no segundo.

III - A responsabilidade prevista no artigo 18º da Lei 98/2009 de 04.09, pressupõe a verificação cumulativa do incumprimento do dever de observância de regras de segurança e saúde no trabalho e de uma relação de causalidade adequada entre tal omissão e o acidente.

IV - O ónus de alegação e prova dos factos que integram a violação de regras de segurança e o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente impende sobre a parte que invoca o direito às prestações agravadas, ou que venha a beneficiar da situação.

V - O artigo 67º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto 41821, de 11.08.1958, impõe a entivação nas frentes de escavação independentemente da sua profundidade, apenas excluindo desta obrigação, nos termos do seu § único, as escavações de rochas e argilas duras.

 VI - O artigo 72º deste Regulamento não estabelece qualquer excepção ao princípio geral que impõe a entivação de valas nos termos preceituados no artigo 67º, pois limita-se a prever as características técnicas a que devem obedecer as entivações a utilizar na abertura de trincheiras com uma única frente e com profundidades compreendidas entre 1,20 m e os 3m.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

1---

Nestes autos de processo especial emergente de acidente de trabalho, instaurado por morte de AA, vieram

BB e

CC, (patrocinado pelo MP), respectivamente viúva e filho daquele, demandar 

a DD – Companhia de Seguros, SA e

EE, Lda,

pedindo que sejam condenadas a pagar-lhes, até ao 3º dia de cada mês, no seu domicílio, e com início em 20/01/2016:

a) a 2ª R a pensão anual agravada de  € 8.799,40, sendo a pensão anual e vitalícia da A viúva de € 5.895,60 e do filho a pensão anual e temporária de € 2.903,80;

b) Subsidiariamente, e para a hipótese de não se provar que o acidente ocorreu por violação das regras de segurança por parte da Ré empregadora, a pensão em singelo no montante de € 2.638,82 para a A viúva, e de € 1.759,88 para o A. filho, sendo da responsabilidade da R seguradora a pensão anual e vitalícia de € 2.536,00 (para a viúva) e a pensão anual e temporária de € 1.690,67 para o filho;

e da responsabilidade da empregadora a pensão anual e vitalícia de € 103,82 (para a viúva) e para o A. filho a pensão anual e temporária de € 69,21;

c) o subsídio por morte no montante de € 5.533,70, sendo metade para cada um dos autores, que a 1ª Ré já aceitou pagar;

d) o reembolso das despesas de deslocação para comparecer à tentativa de conciliação no valor de € 37,20;

e) juros de mora à taxa legal.

Para tanto alegaram os autores que o inditoso falecido sofreu um acidente quando trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da 2ª R e que consistiu em ter ficado soterrado numa vala onde trabalhava, com cerca de 1,20 m de profundidade, acidente devido a um desabamento de terras porque a empregadora não implementou as medidas especiais de segurança para o evitar.

Mais alegaram que do acidente resultaram para o sinistrado lesões que foram causa determinante da sua morte, e que aquele auferia a retribuição mensal de 530,00 euros, acrescida de subsídio de refeição diário de 5,70 euros por força do IRCT aplicável, tendo a empregadora transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a seguradora mas limitada à retribuição mensal de 530 euros acrescida de subsídio de refeição no valor diário de 4,27 euros.

As RR contestaram, alegando a seguradora que o acidente ocorreu por violação das regras de segurança pela empregadora, designadamente por falta de entivação da vala, de responsável no local pela segurança dos trabalhadores, de plano de segurança e saúde que contemplasse o especial risco de soterramento, de coordenação do controlo da correcta aplicação dos métodos de trabalho e de promoção de informação e formação necessária aos trabalhadores para o tipo de trabalhos em causa.

A 2ª R alegou que inexiste responsabilidade agravada por ter cumprido as regras de segurança aplicáveis.

Elaborou-se despacho saneador com a fixação dos factos assentes e da factualidade controvertida.

Realizada a audiência de julgamento, proferiu-se sentença nestes termos:

Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, condeno as RR. DD - Companhia de Seguros, S.A. e EE, Lda. a pagar:

a) À A BB as seguintes prestações:

Uma pensão anual e vitalícia de € 2.639,82 (dois mil seiscentos e trinta e nove euros e oitenta e dois cêntimos) desde 20/01/2016, sendo a fracção da responsabilidade da Ré seguradora no montante de € 2.536,00 (dois mil quinhentos e trinta e seis euros) e a fracção da Ré empregadora no montante de € 103,82 (cento e três euros e oitenta e dois cêntimos), a qual é obrigatoriamente remível;

A quantia de 2.766,85 euros (dois mil setecentos e sessenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de subsídio por morte, a cargo exclusivo da R. seguradora;

A quantia de € 37,20 (trinta e sete euros e vinte cêntimos) a título de reembolso das despesas com deslocações obrigatórias, a cargo exclusivo da Ré seguradora;

Juros de mora, à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento, ou seja, desde 20/01/2016 quanto ao capital de remição da pensão anual e vitalícia e subsídio por morte e desde a tentativa de conciliação quanto às despesas de deslocação, até integral pagamento;

b) Ao A. CC as seguintes prestações:

Uma pensão anual e temporária de € 1.759,88 (mil setecentos e cinquenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos), desde 20/01/2016, actualizável anualmente, a pagar adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 da mesma pensão, pagos, respectivamente, nos meses de Junho e de Novembro, sendo a fracção da responsabilidade da Ré seguradora no montante de € 1.690,67 (mil seiscentos e noventa euros e sessenta e sete cêntimos) e a fracção da Ré empregadora no montante de € 69,21 (sessenta e nove euros e vinte e um cêntimos);

A quantia de € 2.766,85 (dois mil setecentos e sessenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de subsídio por morte;

Juros de mora, à taxa legal, sobre todas as prestações, desde a data do respectivo vencimento, ou seja, desde 20/01/2016, até integral pagamento.

Inconformados, apelaram a seguradora, a A FF, e, subordinadamente, o A GG, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães julgado procedentes as apelações da A e da 1ª R, assim como o recurso subordinado do A, pelo que, e mantendo no mais a sentença, revogou-a parcialmente, assim condenando a 2ª R (empregadora) a pagar à A (viúva) a pensão anual e vitalícia de 5.279,64 euros, e ao A (filho) a pensão anual e temporária de 3.519,76 euros, para além das demais quantias a título de subsídio por morte e de reembolso das despesas de cada um dos beneficiários resultantes de deslocações, bem como de juros moratórios.

 

É agora a empregadora, que inconformada nos traz revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª-A A. e a co-Ré seguradora não conseguiram demonstrar, e por isso, não se consideraram provados, factos demonstrativos de que:

- a Recorrente estava obrigada à observância de determinadas regras e con­dições de segurança;

- a Recorrente não observou tais regras que lhe eram exigíveis; e

- o incumprimento pela Recorrente das condições de segurança que lhe eram exigíveis foi a causa adequada do acidente.

2a) - A escavação referenciada nos autos estava excluída da obrigação de entivação do solo pela circunstância de se tratar de escavação de rocha ou terreno rocho­so.

3a) - A excepção prevista no § 1o do art° 67° do RSTCC, é de carácter geral e independente da natureza e constituição do solo, da profundidade da escavação, do grau de humidade e das sobrecargas acidentais, estáticas e dinâmicas, a suportar pe­las superfícies dos terrenos adjacentes.

4a) - Já os dispositivos contidos nos artigos 70° e 72° constituem excepções de carácter particular, relativas à natureza do solo e à profundidade da escavação, obri­gando à entivação das valas quando o terreno seja escorregadio e sem grande coesão e de profundidade superior a 1,20 m, excluindo da obrigação de entivação, desde logo, as valas de profundidade até 1,20 metro.

5a) - Tendo-se provado que a escavação aludida nos autos foi realizada em solo composto de rocha e de terra e alcançou apenas, "cerca de 1,20 metros" (cfr. n° 21 da matéria de facto assente), deve considerar-se que a Recorrente não infringiu qualquer obrigação ou norma de segurança.

6a) - Apurou-se nos autos que a vala tinha uma profundidade que variava de forma contínua e em ligeiro declive, desde 0,70 metros, na extremidade contrária ao local onde ocorreu o sinistro, até cerca de 1.20 metros e que no local do sinistro a va­la tinha profundidade não superior a 1,20 metros, o que não significa que a vala tenha 1,20 m de profundidade, facto que não se provou.

7a) - Não se pode afirmar que a profundidade a considerar é a de 1,20 metro e que por isso, a Recorrente estava obrigada à entivação da vala em questão!

8a) - Quanto ao nexo de causalidade, desconhece-se, em concreto, o que pro­vocou o desmoronamento e, bem assim, o grau de humidade e sobrecargas aciden­tais, estáticas e dinâmicas, a suportar pelas superfícies dos terrenos adjacentes, pelo que não é possível concluir que as medidas de segurança omitidas, designadamente a entivação com as características técnicas mínimas estabelecidas na lei, fossem ade­quadas e suficientes para evitar o desmoronamento/desprendimento da pedra que atingiu o sinistrado.

9a) - Logo, não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre a falta de implementação de tais medidas e a ocorrência do acidente.

10a) - De resto, nem sequer foi alegado e muito menos demonstrado que a en­tivação da vala teria evitado o acidente ou reduzido as suas consequências.

11a) - Finalmente, quanto à culpa da Recorrente na ocorrência do acidente, de­corre da matéria de facto que a Recorrente sabia e conhecia o perigo inerente a traba­lhos em valas com profundidade superior a 1,20 m (n° 11 da matéria de facto), sen­do certo que a vala em questão não tinha profundidade superior a 1,20 m (n°s 20 e 21).

12a) - A ficha de procedimentos de segurança elaborada para a tarefa em causa, previa a colocação de entivação em valas a partir de 1,20 m de profundidade (n° 23), profundidade que não foi superada pela vala escavada pela Recorrente.

13a) - Antes do início dos trabalhos, o gerente da Ré avaliou visualmente o ter­reno e com base na sua experiência profissional e com base noutros trabalhos de es­cavação e abertura de poços que já haviam sido efectuados nas proximidades desse local, identificou como sendo de natureza predominantemente xistosa e rochosa (n° 24 da matéria de facto).

14a) - Tal avaliação não se mostrou incorrecta nem desadequada, porquanto o terreno onde a vala foi aberta era composto por pedra de xisto e terra (n° 13), ou seja, por rocha e terra.

15a) - Não pode julgar-se inadequada a percepção recolhida pelo gerente da Ré, habituada a trabalhos dessa natureza (n° 18 da matéria de facto) e firmada pela execução de outros trabalhos de escavação e abertura de poços nas proximidades da vala em causa (n° 24).

16a) - A Recorrente realizou as diligências devidas, não lhe sendo exigível um comportamento distinto, e cumpriu os deveres a que estava obrigada, não lhe poden­do, em consequência, ser imputada a ocorrência do acidente.

17a) - A Recorrente não agiu com culpa, não sendo a sua conduta censurável.

18a) - Foram violados ou mal interpretados os artigos 67°, 70° e 72° do RSTCC e o artigo 18° daLAT.

Pede assim que se revogue o Acórdão recorrido, com a consequente absolvição da Recorrente da responsabilidade agravada em cujas consequências foi condenada.

A recorrida DD também alegou, tendo concluído que:

1- A recorrente entende que, salvo o devido respeito, que o douto acórdão recorrido está profusa e proficuamente fundamentado, não merecendo o menor reparo ou censura.

2- Para que tenha aplicação o disposto no art.790º, n° 4 conjugado com o art. 18º da NLAT é necessário que exista violação das regras de segurança e que essa violação seja causal do acidente e imputável à entidade empregadora a titulo de culpa, bastando a mera culpa, e parece-nos que, sem margem para dúvidas, que a Ré seguradora alegou e provou tal.Assim,

3- Não há dúvidas que a morte do sinistrado se ficou a dever ao seu soterramento na vala em abertura, e que: os riscos de soterramento são riscos especiais previstos no art. 70º do DL 273/2003, e cujas consequências são particularmente graves e por isso exige cuidados especiais para os evitar;

4 - Cuidados especiais impostos pelo art. 66° do RSTCC que impõe as condições de segurança, inclusive no seu § único que exige um técnico idóneo e não havia no local técnico algum - vide ponto 16 dos factos provados;

5- E não foram efectuados quaisquer estudos do solo e exame da escavação - vide ponto 24 dos factos provados, donde resulta que o gerente da recorrente "avaliou visualmente o terreno...".

6- Também dúvidas não restam que a vala não estava entivada - vide pontos 10 e 14 dos factos provados - e dispõe o art. 67º do RSTCC: "É indispensável a entívação do solo nas frentes da escavação".

7- O § único deste artigo dispensa tal entivação "nas escavações de rochas e argilas duras", e está provado que in casu o solo "era composto por pedra de xisto e terra" - vide facto provado sob o ponto 13.

8- O raciocínio da Ré empregadora enferma de um erro de base ao considerar que não tendo a vala profundidade superior a 1,20 metros não tinha de ser entivada, quando é exactamente ao contrário, pois o principio geral é "É indispensável a entivação do solo nas frentes de escavação" - art. 67º do RSTCC. A excepção é a não entivação.

9- Esta obrigação existe mesmo em valas com profundidade inferior a 1,20 metros, isto é, independentemente da profundidade, dependendo apenas da natureza e constituição do solo, profundidade, grau de humidade e sobrecargas acidentais -vide art. 67º.

 10- A questão de a profundidade ser superior a 1,20 metros, só releva e é apenas e só respeitante às características técnicas e especificas da entivação, previstas nos arts. 69º e segts do mesmo Regulamento.

11- Assim, a co-Ré empregadora não observou as obrigações que lhe eram impostas pelos supra referidos normativos legais, e in casu com a entivação da vala, ter-se-ia evitado mais uma morte por soterramento.

12- Não tendo procedido à entivação da vala, a empregadora violou não só o dever geral de cuidado a que estava obrigada nos termos da Lei 102/2009 e DL 273/2003 de 29.10, mas também o dever especial de cuidado a que estava obrigada por força no disposto no artigo 12º da Portaria 101/96, e dos arts 66° e 67º do RSTCC.

13- Ora, a empregadora não cumpriu nada do imposto pelos artigos 66° e 67º do RSTCC:

- não garantiu a segurança dos trabalhadores;

- não dispunha, nem tinha no local, um técnico de segurança habilitado a acompanhar os trabalhos;

- não fez a entivação da escavação;

- não se certificou que eram rochas e argilas duras, mas antes terra e xisto.

14- A empregadora não fez a necessária avaliação do terreno que identificou como sendo de natureza xistosa e rochosa, pese embora sabendo dos riscos que corria o sinistrado, pois como se provou o terreno era composto por pedra de xisto e terra, e como tal era obrigatória a entivação.

15- Por outro lado, tendo o desabamento e o acidente ocorrido em virtude do incumprimento das referidas regras sobre segurança, podemos afirmar existir um nexo de causalidade adequado entre aquela inobservância e o acidente, pelo que temos por certo que a co-ré empregadora agiu com culpa.

16- Nas circunstâncias descritas na factualidade acima salientada, impunha-se à ré empregadora o dever de indagar dos riscos de desabamento das terras e da possibilidade do trabalhador que se encontrava no interior da vala vir a ser soterrado - o que, infelizmente, veio a acontecer - e, em conformidade, a proceder à entivação da vala ou à adopção de outras medidas apropriadas a evitar o desabamento e com ele evitar o acidente a que deu causa;

17- Perante as circunstâncias concretas apuradas, podemos afirmar que um empregador médio, normalmente cuidadoso e diligente, ter-se-ia apercebido da necessidade de tomar essas medidas (omitidas pela co-ré empregadora) e tomá-las-ia nessas circunstâncias, uma vez que na situação dos autos facilmente poderia prever haver grande probabilidade de desmoronamento da vala e com ele o soterramento da vítima que executava o seu trabalho no seu interior, e foi precisamente esse desabamento que veio a provocar lesões e conduziram à morte do sinistrado.

18- Por outro lado, não foi alegado nem resulta dos autos que tenha ocorrido um qualquer fenómeno imprevisível ou extraordinário causador do desmoronamento e/ou que este desmoronamento teria ocorrido mesmo que a vala estivesse entivada, antes pelo contrário provou-se a ausência de técnico que pudesse aferir da necessidade de entivação.

19- Pois se existisse um técnico minimamente competente, habilitado e consciente logo se apercebia que não eram rochas ou argilas duras, e que era necessária a entivação, e assim, não havia deslizamento e consequentemente a morte por soterramento do sinistrado, como infelizmente aconteceu.

20- Como se refere no Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, de 04.10.2017 Proc. 1207/15.1T8BGC.G1 Relatora Vera Sottomayor, podemos considerar que a inexistência da entivação e a ausência do técnico de segurança foram adequadas ao deslizamento de terras e que por sua vez determinantes das lesões sofridas pelo sinistrado e por consequência da sua morte, e "por conseguinte causa adequada do dano, o que é quanto basta para que seja de considerar a violação das regras de segurança como causa do acidente".

21- De igual modo a nossa Doutrina também é unânime neste aspecto, como refere Cruz Carvalho in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, pg.83:

"Para que se verifique a existência de um acidente de trabalho com culpa da entidade patronal não é necessário uma culpa grave, bastando que se verifique a simples culpa , o que consiste na falta de cuidado em não se prever o que se deveria ter previsto; não se tomando as precauções devidas para evitar o resultado".

Pede assim a confirmação do julgado.

A recorrida A também alegou, concluindo que:

1. O Acórdão recorrido merece um aplauso!

2. Não se lhe pode fazer qualquer tipo de censura.

3. Tomou por base os factos assentes, e só esses, e fez uma correcta aplicação da lei, ao contrário do que tinha sido feito pelo tribunal de primeira instância.

4. A recorrente socorre-se da sentença de primeira instância para fundamentar o seu recurso.

5. A sentença de primeira instância desculpou tudo e todos, num claro desrespeito pela morte de AA.

6. Os argumentos da recorrente estão claramente explicados no douto acórdão recorrido e por essa razão tem o recurso de improceder.

7. A lei, em matéria de segurança, prevê obrigações gerais para o empregador, que se sintetizam no dever do empregador assegurar as condições de segurança do trabalhador, evitando e avaliando o risco inerente a cada trabalho.

8. Em termos especiais, existem regras específicas para certos tipos de trabalho, como é o caso dos trabalhos de escavação.

9. Há pelo menos três regras que não foram cumpridas pela recorrente nesta obra:

a) era obrigatória a existência de um técnico;

b) era obrigatória a entivação da frente de escavações; e

c) a profundidade da vala obrigava à entivação da mesma.

10. E foi a falta de observância destas regras de segurança que propiciou a ocorrência do acidente.

11. Os trabalhos de escavação pressupõem por si só um perigo abstracto, daí também a lei prever regras específicas para os mesmos.

12. O acidente não se deveu a nenhuma situação imprevisível ou extraordinária, como seria um tremor de terra, por exemplo.

13. Não. Aconteceu por falta de escoramento, por falta de cumprimento das regras de segurança por parte da recorrente que era quem executava a obra e tinha o domínio de facto sobre o trabalhador e a obra.

14. E a conduta da recorrente é no mínimo negligente.

15. Insistimos que o erro admitido pelo gerente da recorrente não é desculpável.

16. Não havia nenhuma circunstância que o induzisse em erro.

17. Houve sim uma falta de cuidado face ao que estava obrigado.

18. A recorrente assumiu um risco que não tinha direito de assumir, pois pôs em causa a segurança e a vida dos seus trabalhadores.

19. Ademais os trabalhos de escavação já tinham começado no dia anterior ao acidente, pelo que a recorrida não tem como justificar a sua actuação.

20. A medida que a escavação ia sendo feita, teve oportunidade de se aperceber que a avaliação que tinha feito estava errada.

21. O acidente de trabalho que vitimou AA de acidente pouco teve, pois havia um perigo iminente nesta obra.

22. As condições da obra, do solo e o tipo de trabalho em causa eram propícias a que um desastre ocorresse.

23. E tudo por falta de entivação da vala, que não existiu e, apesar de prevista na ficha de procedimento, não havia material na obra para essa entivação.

24. Por tudo isto, não podem restar dúvidas que houve sim uma violação das regras de segurança e que há uma relação causal adequada entre o incumprimento das mesmas e o acidente que levou à morte do marido da recorrida.

25. Tem assim direito a recorrida às prestações agravadas.

Pede assim que se negue a revista.

O MP, patrocinando o A (filho da vítima), também alegou concluindo que, no caso dos autos se mostram preenchidos todos os pressupostos previstos no artigo 18° Lei 98/2009 de 4-09, pois a recorrente violou o dever de observar regras de comportamento cuja observância teria impedido a consumação do acidente, e entre essa conduta omissiva e o acidente ocorre um nexo de causalidade adequada.

Salienta ainda que, como refere o acórdão do STJ de 14-11-2007 proc. 07S2193 (in ww.dgsi.pt), a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, já no âmbito da Lei n° 100/97 de 13 de Setembro, tem considerado que a previsão do artigo 18°, n° 1 da LAT abrange as hipóteses em que o acidente de trabalho se ficou a dever a culpa (abrangendo o dolo e a mera culpa) da entidade patronal ou do seu representante.

 

Cumpre decidir.

2----

 

As instâncias atenderam à seguinte matéria de facto:

1- O sinistrado AA, faleceu em …/2016 e foi beneficiário da S. Social nº … (al. A).

2- Aquele e a A. HH casaram entre si e o casamento foi dissolvido pela morte do cônjuge marido (al. B).

3- Na constância desse matrimónio, em …/1999, nasceu o A. CC, sendo, por isso, também filho do malogrado AA (al. C).

4- Por contrato de seguro, na modalidade de prémio variável, a Ré EE, Lda. transferiu a responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho ocorridos com os trabalhadores ao seu serviço para a Ré "DD", mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, sendo o salário do sinistrado AA para tal efeito declarado de €530,00x14 meses, acrescido de subsídio de refeição de €4,27x11 meses/ano, o que perfaz o salário anual de €8.453,34 (al. D).

5- No dia 19.01.2016, em ..., o sinistrado trabalhava como servente sob as ordens, direcção e fiscalização da 2ª Ré, numa obra que consistia na abertura de uma vala, escavada em terreno de xisto, para instalação de tubagem de saneamento (al. E).

6- Quando se encontrava no interior da vala foi atingido por uma fraga que se desprendeu de uma das faces da vala e o empurrou contra a face oposta (al. F).

7- Como consequência directa e necessária desse acidente o sinistrado sofreu múltiplas lesões - descritas no relatório da autópsia ao respectivo cadáver, constante de fls. 41 e sgs. e que aqui damos por reproduzido, que foram a causa directa e necessária da sua morte (al. G).

8- A A. despendeu a quantia de €37,20 com a deslocação para comparecer à tentativa de conciliação (al. H).

9- O acidente descrito em E) e F) ocorreu cerca das 10,00 horas quando o sinistrado se encontrava no interior da vala (resposta ao quesito 1º).

10- A R. empregadora não providenciou pelo escoramento ou entivação da vala (resposta ao quesito 2º).

11- A R. empregadora sabia e conhecia o perigo inerente a trabalhos em valas com profundidade superior a 1,20m (resposta ao quesito 3º).

12- A vala aberta existente no local tinha uma altura variável (resposta ao quesito 4º).

13- O terreno onde a vala foi aberta era composto por pedra de xisto e terra (resposta ao quesito 5º).

14- A vala não tinha qualquer tipo de entivação, designadamente através da colocação de pranchas ou qualquer travejamento horizontal ou vertical (resposta ao quesito 7º).

15- As terras e pedras de um dos lados do talude desprenderam-se, não tendo qualquer suporte que as fixasse, caíram por cima do trabalhador, deixando-o soterrado (resposta ao quesito 8º).

16- A R. empregadora não tinha no local qualquer responsável pela segurança dos trabalhadores sujeitos a riscos inerentes ao exercício das suas funções (resposta ao quesito 9º).

17- Um dos riscos associados à abertura de valas é o perigo de deslizamento de terras (resposta ao quesito 13º).

18- A co-Ré empregadora e seus representantes não ignoram um dos riscos associados à abertura de valas é o perigo de deslizamento de terras, sendo, aliás, essa uma das suas actividades que mais executam (resposta ao quesito 14º).

19- A vala em causa tinha cerca de 15 metros de comprimento e cerca de 0,80 metro de largura, em toda a sua extensão (resposta ao quesito 16º).

20- Tinha uma profundidade que variava de forma contínua e em ligeiro declive, desde 0,70 metro, na extremidade contrária ao local onde ocorreu o sinistro, até cerca de 1,20 metros (resposta ao quesito 17º).

21- No local do sinistro a vala tinha profundidade não superior a 1,20 metros (resposta ao quesito 18º).

22- Destinava-se a mesma à colocação de tubos de saneamento, cada qual com cerca de 6,00 metros de comprimento (resposta ao quesito 19º).

23- Antes da realização dos trabalhos, a Ré empregadora tinha preparado a ficha de procedimento de segurança, com a identificação dos riscos da obra e das medidas de prevenção e de protecção dos seus trabalhadores e de terceiros; tal ficha de procedimentos de segurança previa a colocação de entivação em valas a partir de 1,20m de profundidade (resposta ao quesito 20º).

24- Antes do início dos trabalhos, o gerente da Ré, II, avaliou visualmente o terreno, que, com base na sua experiência profissional e com base noutros trabalhos de escavação e abertura de poços que já haviam sido efectuados nas proximidades desse local, identificou como sendo de natureza predominantemente xistosa e rochosa (resposta ao quesito 21º).

25- A colocação dos tubos seria iniciada na parte menos profunda da vala, na extremidade contrária àquela onde ocorreu o sinistro (resposta ao quesito 26º).

26- A vala tinha acabado de ser aberta em toda a sua extensão, quando o acidente se verificou (resposta ao quesito 27º).

27- O sinistrado entrou na vala e debruçou-se dentro dela (resposta ao quesito 31º).

28- Nesse momento ocorreu o desprendimento de rocha e terra de uma das faces da vala, que o soterrou e comprimiu, causando-lhe a morte por asfixia mecânica por compressão externa torácico-abdominal (resposta ao quesito 32º).”.

3----

        

E decidindo:

        

O que se discute na revista consiste em determinar se o acidente que vitimou o sinistrado resultou da violação das regras de segurança no trabalho pela empregadora e se, por via disso, esta ficou incursa na previsão do artigo 18º da Lei nº 98/2009, de 04.09 (doravante designada por LAT).

         Resulta com efeito do seu nº 1 que quando o acidente … resultar de falta de observação pelo empregador das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.

         E nos termos do nº 4, a pensão anual dos beneficiários em caso de morte será igual à retribuição, sendo repartida entre estes de acordo com as proporções estabelecidas nos artigos 59.º a 61.º

         Embora a protecção emergente de acidentes de trabalho constitua uma situação de responsabilidade objectiva do empregador, apenas abrangendo o ressarcimento dos danos previstos na LAT, podem ocorrer casos em que o acidente de trabalho resulta de responsabilidade subjectiva

do empregador, sendo então o sinistrado ou os seus beneficiários legais ressarcidos pela totalidade dos prejuízos sofridos pelo trabalhador e seus familiares, sejam danos patrimoniais ou não patrimoniais.

Discute-se portanto se o acidente resultou da violação da violação das normas de segurança no trabalho, tendo as instâncias dissentido no seu juízo.

Efectivamente, enquanto a 1ª instância entendeu que o empregador não violou quaisquer regras, condenando assim a seguradora no pagamento das pensões normais advindas do acidente de trabalho, já a Relação considerou que o mesmo resultou da violação das regras de segurança impostas pelo trabalho que o sinistrado estava a realizar, reconhecendo assim aos beneficiários o direito a uma pensão agravada nos termos do nº 4 do artigo 18º da LAT.

É contra tal posição da Relação que reage a recorrente, sustentando que:

Não violou quaisquer regras de segurança, pois sendo a altura da vala inferior a 1,20 m não lhe era exigível que a entivasse;

Não teve culpa na eclosão do acidente;

Não há nexo de causalidade entre a violação que a Relação entendeu existir e a ocorrência do acidente.

Estando o litígio colocado nestes termos, vejamos se a recorrente tem razão.

3.1---- 

O acidente ocorreu quando o trabalhador se encontrava debruçado no interior duma vala onde estava a trabalhar, tendo ruído parcialmente uma das paredes da mesma. E, como consequência, o sinistrado ficou soterrado, o que foi causa adequada do seu decesso por asfixia.

O direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde está consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa, resultando igualmente da alínea f), do n.º 1 do mesmo artigo, o direito dos trabalhadores à assistência e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais de que sejam vítimas.

Por sua vez, o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, consagra no artigo 127º, n.º 1, alínea h), que o empregador deve adoptar as medidas de segurança e saúde no trabalho que decorram da lei ou da regulamentação colectiva aplicável.

E do nº 1 do artigo 281.º do mesmo diploma resulta que o trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde, devendo o empregador assegurar-lhe condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção (nº 2), regulando a lei os modos de organização e funcionamento dos serviços de segurança e saúde no trabalho que o empregador deve assegurar.

A Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, veio estabelecer o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho, consagrando no nº 1 do seu artigo 5º que o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, que deverão ser asseguradas pelo empregador.

E o artigo 15º impõe ao empregador que assegure ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho (n.º 1), devendo igualmente zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador (nº 2).

Considerando que o sinistrado executava trabalho no interior duma vala destinada à colocação de tubos de saneamento, é também relevante chamar à colação a disciplina do DL nº 273/2003 de 29.10, diploma que veio estabelecer regras gerais de planeamento, organização e coordenação para promover a segurança, higiene e saúde no trabalho em estaleiros da construção, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho a aplicar em estaleiros temporários ou móveis (artº 1º).

E conforme prevê o seu artigo 29.º, até à entrada em vigor do novo Regulamento de Segurança para os Estaleiros da Construção mantêm-se em vigor o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958, e a Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, sobre as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho em estaleiros temporários ou móveis.

Resulta do artigo 13º desta Portaria que os trabalhos em escavações, poços, zonas subterrâneas, túneis, terraplenagens e coberturas, e os trabalhos com utilização de vigamentos metálicos ou de betão, cofragens, elementos pré-fabricados pesados, ensecadeiras e caixotões e trabalhos de demolição, realizados no estaleiro, devem obedecer às prescrições da legislação aplicável.

Assim, as prescrições mínimas de segurança para trabalhos de escavação e abertura de valas e trincheiras são as estabelecidas nos artigos 66º a 85º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (RSTCC), aprovado pelo Decreto nº 41.821, de 11/08.

O artigo 66º deste Regulamento, inserido sistematicamente no Título V, (com a epígrafe “escavações”), e no capítulo I (“disposições comuns”), prescreve que os trabalhos de escavação serão conduzidos de forma a garantir as indispensáveis condições de segurança dos trabalhadores e do público e a evitar desmoronamentos, devendo haver um técnico, legalmente idóneo, que seja responsável pela organização dos trabalhos e pelo estudo e exame periódico das escavações (§ único).

Por sua vez, o artigo 67.º estabelece que é indispensável a entivação do solo nas frentes de escavação, que será do tipo mais adequado à natureza e constituição do solo, profundidade da escavação, grau de humidade e sobrecargas acidentais, estáticas e dinâmicas, a suportar pelas superfícies dos terrenos adjacentes, exceptuando-se desta obrigação as escavações de rochas e argilas duras (§ único).

Nos artigos 69º a 72º, inseridos no capítulo II, estabelecem-se as normas que as obras auxiliares e os equipamentos devem respeitar, bem como as respeitantes à sua utilização, prevendo-se no primeiro daqueles normativos que a entivação duma frente de escavação, como é o caso das trincheiras, compreende normalmente elementos verticais ou horizontais de pranchões que suportem o impulso dos terrenos.

E no artigo 72º prevêem-se as características técnicas das entivações a utilizar na abertura de trincheiras com profundidades compreendidas entre 1,20 m e 3m, considerando o legislador que com a sua observância ficarão asseguradas as condições de segurança contra desmoronamentos perigosos.

Sendo este o quadro legal aplicável ao caso, vejamos os factos mais relevantes para decidir a matéria da revista.

3.2----

O acidente ocorreu quando o sinistrado se encontrava debruçado no interior duma vala destinada à colocação de tubos de saneamento e que não tinha qualquer tipo de entivação, designadamente através da colocação de pranchas ou qualquer travejamento horizontal ou vertical, pois a empregadora não providenciou pelo seu escoramento ou entivação.

Esta vala tinha cerca de 15 metros de comprimento e cerca de 0,80 metro de largura em toda a sua extensão.

E tinha uma profundidade que variava entre 0,70 metro e 1,20 metros.

Assim, a profundidade no local do sinistro não era superior a 1,20 metros, sendo o terreno composto por pedra de xisto e terra.

Quando o sinistrado se encontrava no interior da vala foi atingido por uma fraga que se desprendeu de uma das faces da vala e o empurrou contra a face oposta, tendo-se também desprendido as terras e pedras de um dos lados do talude, que caindo por cima do trabalhador, soterrando-o.

Perante este quadro fáctico concluiu a Relação que a empregadora violou o disposto nos artigos 66º e 67º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (a que pertencerão todos os preceitos a que não seja expressamente atribuída outra proveniência), considerando por isso que estava obrigada a entivar a vala de modo a impedir o deslizamento de terras que foi a causa da morte do sinistrado, por ter ficado soterrado.

Também concordamos com esta posição, pois os trabalhos de escavação têm que ser conduzidos de forma a garantir as indispensáveis condições de segurança dos trabalhadores e do público e a evitar desmoronamentos (artigo 66º), sendo por isso indispensável a entivação do solo nas frentes de escavação, que será do tipo mais adequado à natureza e constituição do solo, profundidade da escavação, grau de humidade e sobrecargas acidentais, estáticas e dinâmicas, a suportar pelas superfícies dos terrenos adjacentes, conforme advém do artigo 67º, pois o § único apenas exceptua desta obrigação as escavações de rochas e argilas duras, o que não era o caso.

Sustenta a recorrente que não estava obrigada a entivar a vala em virtude da mesma não ter uma profundidade superior a 1,20 m, escudando-se no disposto no artigo 72º.

No entanto, não tem razão, pois este preceito não estabelece qualquer excepção ao princípio geral que impõe a entivação de valas, conforme preceituado no artigo 67º.

Efectivamente, a supracitada norma constante do artigo 72º limita-se a prever as características técnicas a que devem obedecer as entivações a utilizar na abertura de trincheiras com uma única frente e com profundidades compreendidas entre 1,20 m e os 3m.

Assim, não podemos ver neste preceito a consagração de mais uma excepção à necessidade de entivação de valas imposta pelos artigos 66º e 67º, para além das que advêm do § único deste último. 

Na verdade, todo o capítulo II do Título V (onde se insere sistematicamente o aludido artigo 72º) refere-se à entivação das escavações com uma única frente, de que as trincheiras são o exemplo apontado pelo legislador.

Por isso, a previsão dele constante só pode aplicar-se às situações em que haja apenas uma frente, conforme resulta do nº 1 do artigo 69º.

Assim, o aludido preceito não pode aplicar-se às valas, onde temos duas frentes de escavação, conforme o artigo 67º prevê.

Neste sentido é inequívoco o próprio texto deste preceito que se refere a “frentes” de escavação para a vala, enquanto para as trincheiras se alude apenas a uma “frente”.

Nesta linha, temos de concluir que apesar da profundidade da vala não ser superior a 1,20 m, esta tinha de ser entivada da forma mais adequada à sua pouca profundidade para evitar o risco de derrocada das terras, conforme se prevê no corpo do artigo 67º.

E por isso temos de considerar que a entidade empregadora violou as regras de segurança no trabalho constantes dos aludidos artigos 66º e 67º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958.

Esta posição dispensa a análise da questão da culpa da entidade empregadora na ocorrência do acidente, pois, e conforme se decidiu no acórdão desta Secção de 1 de Março de 2018, Processo n.º 750/15.7T8MTS.P1.S1 (Ferreira Pinto), o agravamento da responsabilidade acidentária sucede quando o acidente se deve à culpa do empregador ou quando seja consequência da inobservância de regras de segurança, higiene e saúde que lhe seja imputável, residindo a diferença entre os dois fundamentos na prova da culpa, que tem que ser necessariamente feita no primeiro caso e que é desnecessária no segundo.

No entanto, e como se refere no mesmo aresto, a mera inobservância de preceitos legais que se refiram à saúde e segurança no trabalho não agrava, imediata e automaticamente, a responsabilidade da empregadora pelas consequências do acidente de trabalho, pois tem que se verificar também a existência de um nexo de causalidade entre esta inobservância e a produção do acidente, ou seja, a violação das normas de segurança e saúde no trabalho tem que ser, directa e necessariamente, causal do acidente, conforme se decidiu também no acórdão proferido em 19.06.2013, no processo n.º 1294/04.8TTLRA.C1.S1[1].

Nesta linha, e uma vez que a recorrente advoga que não há nexo de causalidade entre a violação que a Relação entendeu existir e a ocorrência do acidente, temos que apreciar esta questão. 

3.3----

Alega esta que se desconhece, em concreto, o que pro­vocou o desmoronamento e, bem assim, o grau de humidade e sobrecargas aciden­tais, estáticas e dinâmicas, a suportar pelas superfícies dos terrenos adjacentes, pelo que não é possível concluir que as medidas de segurança omitidas, designadamente a entivação com as características técnicas mínimas estabelecidas na lei, fossem ade­quadas e suficientes para evitar o desmoronamento/desprendimento da pedra que atingiu o sinistrado.

Sustenta assim que não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre a falta de implementação de tais medidas e a ocorrência do acidente, tanto mais que nem sequer foi alegado e muito menos demonstrado que a en­tivação da vala teria evitado o acidente ou reduzido as suas consequências.

Sendo esta a argumentação da recorrente, vejamos se a mesma procede.

Conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 27.04.2017, proferido no processo n.º 1523/13.7T2AVR.P1.S1, acessível em www.stj.pt, não cabe no âmbito do recurso de revista alterar o julgamento de facto que vem das instâncias, salvo quando estejam em causa meios de prova com valor tabelado ou regras que exijam determinado meio de prova (cf. artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do CPC).

E quanto ao nexo de causalidade, necessário enquanto pressuposto da obrigação de indemnizar, apenas compete ao Supremo Tribunal de Justiça verificar se foram ou não observados na subsunção dos factos os critérios legalmente definidos pelo artigo 563.º do CC.

Continuando a seguir o acima mencionado acórdão de 1 de Março de 2018, este preceito consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa, nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a sua produção, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.

A teoria da causalidade adequada impõe, pois, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado; e, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em geral e abstracto, adequado e apropriado para provocar o dano.

E assim sendo, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intervieram no caso concreto.

O acórdão recorrido, citando a doutrina do acórdão daquela Relação de 04.10.2017 (processo nº 1207/15.1T8BGC.G1,www,dgsi.pt), também seguiu esta orientação, considerando que:

“Em concordância com o defendido no Acórdão do STJ de 23/09/2009, Proc. n.º 107/05.8TTLRA.C1 e no qual se faz menção aos ensinamentos dos Professores Antunes Varela e Pessoa Jorge, de acordo com a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa o estabelecimento do nexo de causalidade juridicamente relevante para o efeito de imputação de responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito praticado pelo agente, tenha actuado como condição da verificação de certo dano, apenas se exigindo que o facto não tenha sido, de todo em todo, indiferente para a produção do dano, dentro dos juízos de previsibilidade que decorrem das regras da experiência comum. …”

E nesta linha veio a concluir pela existência de nexo de causalidade entre a já referida violação das regras de segurança e a ocorrência do acidente.

Sendo contra tal posição da Relação que se insurge a recorrente, não podemos dar-lhe razão.

Com efeito, e conforme já se disse, o acidente ocorreu quando o sinistrado se encontrava, debruçado, no interior duma vala, quando exercia as suas funções, tendo então sido atingido por uma fraga que se desprendeu de uma das faces da vala e o empurrou contra a face oposta.

Além disso, sendo o terreno onde a vala foi aberta composto por pedra de xisto e terra, e não tendo a vala qualquer tipo de entivação, designadamente através da colocação de pranchas ou qualquer travejamento horizontal ou vertical, as terras e as pedras de um dos lados do talude desprenderam-se, e não tendo qualquer suporte que as fixasse, caíram por cima do trabalhador, soterrando-o.

Face a esta materialidade, também temos de concluir pela existência de nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança (falta de entivação da vala) e a ocorrência do acidente.

Efectivamente, a execução de trabalhos em escavações constitui uma das áreas que o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil regulou com considerável minúcia e cautela, pois o legislador conhecia bem os elevados riscos de deslizamento de terras próprios deste tipo de trabalho, com o consequente risco de soterramento dos trabalhadores que o executam.

Por outro lado, sendo o terreno onde a vala foi aberta composto por pedra de xisto e terra, o risco de derrocadas de terras, mesmo em valas de altura inferior a 1,20 m, era grande, atenta a natureza fragmentária e pouco compacta do terreno.

Aliás esta fragilidade do terreno foi antecipada pela ficha de procedimento de segurança elaborada pela empregadora, quando foram identificados os riscos da obra, conforme se colhe do facto 23º.

 

Por isso, não podemos concluir como pretende a recorrente que a omissão da obrigação de entivação da vala foi absolutamente inidónea para a ocorrência do deslizamento das terras que provocou o soterramento do trabalhador, pois embora a sua cota de profundidade não fosse elevada, por ser inferior a 1,20 m, mesmo assim existia um risco elevado de derrocada e de deslizamento de terras, face à natureza fragmentária e pouco compacta do terreno.

E assim sendo, não se pode considerar que esta violação das regras de segurança foi absolutamente indiferente à ocorrência do acidente, tanto mais que não se provaram quaisquer circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas que o tenham originado, prova que competia à recorrente por se tratar de facto impeditivo do direito reclamado.

Nesta linha, sendo de concluir pela existência de nexo de causalidade entre a omissão da entivação da vala e a ocorrência do acidente que vitimou o sinistrado, improcede também esta questão suscitada pela recorrente.

Por tudo o exposto, e improcedendo o recurso, temos de confirmar o acórdão impugnado.

4-----

        

Termos em se acorda nesta Secção Social em negar a revista.

         Custas a cargo da recorrente.

Anexa-se o sumário do Acórdão.

         Lisboa, 25 de Outubro de 2018

         Gonçalves Rocha (Relator)

         António Leones Dantas

         Júlio Gomes

______________
[1] No mesmo sentido os acórdãos de 14.03.2007, de 06.05.2015, de 29.10.2013, e de 19.06.2013, proferidos, respectivamente, nos processos 06S1957, 220/11.2TTTVD.L1.S1, 402/07.1TTCLD.L1.S1 e 3529/04.8TTLSB.L2.S1, todos em www.dgsi.pt.