Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8942/19.3T8VNG.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
TEMPESTIVIDADE
GRAVAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
Data do Acordão: 07/04/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I - Alegando a recorrente/apelante a pretensão de alteração da decisão da matéria de facto em depoimentos de testemunhas que foram gravados, ao prazo normal de interposição do recurso e da resposta, acrescem 10 dias, conforme art. 638.º, n.º 7, do CPC.

II - Por isso, independentemente da apreciação do mérito de tal impugnação, era vedado à Relação extrair, a posteriori, um efeito que contende com a admissibilidade do próprio recurso.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.

AA, divorciada, com residência na Rua ..., intentou contra BB, divorciado, residente na Rua ..., a presente ação sob forma de processo comum, peticionando a condenação deste a reconhecer que a quota no valor nominal de €135.000,00, representativa do capital social da sociedade comercial S..., Lda., bem como os dividendos, os suprimentos e outros créditos, gerados na dita sociedade desde a data de trânsito em julgado do divórcio e até à data de trânsito em julgado da partilha, tal como a fração AH identificada nos autos, não são bens próprios deste, mas sim bens comuns do casal, tendo, assim, a Autora direito à titularidade da meação dos referidos bens.

Alega, para tanto e em síntese, que Autora e Réu foram casados entre si e que este lhe moveu uma ação judicial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, tendo as partes acordado em converter a referida ação em divórcio por mútuo consentimento, ficando, para além do mais, estipulado quais eram os bens que constituíam o património comum do casal, nos quais se incluíam, para o que ora interessa, uma quota na sociedade S..., Lda. e a fração autónoma/garagem, designada pelas letras “AH”, tendo assim sido dissolvido o casamento, por divórcio. Mais alega que nessa sequência, deu inicio ao processo de inventário, para partilha dos bens do dissolvido casal, cujos termos correram pelo Cartório Notarial e no âmbito da qual foi por si apresentada a relação de bens, da qual constavam aqueles que foram referidos pelos cônjuges aquando da realização da tentativa de conciliação, que contra tal relação de bens, deduziu o Réu reclamação invocando que a quota da sociedade em referência era um bem próprio deste, pois tinha sido adquirida com recurso a capitais do seu pai, tal como sucedeu com a fração autónoma AH e que em face das questões suscitadas pelo Réu, a Senhora Notária entendeu que havia diversas questões complexas, suscetíveis de influírem na partilha e bens a partilhar, ordenando, por despacho datado de 4 de setembro de 2017, a remessa dos autos para os meios comuns. Mais alega que, após vicissitudes várias, que descreve, a Srª Notária, por despacho de 17 de maio de 2019, determinou que, nomeadamente as verbas correspondentes à participação social identificada em supra, os dividendos gerados nessa sociedade desde a data de trânsito em julgado do divórcio, até ao trânsito da partilha, os suprimentos e outros créditos, gerados na dita sociedade desde a data de trânsito em julgado do divórcio e a fração AH correspondente a um lugar de garagem, se mantinham relacionados como bens comuns.

Pugna pela natureza comum do direito e do bem imóvel relacionados.


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Citado o Réu, veio este, em 15.01.2020, contestar para se defender por impugnação. Alega que o valor da quota social foi realizado com a entrega de capital, em duas vezes, por si, com quantias retiradas da sua conta bancária as quais eram provenientes de dinheiro entregue pelos seus pais e a si exclusivamente doados, através de transferências bancárias documentadas.

Mais alega que tal sucedeu com os suprimentos que à sociedade foram sendo realizados.

Alega ainda que as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento e bens e que os efeitos do divórcio retroagem à data da proposição da ação de divórcio e não a qualquer outra data, a partir do trânsito em julgado da sentença.

Requer, por fim, a condenação da Autora como litigante de má-fé.


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Por despacho proferido em 4.02.2020 foi dada a oportunidade à Autora para se pronunciar sobre pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pelo Réu na sua contestação, o que esta fez por requerimento datado de 13.02.2020.

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Realizou-se audiência prévia, tendo sido definido o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.

Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais citadas, julgo a ação improcedente e, em consequência, absolvo o Réu do pedido.

Custas a cargo da Autora”.

Inconformada apresentou a Autora recurso de apelação, sendo decidido pelo Tribunal da Relação, após deliberação: “Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em rejeitar o recurso, por intempestivo, dado não ter por objeto concretos factos a alterar (sempre, assim, os ónus de impugnação da decisão da matéria de facto supra referidos se mostrando, também eles, incumpridos).


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Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC”.

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Inconformada, agora, com o decidido pela Relação interpôs a autora recurso de Revista e conclui as alegações que apresenta:

“1. Salvo o sempre devido respeito, que é muito, a Recorrente não se pode conformar com o douto Acórdão recorrido.

2. Pois, a Recorrente interpôs um recurso que visava efectivamente – não se tratando de mera aparência – a impugnação da matéria de facto.

3. Por conseguinte, como flui do teor das alegações deduzidas, a Recorrente entendeu que deveria ter sido dado como provado que, a participação social no capital da sociedade S..., Lda. os dividendos gerados nessa sociedade desde a data de trânsito em julgado do divórcio, até trânsito em julgado da partilha, os suprimentos e outros créditos gerados na dita sociedade e a fracção AH, foram adquiridas com dinheiro que foi emprestado ao Réu, pelo seu pai.

4. Ao contrário do decidido na douta sentença que, deu como provado que os bens em causa apenas foram adquiridos pelo Réu, recorrendo a dinheiro que lhe tinha sido doado pelo pai.

5. Tendo ficado, assim, delimitado o objecto do recurso, no que diz respeito à matéria de facto.

6. Para tanto, a Recorrente invocou o depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento pelas testemunhas CC e DD.

7. Além disso, a Recorrente indicou com exactidão as passagens da gravação em fundou o seu recurso, tendo, inclusivamente, transcrito um pequeno excerto das declarações prestadas pela testemunha CC.

8. Nessa conformidade, salvo melhor opinião, entende-se que a Recorrente cumpriu o ónus que lhe era imposto pela alínea a), do nº2, do artigo 640º, do CPC.

9. Do mesmo modo, também em sede das conclusões do recurso, a Recorrente fez menção expressa ao depoimento das referidas testemunhas, alegando que estas através do mesmo, afirmaram que a quota no capital da sociedade S..., Lda., os dividendos gerados nessa sociedade desde a data de trânsito em julgado do divórcio, até trânsito em julgado da partilha, os suprimentos e outros créditos gerados na dita sociedade e a fracção AH, tinham sido adquiridas com dinheiro que foi emprestado ao Réu, pelo seu pai.

10. Contrariando, assim, a tese da alegada doação sufragada pelo Réu, que foi considerada provada na douta sentença.

11. Também nas conclusões apresentadas, a Recorrente deu cumprimento ao ónus consagrado no artigo 640º, nº2, al. a) do CPC.

12. Indicando, claramente, as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas em referência, com a referência exacta e precisa aos respectivos minutos em que tais declarações ocorreram.

13. Sem prejuízo do afirmado, admite-se que a Recorrente não disse expressamente que, pelos fundamentos aduzidos, não se podia ter dado como provado, o facto constante do nº41, dos factos provados elencados na sentença impugnada.

14. E que, inversamente, pelas mesmas razões, se deveria ter dado como provado o facto ínsito na alínea b), dos factos não provados.

15. Porém, a não explicitação referida, não determinou, nem prejudicou a inteligibilidade do fim e do objecto do recurso.

16. Porquanto, atendendo ao teor e aos fundamentos abundantemente expendidos e explanados nas alegações, a matéria de facto impugnada era, salvo o devido respeito, clara e óbvia.

17. Na verdade, se perscrutarmos o teor das doutas contra-alegações apresentadas pelo Réu, constata-se que este entendeu claramente qual era a matéria de facto impugnada e objecto do recurso.

18. De outra maneira, este não teria tão certeira e especificadamente extraído a concreta transcrição do depoimento prestado pela testemunha CC, exactamente aos minutos 6:25 a 6:35, conforme referido nas alegações da Recorrente, onde a testemunha alude ao empréstimo efectuado ao Réu pelos pais, para este comprar a quota da sociedade acima identificada e arrancar com o negócio.

19. Desta feita, temos de considerar que a Recorrente cumpriu os ónus a que estava adstrita em razão das regras contidas no artigo 640º, do CPC.

20. Pelo que o recurso, no que tange à impugnação da matéria de facto não deveria ter sido rejeitado.

21. Sobretudo, com base nos fundamentos aduzidos no douto Acórdão.

22. Por outro lado, ainda que assim não fosse, o que em termos hipotéticos se admite, um eventual incumprimento do regime previsto no artigo 640º, do CPC, não podia determinar que se considerasse que recurso foi intempestivamente apresentado.

23. Não podendo a Recorrente conformar-se com o decidido no douto Acórdão recorrido, de que esta não poderia beneficiar do acréscimo do prazo de 10 dias, conforme previsto no nº7, do artigo 638º, do CPC.

24. Dado que ainda que por hipótese se determinasse a rejeição do recurso por incumprimento dos ónus do artigo 640º, do CPC, mesmo nesse caso, as restantes questões de Direito submetidas ao Venerando Tribunal da Relação, deveriam ter sido apreciadas.

25. Aliás, como bem ensina Abrantes Geraldes, o benefício do prazo alargado está condicionado a se “integrar no recurso conclusões que envolvam efectivamente a impugnação da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados, nos termos do art. 640º, nº2, al. a), independentemente da verificação dos demais requisitos legais da impugnação ou sequer da apreciação do respectivo mérito”.

26. Pelo que, não havia nenhum fundamento para a rejeição do recurso, in totum.

27. Neste sentido, as questões de direito suscitadas deveriam ter sido apreciadas.

28. Não obstante, como se alegou e demonstrou, entender-se que a Recorrente cumpriu tais ónus, nas conclusões recursivas apresentadas.

29. Além do mais, o regime recursório, no que tange à matéria de facto, nomeadamente na questão do acréscimo de prazo e cumprimento dos ónus estipulados no artigo 640º, do CPC, tem de ser apreciado à luz dos princípios da proporcionalidade e tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 18º, nº2, e 20º, da CRP.

30. Desta feita, o excesso rigorista na interpretação do regime legal regulador do recurso de impugnação da matéria de facto, fere, irremediavelmente, os princípios constitucionais assinalados.

31. Por último, temos de dizer que o douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 638º, nº7, 640º, nºs 1 e 2, do CPC e artigos 18º, nº2, e 20º, da CRP.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., Egrégios Conselheiros, deve ao presente recurso ser dado total provimento, nos termos e pelas razões supra descritas em consequência revogar-se o douto Acórdão sub judice, nos termos peticionados e com os legais efeitos, assim se fazendo, a costumada, inteira, habitual e sã JUSTIÇA”.

Responde o réu concluindo:

“I. A recorrente alega que o douto Tribunal a quo deveria ter-se considerado como provado que a participação social no capital da sociedade S..., Lda., os dividendos gerados nessa sociedade desde a data de trânsito em julgado do divórcio, até trânsito em julgado da partilha, os suprimentos e outros créditos gerados na dita sociedade e a fracção AH, são bens comuns do casal.

II. No entanto, tal conclusão padece, salvo melhor opinião de um erro crasso: visa não um verdadeiro facto, mas a própria decisão sobre o pedido formulado na PI (com a natureza conclusiva inerente).

III. No recurso a que se responde, para além de não ter especificado os “concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados”, a recorrente não indicou a “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

IV. E o sentido da resposta que pretende não consta explicitamente nas conclusões, nem sequer na motivação, com reporte a factos provados ou não provados.

V. Por isso, não pode considerar-se que a recorrente tenha cumprido os ónus primários previstos no art.º 640.º, n.º 1, als. a) e c), do CPC.

VI. A inobservância deste ónus implica a rejeição do recurso, não havendo lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento, pelas razões já referidas, percorrida por imperativo legal [art.º 639.º, n.º 3 ex vi art.º 652.º, n.º 1, al. a), não suscetível de aplicação analógica] e pelos antecedentes legislativos.

VII. E torna o próprio recurso extemporâneo, por violação do disposto no artigo 638º n.º 1 e 7 do CPC na medida em que não, como objecto, a reapreciação da matéria de facto com base na prova gravada.

VIII. Sendo que direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da CRP não impõe ao legislador ordinário que garanta aos interessados o acesso ao recurso de forma ilimitada, sendo por isso, conforme à Constituição da República Portuguesa a imposição de ónus para quem impugna a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância.

Termos em que se requer a Vossas Excelências que se dignem julgar Improcedente, por inexistência de qualquer violação da legislação indicada em sede de conclusões, o recurso a que se responde, mantendo a douta decisão recorrida, COM O QUE FARÃO A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA”.


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Embora a decisão proferida no acórdão recorrido fosse o indeferimento (rejeição) por haver sido interposto fora de prazo, art. 641º, nº 2 al. a), do CPC, o fundamento dessa decisão foi o entendimento de que a decisão impugnada sobre a matéria de facto não especificava os ónus que o art. 640, do mesmo código impõe como obrigatórios, sob pena de rejeição.

O Ac. deste STJ de 28-01-2016, proferido no Proc. nº 1006/12.2TBPRD.P1-A.S1 refere que, “É admissível recurso de revista do acórdão da Relação que, incidindo sobre sentença de 1ª instância, se abstém de apreciar o mérito do recurso de apelação por incumprimento dos requisitos constantes do art. 640º do CPC e/ou por extemporaneidade do recurso”. E acrescenta, “A não ser assim, fulminar-se-ia um grau de jurisdição em situações, como a refletida nos autos, que são tão ou até mais relevantes do que as contidas numa mera leitura literal do último segmento do nº 1 do art. 671º do NCPC”.

Assim que o recurso de revista é admitido.

Cumpre apreciar e decidir.


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Mostram-se apurados nos autos os seguintes factos (na sentença dado que a impugnação na apelação foi rejeitada):

“1. FACTOS PROVADOS

São os seguintes os factos considerados provados, com relevância, para a decisão (transcrição):

1. Autora e Réu contraíram casamento em 06.09.2002, sem convenção antenupcial (cfr. documento n.º 1 anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

2. No pretérito ano de 2015, o Réu propôs contra a aqui Autora uma ação judicial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge cujos termos correram pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Instância Central de ...,...ª Secção de Família e Menores – J..., sob o nº 929/15.T... (cfr. teor do documento referido no facto anterior);

3. No dia 12 de maio de 2015, em audiência de tentativa de conciliação, a Autora e o Réu acordaram em converter a referida ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge em divórcio por mútuo consentimento (cfr. teor do documento identificado no facto 1º);

4. Nessa conformidade, acordaram na regulação do exercício de responsabilidades parentais, na prestação de alimentos e na utilização da casa de morada de família (teor do documento referido no facto 1º);

5. Tendo os aqui Autora e Réu declarado na referida audiência que os bens comuns eram os seguintes: o recheio da casa de morada de família, uma quota na sociedade S..., Lda.., uma fração autónoma/garagem AH (artigo 6310 da freguesia de ...) e um veículo automóvel, marca Volvo, com a matrícula ..-..-ZX (cfr. teor do documento referido no facto 1º);

6. Os acordos relativos à regulação do exercício de responsabilidades parentais, prestação de alimentos e utilização da casa de morada de família foram desde logo homologados por sentença judicial (cfr. teor do documento referido no facto 1º);

7. Foi naquela data de 12 de maio de 2015 decretado o divórcio por mútuo consentimento entre os cônjuges, os ora Autora e Réu (cfr. teor do documento referido no facto 1º);

8. Em consequência da sentença que decretou o divórcio entre as partes, no dia 22 de setembro de 2015, a Autora apresentou o requerimento inicial de inventário, cujos termos correram pelo Cartório Notarial ... (cfr. teor do documento nº 2 anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

9. No decurso do dito processo de inventário a cabeça de casal, ora Autora, apresentou a competente relação de bens (cfr. teor do documento nº 2 anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

10. Na mencionada relação de bens constavam, para além de outros, aqueles que foram referidos pelos cônjuges aquando da realização da tentativa de conciliação (cfr. teor do documento nº 3 anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

11. O Réu veio deduzir reclamação contra a relação de bens apresentada pela Autora, dizendo, em suma, o seguinte: a quota da sociedade em referência era um bem próprio deste, pois tinha sido adquirida com recurso a capitais do seu pai, e invocando que a fração autónoma designada pelas letras “AH” foi adquirida com capitais próprios (cfr. documento n.º 4, anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

12. Defendendo que não poderiam ser considerados como bens comuns os dividendos gerados pela quota, como os suprimentos ou demais créditos sobre a identificada sociedade comercial, porquanto estes teriam outrossim sido assegurados com dinheiro pertencente ao pai do Réu (cfr. teor do documento identificado no facto anterior);

13. Esclareceu ainda o Réu que aqueles capitais (dinheiro) do pai lhe tinham sido por ele emprestados (cfr. teor do documento referido no facto 11º);

14. Posteriormente, o Réu disse que se a quota foi relacionada no processo de divórcio como um bem comum, esse facto resultou de um ato inadvertido, tratando-se uma declaração meramente indicativa (cfr. documento n.º 5 anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

15. A sociedade S..., Lda.., foi constituída no dia 24.10.2005 (cfr. documento n.º 1, anexo à contestação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

16. A quota relacionada tem um valor nominal de €135.000,00;

17. O valor da quota foi realizado mediante dois depósitos efetuados numa conta bancária titulada pela sociedade no Banco Santander;

18. O primeiro depósito, no valor de 67.500,00 €, foi feito pelo Réu no dia 10 de outubro de 2005;

19. A Autora foi avalista de uma obrigação assumida pela sociedade perante uma instituição financeira;

20. A fração autónoma/garagem identificada pelas letras “AH” (artigo 6310 da freguesia de ...) foi comprada no dia 5 de agosto de 2013 (cfr. documento n.º 10, anexo à contestação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

21. Do contrato de compra e venda não consta qualquer menção sobre a proveniência e titularidade do dinheiro com que foi pago o preço de aquisição da referida fração autónoma (cfr. teor do documento identificado no facto anterior);

22. Em face das questões suscitadas pelo Réu, a Senhora Notária entendeu que havia diversas questões complexas, suscetíveis de influírem na partilha e bens a partilhar, ordenando, assim, por despacho datado de 4 de setembro de 2017, a remessa dos autos para os meios comuns (cfr. documento n.º 9, anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

23. Por despacho judicial, de 29 de setembro de 2017, proferido pelo Juiz de Direito do Juízo de Família e Menores de ... – Juiz ..., foi ordenada a devolução dos autos ao Cartório Notarial, uma vez que considerou que o Juízo de Família e Menores não era o tribunal competente para dirimir os litígios em causa (cfr. documento n.º 10 anexo à petição inicial);

24. A Senhora Notária, proferiu novo despacho, onde remetia o Inventariado, aqui Réu, para os meios comuns, dado que, por este não aceitar a relação de bens constante dos autos, caber-lhe-ia lançar mão do meio processual adequado à resolução das questões controvertidas, ordenando a suspensão dos autos (cfr. documento n.º 11, anexo à petição inicial);

25. Contudo, não foi fixado prazo para a propositura da ação por parte do Réu, o que determinou uma reclamação da aqui Autora;

26. Essa reclamação foi deferida pela Senhora Notária que concedeu ao Réu o prazo de 30 dias, para poder recorrer aos meios comuns e interpor a competente ação judicial (cfr. documento n.º 12, anexo à petição inicial);

27. Por despacho de 6 de fevereiro de 2019, a Senhora Notária considerou que o despacho recorrido se tratava de um ato de mero expediente, pelo que era irrecorrível, nos termos do disposto no nº4, do artigo 152º, do CPC (cfr. documento n.º 14, anexo à petição inicial);

28. O Inventariado, agora Réu, notificado do despacho proferido pela Senhora Notária, conformou-se com teor do mesmo, mas, apesar disso, não intentou a competente ação judicial, como lhe foi determinado;

29. Face à inércia do Réu ao não propor a competente ação judicial, a Senhora Notária, por despacho de 6 de fevereiro de 2019, ordenou o prosseguimento dos autos de inventário (cfr. teor do documento referido no facto 27º);

30. Por despacho de 17 de maio de 2019, a Senhora Notária determinou que, nomeadamente as verbas correspondentes à participação social identificada em supra, os dividendos gerados nessa sociedade desde a data de trânsito em julgado do divórcio, até ao trânsito da partilha, os suprimentos e outros créditos, gerados na dita sociedade desde a data de trânsito em julgado do divórcio e a fração AH correspondente a um lugar de garagem, se mantinham relacionados como bens comuns (documento n.º 15 anexo à petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

31. Notificado deste derradeiro despacho, o Réu manteve a sua postura e não propôs nenhuma ação judicial;

32. A sociedade comercial S..., Lda., teve como sócios fundadores o aqui Réu e G..., S.L. (cfr teor do documento identificado no facto 15º);

33. O capital social de €300.000,00, foi realizado unicamente quanto a 50%, no montante de €135.000,00, estipulando-se que o restante deveria ser realizado por ambos os sócios, também em dinheiro, no prazo de cinco anos;

34. O capital social foi subscrito do seguinte modo:

a) Pela sócia G..., S.L.: €165.000,00, realizado quanto a €82.500,00;

b) Pelo sócio BB: €135.000,00, realizado quanto a €77.500,00; (cfr. teor do documento referido no facto 15º);

35. No dia 15.09.2005, os pais do Réu efetuaram uma transferência bancária para a conta nº480-10.199370.1, do Banco Montepio, titulada apenas pelo Réu, no montante de €75.000,00;

36. No dia 23.01.2006, foi efetuada uma nova transferência pelos seus pais, desta feita no montante de €52.000,00 para a conta titulada pelo Réu;

37. Utilizando aqueles montantes, o Réu emitiu, à ordem da sociedade comercial mencionada, para realização do capital social, em 10.10.2005 e em 9.02.2006, dois cheques (n.ºs ...81 e ...83), cada um no valor de €67.500,00 sacados sobre a conta n.º ...01, de que era o único titular;

38. O cheque n.º ...81 foi depositado na conta da sociedade S..., Lda.;

39. O cheque n.º ...83 foi igualmente depositado na conta da sociedade S..., Lda.;

40. Tendo-se a Autora limitado a ir depositar o cheque a que se alude no número anterior;

41. As quantias supra identificadas foram doadas ao Réu pelos seus pais;

42. E tal sucedeu diversas vezes, ao longo da vida da sociedade;

43. Em 26.07.2006, quando, uma vez mais, o pai do Réu depositou na sua conta um cheque no montante de €131.665,31;

44. Que, depois de descontado, pelo menos parte, foi transferido para a conta da sociedade (€58.500,00);

45. Houve ainda lugar a uma transferência efetuada diretamente pela mãe do Réu para a referida sociedade, em 26.10.2011, da quantia de €31.500,00;

46. O preço da fração autónoma a que se alude no facto 20º foi pago pelo pai do Réu, Sr. EE;

47. Que o doou ao seu filho,


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2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram outros factos que se não compaginem com os anteriormente enunciados, nomeadamente que:

a) No dia 7 de fevereiro foi realizado pela Autora o depósito em falta para a realização do capital social, com dinheiro que lhe pertencia, ascendendo ao montante de €67.500,00;

b) O dinheiro utilizado para a realização da quota social pelo Réu foi emprestado pelo pai deste ao casal;

c) Todas as quantias “injetadas” na sociedade comercial S..., Lda. não provieram do património do Réu mas sim do dos seus pais”.


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Conhecendo:

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões da respetiva alegação – artigo 635º e 639º, do Código de Processo Civil – a questão a decidir respeita:

-Rejeição do recurso de apelação.

Diz a recorrente que no recurso de apelação visava, efetivamente, a impugnação da matéria de facto.

E que pretendia que fosse dado como provado que, a participação social no capital da sociedade S..., Lda., os dividendos gerados nessa sociedade desde a data de trânsito em julgado do divórcio, até trânsito em julgado da partilha, os suprimentos e outros créditos gerados na dita sociedade e a fração AH, foram adquiridas com dinheiro que foi emprestado ao Réu, pelo seu pai.

Em contrário do decidido na sentença que, deu como provado que os bens em causa apenas foram adquiridos pelo Réu, recorrendo a dinheiro que lhe tinha sido doado pelo pai.

Ou seja, os bens foram adquiridos pelo então casal com dinheiro emprestado pelo pai do réu a este, e não adquiridos pelo réu com dinheiro que o pai lhe doou.

Diz a recorrente que na apelação invocou o depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento pelas testemunhas CC e DD, para alteração do facto, e que indicou, com exatidão, as passagens da gravação em fundou o seu recurso.

Sintetizando, diz a recorrente que cumpriu o ónus de impugnação da matéria de facto consagrado no artigo 640º, nº2, al. a) do CPC, embora não indicasse expressamente que se reportava aos factos do ponto 41 dos provados e al. b) dos não provados.

E refere que a impugnação da matéria de facto e em concreto os factos impugnados era inteligível e foi entendida pelo recorrido.

Assim, entende a recorrente que não deveria ter sido rejeitado o recurso por extemporâneo, porque ao prazo normal de recurso acrescem 10 dias por haver necessidade de reapreciação da prova gravada.

O acórdão recorrido rejeitou o recurso de apelação, com os seguintes fundamentos:

Verifica-se no caso que não cumpriu a apelante o ónus que lhe está cometido pelo nº1 do referido artigo [640º, do CPC], não podendo o recurso deixar de ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, pois que não especificou os concretos pontos de facto considera incorretamente julgados (al. a)) e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c)).

Efetivamente, conclui a apelante que “deveria ter-se considerado como provado que a participação social no capital da sociedade S..., Lda., os dividendos gerados nessa sociedade desde a data de trânsito em julgado do divórcio, até trânsito em julgado da partilha, os suprimentos e outros créditos gerados na dita sociedade e a fracção AH, são bens comuns do casal”, “ao invés de não provado”, não indicando, pois, sequer, concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, de modo especificado, para além de não referir as específicas alterações que considera deverem ser introduzidas a factos provados e a factos não provados (não mencionando, especificamente, a decisão alternativa por si proposta por contraponto à decisão proferida”.

(…)

“Incumprindo a Recorrente o ónus primário previsto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 640º, do CPC, não pode o recurso quanto à impugnação da decisão de facto deixar de ser rejeitado.

Mas mais do que isso. Patente é que o que a apelante visa com o recurso não é a reapreciação da matéria de facto. Com efeito, nenhuma análise critica da decisão e da prova produzida apresenta a Apelante, que sequer indica factos provados e não provados a alterar nem as respostas alternativas que propõe, tão só pretendendo, na realidade, seja reapreciada a decisão de mérito e que se extraiam os efeitos jurídicos que pretende.

Assim, não tendo havido efetiva, concreta, especificada e verdadeira impugnação de matéria de facto, já que não foram indicados concretos pontos de facto a apreciar, com análise crítica da decisão e das provas a justificar concreta decisão de facto diversa, que tinha de ser indicada, nenhuma impugnação à decisão da matéria de facto foi efetuada, mas mera aparência de impugnação, que, por, totalmente, destituída de objeto, por impugnação da decisão de facto não pode ser havida e bem dá lugar a que se suscite, por isso, a questão da tempestividade do recurso, pois, face ao referido, se não justifica o acréscimo do prazo a que alude o 7, do art. 638º, do CPC”.

Mas, como se verifica do segmento decisório do acórdão recorrido, a rejeição da apelação apenas foi decidida com fundamento na extemporaneidade do recurso entendendo os julgadores não se justificar o acréscimo do prazo a que alude o nº 7, do art. 638º, do CPC.

Nas alegações do recurso de apelação concluía a recorrente:

“5. Mas, além da abundante prova documental que determinou que se desse como provada tal facticidade, as testemunhas CC e FF, confirmaram que as quantias que permitiram ao casal adquirir os bens em causa, foram emprestadas ao casal pelo pai do Réu.

6. A testemunha CC, aos minutos 6:15 e 6:25 a 6:35, do depoimento prestado, revelou uma conversa tida com o Réu, de quem era amigo, que lhe confirmou o empréstimo feito pelo seu pai.

7. Por sua vez, a testemunha, FF, ao minuto 2:15, do seu depoimento, também afirmou que as referidas quantias tinham sido emprestadas à Autora e ao Réu”.

Neste recurso de revista, o objeto restringe-se a saber se se verificavam fundamentos para a apelação ser recebida e não rejeitada, ou seja, se se verificam os pressupostos para, ao prazo normal do recurso, acrescerem 10 dias, conforme estipula o nº 7 do art. 638, do CPC, isto é, saber se o recurso tem por objeto a reapreciação da prova gravada.


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-Rejeição do recurso de apelação, no segmento respeitante à impugnação da matéria de facto, por extemporaneidade:

- A rejeição do recurso de apelação resulta de que, no entender da Relação, a apelante não indicava os factos nem as provas que serviriam para impor uma decisão diferente da decisão da matéria de facto fixada pela 1ª Instância e, por isso, não podia beneficiar do acréscimo do prazo de recurso em 10 dias.

No acórdão recorrido entendeu-se que a recorrente incumpriu o ónus primário previsto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 640º, do CPC e, por isso, não pode o recurso quanto à impugnação da decisão de facto deixar de ser rejeitado.

O que equivale por dizer que o acórdão recorrido entendeu que não foram especificados no recurso de apelação, os concretos pontos de facto que a recorrente considerava incorretamente julgados, bem como não referiu qual a decisão que, em seu entender, deveria ser proferida sobre essa questão.

Contudo, não foi este o fundamento da decisão de rejeição da apelação.

Entendemos que, no recurso de apelação, foram indicados os concretos meios probatórios que, no entender da apelante, impunham a reapreciação da prova gravada e, consequentemente, podiam acrescer dez dias ao prazo normal do recurso, nos termos do art. 638º, nº 7 do CPC.

Assim que se entenda que o recurso de apelação não devia ter sido rejeitado (não admitido) por ser extemporâneo, por não lhe aproveitar o prazo adicional do nº 7 do art. 638º, do CPC, mas apenas poderia ser rejeitado (art. 640º, nº 1, do mesmo diploma) por não cumprimento do ónus de impugnação especificado neste preceito.

No sentido do exposto vem a jurisprudência do STJ, que refere:

“II - Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.

V - Independentemente da perfeição/imperfeição da impugnação da matéria de facto, não pode o Tribunal da Relação considerar que o prazo de recurso de 30 dias, fixado no art. 80.º n.º 3 do CPT, não é aplicável, reduzindo-o para o prazo de 20 dias, previsto no n.º 1 desse mesmo artigo, para depois concluir que o recurso é extemporâneo e decidir no sentido da sua rejeição” – Ac. de 03-03-2016, Revista n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1.

“III - A extensão do prazo de 10 dias previsto no art. 638.º, n.º 7, do NCPC, para apresentação do recurso de apelação quando tenha por objecto a reapreciação de prova gravada depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação.

IV - Tendo o recorrente demonstrado a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação da prova gravada, a verificação da tempestividade do recurso de apelação não é prejudicada ainda que houvesse motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na insatisfação de algum dos ónus previstos no art. 640.º, n.º 1, do NCPC” – Ac. de 28-04-2016, Revista n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1 - 2.ª Secção .

“II - A apelante que sustenta a alteração da matéria de facto com base em depoimento testemunhal gravado beneficia da prorrogação do prazo de dez dias para recorrer, independentemente da regularidade da impugnação da matéria de facto e do respectivo mérito (art. 638.º, n.º 7, do CPC).

III - De acordo com a orientação reiterada do STJ, a verificação do cumprimento do ónus de alegação do art. 640.º do CPC tem de ser realizada com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal” – Ac. de 08-02-2018, Revista n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1 - 2.ª Secção.

“I - A extensão do prazo de 10 dias previsto no art. 638.º, n.º 7, do CPC, para apresentação do recurso de apelação quando tenha por objecto a reapreciação de prova gravada depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação.

II - Tendo a recorrente demonstrado a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação da prova gravada, ainda que não tenha dado cumprimento ao ónus a que alude o disposto no art. 640.º, n.º 1, al. a), do referido diploma legal, terá que ser admitido o recurso interposto por tempestivo, devendo a Relação conhecer das demais questões suscitadas” Ac. de 05-02-2019, Revista n.º 1607/07.0RMLSB-F.L1.S1 - 1.ª Secção.

“I - Resultando das alegações do recurso de apelação que a recorrente pretendia a modificação do acervo factual com base, mormente, na reapreciação da prova testemunhal gravada, é de considerar que lhe aproveitava o prazo suplementar concedido pelo n.º 7 do art. 638.º do CPC, independentemente de, no julgamento do recurso, a Relação ter considerado que não haviam sido cumpridos os ónus de alegação vertidos no art. 640.º do CPC” – Ac. de 06-06-2019, Revista n.º 2215/12.0TMLSB-B.L1.S1 - 7.ª Secção.

Sendo fundamento de rejeição do recurso a inobservância do ónus de impugnação previso no art. 640º, do CPC, prejudicado ficava conhecer a questão da extemporaneidade.

A recorrente/apelante justificou na alegação e conclusões da apelação, nomeadamente nas conclusões: “5. Mas, além da abundante prova documental que determinou que se desse como provada tal facticidade, as testemunhas CC e FF, confirmaram que as quantias que permitiram ao casal adquirir os bens em causa, foram emprestadas ao casal pelo pai do Réu.

6. A testemunha CC, aos minutos 6:15 e 6:25 a 6:35, do depoimento prestado, revelou uma conversa tida com o Réu, de quem era amigo, que lhe confirmou o empréstimo feito pelo seu pai.

7. Por sua vez, a testemunha, FF, ao minuto 2:15, do seu depoimento, também afirmou que as referidas quantias tinham sido emprestadas à Autora e ao Réu”, a pretensa alteração da decisão da matéria de facto em depoimentos de testemunhas que foram gravados. Logo, ao prazo normal de interposição do recurso e da resposta, acrescem 10 dias, conforme art. 638º, nº 7, do CPC.

Por isso, independentemente da apreciação do mérito de tal impugnação, era vedado à Relação extrair, a posteriori, um efeito que contende com a admissibilidade do próprio recurso.

Como se refere no Ac. do STJ de 28-04-2016, no Proc. n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1, “A tempestividade dos recursos constitui um pressuposto processual atinente à sua admissibilidade, pelo que de modo algum o resultado alcançado aquando da apreciação do seu mérito poderá interferir em tal pressuposto cuja satisfação se deve reportar ao momento da sua interposição”.


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Embora o Tribunal recorrido tenha conhecido do ónus de alegação previsto no art. 640º, do CPC, nenhuma decisão proferiu sobre a questão, como se constata do segmento decisório no acórdão recorrido, onde se diz: “Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em rejeitar o recurso, por intempestivo, dado não ter por objeto concretos factos a alterar (sempre, assim, os ónus de impugnação da decisão da matéria de facto supra referidos se mostrando, também eles, incumpridos)”.

E como supra se entendeu que basta resultar das alegações do recurso de apelação que a recorrente pretendia a modificação do acervo factual com base, mormente, na reapreciação da prova testemunhal gravada, é de considerar que lhe aproveitava o prazo suplementar concedido pelo n.º 7 do art. 638.º do CPC, o recurso tinha de ser decidido com outro fundamento que não a extemporaneidade.

Assim entendemos em situação semelhante em acórdão de 21-10-2020, proferido no Proc. nº 1779/18.9T8BRG.G1.S1.

Pelo que resulta a necessidade de os autos baixarem ao Tribunal da Relação para que se formule decisão com fundamento diferente da intempestividade.

E proferir decisão sobre a questão da observância ou não, do ónus de impugnação da matéria de facto como especifica o art. 640º, do CPC.

Acresce que, julgando tempestiva a interposição do recurso de apelação face ao conteúdo das conclusões 5 a 7 formuladas pela aí recorrente o Tribunal recorrido também deve conhecer de todas as questões suscitadas nesse recurso de apelação.

A recorrente na apelação também entende que da matéria de facto apurada pode resultar decisão de direito diferente da tomada pela 1ª Instância.

Alega nomeadamente nas conclusões 20 e 22 do recurso de apelação:

“20. O Tribunal a quo, em virtude do Réu não ter recorrido aos meios comuns no prazo que lhe foi determinado no processo de inventário, deveria ter declarado definitivamente resolvida a questão em apreço, aplicando o regime constante do artigo 17º, da Lei 23/2013.

22. Em síntese, a douta sentença deveria ter confirmado a decisão tomada pela Senhora Notária, declarando os bens como sendo comuns”.

Será questão a também ser conhecida pelo Tribunal recorrido.

Com os fundamentos expostos há-de julgar-se procedente o recurso de revista.


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Sumário elaborado nos termos do disposto no art. 663º nº 7 do CPC:

I- Alegando a recorrente/apelante a pretensão de alteração da decisão da matéria de facto em depoimentos de testemunhas que foram gravados, ao prazo normal de interposição do recurso e da resposta, acrescem 10 dias, conforme art. 638º, nº 7 do CPC.

II- Por isso, independentemente da apreciação do mérito de tal impugnação, era vedado à Relação extrair, a posteriori, um efeito que contende com a admissibilidade do próprio recurso.


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Decisão:

Acordam na 1ª Secção do STJ em julgar procedente a revista, revoga-se o acórdão recorrido e:

- Julga-se tempestivo o recurso de apelação interposto.

- Determina-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para que sejam apreciadas e decididas as questões (incidentes sobre matéria de facto ou de direito) deduzidas pela apelante.

Custas da revista a cargo da parte vencida a final.

Lisboa, 04-07-2023


Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro Relator

Pedro de Lima Gonçalves – Juiz Conselheiro 1º adjunto

Maria João Tomé – Juíza Conselheira 2ª adjunta