Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1261/07.0TBOLHE.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BENTO
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
PRIVAÇÃO DO USO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DANO EMERGENTE
LUCROS CESSANTES
ÓNUS DA PROVA
BEM IMÓVEL
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
EQUIDADE
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
HERDEIRO
JUROS DE MORA
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
CONHECIMENTO OFICIOSO
Data do Acordão: 10/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE / USO E HABITAÇÃO - DIREITO DAS SUCESSÕES / ENCARGOS DA HERANÇA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, vol. I, Indemnização do dano da privação do uso, 2007, p. 13.
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8ª ed., 2000, pp. 461-462.
- Antunes Varela, Direito das Obrigações, vol. I, 10ª ed., pp.473 e 479, 481, 491-493.
- Calvão da Silva, “Sanção Pecuniária Compulsória”, BMJ, 359-101.
- Karl Larenz, Derecho de Obligaciones, vol. II, p. 553.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 2000, pp. 297, 413; Direito das Obrigações, vol. II, 2002, p. 276.
- Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol. I, 2008, pp. 591, 594-596.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 483.º, N.º1, 562.º, 563.º, 564.º, N.º2, 566.º, N.ºS2 E 3, 829.º-A, N.ºS 1 E 4, 1305.º, 1484.º, N.º1, 2068.º, 2071.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 378.º, N.º2, 473.º, N.ºS 1 E 2, 474.º, N.º1, 479.º, N.º1, 496.º, N.º1, 661.º, N.ºS 1 E 2, 684.º-A, N.º1, 722.º, N.º2, 729.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 23-03-1999, PROC. Nº 147/99, C J/ STJ, 1999, TOMO I, P. 172 E SEGS.;
-DE 06-12-2006, PROC. Nº 3483/06;
-DE 08-05-2007, PROC 07A1066;
-DE 14-07-2009, PROC. Nº 630-A/1996.S1;
-DE 03-09-2009, PROC Nº 20/03.3TYLSB.S1;
-DE 28-10-2010, DA 7.ª SECÇÃO;
-DE 10-01-2012, REVISTA N.º 189/04.0TBMAI.P1.S1 - 6.ª SECÇÃO;
-DE 12-01-2012, PROC Nº 1875/06.5TBVNO.C1.S1;
-DE 10-07-2012, PROC. N.º 3482/06.3TVLSB.L1.S1 - 1.ª SECÇÃO;
-DE 20-11-2012, 176/06.3TBMTJ.L1.S2;
-DE 22-01-2013, PROC. Nº 3313/09.2TBOER.L1.S1 – 6ª SECÇÃO;
-DE 08-05-2013, PROC. Nº 3036/04.9TBVLG.P1.S1 – 7ª SECÇÃO;
-DE 04-07-2013, PROC. Nº 5031/07.7TVLSB.L1.S1, 2.ª SECÇÃO.
Sumário :
I - A privação do direito de uso e fruição integrado no direito de propriedade configura, por si só, uma desvantagem económica que se reflecte necessariamente no valor do mesmo.

II - Em decorrência da teoria da diferença consagrada no n.º 2 do art. 566.º do CC, tal dano – normativo e meramente abstracto – não é autonomamente ressarcível, só o sendo quando se reconduz a dano emergente ou lucro cessante.

III - O ónus de alegação e prova de tais danos incumbe ao lesante.

IV - A fixação equitativa da indemnização supõe a existência de limites quantitativos provados.

V - Se na pendência de uma acção de reivindicação os autores não logram provar os danos emergentes (impossibilidade de habitar e fazer obras no prédio) e lucros cessantes (frustração efectiva do arrendamento do imóvel) por si invocados, fica inviabilizado o recurso à equidade para determinação da indemnização pela privação do uso.

VI - Sem embargo do referido em II e V, a ocupação do prédio pelos réus, beneficiando das vantagens de um bem alheio, sem título que o legitimasse, durante os quase nove anos em que, por via dos sucessivos recursos por si interpostos, esteve pendente a acção, legitima o reconhecimento de um crédito aos autores com fundamento no enriquecimento sem causa.

VII - São pressupostos do enriquecimento sem causa: a) a existência de um enriquecimento; b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento.

VIII - À custa de outrem não significa necessariamente que o credor da restituição seja empobrecido, mas apenas que o valor que entra no património do enriquecido corresponde ao que foi obtido com meios ou instrumentos pertencentes ao credor da restituição.

IX - Nos casos de enriquecimento sem causa fundado na utilização de bens alheios o valor da restituição é o valor de exploração, aferido pelo critério do valor objectivo dos bens.

X - Se as partes reconhecem um valor locativo ao prédio cujo valor concreto não se apurou, nada impede a condenação das rés a restituir aquele que se venha a provar em incidente de liquidação.

XI - Se os réus são demandados na qualidade de sucessores do lesante – e não por responsabilidade decorrente de danos próprios – a sua responsabilidade está limitada às forças da herança (arts. 2068.º e 2071.º, n.ºs 1 e 2, do CC).

XII - O âmbito de aplicação da sanção pecuniária compulsória prevista no art. 829.º-A, n.º 4, do CC, é constituído por todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais e visa pressionar o devedor e não indemnizar o credor,, distinguindo-se em tal função dos juros de mora.

XIII - A sua aplicação é oficiosa, não carecendo de ser pedida na acção declarativa.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


RELATÓRIO

O prédio misto sito no Sítio da Igreja, freguesia do Pechão concelho de Olhão, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 100 - secção D (anterior artigo 1849) e na matriz predial urbana sob os artigos 470 e 471, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n° 1569/990331 esteve ocupado sem qualquer título jurídico que tal legitimasse por AA e mulher, BB.

Para obter o reconhecimento do seu direito de propriedade e a restituição de tal prédio intentou a respectiva dona, CC que também usa e é conhecida por CC , em 28-10-1998,acção de reivindicação contra os referidos AA e BB.

Tal acção veio a ser julgada integralmente procedente na 1ª instância, por sentença de 15-08-2006, confirmada por acórdão da Relação de Évora de 01-02-2007, este, por sua vez, confirmado por acórdão do STJ de 13-09-2007, sempre em recursos interpostos pelos RR.

Em 26-11-2007, intentaram CC e DD , a favor de quem tal prédio estava inscrito sem determinação de parte ou direito, acção de processo ordinário contra BB, EE e FF, aquela por si e também conjuntamente com estes na qualidade de sucessores de AA, com vista à condenação solidária dos demandados no pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais assim discriminados:

a) dano da privação do uso do prédio misto - € 21.500,00 euros;

b) outros danos patrimoniais - € 1.500,00 euros;

c) danos morais sofridos pela Autora, CC - € 1.500,00 euros;

d) danos morais sofridos pelo Autor DD - € 500,00 euros.

Subsidiariamente, para o caso de, por qualquer motivo não proceder o pedido de indemnização relativamente à privação do direito de uso do prédio (calculado em € 21.500,00 euros), pediram a condenação dos RR a:

a) pagar aos AA a quantia de € 1.500,00 euros de indemnização pelos restantes danos materiais;

b) pagar à Autora CC a quantia de € 1.500,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais;

c) pagar ao Autor DD a quantia de € 500,00 euros, a título de indemnização pr danos não patrimoniais;

d) entregar aos AA a quantia de € 21.500,00 euros, a título de restituição por enriquecimento sem causa (pelo enriquecimento decorrente do uso ilegítimo do prédio).

Em qualquer dos casos, pediram também juros de mora, à taxa legal até integral pagamento, bem como juros compulsórios, à taxa de 5% ao ano, nos termos do art. 829º-A nº4 CC, desde a data do trânsito em julgado.

Os RR defenderam-se por impugnação.

Saneado o processo e discriminados os factos assentes dos controvertidos, veio a realizar-se a audiência de julgamento e subsequentemente, m 16-06-2011, a ser proferida sentença que condenou a Ré BB a pagar aos AA, CC e DD , a quantia de € 1.500,00 euros, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença e a absolveu a ela e aos demais RR, EE e FF dos demais pedidos contra eles formulados.

Apelaram AA e RR para a Relação de Évora e nas respectivas alegações, os AA reduziram o pedido de indemnização pela privação do uso para € 6.345,00 euros.

E a Relação de Évora, por acórdão de 15-11-2012, deliberou condenar os RR BB, EE e FF a pagar aos AA a quantia de € 6.345,00 euros (valor fixado com recurso à equidade) pelo dano da privação do uso e a quantia de € 1.500,00 euros por danos não patrimoniais, acrescendo a estes montantes os juros de mora desde o trânsito em julgado até integral pagamento bem como os juros compulsórios.

Novo recurso, agora para o STJ, desta feita interposto pelos RR, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e reposição da sentença d 1ª instância.

Os AA contra-alegaram em defesa da subsistência do acórdão recorrido.

Remetidos os autos ao STJ, após o exame e despacho preliminar e acatamento pelos recorrentes do convite à condensação das conclusões da respectiva alegação, foram corridos os vistos.

Nada continua a obstar ao conhecimento do recurso.


FUNDAMENTAÇÃO

Delimitação do objecto do recurso

Importa, antes de mais, delimitar o objecto que os recorrentes propõem para o presente recurso; e são as seguintes as conclusões por eles sintetizadas:

1 – O tribunal de 2ª instância circunscreveu o objecto de recurso às questões seguintes:

1. Da absolvição dos apelados EE e FF e do pedido de indemnização por danos decorrentes das privação do uso do prédio no montante de € 6.345,00.

2. Da condenação dos Apelados a pagar aos Apelantes CC e DD uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 1.500,00 cada um.

2 – O tribunal recorrido, na apreciação e decisão do primeiro dos pontos da apelação, julgou o recurso procedente, acolhendo a tese que defende que o ressarcimento não está dependente de prova, em concreto, de prejuízo sofrido, sendo suficiente a prova da mera privação temporária do uso.

Decorre que, 

4 – Não resulta da factualidade assente que os réus EE e FF alguma vez tivessem ocupado o prédio dos autores.

5 – Ou sequer que da ocupação (feita por qualquer um dos réus) tivessem resultado para os autores qualquer dano.

6 – A intervenção dos mesmos nos autos resulta apenas da circunstância do seu pai, demandado original, ter falecido na pendência da acção de reivindicação de propriedade intentada pelos autores.

7 – A ré BB deixou de ocupar o referido prédio em data anterior a Outubro de 2007.

8 – Os recorrentes discordam da interpretação da lei (art. 483º do CC), acolhida pelo tribunal recorrido e que culminou com a sua condenação e acompanham de perto os ensinamentos e a decisão do tribunal de 1ª instância.

Na realidade,

9 – Os recorrentes, se bem que tenham invocado (e qualificado) danos patrimoniais decorrentes da ocupação do seu prédio não lograram prová-los.

10 – A tese da decisão em crise faz da responsabilidade civil um instituto essencialmente repressivo e desligam-no de qualquer preocupação reparadora.

11 – Em violação do que dispõe o artigo 483º do Código Civil, sendo o dano (inexistente “in casu”) um dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.

12 – No que tange à segunda questão a decidir (“da responsabilidade dos réus EE e FF por danos não patrimoniais”) concluiu o tribunal recorrido que os mesmos, como sucessores ocupam o lugar do falecido, sucedendo-lhe na sua posição jurídica pelo que condenou-os no pagamento da quantia de 1.500,00 €.

13 – A este propósito os recorrentes acompanham igualmente o doutamente vertido na decisão de 1ª instância.

De facto,

14 – Por um não resultaram provados quaisquer comportamentos dos recorrentes, EE e FF, geradores de danos.

15 – Por outro lado, não resultaram provados quaisquer danos para o recorrente DD.

16 – Tudo razões para entender que a decisão em crise do condenar todos os réus a solidariamente indemnizar os autores, incluindo o DD, que comprovadamente nenhum dano não patrimonial sofreu, olvida a factualidade assente e colide frontalmente com o disposto no artigo 496º do Código Civil.

17 – Por último e no que concerne à condenação no pagamento dos juros compulsórios é válido igualmente o entendimento do Tribunal da 1ª instância que aqui se deixa transcrito:

Por fim, no que tange aos juros compulsórios, o pedido assenta no preceituado no artigo 829º-A nº4 do Código Civil, preceito legal aditado àquele Código pelo Decreto-Lei nº 262/83 de 16 de Junho. É inequívoco pela inserção sistemática do citado preceito legal (numa subsecção dedicada à execução específica das obrigações) que o mesmo é de aplicar às cláusulas penais fixadas em dinheiro e às sanções penais compulsórias decretadas pelo tribunal nos termos prescritos nos termos do nº1 do artigo 829º-A (A. Varela, P. Lima, ob cit., volume II, 3ª edição, Coimbra Editora Limitada, 1986, página 108). Não pode, por conseguinte, proceder o pedido nesta parte”.

Concluem, pedindo a revogação da decisão em crise.

Por conseguinte, o objecto do recurso decompõe-se na apreciação das seguintes questões:

- Se a privação do uso de um prédio na pendência de uma acção de reivindicação e respectivos recursos configura, só por si, um dano indemnizável;

- Responsabilidade dos sucessores de parte falecida na pendência da causa;

- Aplicabilidade da sanção pecuniária compulsória à indemnização.

Matéria de Facto

São os seguintes os factos provados:


1.         Os autores têm registado a seu favor o prédio misto localizado no Sítio da Igreja, freguesia de Pechão, concelho de Olhão, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 100 - secção D (anterior artigo 1849) e na matriz predial urbana sob os artigos 470 e 471, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n° 1569/990331;

2. O prédio misto em questão foi ocupado pela ré BB e pelo seu marido, AA, em data anterior a Dezembro de 1995;
3. BB e o marido habitavam a parte urbana daquele prédio misto, do qual detinham as chaves e onde pernoitavam, cozinhavam, tomavam as suas refeições, realizavam as respectivas tarefas domésticas, recebiam familiares e amigos e tinham momentos de laser, e ocupavam a parte rústica do citado prédio misto, semeando as terras, colhendo os frutos (amendoeiras, oliveiras, alfarrobeiras e figueiras) e produtos hortícolas (grãos, favas e ervilhas), mantendo e tratando os animais domésticos (nomeadamente, aves de capoeira, coelhos, porcos e gado);

4. Em Dezembro de 1995, a autora CC passou a solicitar à ora ré BB e ao seu marido, AA que desocupassem o prédio misto referido em 1 supra;

5. Porque aquela e o marido não fizeram a entrega do prédio conforme solicitado, a autora intentou contra aqueles a acção declarativa n° 180/98, que correu termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judiciai de Olhão;

6. Nessa acção peticionou a ora autora que a ré BB e o marido fossem condenados a reconhecê-la única e exclusiva proprietárias do prédio misto referido em 1. supra e consequentemente procedessem à sua entrega;

7. A ré BB e o marido contestaram a acção referida em 5. supra alegando serem titulares de um contrato de arrendamento que tinha por objecto o prédio em causa;

8. Posteriormente, o autor GG (acompanhado de sua mulher HH deduziu incidente de intervenção principal espontânea (o qual foi admitido] tendo em articulado próprio, peticionado ao Tribunal que o reconhecesse a ele, conjuntamente com sua mãe II, os únicos e exclusivos proprietários do imóvel referido em I. supra e que condenasse os réus a procederem à entrega do prédio em causa;

9. Tendo AA falecido na pendência da causa, viera a ser declarados habilitados para prosseguirem na acção como réus, BB, EE e FF (ou seja todos os ora réus};

10. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que condenou os réus a reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre o prédio referido em 1. supra e a procederem à sua entrega aos autores;

11. Inconformados, os então réus interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora que confirmou a sentença recorrida;
12. De novo irresignados, os réus recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, que confirmou o acórdão recorrido;

13. Parte do telhado exterior está sem telhas, deixando passar água da chuva;

14. Em dia não concretamente apurado do mês de Outubro de 2007, a autora passou a utilizar e dispor do prédio referido em 1. supra;

15. Apesar de a ré BB ter, em data anterior a Outubro de 2007, deixado de habitar a parte urbana do prédio referido em 1. supra, nem ela nem nenhum dos réus procederam à entrega do imóvel aos autores;

16. Aquando do referido em 14. supra, no interior da casa havia cinzas e pedaços de madeira;

17. As paredes interiores e exteriores da casa têm espaços onde não existe reboco (sendo visíveis as pedras que ele cobrira) e algumas paredes da casa têm fissuras e buracos;

18. A porta de entrada para a casa estava arrancada dos batentes e tinha buracos;

19. O tecto está a cair devido às águas das chuvas que se têm infiltrado pelo telhado;

20. Os réus recusaram-se a entregar o prédio referido em 1. supra aos autores antes da data do trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referido em 12. supra;

21. Após o referido 15. supra, a ré BB continuou (até data não apurada) a ir ao prédio sempre que queria para, entre outras coisas, ir cuidar de galináceos que ali, durante algum tempo, manteve;

22. A autora, nos períodos que passou em Portugal e até pelo menos 2007, alojou-se em casa de sua irmã JJ, sita na Rua do Pé da Cruz, n° 30, em Estói, concelho de Faro;

23. Desde 1995, o autor DD passou várias vezes férias em Portugal, onde permanecia por períodos de tempo não superiores a 30 dias;

24. O autor DD passou os períodos de férias em Portugal em casa de um familiar;

25. A autora CC sentiu-se triste e ansiosa pelo facto de se ver privada do uso do prédio durante os anos em que decorreu a acção referida em 5. supra dos factos assentes."

Direito - Apreciação:

Cumpre agora apreciar cada uma das questões enunciadas.

Comecemos pela 1ª, ou seja, pela questão de saber se a privação do uso de um prédio na pendência de uma acção de reivindicação, configura, só por si, um dano indemnizável se vier a ser decretada a restituição por inexistência de título de ocupação.

Ao invés da 1ª instância, a Relação entendeu que sim.

Escreveu-se no douto acórdão recorrido, depois de aludir à privação de uso como fonte de danos de natureza patrimonial e não patrimonial:

“Mesmo quando se aceita a sua patrimonialidade, verifica-se uma nítida fractura entre as decisões para as quais basta, para que seja reparável a demonstração do não uso do bem atingido – e aquelas que julgam insuficiente essa demonstração, sendo necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial.

A privação do uso de um bem constitui, por si, dano patrimonial, visto que constitui lesão do direito real de propriedade correspondente, traduzida na exclusão de uma das faculdades de que ao proprietário é lícito gozar: a de uso e fruição da coisa (art. 1305º do Código Civil). O uso de um bem constitui uma situação favorável que o direito amplamente tutela: a supressão dessa faculdade constitui, juridicamente, um dano.

O acto de terceiro que torne materialmente indisponíveis as utilidades que é possível extrair desse bem – que têm, naturalmente, uma expressão pecuniária – deve ser encarado como um dano que, como tal, deve ser objecto de reparação adequada (artigo 483º nº1 do Código Civil). Decerto que, muitas vezes, será difícil, por recurso à teoria da diferença mensurar esse dano e a indemnização que lhe deve corresponder. Mas esta dificuldade não é intransponível: nesta conjuntura sempre restará ao tribunal a última ratio de julgamento representada pela apreciação equitativa do valor do dano (artigo 566º nº3 do Código Civil).”

E, nesta linha, bastando-se com a prova do não uso do prédio pelos respectivos proprietários e sem prova de concretos e específicos danos, a Relação, indiscutida que é a ilicitude e culpa dos lesantes, fixou a indemnização devida por essa privação do uso no valor para o qual os proprietários haviam reduzido o pedido e que, na falta de dados concretos, foi assumido como equitativo.

Ora, é inquestionável que, estando o prédio ocupado e recusando os ocupantes a sua entrega aos respectivos donos, forçando estes ao recurso à acção de reivindicação de propriedade com vista à obtenção da restituição do dito, aqueles estiveram impossibilitados de usar o prédio enquanto tal acção esteve pendente, ou seja, até ao reconhecimento - que veio a ter lugar no STJ, por os demandados haverem sucessivamente recorrido através de apelação e de revista das decisões que nas várias instâncias lhes foram sempre desfavoráveis - do direito à restituição com a consequente condenação dos demandados, por falta de título legitimador da ocupação.

Com tal restituição, visavam os AA recuperar para a sua esfera jurídica a totalidade dos poderes ou faculdades inscritos no direito de propriedade, maxime os de uso e fruição do imóvel; deve, por isso, entender-se que pretendiam beneficiar da faculdade do uso e fruição do prédio.

O direito de uso e de fruição integrado no direito de propriedade representa, assim, uma vantagem económica que se reflecte necessariamente no valor do imóvel.

Desde logo no valor de mercado: basta ponderar o caso de dois prédios, em tudo semelhantes (v.g, edifícios geminados) mas um dos quais está ocupado abusivamente e sem qualquer título jurídico por pessoas que se recusam a abrir mão dele; neste caso dificilmente qualquer interessado os adquiriria pelo mesmo valor.

O uso como aproveitamento efectivo das utilidades concretas de um dado bem tem um inegável valor económico como objecto de negociação autónoma pelo titular do respectivo direito (proprietário ou usufrutuário): pode ser objecto de contratos onerosos (v.g., locação) ou gratuitos (v. g., comodato), cujos beneficiários terão direito a indemnização se de tal uso forem ilícita e culposamente privados.

Por conseguinte, a privação do uso ou da possibilidade de uso configura, só por si, uma desvantagem económica, o mesmo é dizer, implica uma diferença patrimonial, ou seja, um dano; discutível será a questão de saber se este dano se basta com a mera proclamação da privação do uso sem necessidade de mais concretização, ou seja, sem demonstração das utilidades que não foram aproveitadas, um dano abstracto, portanto, ou se, ao invés, a privação do uso como conceito jurídico-normativo deve ser explicitada e concretizada nas utilidades (efectivas ou projectadas) cujo aproveitamento foi impedido.

O Prof. Menezes Leitão refere a este propósito que

«efectivamente o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano», (cfr. Direito das Obrigações, vol. I, 2000, p. 297). negrito e sublinhado nossos).

De igual modo, o Cons, Abrantes Geraldes sustenta que

“a ilegítima privação de um bem é susceptível de, por si só, constituir o agente ou o responsável na obrigação de indemnizar o credor ou o lesado, sem necessidade da prova de outros factos…” (cfr. Temas da Responsabilidade Civil, vol I, Indemnização do dano da privação do uso, 2007, p. 13).

Portanto, a mera privação do uso (ou, se se preferir, da possibilidade de uso), constituindo só por si, um dano, seria causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização.
            O STJ tem conferido autoridade a esta interpretação; assim, no recente Ac. 08-05-2013 (Proc. nº 3036/04.9TBVLG.P1.S1 – 7ª Sec, Rel. Maria Prazeres Beleza, onde se escreveu que:
“Entende-se que a privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira o direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito (assim, por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 5 de Julho de 2007, www.dgsi.pt, proc, nº 07B1849, ou de 10 de Setembro de 2009, já citado); e que o cálculo da correspondente indemnização, tal como se decidiu no acórdão recorrido, há-de ser efectuado com base na equidade, por não ser possível avaliar “o valor exacto dos danos” (nº 3 do artigo 566º do Código Civil)”.
            Por sua vez, no Ac. 22-01-2013 (Proc. nº 3313/09.2TBOER.L1.S1 – 6ª Sec, Rel. Nuno Cameira, entendeu-se que:

“A simples falta de prova de danos concretos não deve conduzir à necessária recusa da indemnização pela privação do uso, verificados que estejam todos os restantes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual”.

Não parece, contudo, que, à luz da matéria de facto provada, estejamos perante um dano (patrimonial) da privação do uso do prédio, susceptível de ser ressarcido.

Com feito, o direito à indemnização configura-se como o direito à compensação ou preenchimento da diferença patrimonial entre a situação real e a situação hipotética em que o lesado se encontraria não fora o dano (art. 566º nº2 CC).

Para além dos casos - que ora não estão em causa - em que a privação do uso envolve um dano de natureza não patrimonial, não se discute a ressarcibilidade de tal dano quando ele se reconduz a dano emergente (v.g. custos de substituição) ou lucro cessante (vg, rendimentos frustrados).

E nestes casos, os factos relevantes determinantes da diminuição (ou não aumento) patrimonial verificada devem ser alegados e demonstrados, como constitutivos do direito à indemnização (art. 342º nº1 CC).

Com efeito, muito embora os AA tivessem alegado o valor locativo do imóvel, susceptível de funcionar como critério de fixação da medida da indemnização pela via da equiparação a lucros cessantes (teoria da comercialização do valor de uso), os AA não lograram demonstrá-lo (cfr. respostas negativas aos pontos nºs10º e 11º da base instrutória).

Invocaram também a ocupação do imóvel como determinante da sua impossibilidade de nele fazer obras de ampliação da respectiva parte urbana e de nele habitarem quando vinham a Portugal de férias e a A também quando regressou definitivamente ao País, recorrendo, por isso, a acolhimento de favor em casa de familiares.

Estes factos constituiriam inequívocos danos emergentes.
Todavia, tendo-se apurado que a autora, nos períodos que passou em Portugal e até pelo menos 2007, alojou-se em casa de sua irmã JJ, sita na Rua ... (cfr. nº22) e que desde 1995, o autor DD passou várias vezes férias em Portugal, onde permanecia por períodos de tempo não superiores a 30 dias, passando esses períodos de férias em casa de um familiar (cfr. nº 23 e 24), não foi estabelecida a relação de causa e efeito entre a ocupação do prédio e o recurso ao favor de familiares (cfr. a restrição das respostas aos quesitos 6º e 9º da base instrutória e a resposta “não provado” aos quesitos 5º e 7º quanto ao alegado propósito e impossibilidade de realização de obras no prédio).
Trata-se de matéria de facto da competência exclusiva das instâncias que o STJ, como tribunal de revista, tem de acatar, não lhe sendo lícita a formulação de quaisquer reparos - por o juízo de facto que presidiu à sua fixação assentar em meios de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal, sem envolver violação de quaisquer normas legais imperativas (art. 722º nº2 e 729º nº1 CPC).
A qualificação do dano da privação do uso como dano autonomamente ressarcível independentemente dos concretos danos emergentes e lucros cessantes, tem sido recusada por impossibilidade de funcionamento da teoria da diferença consagrada no art. 566º nº 2 CC, no cálculo da medida da respectiva indemnização.

Expliquemos:

O art. 1305º CC prescreve que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem…”.

Se bem que integrando o complexo de direitos, poderes e faculdades em que se analisa a posição jurídica do proprietário, o simples uso, enquanto efectivo aproveitamento de utilidades, constituirá, só por si, uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, mas o não uso não envolve necessariamente uma desvantagem, o mesmo é dizer um dano.

Com efeito, se é inquestionável que a privação do uso de uma coisa pode integrar um ilícito gerador de responsabilidade civil e da consequente obrigação de indemnizar, uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos de uso e fruição inerentes à propriedade, ou seja, a faculdade de se servir da coisa e de fazer seus os respectivos frutos (art. 1484º nº1 CC), isso não significa, todavia, que a plenitude do direito de propriedade implique necessariamente o uso ou fruição; bem ao invés, o exercício do uso e fruição corresponde a meras faculdades do proprietário; melhor seria dizer, por isso, que o direito de propriedade envolve apenas e tão só a mera faculdade (que pode ser exercida ou não…) de uso e fruição, logo, o exercício de tal faculdade configura uma manifestação de liberdade do dono no que concerne ao aproveitamento dos seus bens: o proprietário absentista que não usa nem cede o uso nem tenciona fazê-lo, isto é, o que não aproveita nem permite que os outros aproveitem, não sofre dano de privação do uso, pois que nenhuma desvantagem patrimonial lhe advém da eventual actuação de terceiro susceptível de impedir o seu uso…

Por isso, este STJ entendeu em Ac de 10-01-2012 (cfr. Revista n.º 189/04.0TBMAI.P1.S1 - 6.ª Secção – Rel. Nuno Cameira) que:

“I - A privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, i.e., de usar, fruir e dispor do bem nos termos genericamente consentidos pelo art. 1305.º do CC.

II - Não é suficiente, todavia, a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efectivo – de proceder à sua utilização” (negrito e sublinhado nosso).

Nesta perspectiva, a mera privação do uso, no sentido de impedimento do aproveitamento das utilidades dos bens, só constitui um dano relevante, susceptível de indemnização, se for explicitada nas concretas e explícitas desvantagens económicas - seja em termos de danos emergentes (v.g., custos de substituição do uso impedido) e de lucros cessantes (v.g, frustração de ganhos ou de rendimentos) seja em termos da frustração ou impedimento da obtenção das concretas vantagens associadas à disponibilidade imediata do bem (v.g., privação de uso concreto susceptível de subsunção à categoria de dano emergente ou de lucro cessante) - manifestados através da diferença patrimonial a que alude o art. 566º nº2 CC.

A privação do uso e fruição é a privação da possibilidade de se servir e de fazer seus os frutos da coisa, no momento actual (o que pode integrar um dano emergente) e no futuro (o que pode integrar um lucro cessante) - devendo sempre concretizar-se em que consistiam esses serviços e aproveitamento de frutos.

Assim, o STJ em caso algo semelhante (reivindicação de fracção autónoma ocupada) doutrinou que
“A mera privação (de uso) da fracção reivindicada, impedindo, embora, o proprietário do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição nos termos do artigo 1305º do CC, só constitui dano indemnizável se alegada e provada, pelo dono, a frustração de um propósito, real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante”. (cfr. Ac STJ de 08-05-2007, Proc 07A1066, Rel. Sebastião Povoas).

E, contemplando embora a privação do uso de veículos automóveis, em princípio orientador que vale para quaisquer categorias de bens, na medida em que está em causa a privação da possibilidade de aproveitamento das respectivas utilidades, o STJ tem entendido que

“a mera privação do uso de um veículo, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil” (cfr Ac. 10-07-2012, Proc. n.º  3482/06.3TVLSB.L1.S1  -  1.ª Secção, Cons. Helder Roque (Relator)


            Neste sentido se tem mantido a orientação da jurisprudência mais recente da jurisprudência desta 2ª Secção do STJ, como se alcança pelo Ac de 04-07-2013 (Proc. nº 5031/07.7TVLSB.L1.S1, Rel. Cons. Pereira da Silva):


“A privação do uso de um veículo automóvel não é suficiente para nela fundar a obrigação de indemnizar, a não serem alegados e provados danos emergentes e (ou) lucros cessantes por aquela causados”.

            Temos seguido esta orientação; assim, o Ac de 12-01-2012 entendemos que
“a simples privação do uso de um veículo, desacompanhada da demonstração de outros danos – seja na modalidade de lucros cessantes (frustração de ganhos), seja na de danos emergentes (despesas acrescidas justificadas pela impossibilidade de utilização) – não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar” (Proc nº 1875/06.5TBVNO.C1.S1).

Foi este o entendimento subjacente à decisão da 1ª instância: sendo o uso o aproveitamento concreto e efectivo (ou a possibilidade dele) das utilidades económicas de um bem, os AA não demonstraram como pretendiam servir-se do prédio e aproveitar as suas vantagens (fazer obras e/ou habitá-lo nas férias ou permanentemente).
Desconhecem-se, pois, as concretas vantagens económicas de que a ocupação dos RR privou os AA e as que eles projectavam extrair dele e, muito embora se reconheça que a ocupação do imóvel impediu o exercício dos poderes de uso e de fruição pelos respectivos proprietários, tal situação
“…não é, só por si, geradora do dever de indemnizar sem que a pretensão indemnizatória seja fundamentada.
E os fundamentos não podem consistir em mera virtualidade do bem gerar frutos civis, por susceptível de serem frustrados eventuais propósitos de o integrar em circuito comercial baseado unicamente nos usos correntes.
O dono que se vê privado do bem tem de alegar e provar ter visto frustrado um propósito, real e efectivo, proceder à sua utilização, e em que precisos termos o faria e o que auferiria não fora a ocupação pelo lesante.
A mera referência ao valor locativo é insuficiente, já que muitos proprietários mantém prédios devolutos, não têm propósito de os arrendar nem nunca diligenciaram para o fazer, não existindo qualquer dano, real e efectivo, resultante da mera ocupação por outrem”.  (cfr. Ac STJ 08-05-2007 citado).

Escreve, a este propósito, o Prof. Paulo Mota Pinto que:
“O dano da privação do gozo ressarcível é (…) a concreta e real desvantagem resultante da privação do gozo, e não logo qualquer perda da possibilidade de utilização do bem – a qual (mesmo que resultante de uma ofensa directa ao objecto, e não apenas de uma lesão no sujeito), pode não ser concretizável numa determinada situação” (cfr. Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol, I, 2008, p.594-596).

Porque, de acordo com o pedido formulado, a privação do uso a ressarcir constitui, não um dano abstracto, mas concretas utilidades que se poderiam extrair do imóvel cujo uso foi temporariamente impedido, a saber, a realização de obras e a sua utilização como habitação quando vinham de férias a Portugal.
Não significa isto que o dano abstracto da privação do uso não seja susceptível de ser indemnizado, designadamente nos quadros do dano não patrimonial, desde que revista a necessária gravidade merecedora da tutela do direito (art. 496º nº1 CPC).
Mas não é da recondução do dano da privação de uso ao dano não patrimonial que ora se trata.
A indemnização do dano da privação do uso pressupõe, portanto, a demonstração da possibilidade de certa utilização concreta ou da afectação da possibilidade dessa utilização, como integradora das faculdades do proprietário

E é a privação das concretas vantagens de uso e não a mera perturbação da faculdade de utilização integrada no direito de propriedade que releva para efeitos de autonomização do dano ilícito decorrente da afectação da abstracta possibilidade de uso.

Porque importa distinguir entre a faculdade abstracta de utilização da coisa, ou seja, os direitos de utilização inerentes a certa relação jurídica com essa coisa, e as concretas e determinadas vantagens retiradas do gozo da coisa; a primeira, como possibilidade abstracta, inere e corresponde ao chamado licere que constitui o lado interno dos direitos de domínio (faculdades contidas nestes direitos) e a segunda, ou seja, “as concretas vantagens do gozo da coisa não se situam no plano do mero licere inerente à propriedade - (…) – mas situam-se também no plano fáctico”, sendo a privação destas concretas vantagens que importará como dano da privação do uso. e não a perturbação da faculdade (abstracta) de utilização que integra o direito de propriedade,

Ainda, segundo o Prof. Paulo Mota Pinto,

«a concessão de uma indemnização pela mera privação do uso, independentemente da prova de outros prejuízos patrimoniais, corresponde à posição dominante na generalidade dos países europeus, mas tal não significa que baste a faculdade abstracta de utilização, ignorando-se a concreta vontade ou possibilidade de utilização da coisa, por si próprio ou por interposta pessoa. É neste sentido, também, que deve (tentar) entender-se a posição da jurisprudência alemã, a qual pode ser assumida na máxima “a privação da possibilidade de uso é apenas uma fonte possível de dano, mas não já em si um dano”» (cfr. ob cit, p. 591, sublinhado nosso).

Volvendo ao caso em apreço, significa isto que, desconhecendo-se o valor locativo do imóvel e não se tendo demonstrado, por um lado, que a sua ocupação pelos RR foi a causa de os AA haverem recorrido a favores de familiares quando vinham a Portugal nem, por outro, o seu propósito (logo também a frustração deste) de realização de obras no prédio (cujas condições de habitabilidade seriam, à luz da matéria de facto provada, muito discutíveis), ficaram por provar as concretas vantagens e utilidades que os lesados deixaram de perceber mercê da actuação dos RR.

E não constituindo a mera privação do uso – melhor se diria, a mera privação da possibilidade de uso (que não deve ser confundida com a privação do uso…) - um dano patrimonial só por si indemnizável, desacompanhado da demonstração das concretas e efectivas utilizações que a coisa proporcionava ou era susceptível de proporcionar e que a ocupação fez frustrar, forçoso é concluir que falece um dos pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, o dano.

Dano que, como se sabe, na sua vertente patrimonial – porque só esta está neste momento em causa – exprime uma diferença entre o valor real e efectivo do património do lesado e o valor que esse mesmo património teria sem o evento lesivo (valor hipotético, portanto) - (art. 564º nº2 CC).

Ora, tal diferença só pode ser encontrada se o uso ou gozo tiver um valor material concreto, não um valor abstracto; ou seja, quando a sua privação se traduza num dano emergente (prejuízo causado) ou num lucro cessante (benefícios frustrados).

O uso pressupõe uma utilização e a impossibilidade (concreta) desta analisa-se ou numa diminuição patrimonial ou numa frustração de aumento do património; é nesta diferença patrimonial concreta e efectiva, resultante quer da diminuição, quer do não aumento, que consiste o dano da privação do uso.

Logo, não havendo uso, isto é, aproveitamento das vantagens económicas proporcionadas pela coisa, inexistirá obviamente dano da respectiva privação.

E por e para isso é que o Tribunal carece de conhecer, quando está em causa a privação de uso e dando por assente tratar-se de um dano patrimonial, se aquela privação redundou concretamente num dano emergente ou num lucro cessante, para apurar o valor dos mesmos, pois a indemnização visa precipuamente reconstituir - por equivalente pecuniário, na impossibilidade óbvia de reconstituição natural - a situação hipotética que existiria se não tivesse ocorrido o facto ilícito e o dano, (art. 562º e 563º CC).

Concluindo, pois:

A privação do uso (ou da possibilidade de uso) só constitui dano ressarcível mediante a referenciação às concretas e efectivas utilidades atingidas ou cuja fruição se frustrou; só assim se concretizará tal dano em termos de susceptibilidade da medição através da teoria da diferença (art. 566º nº2 CC); o dano normativo da privação do uso – isto é, sem consideração daquelas utilidades - é meramente abstracto e não exprime uma diferença entre situações patrimoniais, a menos que seja concretizado e explicitado em factos reveladores do prejuízo e dos benefícios frustrados em que consistiu a impossibilidade de gozo.

 Considerando que sobre os AA, como lesados, impendia o ónus de prova dos factos constitutivos do seu direito e que estes se analisavam na demonstração quer do valor locativo, quer dos seus propósitos relativamente ao uso e fruição do imóvel quer ainda das razões da frustração destes, o insucesso desta prova determinaria a improcedência da pretensão indemnizatória pelo dano da privação do uso (art. 342º nº1 CC).
O que não aconteceu, pois a Relação, fundando-se na equidade, fixou a indemnização em € 6.345,00 euros, valor este para o qual os AA haviam reduzido o pedido.

Ora, é certo que o nº3 do art. 566º CC permite o recurso à equidade se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos – o que seria eventualmente o caso.

Mas nem com a equidade seria possível fixar o valor da indemnização; com efeito, o pressuposto da fixação equitativa da indemnização é a existência de limites quantitativos provados: “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver provados”.

E, no caso ema apreço (concedendo a existência do dano da privação do uso), não estão provados quaisquer valores dentro de cujos limites se pudesse arbitrar um valor (equitativo) de indemnização pelo uso.

A inexistência de elementos factuais consistentes para quantificar ou balizar a indemnização inviabiliza, portanto, o recurso à equidade nos termos do art. 566º nº3 CC.

Escreveu-se, a este propósito, no Ac STJ de 28-10-2010 (Rel Lopes do Rego), referindo-se à revisa do recurso à equidade do nº3 do art. 566º CC:

“A previsão contida no referido preceito legal supõe, na verdade, o preenchimento de duas condições ou requisitos: não estar determinado apenas o «valor exacto» do dano mas terem sido provados «limites» , máximo e mínimo, para esse dano – que não podem considerar-se verificadas quando, no momento do julgamento, ocorre uma essencial indefinição acerca do valor real do dano material sofrido, pressupondo a formulação do juízo complementar de equidade uma base factual minimamente sólida e consistente sobre os valores indemnizatórios em causa…”.

Depois, desconhecem-se por inteiro as razões da fixação do valor da indemnização naquele montante, não bastando para tal a mera redução do valor do pedido para tal valor…

Sob pena de a equidade se confundir com arbitrariedade, será sempre legítimo perguntar porquê esse valor e não qualquer outro?

Quer dizer: a Relação que já não andou bem ao autonomizar a ressarcibilidade do dano abstracto da privação do uso, continuou a andar mal ao arbitrar a indemnização em valor alegadamente equitativo, mas sem fundamentar a equidade de tal julgamento, aceitando como bom e equitativo o valor para o qual os AA haviam reduzido o pedido…

Mas perguntamos:

Não funcionando a equidade, será de decretar uma condenação genérica?

Prescreve o art. 661º nº2 CPC que se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade o tribunal condenará no que vier a ser liquidado.

Subjacente a tal preceito está a demonstração da existência dos danos, mas o desconhecimento do respectivo valor, a condenação em valor genérico a liquidar ulteriormente pressupõe a demonstração daquele e dúvidas quanto à sua quantificação (cfr. Ac STJ 20-11-2012, 176/06.3TBMTJ.L1.S2, Rel. Fonseca Ramos).

E, no caso sub júdice, como flui do exposto, não foram provados os danos concretos invocados.
E sendo o dano essencial à responsabilidade civil, não se tendo provado a concreta desvantagem sofrida pelos AA, é de conceder a revista, revogando-se, nessa parte, o acórdão recorrido.

Aqui chegados, há que enfrentar a questão da ampliação do objecto do recurso requerida pelos recorridos, nos termos do art. 684º-A nº1 CPC.
E na verdade, eles peticionaram desde o primeiro momento e reafirmaram nas alegações do recurso que, na hipótese de, por qualquer motivo, não proceder o pedido de indemnização por privação do uso, lhes fosse reconhecido o crédito com fundamento em enriquecimento sem causa.
O caso concreto que se nos depara é o seguinte:
Um prédio misto ocupado, a partir de certo momento, contra a vontade dos donos por pessoas que se recusam a abrir mão dele e a entregá-lo; os donos são por isso obrigados a recorrer a Juízo para obterem a condenação daqueles a restituírem o imóvel no que obtêm ganho de causa; todavia, os RR recorrem, sempre sem êxito, até ao STJ que, volvidos quase nove anos depois – a acção foi intentada em 28-10-1998 e o acórdão do STJ é de 13-09-2007 – põe definitivamente termo ao litígio.
Durante todo esse tempo, contra a vontade dos AA perdurou a ocupação, beneficiando dela os RR ou, pelo menos e a partir de dado momento, a Ré mulher, dado o óbito do Réu marido.
Poderá o Direito ficar indiferente a uma tal situação de alguém que beneficia de bens alheios à custa e contra a vontade do respectivo dono?
Seguramente que não, pois tal solução repugnaria ao mais elementar senso jurídico.
E o certo é que o Direito tem solução: o instituto do enriquecimento sem causa.
Segundo o respectivo princípio geral, “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem, é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou” (art. 474º nº1 CC).
Ora, um dos casos típicos de crédito por restituição do enriquecimento é o da intromissão em direitos ou bens jurídicos alheios sob a forma de uso ou fruição (cfr. Antunes Varela, Direito das Obrigações, vol I, 10ª ed., p.473 e 479).
Quando tal acontece, opera-se uma deslocação patrimonial, ou seja, aumenta-se o património de alguém à custa de outrem.
Os requisitos do enriquecimento sem causa justificativa são, portanto:
- que haja um enriquecimento de alguém;
- que o enriquecimento careça de causa justificativa;
- que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.

         O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, podendo essa vantagem consistir no uso ou exercício de direitos alheios, como é ocaso da instalação em casa alheia ou o apascentamento de rebanho no lameiro de outrem (cfr. A. Varela, ob cit, p. 481).
No caso sub judice, é indiscutível o aproveitamento pelos RR de vantagens do prédio pertencente aos AA, durante, pelo menos cerca de nove anos.
         A ausência de causa justificativa reconduz-se, grosso modo, à ausência de título ou fundamento jurídico ou, de outro modo dito, quando a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito impunha que o enriquecimento pertencesse a outrem que não o enriquecido.
No caso em apreço, não tendo os RR demonstrado a titularidade de qualquer direito legitimador do seu uso, é evidente que, segundo a ordenação jurídica dos bens, o aproveitamento daquelas vantagens deveria pertencer aos AA e não a eles.
         Por fim, é necessário que o enriquecimento seja obtido à custa de quem requer a restituição.
À custa” não significa necessariamente que o credor da restituição seja empobrecido, quer dizer e contemplando a deslocação patrimonial, que o valor que entra no património do enriquecido corresponda ao que sai do do empobrecido.
Com efeito, pode ocorrer enriquecimento injustificado sem o correspondente e correlativo empobrecimento do lesado, o que, por via de regra acontece, nos casos em que o beneficiado com a vantagem patrimonial se intrometeu nos direitos, ou nos bens jurídicos alheios, isto é, quando alguém, sem ter a tal direito, usa, consome ou utiliza bens alheios ou exercita direitos de outrem.
Nestes casos, em bom rigor, não se pode afirmar que se verifique um empobrecimento do lesado, mas apenas que alguém se aproveitou dos seus bens, enriquecendo à custa deles..
Portanto, bem ao invés, “à custa” quer dizer “obtido com meios ou instrumentos pertencentes a outrem” (cfr. A. Varela, ob cit, p. 491).
Neste sentido, entendeu também o STJ em acórdão de 06-12-2006 (Proc. nº 3483/06, Rel Oliveira Rocha) segundo o qual
 “o art. 473º do C. Civil não exige que a deslocação patrimonial em beneficio do enriquecido tenha resultado de uma correspectiva diminuição do património do empobrecido, mas tão somente que tenha sido auferida à custa desta.”

E onde, além do mais, se escreveu:
“E a pessoa que (…) se intromete nos bens jurídicos alheio auferindo um enriquecimento patrimonial, obtém-no à custa do titular do respectivo direito, mesmo que este não estivesse disposto a realizar os actos de onde o benefício procede”.

Consagra-se assim, a chamada doutrina da destinação ou da afectação dos direitos absolutos, segundo a qual,
“os direitos reais não constituem simples direitos de exclusão assentes sobre o dever geral de não ingerência (de terceiros) na ligação do titular com a res,…Mais do que isso, os direitos reais …reservam para o respectivo titular o aproveitamento económico dos bens correspondentes, expresso nas vantagens provenientes do seu uso, fruição,…”.
        
E à luz desta explanação, forçoso é concluir que o enriquecimento dos RR foi obtido a custa dos AA.
         Na feliz síntese do Prof. A. Varela:
“A pessoa que intrometendo-se nos bens jurídicos alheios consegue uma vantagem patrimonial, obtêm-na à custa do titular do respectivo direito, mesmo que este não estivesse disposto a realizar os actos donde a vantagem procede. A aquisição feita pelo intrometido carece de causa porque, segundo a tal correcta ordenação jurídica dos bens, a vantagem patrimonial alcançada pelo enriquecido pertence a outra pessoa – ao titular do direito. Trata-se de uma vantagem qu estava reservada ao titular do direito segundo o conteúdo da destinação desse direito” (cfr. ob cit, p. 492-493).
         Sendo inquestionável que a ocupação e o uso do prédio implicou um enriquecimento injustificado dos RR à custa dos AA, a consequência jurídica é a imposição aqueles da obrigação de restituir o enriquecimento (art. 473º nº1 CC).
Diz-nos o nº2 do art. 473º que um dos objectos da obrigação de restituir é o que foi indevidamente recebido e o nº1 do art. 479º que tal obrigação compreende tudo quanto se haja obtido à custa do empobrecido ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
         Como é óbvio, é impossível restituir em espécie o uso e o aproveitamento que os RR fizeram do prédio dos AA ao longo dos anos em que a acção esteve pendente.
         Qual então o valor correspondente a esse “tudo …obtido à custa do empobrecido”?
         Desconhece-se: os AA alegaram determinados valores para o valor locativo mas os pontos da base instrutória que os contemplaram tiveram resposta “não provado” (cfr. respostas quesitos 10º e 11º).
         Ora, uma das vias para neutralizar as deslocações patrimoniais em que se analisa o enriquecimento por intervenção em bens alheios (como é o caso sub Júdice) é a restituição pelo interventor do valor da utilização desses bens na impossibilidade óbvia de “desfazer” o passado e restituir a própria utilização em si; o valor da restituição corresponderá ao preço objectivo, comum e adequado da utilização dos bens alheios e não ao interesse do lesado, maxime aos lucros cessantes que lhe causou a intervenção; não se trata, pois, de uma indemnização por dano, mas tão só de uma restituição (“indemnização”) de valor…(cfr. Karl Larenz, Derecho de Obligaciones, vol. II, p. 553).
         Este critério do valor objectivo do uso dos bens alheios é o mais conforme aos princípios que regem o enriquecimento sem causa, nos casos como o presente, em que ao enriquecimento de um não corresponde (ou não s demonstra que exista) uma diminuição do património do outro, como acontece quando, de acordo com o exemplo apresentado pelo Prof. Almeida Costa, alguém ocupa, por certo tempo, uma casa de outrem que se encontra desabitada, locupletando-se, sem que o proprietário tenha qualquer redução patrimonial, pois não tencionava arrendá-la (cfr. Direito das Obrigações, 8ª ed., 2000, p. 461-462).
         No caso em apreço, também não foi demonstrada qualquer diminuição patrimonial dos AA.
         Por conseguinte, o objecto da restituição nos casos de enriquecimento sem causa fundado na utilização de bens alheios ´o chamado “valor de exploração” de tais bens, pois que o objecto da obrigação de tal restituição é, primariamente dirigido em relação ao que foi obtido à custa de outrem, e em caso de impossibilidade de restituição em espécie, ao valor correspondente, o qual, coincidirá, também segundo o Prof. Menezes Leitão, em caso de ocupação, durante as férias, de casa alheia ao valor locativo da mesma (cfr Direito das Obrigações, vol I, 2000, p. 413).
         Isto porque, de harmonia com a doutrina da destinação ou afectação dos direitos reais, o uso, gozo e fruição de tais direitos é reservado, segundo a ordem jurídica, ao titular daqueles direitos; logo, sempre que alguém tenha retirado da coisa objecto de direito real determinada vantagem, obteve um enriquecimento à custa do titular desse direito, uma vez que se apropriou de determinadas utilidades que a ordem jurídica reservava exclusivamente a esse titular, segundo o direito da ordenação dos bens. Assim, há lugar à restituição do enriquecimento, independentemente da circunstância de o titular do direito real pretender ou não realizar o mesmo aproveitamento da coisa.
Pode afirmar-se que, nesses casos, quem aproveitou as vantagens da utilização que fez de coisa alheia, poupou despeças, a saber, a do valor correspondente a essa utilização, sendo que a poupança de despesas é também uma das fontes de enriquecimento sem causa.
Em acórdão de 23-03-1999 (Proc. nº 147/99, Rel Silva Paixão, Col. Jur – Ac STJ, 1999, tomo i, p. 172 e segs), o STJ, a propósito do chamado enriquecimento por intervenção de terceiros em bens alheios (em que, como se disse, se insere o caso vertente) doutrinou, além do mais, que:

II - No enriquecimento por intervenção, o dano patrimonial do lesado pode não existir nas hipóteses de utilização de bens alheios.

IV - Mesmo que o proprietário nenhum proveito tirasse dos bens, sempre o intrometido estará obrigado a indemnizá-lo, restituindo-lhe o "valor da exploração".

V - Apesar de o lesado entender que os factos alegados integram um caso de responsabilidade civil e não de enriquecimento, nada impede que o Tribunal, na falta de dano reparável, ordene a restituição do montante do enriquecimento.

VI - Ocupando a intrometida um imóvel sem título, deverá ser condenada a pagar à proprietária o valor do uso de que ilegitimamente beneficiou, de acordo com as regras que disciplinam o enriquecimento sem causa.

VII - É que, a procedência do pedido indemnizatório não está dependente da prova de qualquer dano sofrido pela proprietária do imóvel, mas apenas da prova de que a intrometida o usou, sem título legítimo.
         O valor locativo do prédio como medida da obrigação de restituição, nos casos de enriquecimento por intervenção consistente na utilização de imóveis alheios no aproveitamento das respectivas vantagens representa, portanto, o valor equivalente a “tudo o que foi obtido à custa do empobrecido” na impossibilidade de restituição in natura do aproveitamento.
         Ora, daquelas respostas negativas sobre o concreto valor locativo do prédio apenas é lícito concluir que tal valor se não provou e não também que o prédio não tinha valor locativo…
         O que seria contraproducente, pois que os RR sustentaram a existência de um contrato de arrendamento para legitimar a sua ocupação, o qual – na acção de reivindicação - não foi demonstrado.
         Logo, implicitamente, reconheceram um valor locativo ao prédio, faltando apenas averiguar o respectivo montante.
         Prescreve o art. 661º nº 2 CPC que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata no que já seja líquido”.
         Portanto, constituindo o valor locativo a medida da restituição do valor do uso e fruição do prédio durante o período em que a acção de reivindicação esteve pendente e desconhecendo-se esse valor, relega-se o respectivo apuramento para liquidação posterior.
         A condenação na restituição do enriquecimento em valor ilíquido é legalmente possível, face à redacção do art. 661º nº2 CPC.
Com efeito, não se tendo provado o valor do enriquecimento a restituir, tal não impede a condenação das rés a restituir aquele que vier a provar-se em incidente de liquidação nos termos do disposto no Art.º 661º nº2 do C.P.C..
Assim entendeu o STJ em acórdão de 03-09-2009 (Proc nº 20/03.3TYLSB.S1, Rel. Moreira Alves).
Tal liquidação, porém, não pode deixar de atender ao limite máximo para o qual os AA reduziram o valor do respectivo pedido, ou seja,  € 6.345,00 euros, por força do preceituado no art. 661º nº1 CPC que proíbe a condenação em quantidade superior ao pedido.
Por conseguinte, no que concerne ao crédito de restituição fundado, por via da ampliação do objecto do recurso, em enriquecimento sem causa, impõe-se condenar os RR – sendo a Ré BB por si e na qualidade de sucessora de AA e os demais RR apenas como sucessores deste – a pagarem aos AA, restituindo-lhes, a quantia correspondente ao valor locativo do prédio no período compreendido entre Outubro de 1998 e Setembro de 2007 – pendência da acção de reivindicação e respectivos recursos – a liquidar ulteriormente em incidente de liquidação e até ao limite máximo de € 6.345,00 euros.

Passemos agora à apreciação da 2ª questão: Responsabilidade dos sucessores de parte falecidos na pendência da causa.
Os recorrentes foram condenados, conjuntamente com BB, a pagar as AA CC e DD a quantia de € 1.500,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Todavia, sustentam, por um lado, que nunca ocuparam o prédio em causa, tendo sido demandados nesta acção de indemnização, na qualidade sucessores de AA, falecido na pendência da anterior acção de reivindicação, e, por outro lado, que não está provado que o Autor DD haja sofrido quaisquer danos não patrimoniais.
Confessamos a nossa estranheza com aquela impugnação, face ao teor do acórdão recorrido que expressamente explicita que EE e FF foram responsabilizados como sucessores de AA e, como tal, ocupam o lugar dele, sucedendo na sua posição jurídica; logo, foi nessa qualidade de sucessores que os referidos RR foram condenados e não por responsabilidade decorrente de actos próprios.
Não questionando o crédito indemnizatório da Autora CC , os recorrentes impugnam a sua condenação solidária com a Ré BB no pagamento da indemnização de € 1.500,00 euros por danos não patrimoniais ao Autor DD, já que nenhuns danos de tal natureza se apurou ter sofrido.
E, na verdade, face à matéria de facto que as instâncias nos disponibilizam, só a Autora BB sofreu tais danos.
Não também o Autor DD.
Lapidarmente, e depois de reputar razoável, justo e equitativo o valor de € 1.500,00 euros para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela Autora CC , escreveu-se na sentença de 1ª instância:
“No que respeita ao autor, demonstrou-se apenas que desde 1995, passou várias vezes férias em Portugal onde permanecia por períodos de tempo não superiores a 30 dias, ficando em casa de um familiar. Não se vislumbram quaisquer danos. Desconhece-se a razão pela qual DD ficava em casa de familiares  de que modo tal o afectou. Neste particular, de resto, nada de especial foi alegado a não ser que era seu desejo passar férias no prédio de que também era proprietário (em comum e sem determinação de parte ou direito com sua mãe) após a realização d obras na casa nele existente. Nada disto se provou.
Como tal e sem necessidade de maiores considerações, deverá, nesta parte, a acção improceder”

Contudo, a 1ª instância condenou a Ré BB a pagar aos AA CC e DD a quantia de € 1.500,00 euros acrescida de juros de mora à taxa legal desde o trânsito em julgado da sentença, valor esse que deve entender-se reportado à indemnização por danos não patrimoniais.
A atribuição de indemnização a GG foi confirmada pela Relação, não obstante a impugnação que lhe foi dirigida na apelação interposta pelos RR.
Ora, os danos, patrimoniais ou não patrimoniais, são eminentemente subjectivos.
O dano juridicamente relevante trem por objecto um interesse privado tutelado directamente e não só indirectamente; como decorre do art. 483º nº1 CC deve resultar da violação, ou do direito de outrem ou de disposição legal destinada a proteger interesses (privados) alheios.
E, como se disse, a matéria de facto é totalmente omissa relativamente a direitos ou interesses de natureza não patrimonial do Autor DD que hajam sido violados.
Por conseguinte, pressupondo o ressarcimento de qualquer dano a lesão de um direito ou interesse – in casu, de natureza não patrimonial -  inexistindo a objectivação da lesão desse direito e interesse na matéria de facto, defeso é arbitrar qualquer indemnização para ressarcir ou compensar danos, afinal inexistentes.
Consequentemente, assiste razão aos recorrentes no que concerne à inexistência do crédito indemnizatório do Autor DD e à sua condenação no pagamento da correspondente quantia de € 1.500,00 euros a favor dele e só dele e não também a favor da Autora CC cujo crédito subsiste intacto.
Contudo, sem prejuízo da responsabilidade própria da Ré BB, a responsabilidade dos demais sucessores de AA é limitada às forças da respectiva herança, por força do que dispõem os artigos 2068º  2071º nºs 1 e 2 CC.
Nesta parte, portanto, é de conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido na parte condenatória da indemnização por danos não patrimoniais a favor do Autor DD .

Consideremos, por fim, a questão da aplicabilidade da sanção pecuniária compulsória à obrigação pecuniária de indemnização.
A 1ª instância julgou procedente o pedido de indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 1.500,00 euros com juros de mora à taxa legal a contar da data do trânsito em julgado da sentença.
Mas, quanto aos juros compulsórios, ponderou-se na sentença de 1ª instância:
“Por fim, no que tange aos juros compulsórios, o pedido assenta no preceituado no artigo 829º-, nº4 do Código Civil, preceito legal aditado àquele Código pelo Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho. É inequívoco, pela inserção sistemática do citado preceito legal (numa subsecção dedicada à execução específica das obrigações) que o mesmo é de aplicar às cláusulas penais fixadas em dinheiro às sanções penais compulsórias decretadas pelo Tribunal nos termos prescritos nos termos do nº1 do artigo 829º-A (A. Varela, P. Lima, ob cit, volume II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1986, página108). Não pode, por conseguinte, proceder o pedido nesta parte”.

A Relação não se pronunciou sobre esta questão, não obstante a mesma haver sido suscitada, limitando-se a ordenar o acréscimo aos montantes condenatórios dos “juros de mora calculados à taxa legal, a contar da data do trânsito em julgado e até integral pagamento bem como os juros compulsórios”
Os recorrentes trazem agora a questão a ste STJ, louvando-se na fundamentação invocada na 1ª instância para recusar o reconhecimento dos juros compulsórios.
Apreciando, dir-se-à que, face à redacção do art. 829º-A CCivil, há que distinguir, para efeitos de aplicação de sanção pecuniária compulsória, as obrigações infungíveis (nº1) das obrigações pecuniárias (nº4).
Não obstante a justeza das críticas dirigidas aos termos da redacção de tal preceito e à sua colocação na sistemática do CCivil por Pires de Lima e Antunes Varela, não se descortina a possibilidade de restringir a sanção pecuniária compulsória às cláusulas penais fixadas m dinheiro.
Se é verdade que o nº1 do art. 829º-A CC ao eleger, como campo privilegiado de tal sanção as obrigações de prestação de facto infungível, visa “neutralizar” a impossibilidade de execução específica de tais obrigações, conferindo ao credor um meio específico de compelir o devedor a cumprir, determinando-o a levar as coisas a sério e a não desprezar o tribunal – logo, no dizer de Calvão da Silva,
“um meio de constrangimento judicial que exerce pressão sobre a vontade lassa do devedor, apto para triunfar da sua resistência e para determiná-lo a acatar a decisão do juiz e a cumprir a sua obrigação, sob a ameaça ou compulsão de uma adequada sanção pecuniária, distinta e independente da indemnização, susceptível de acarretar-lhe elevados prejuízos”  -
já tal sucedaneidade (da execução especifica) não é possível afirmar, relativamente as obrigações pecuniárias, pois que estas são por sua própria natureza fungiveis…
Por isso, escreveu Calvão da Silva:
“A lógica do carácter subsidiário da sanção pecuniária compulsória, consagrado no nº1 do art. 829º-A, é, todavia, quebrada pelo nº4 do mesmo preceito, ao prescrever uma sanção pecuniária compulsória legal para as obrigações pecuniárias. Na verdade, na origem e razão de ser da sanção pecuniária compulsória está a inidoneidade estrutural da execução para assegurar a realização específica d certas obrigações e essa razão não ocorre nas obrigações pecuniárias cuja realização in natura é fácil e sempre possível através da execução para pagamento de quantia certa (art. 811º e sgs do Código de Processo Civil). Por isso não faz sentido consagrar, no nº1 do art. 829º-A, o princípio da subsidiariedade da sanção pecuniária compulsória, confinada às prestações de facto infungíveis, para, logo de seguida prescrever a sua aplicação automática aos casos em que t6enha sido estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento m dinheiro «corrente», como reza o nº 4 do art. 829º-A” (cfr. ob cit, p. 452).

A sanção pecuniária prevista no nº4 do art. 829º-A citado é, portanto, “uma figura algo diferente” da sanção prevista no nº1 do mesmo preceito (cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol II, 2002, p. 276).
Visa, portanto, não indemnizar o credor pelos danos decorrentes do atraso no cumprimento da obrigação – pois que esta é a função dos juros de mora - mas pressionar o devedor a cumprir o mais rapidamente possível, “penalizando” com tal sanção suplementar, o atraso e com isso prestigiar a autoridade da Justiça.

Independentemente de ser peticionado pelo credor, o adicional de 5% previsto no nº4 do art. 829º-A CC é devido quando for proferida qualquer decisão judicial de condenação no pagamento “em dinheiro corrente”; os juros de 5% que, dada a sua função, não se confundem com os juros de mora, são “automaticamente devidos” e devem acrescer aos “juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”.

O âmbito de aplicação da sanção pecuniária compulsória legal do art. 829º-A nº4 é constituído por todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais.

“Outro alcance e sentido não podem ser dados à disposição legislativa que não este: quer a sentença de condenação recaia sobre uma soma em dinheiro, cujo montante está estipulado contratualmente, quer a soma em dinheiro a pagar seja determinada pela própria decisão da justiça — como acontece na obrigação de indemnização, fixada em dinheiro, resultante da responsabilidade civil extracontratual, a qual, no momento da fixação do quantum respondeatur, se converte de dívida de valor em obrigação pecuniária — são automaticamente, de direito, devidos juros à taxa de 5% ao ao ano, desde o trânsito em julgado da sentença condenatória” (cfr. Calvão da Silva,  Sanção Pecuniária Compulsória”, BMJ, 359-101).

E, justificando a sua divergência com o Prof. A. Varela, continua o Prof. Calvão da Silva:

“Não há razões válidas que aconselhem uma interpretação restritiva, pois o espírito da lei é bem claro, sem qualquer traição da sua letra: prescrever uma sanção pecuniária compulsória legal para as hipóteses em que se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente» (n.° 5 do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 262/83), «quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente» (primeira parte do n.° 4 do artigo 829 .°-A)”.

Pois, continua mais adiante:

“A intenção da lei, como acabámos de ver, foi claramente a de abranger todas as obrigações pecuniárias, com o legislador a dizer o que quer no texto legal. E a colocação do preceito só deveria ser feita noutro lugar do sistema, nomeadamente no artigo 806.°, se o adicional de juros tivesse natureza indemnizatória . Como, porém, reveste carácter coercitivo e é autónomo _ e independente da indemnização, com esta cumulável, a sua colocação no artigo 806.°, que fixa o montante da indemnização no caso de não cumprimento das obrigações pecuniárias, não seria sistematicamente correcta. Já é sistematicamente correcta a sua inserção no artigo que consagra inovadoramente a sanção pecuniária compulsória (artigo 829.°-A), embora se deva sublinhar a quebra de -harmonia no sistema provocada pela prescrição do referido adicional, face à subsidiariedade da sanção pecuniária compulsória judicial.

Por conseguinte, parece não poder deixar de entender-se que a sanção pecuniária compulsória legal prescrita no n.° 4 do artigo 829 .°-A (adicional de juros de 5% ao ano) se aplica a todas as obrigações pecuniárias, contratuais ou extracontratuais”.

Para além disto, a aplicação de tal sanção é oficiosa, não carecendo mesmo de ser pedida na acção declarativa, como se depreende da expressão “são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado”, como entendeu o Ac STJ de 14-07-2009 (Proc. nº 630-A/1996.S1, Rel. Fonseca Ramos).

Consequentemente, ao invés do entendimento da 1ª instância e tal como a Relação deliberou mas sem qualquer fundamentação, sobre o montante indemnizatório devido à Autora a título de danos não patrimoniais - € 1.500,00 euros – serão automaticamente juros a taxa de 5% ao ano desde a data do trânsito do presente acórdão, os quais acrescerão aos juros de mora que forem devidos à taxa legal.

Como é óbvio, os juros compulsórios serão devidos apenas relativamente a obrigações líquidas e não também a obrigações ilíquidas, como in casu acontece com o valor da restituição do enriquecimento cuja liquidação foi relegada para momento ulterior em incidente de liquidação (art. 378º nº2 e 661º nº2 CPC).
         Isto porque, no que concerne a tal segmento decisório, não foi para já determinado “qualquer pagamento em dinheiro corrente”, logo, entenda-se, quantias líquidas, sobre cujo montante possam incidir tais juros.

ACÓRDÃO

Pelo exposto, acorda-se neste STJ em conceder parcialmente a revista e, revogando parcialmente o acórdão recorrido, condenar solidariamente os RR BB, EE e FF, aquela por si e como sucessora e estes como sucessores de AA e até as forças da respectiva herança:
- a pagarem aos AA, a quantia correspondente ao valor locativo do prédio no período compreendido entre Outubro de 1998 e Setembro de 2007 – pendência da acção de reivindicação e respectivos recursos – a liquidar ulteriormente em incidente de liquidação e até ao limite máximo de € 6.345,00 euros;
- a pagarem a CC a quantia de € 1.500,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal;
- a pagarem juros compulsórios à taxa de 5% ao ano, sobre este valor de € 1.500,00 euros desde a data do trânsito em julgado do presente acórdão e até integral pagamento e sobre o valor que vier a ser fixado naquela liquidação desde a data do respectivo trânsito em julgado e também até integral pagamento.
Custas por recorrentes e recorridos na proporção dos respectivos decaimentos.

Lisboa e STJ
Os Conselheiros
Fernando Bento
João Trindade
Tavares de Paiva