Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
54/10.1TBBGC-R.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
RECURSO DE REVISTA
REGIME APLICÁVEL
CONTRATO-PROMESSA
TRADIÇÃO DA COISA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
DIREITO DE RETENÇÃO
CONSUMIDOR
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 10/13/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A impugnação recursiva junto do STJ das decisões tomadas em incidentes do processo de insolvência que correm por apenso, como o de verificação e graduação de créditos, não observa o regime de revista atípica previsto no art. 14º, 1, do CIRE, aplicando-se nesse caso as regras do processo civil, de acordo com a remissão operada pelo art. 17º do CIRE, o que dita a aplicação da revista normal e ordinária, com a consequente adequação substancial do recurso que tenha sido imposto com base no art. 14º ao quadro recursivo do art. 674º, 1, do CPC.  
II. O direito de retenção reconhecido a favor do beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa (art. 755º, 1, f), CCiv.) não exige a prestação de sinal para o seu reconhecimento como garantia do crédito pelo incumprimento definitivo da promessa.
III. O direito de retenção previsto no art. 755º, 1, f), do CCiv. garante qualquer crédito indemnizatório derivado do incumprimento do contrato-promessa com tradição da coisa, incluindo a indemnização fundada em cláusula penal acordada entre as partes como fixação antecipada do montante destinado a liquidar o dano fundado na inexecução do contrato, mesmo se reconhecido como crédito da insolvência.
IV. O crédito indemnizatório por incumprimento pelo administrador da insolvência da promessa de transmissão de imóvel reconhecido à herança-património autónomo não deixa de beneficiar da garantia desse direito de retenção desde que os herdeiros-pessoas singulares, que exercem representativamente os direitos da herança já aceite nos termos e de acordo com a legitimidade conferida pelo art. 2091º, 1, do CCiv., preencham os critérios de retentor consumidor fixados pelos AUJ n.º 4/2014 e 4/2019.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 54/10.1TBBGC-R.G1.S1

Revista – Tribunal recorrido: Relação de Guimarães, 1.ª Secção Cível

Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

A) Veio a Credora Reclamante, Herança llíquida e Indivisa por Óbito de AA, representada em juízo pelos respectivos únicos herdeiros, BB, CC e DD, deduzir reclamação de créditos nos autos do processo de insolvência da declarada insolvente “CB – Construtora Brigantina, Lda.” (em 4/5/2010) pelo valor de € 1.100.000,00 (o qual inclui o valor das moradias – € 970.000,00 – inscrito nos contratos-promessa celebrados em 2008, bem como o valor das benfeitorias realizadas nas preditas habitações – € 100.000,00 – e ainda o valor do cheque entregue para assegurar a continuação da construção da quarta moradia – € 30.000,00), e que seja reconhecido que esse crédito está garantido por direito de retenção nos termos dos artigos 754º, 755º, 1, f), 442º, 442º, 2, e 759º do CCiv., o qual prevaleceria sobre a hipoteca constituída a favor da “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL” (Caixa Agrícola ou CCAM).


B) Tendo sido declarada a insolvência dessa sociedade “CB – Construtora Brigantina, Lda.”, a Senhora Administradora da Insolvência (AI) apresentou a lista definitiva de créditos reclamados e reconhecidos, bem como de inexistência de créditos não reconhecidos, lista essa nos termos da qual foi reconhecida à credora reclamante, Herança llíquida Indivisa por Óbito de AA, um crédito comum no valor de € 1.100.000,00 (cfr. fls. 5 e ss).
C) Inconformada, veio a referida credora reclamante, representada pelos respectivos únicos e exclusivos herdeiros, BB, CC e DD, deduzir impugnação nos termos do art. 130º, 1 e 2, do CIRE, alegando, em síntese, que o crédito por si reclamado teria de ser reconhecido como garantido por direito de retenção, prevalecendo tal garantia sobre hipotecas ou quaisquer outros ónus, não estando sujeito a registo e valendo erga omnes (cfr. fls. 10 e ss).

D) Veio a credora reclamante e hipotecária, Caixa Agrícola, deduzir articulado de resposta nos termos do art. 131º do CIRE, alegando, em primeiro lugar, por via de excepção dilatória, que a impugnação deduzida pela credora Herança seria intempestiva e, caso assim se não entendesse, que esta seria parte ilegítima, pois que os contratos-promessa celebrados em 2008 não teriam sido outorgados pela mesma, mas sim, pelos herdeiros em nome individual, pelo que qualquer crédito daí resultante teria de ser reclamado por estes e não por aquela. Referiu ainda, agora por via de excepção peremptória, que os referidos contratos-­promessa celebrados em 2008 corresponderiam a negócios simulados, não tendo as assinaturas aí constantes sido reconhecidas notarialmente e não havendo, pois, razões para crer que tais acordos, só agora conhecidos, tivessem sido efectivamente celebrados naquela data, outrossim apenas sendo conhecido o contrato-promessa celebrado em 29/9/1999, mediante o qual o falecido AA e a sua esposa, BB, acordaram permutar um terreno com a área de 32.767 m2 como contrapartida da cedência pela Insolvente de vários lotes e da construção por esta das referidas 4 moradias. Esclareceu ainda que, a entender-se ser devida qualquer indemnização pelo não cumprimento do aludido contrato-promessa de 1999 pela insolvente, o valor do crédito da Herança seria de apenas € 500.000,00, pois que, na sequência do cumprimento parcial do aludido negócio, teria sido este o valor fixado pelas partes, tendo em vista tal eventual compensação. Referiu ainda que tal crédito indemnizatório de € 500.000,00 não seria, no entanto, garantido por direito de retenção, desde logo, porque não havia sido fixado contratualmente qualquer destino para as moradias que à Insolvente caberia construir e porque os herdeiros não haviam feito prova da verificação da tradição da coisa (vale dizer, das aludidas moradias), não tendo, nomeadamente, comprovado que tivessem pago o IMI relativo a tais habitações desde a alegada data da tradição dos imóveis. Finalmente sustentou que só poderia haver direito de retenção no caso de a Herança demonstrar um incumprimento definitivo do aludido contrato-promessa de 1999 (ou, caso estes fossem considerados válidos, dos contratos-promessa subsequentes de 2008), sendo que a carta de resolução de tais negócios junta pela Herança não estaria datada, tão-pouco tinha sido recebida pela Insolvente. Por último, ainda que assim não fosse, não tendo havido lugar à entrega de qualquer sinal pela Herança, também não haveria lugar a direito de retenção, sendo certo que tal garantia também não teria sido consagrada no âmbito do CIRE, pois que tal diploma excluiria, nos respectivos artigos 102° a 106°, o regime previsto nos artigos 755º, 1, f), e 442° do CCiv. Concluiu, requerendo que a impugnação deduzida pela Herança fosse considerada intempestiva ou, caso assim não se entendesse, improcedente em função da ilegitimidade activa daquela ou ainda improcedente em função de o crédito reclamado não dever ser reconhecido e, ainda menos, como estando garantido por direito de retenção. E ainda pugnou pela condenação da Herança como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor da Caixa Agrícola. Subsidiariamente, deveria ser declarada a resolução dos quatro contratos-promessa de compra e venda, nos termos dos arts. 120º e 121º do CIRE (cfr. fls. 18 e ss).

E) Foi proferido despacho saneador, em 19/9/2013, pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de ..., nos termos do qual se determinou a absolvição da instância da Reclamada, CCAM, em função da falta de personalidade judiciária da Reclamante e Impugante, “Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de AA”: “decorre dos factos alegados pela própria impugnante que a herança já não se mostra aceite, por ter sido aceite pelas suas herdeiras. Ora, o Código de Processo Civil limita a extensão da personalidade judiciária à herança jacente, pelo que[,] no caso concreto, verifica-se a falta de personalidade judiciária da herança aberta por óbito de AA”.

A Herança recorreu do despacho saneador na parte da absolvição da instância. Decidindo, o Tribunal da Relação do Porto veio prolatar acórdão em 6/3/2014 (junto aos autos, depois de solicitado pelo aqui Relator por despacho de 18/6/2020: fls. 248 e ss), no qual, adoptando-se o entendimento de que a reclamação de créditos apresentada devia ser entendida e interpretada como formulada e deduzida a reclamação de créditos pelas herdeiras da herança do falecido, AA, em respeito pelo art. 2091º, 1, do CCiv., o que conduziria à não ocorrência da excepção dilatória aludida no despacho saneador, veio revogar o saneador “na parte em que absolveu da instâncias as reclamadas quanto à reclamação em causa” e ordenar o prosseguimento dos autos com a prolação de despacho saneador e de julgamento quanto à referida impugnação – com o valor de caso julgado formal, nos termos do art. 510º, 3, do CPC 1961, correspondente ao actual art. 595º, 3, do CPC 2013.

F) Em sequência, foi proferido despacho saneador, com indicação do objecto do litígio, selecção dos temas de prova e fixação do valor da causa em € 1.100.000, e realizada audiência de julgamento (cfr. fls. 31 e ss).  

G) Na sequência foi proferida sentença pelo Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Local Cível de ... – Juiz 2 (cfr. fls. 37 e ss), em 12/9/2018, com o seguinte dispositivo:
“I. Reconhecer que a herança ilíquida e indivisa do falecido, AA, é titular de um crédito de € 1.000.000,00 (1 milhão de euros), crédito esse garantido por direito de retenção incidente (apenas) sobre os prédios apreendidos na massa insolvente correspondentes aos Lotes A1, A2 e A3 sitos no Loteamento ... (zona das ..., ..., ...), respectivamente, descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob os n.o 1696/20040920, 1697/20040920 e 1698/20040920.
II. Não reconhecer que o crédito aludido em I) se encontra garantido por direito de retenção incidente sobre o prédio apreendido na massa insolvente correspondente ao Lote A4 sito no Loteamento ... (zona das ..., ..., ...) e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º 1699/2004092019.
III. Absolver as herdeiras, BB, CC e DD, do pedido de condenação como litigantes de má-fé contra si deduzido pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Região de ..., CRL.
IV. Condenar as Herdeiras aludidas em III) e a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo em custas processuais, a atender a final, na proporção de 1/4, para as primeiras, e 3/4, para as segundas (cfr. artigo 527º, nº 1 do CPC).
V. Relegar, para depois do trânsito da presente sentença, a graduação final dos créditos da insolvência, atenta a probabilidade de interposição de recurso da presente decisão (artigo 136º nº 7 do CIRE).”

H) Não se resignando, veio a Caixa Agrícola interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, tendo em vista revogar a sentença no segmento dispositivo em que “reconheceu que a herança ilíquida e indivisa do falecido, AA, é titular de um crédito de € 1.000.000,00 (1 milhão de euros) garantido por direito de retenção incidente (apenas) sobre os prédios apreendidos na massa insolvente correspondentes aos Lotes A1, A2 e A3 sitos no Loteamento ... (zona das ..., ..., ...), respectivamente, descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob os n.º 1696/20040920,1697/20040920 e 1698/20040920”. Apresentaram-se contra-alegações, sustentando a improcedência da apelação, com a consequente manutenção do decidido na douta sentença recorrida.

Decidindo, o TRG, em acórdão proferido em 23/5/2019 (cfr. fls. 84 e ss), julgou parcialmente procedente o recurso e decidiu alterar a decisão recorrida no seguinte sentido: “I. Reconhecer que a herança ilíquida e indivisa do falecido, AA, é titular de um crédito de € 1.000.000,00 (1 milhão de euros). II. Não reconhecer que o crédito aludido em I) se encontra garantido por direito de retenção incidente sobre o prédio apreendido na massa insolvente correspondente aos Lotes A 1, A2, A3 e A4 sitos no Loteamento ... (zona das ..., ..., ...), respectivamente, descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob os no 1696/20040920, 1697/20040920, 1698/20040920 e nº 1699/2004092019”; no mais decidiu manter integralmente a decisão recorrida.

I) Aqui chegados, BB, CC e DD, representantes da herança ilíquida e indivisa por óbito de AA, não se conformando, vieram interpor recurso de revista para o STJ (cfr. fls. 109 e ss) nos termos do art. 14º, 1, do CIRE, invocando a oposição com o Ac. do STJ proferido em 3/7/2018, no processo n.º 2717/16.9T8VNF-B.G1.S2, tendo por fim ser revogada a decisão recorrida e ser a mesma substituída por outra no sentido do acórdão fundamento. Para esse efeito, apresentaram nas suas alegações as seguintes Conclusões:

“1. Aquando da apreciação do Tribunal de Primeira Instância do caso concreto, este procedeu a uma correcta, precisa e coerente interpretação dos factos e aplicação do direito.

2. O Tribunal a quo não faz uma correcta aplicação do direito porquanto, a al. f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil efectua uma ampla remissão para o artigo 442.º do Código Civil.

3. Esta norma admite três tipos de créditos pecuniários emergentes do incumprimento da contraparte do beneficiário do direito de retenção: o do sinal em dobro, o do valor da coisa ou do direito e o da indemnização para além do sinal.

4. Caso a existência de sinal fosse conditio sine qua non para o exercício do direito de retenção, a remissão da al. f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil seria para o n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil, o que não acontece.

5. Desta forma, é de concluir que os requisitos para o exercício do direito de retenção são apenas a tradição do objeto mediato do contrato definitivo prometido, o incumprimento definitivo do contrato-promessa pelo promitente alienante e a titularidade pelo promitente adquirente (em virtude desse incumprimento) de um direito de crédito.

6. Pelo que, como a existência de sinal não é considerado pressuposto obrigatório para o exercício do direito de retenção, encontram-se preenchidos todos os parâmetros para tal exercício.

7. Encontrando-se o crédito em causa protegido pelo direito de retenção, este caracteriza-se como sendo um crédito garantido, assim devendo ser reconhecido.

8. O Acórdão recorrido, ao impor a existência de sinal, mostra-se em oposição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 2717/16.9T8VNFB. G1.S2, de 03-07-2018, transitado em julgado, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito, não existindo jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre a matéria.

9. A recorrente considera que foi violada a al. f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil e, bem assim, o artigo 442.º do Código Civil.”

A Recorrida apresentou contra-alegações (cfr. fls. 121 e ss) no sentido de se manter o acórdão recorrido, invocando, em síntese: (i) o acórdão-fundamento refere-se especificamente a uma indemnização convencionada – fundada no incumprimento do contrato-promessa; ao invés, no caso decidido pelo acórdão recorrido, não se trata de uma indemnização convencionada no contrato-promessa, mas outrossim de uma cláusula penal, resultante do acordo de garantia celebrado entre as partes em 2004, cláusula penal essa que resulta da aplicação do artigo 810º e ss do CCiv. e não da previsão do artigo 755º, 1, f), do CCiv., cujo tratamento aparece vertido no acórdão fundamento; (ii) uma vez que no contrato-promessa celebrado entre a insolvente e o falecido AA e a esposa não ficou estabelecida a prestação de qualquer quantia a título de sinal ou de qualquer preço ou a sua antecipação, nos termos dos arts. 441º e 442º do CCiv., não se preencheram os requisitos necessários e obrigatórios para o reconhecimento do direito de retenção, que exige além da tradição da coisa a prestação de um sinal nos termos do artigo 442º CC; (iii) o crédito reclamado não se fundamenta na aplicação do artigo 442º do CCiv., mas sim da cláusula penal estabelecida previamente no acordo de garantia celebrado em 2004, pelo que fica prejudicada a aplicação da alínea f) do art. 755º, 1, do CCiv. e, consequentemente, o alegado direito de retenção, uma vez que dessa previsão resulta que não é atribuído direito de retenção, em caso de tradição da coisa, a todo e qualquer crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, antes depende de ter sido entregue um sinal, nos termos do artigo 442º. Logo, em conclusão, “não se tendo verificado a entrega de sinal nos termos do citado artigo 442º CC, a alegada tradição da coisa apenas se apresenta como um acto de mera tolerância, não atribuindo à herança o direito de retenção a que alude”.

J) Compulsados os autos pelo aqui Relator, foi proferido despacho (4/3/2020) no qual se entendeu que “o julgamento do objecto recursivo, no que toca à atribuição da garantia traduzida em direito de retenção à herança ilíquida e individa, incidente sobre “os prédios apreendidos na massa insolvente correspondentes aos Lotes A1, A2 e A3”, implica, ademais, a dilucidação prévia da questão de direito relativa ao reconhecimento de tal direito de retenção à herança enquanto património autónomo, à luz da jurisprudência fixada nos acórdãos de uniformização n.º 4/2014, de 20/3/2014 – Processo n.º 92/05.6TYVNG-M.P1.S1, publicado in DR, 1.ª Série, n.º 95, de 19/5/2019 – e 4/2019, de 12/2/2019 – Processo n.º 2384/08.3TBSTS-D.P1.S1-A, publicado in DR, 1.ª Série, n.º 141, de 25/7/2019 (arts. 682º, 1, 608º, 2, 5º, 3, CPC)”, razão pela qual se ordenou “notificar as partes para, querendo e na atribuição processual pertinente para efeitos do exercício do contraditório, se pronunciarem no prazo de 10 dias sobre a questão elencada (…), nos termos aplicáveis dos arts. 3º, 3, e 4º do CPC”. 

A Herança respondeu, seguindo em grande medida a argumentação do Ac. do Relação do Porto de 6/3/2014, exarado nos autos, e enunciando como principais conclusões:

(i) “a herança aceite mas ainda indivisa, como aquela dos autos, não tem personalidade judiciária, uma vez que os seus titulares estão devidamente e perfeitamente determinados, como bem resulta de todos os elementos juntos aos autos, do que se retira consequentemente que os verdadeiros titulares dos direitos discutidos nos autos são as referidas sucessoras do de cujus, BB, CC e DD, conforme se encontra devidamente comprovado e provado nos autos. Estando igualmente claro que a referida herança indivisa não tem personalidade jurídica e que por isso não pode ser titular de direitos e obrigações, mas sim os seus respectivos e identificados herdeiros”;

(ii) “dúvidas não podem restar de que as herdeiras em causa sucederam nos direitos e obrigações do de cujus relativamente ao contrato promessa inicial celebrado em 1999 e melhor identificado nos autos, passando a ser titulares dos mesmos, o que ficou reforçado com a celebração dos contratos promessa individuais em 2008 e igualmente identificados nos autos, e mais reforçado ficou ainda com a entrega das chaves das moradias em causa a cada uma das herdeiras de forma individual, e finalmente com a ocupação e habitação dessas mesmas moradias de forma individual a partir de Dezembro de 2008 (quanto às herdeiras BB e CC) e Novembro de 2009 (quanto à herdeira DD). Não se olvidando igualmente que cada uma das herdeiras pagou individualmente os custos da respectiva moradia relativos a projecto de arquitectura, cozinha, aquecimento central, fecho de divisão, requisição de água e luz e certificação do prédio. Do que decorre, e no que aqui mais importa, que na situação dos autos estamos a falar de património cujos titulares são sujeitos certos e bem determinados, não se podendo confundir esta situação com a situação de patrimónios autónomos semelhantes à herança jacente cujos titulares são sujeitos incertos ou indeterminados, esta última prevista no aludido art.º 12.º, al. a), do Cód. Proc. Civil”;

(iii) “- A herança ilíquida e indivisa do falecido AA, de que são titulares as identificadas herdeiras BB, CC e DD, é titular de um crédito de 1 000 000,00€ (um milhão de euros) sobre a identificada massa insolvente, o mesmo correspondendo a dizer que estas herdeiras são titulares do referido crédito;

- As identificadas herdeiras gozam de garantia por direito de retenção incidente sobre os prédios identificados e apreendidos na massa insolvente correspondentes aos Lotes A1, A2 e A3 (já não do Lote A4), pelo referido crédito, ou seja, são titulares de um crédito garantido por direito de retenção; - Gozando tais herdeiras de crédito garantido por direito de retenção, têm a faculdade de serem pagas com preferência aos demais credores do devedor, ou seja, da massa insolvente, prevalecendo neste caso sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente, o que decorre do direito positivo consagrado no art.º 759.º, n.os 1 e 2 do Cód. Civil”.

Concluiu: “é por isso que o acórdão recorrido tem de ser revogado, (…) de acordo com o que já se encontra pugnado pelas titulares da herança nas alegações de revista”.

A Caixa Agrícola veio aos autos pugnar por posição diversa:

“Não encontrando assim a dita herança ilíquida e indivisa do falecido, AA, enquanto património autónomo, qualquer acolhimento no conceito de consumidor, em sentido restrito, plasmado no referido acórdão de uniformização (4/2019), nos termos das notas tipológicas consagradas no artigo 2º, nº 1, da Lei da Defesa do Consumidor nº 24/96, de 31 de julho”;

“Uma vez que, a referida herança em circunstância alguma, poderia destinar os três imóveis ao seu uso particular”;

“Logo, não sendo um consumidor, à luz dos citados acórdãos, não lhe pode ser aplicado o beneficio concedido ao consumidor promitente-comprador previsto no artigo 755º, nº 1, alínea f) do Código Civil”;

“Sendo em consequência e a considerar-se como tal, um credor comum da insolvência”.

Pelo que, “a considerar-se a herança ilíquida e indivisa do falecido, AA, como credora da insolvência, deve o crédito reclamado por esta[,]ser qualificado como comum”.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS

1. Admissibilidade e objecto do recurso

A recorrente invocou a admissibilidade do recurso seguindo o regime do art. 14º, 1, do CIRE, invocando para isso oposição jurisprudencial com acórdão do STJ sobre a mesma questão fundamental de direito.

O especial regime dos recursos previsto no art. 14º, 1, do CIRE («No processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.») tem sido objecto de uma apurada e fundamentada aplicação por parte deste Supremo Tribunal e nesta 6.ª Secção.

Em primeira linha, no que respeita ao âmbito de aplicação da disciplina restritiva nele contido em razão da matéria – logo, da amplitude da inibição de acesso de Acórdãos proferidos por Tribunal da Relação ao terceiro grau de jurisdição do STJ, tendo em conta a especialidade da norma de irrecorribilidade –, tem-se uniformemente julgado e decidido que a revista “normal” – independentemente do juízo sobre a condição negativa da “dupla conformidade decisória”, tal como prevista no art. 671º, 3, do CPC – está vedada a todas as decisões proferidas no processo de insolvência (e, extensivamente, no PER e no PEAP), incluindo-se as decisões tomadas nos incidentes que do ponto de vista formal e estrutural integram o referido processo e nele se tramitam (excluindo-se portanto da irrecorribilidade todas as acções e incidentes processados por apenso ao processo de insolvência e PER, a não ser, por expressa previsão legal e constituindo apenso nos termos do art. 41º, 1, do CIRE, os embargos opostos à sentença de declaração de insolvência): v., por ex., os Acs. de 13/11/2014[1] e de 12/8/2016[2], absorvendo igualmente a posição e os fundamentos da doutrina, focada com acerto na relação do n.º 1 com o n.º 2 (quando neste se faz referência a «todos os recursos interpostos no processo ou em qualquer dos seus apensos») do art. 14º do CIRE[3]. Em suma, a razão visada na restrição (ao art. 671º, 1 e 2, do CPC), centrada na particular celeridade e desejada estabilidade processual nas matérias da insolvência (cfr. Preâmbulo, ponto 16, do DL n.º 53/2004, que aprovou o CIRE) e da revitalização pré-insolvencial, aplica-se à tramitação endógena dos processos e deixa de fora a tramitação apensa e adjectivamente autonomizada desses mesmos processos, cujos litígios correm o regime comum (como induz justamente o referido art. 14º, 2, do CIRE). Para essa tramitação endógena tão-só se admite que se precluda a limitação do direito de recurso a um grau apenas nos casos de oposição de acórdãos em matéria relativamente à qual não exista ainda uniformização de jurisprudência (2.ª parte do art. 14º, 1).

Assim sendo, para além de o teor literal do art.14º não permitir sustentar essa interpretação, tem sido jurisprudência reiterada do STJ que as regras do art.14º não se aplicam aos incidentes que correm por apenso, como o de verificação e graduação de créditos (art. 132º do CIRE)[4]

Logo, in casu, não temos que submeter o recurso à revista atípica do art. 14º, 1, de modo que não estamos condicionados a, apenas e exclusivamente, podermos apreciá-la tendo em conta a oposição de julgados invocada para a sua viabilização, nos termos determinados pela 2.ª parte do n.º 1 do art. 14º do CIRE, e das normas aplicáveis à regularidade de recurso fundado em “conflito jurisprudencial”, sem mais qualquer outro fundamento. Antes teremos que submeter a impugnação recursiva para o STJ aos termos gerais, aplicando-se, para tanto, as regras do processo civil, de acordo com a remissão operada pelo art. 17º do CIRE, o que dita a aplicação da revista normal e ordinária[5].
Para esse efeito, justifica-se um ajustamento dos termos e do conteúdo do recurso à finalidade perseguida pelos Recorrentes com a interposição da revista impugnativa, promovendo-se o necessário e indispensável ajuste tendo em vista alcançar o fim/resultado a atingir, pois é isso que se deve operar sempre que a lei não o preveja (princípios da idoneidade técnica e da economia formal, segundo ALBERTO DOS REIS[6] e MANUEL DE ANDRADE[7]). Tal adequação processual à especificidade do recurso, de modo a conferir efectividade à tutela dos interesses dos Recorrentes, será exigida, além do mais, pela tutela jurisdicional efectiva (art. 20º, 1 e 4, da CRP) e, por fim, deverá garantir a equidade do processo. Encontramos tradução (genérica e especial) desse poder-dever nos princípios de actuação judicial previstos nos arts. 547º («O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.»), 131º, 1, 193º, 3, do CPC.[8] 
Esse aproveitamento substancial (pois formalmente o recurso de revista é a espécie prevista para este último grau de apreciação), necessário a balizar e a fundar a pronúncia do tribunal ad quem, consiste fundamentalmente aqui na adequação necessária do conteúdo das Conclusões que encerram a alegação de recurso (o acto processual em causa), por serem elas que delimitam o respectivo objecto recursivo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (arts. 608º, 2, 635º, 4, 637º, 2, 1.ª parte, 639.º, 1, 663º, 2, todos do CPC), na parcela de sustentação referida ao art. 674º, 1, do CPC, em cujas alíneas se subsumem os fundamentos da revista. E a elas foi oferecido o direito de defesa e o exercício do contraditório à parte recorrida, exercido através das contra-alegações atravessadas nos autos.

Assim:

— tendo o acórdão recorrido revogado parcialmente a decisão proferida em primeira instância, no que toca a um dos segmentos decisórios, o recurso de revista é admissível, nos termos do art. 671º, 1, do CPC, estando ademais reunidas as condições gerais de admissibilidade previstas no art. 629º,1, do CPC;

— a questão a decidir, que emerge das conclusões das alegações da Recorrente, enquadrada no art. 674º, 1, a), do CPC, é a de saber se houve errada interpretação e aplicação da lei, em referência aos arts. 755º, 1, f), e 442º do CCiv., quando o acórdão recorrido decide não reconhecer que o crédito resultante do incumprimento de contratos-promessa não se encontra garantido por direito de retenção sobre prédios da massa insolvente, em função de não ter havido pagamento de sinal como antecipação de pagamento;

— analisado o âmago de tal questão, impõe-se, ademais, que o julgamento do objecto recursivo, no que toca à atribuição da garantia traduzida em direito de retenção à herança ilíquida e indivisa, incidente sobre “os prédios apreendidos na massa insolvente correspondentes aos Lotes A1, A2 e A3”, abranja a dilucidação da questão de direito relativa ao reconhecimento de tal direito de retenção à luz da jurisprudência fixada nos acórdãos de uniformização n.º 4/2014 e 4/2019 (arts. 682º, 1, 608º, 2, 5º, 3, CPC). 

2. Factualidade

Foram considerados provados pelas instâncias os seguintes factos:

1. BB e AA foram casados sob o regime de comunhão geral de bens em primeiras núpcias de ambos, tendo o segundo falecido, sem testamento ou qualquer disposição de última vontade, em 19/12/2007.

2. Sucederam ao aludido AA como herdeiras, além da viúva, BB, as duas filhas do casal, CC, casada no regime de comunhão de adquiridos com EE, e DD, casada no regime de comunhão de adquiridos com FF.
3. Por acordo denominado "contrato-promessa de compra e venda e de permuta", datado de 29/9/1999, AA e BB, por um lado, e a Insolvente, Construtora Brigantina, Lda., por outro, prometeram permutar e comprar e vender entre si o terreno com a área ajustada de 32.767 m2 sito em ..., a confrontar a norte com GG, nascente com Estrada ... – ..., sul com HH e poente com caminho público e II, terreno esse inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1399 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 01287/180399, pertencente àqueles e no qual esta pretendia levar a cabo uma operação de loteamento, tendo em vista a construção de um empreendimento imobiliário e respectiva comercialização (cfr. Documento nº junto a fls. 558 e ss. com a Reclamação de Créditos de fls. 524 e ss., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
4. Para o efeito, pela transmissão do terreno identificado em 3), a Insolvente comprometeu-se perante os promitentes, AA e BB, a pagar a estes a quantia de cem milhões de escudos (10.000.000$00, na data da celebração do contrato + 50.000.000$00 até 30/11/1999 e desde que se encontrasse rectificada matricial e registralmente a área da parcela do terreno transmitido + 40.000.000$00 no acto de outorga e assinatura da escritura pública de compra e venda do aludido prédio), bem como – e a título de parte do preço – a lotear, licenciar e ceder àqueles um lote de terreno com a área de 5270 m2 a situar em frente ao Restaurante ... e devidamente assinalado em planta topográfica anexo ao acordo e ainda a lotear, licenciar e construir, de acordo com o alvará a emitir pelo Município, 4 moradias individuais a implantar em outros tantos lotes, cada um deles, com a área aproximada de 500 m2, nessa sequência, transmitindo a propriedade destas a favor dos aludidos AA e BB por escritura pública a outorgar logo que fosse emitida a correspondente licença de habitabilidade na sequência da respectiva edificação, a qual deveria ocorrer no prazo máximo de 18 meses a contar da comunicação camarária que permitisse o levantamento da pertinente licença de construção.
5. Previram ainda os contraentes no acordo aludido em 3) e 4) que, no caso de incumprimento culposo do aludido negócio, a parte culpada teria de indemnizar a outra pelo valor de € 230.000.000$00, valor este que incluiria todos e quaisquer prejuízos causados pela parte faltosa à contraparte.
6. Em cumprimento do negócio aludido em 3) a 5), foi no dia 5/3/2004 celebrada escritura pública mediante a qual os aludidos AA e BB venderam à Insolvente o terreno identificado em 3) pelo alegado valor de € 364.562,00, correspondente ao valor matricial do imóvel, tendo em vista, nomeadamente, o licenciamento da operação de loteamento a levar a cabo pela segunda.
7. Sem prejuízo do valor aludido em 6), o qual não foi entregue aos aí vendedores, nessa mesma data, o representante legal da Insolvente e os promitentes, BB e AA outorgaram um outro acordo denominado de "Garantia", mediante o qual estipularam que, no mesmo dia (5/3/2004), o primeiro, na qualidade de representante da Construtora Brigantina, Lda., entregaria aos segundos um cheque no valor de € 1.000.000,00, o qual serviria para garantir a celebração pela Insolvente das escrituras de compra e venda dos lotes aludidos em 4) ­aí já então denominados lotes A1, A2, A3, A4 e C1 – a ceder aos aludidos promitentes e que, como tal, só poderia ser descontado por estes no caso de tais escrituras não serem celebradas por causa apenas imputável àquela.
8. Mais previram as partes no acordo aludido em 7) que, aquando da celebração das escrituras públicas de transmissão dos aludidos lotes A1, A2, A3, A4 e C1, os referidos BB e AA devolveriam o cheque mencionado em 7) por troca com um outro cheque no valor de € 500.000,00 a entregar nessa altura pela Insolvente, servindo este último cheque para garantia da construção das moradias aludidas em 4) nos referidos lotes A1, A2, A3 e A4 e que, como tal, apenas deveria ser descontado na eventualidade de tais casas não virem a ser construídas pela Construtora Brigantina, Lda. (cfr. Doc. nº 5 junto com a reclamação de créditos a fls. 556 e ss., o qual se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos).
9. Em cumprimento do acordo aludido em 7) e 8), o representante legal da Insolvente entregou aos aludidos BB e AA um cheque de € 1.000.000,00.
10. Ainda na sequência da escritura aludida em 6) e na mesma data (5/3/2004), a Insolvente constituiu hipoteca sobre o terreno identificado em 3) a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, tendo em vista garantir o pagamento pela aquela a esta de um financiamento de € 815.000,00 celebrado ao abrigo de um contrato de abertura de crédito outorgado entre ambas.
11. Em 3/2/2006, e em cumprimento ainda do contrato-promessa aludido em 3) a 5), os aludidos promitentes, BB e AA, e a Insolvente celebraram escritura pública de compra e venda do aludido lote C1 identificado em 4) e 8), mediante a qual esta transmitiu a favor daqueles o aludido imóvel.
12. Na mesma data (3/2/2006), os aludidos promitentes e a Insolvente acordaram, de forma verbal, substituir o cheque de € 1.000.000,00 inicialmente entregue por esta àqueles por um cheque de € 500.000,00 que a Insolvente entregaria aos promitentes para garantia da construção e transmissão dos lotes A1, A2, A3 e A4 aludidos em 4) e 8).
13. Sucede que, mais tarde e antes que tal substituição de cheques tivesse ocorrido, o promitente, AA e a Insolvente concordaram que o valor de € 1.000.000,00 ainda seria justo como garantia da transmissão e construção das moradias nos lotes A1, A2, A3 e A4, atento o valor de tais prédios e das moradias que aí deveriam ser construídas, razão pela qual o cheque de € 1.000.000,00 continuou na posse daquele, não tendo sido substituído pelo aludido cheque de € 500.000,00.
14. No período subsequente, a Insolvente procedeu à edificação das moradias situadas nos referidos lotes A1, A2, A3 e A4 em conformidade com as especificações elencadas no documento complementar assinado por BB e AA, bem como pelo representante legal da Insolvente (cfr. doc. nº 8 junto com a Reclamação de Créditos a fls. 563 e ss., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos).
15. Os projectos de arquitectura, embora contemplados no documento complementar como constituindo um encargo da Insolvente, foram, na verdade, pagos pelos herdeiros do falecido AA, sendo o respectivo valor, na altura, antes de 2002, data da respectiva aprovação, de € 10.000,00 e correspondendo actualmente ao valor de € 6.000,00 por cada moradia, apesar de, na altura, só terem sido elaborados 2 projectos para as 4 vivendas.
16. Com efeito, de acordo com a vontade manifestada em vida pelo aludido AA, a moradia implantada no lote A1 destinar-se-ia a este e à sua esposa, BB, sendo que as moradias implantadas nos lotes A2 e A3 seriam, respectivamente, para habitação das filhas de ambos, CC e DD, destinando-se, por sua vez, a moradia implantada no lote A4 a ser vendida ou comercializada.
17. Por sua vez, mais acordaram os aludidos AA e BB com a Insolvente que seria da responsabilidade de cada um dos destinatários das moradias aludidas em 16) os encargos com cozinhas, aquecimento central, ampliações e outros extra.
18. Nesse sentido, os herdeiros do aludido AA suportaram os custos, não só dos projectos de arquitectura tal como referido em 15), como também os custos com as cozinhas das habitações, com o aquecimento central implementado nas moradias e ainda com o fecho de uma divisão inicialmente não contemplado no projecto inicial.
19. Os custos aludidos em 15) e 18) suportados pelos herdeiros de AA relativos às moradias edificadas nos lotes A 1, A2 e A3 orçaram o valor mínimo de € 100.000,00.
20. Ainda assim, uma vez que, de acordo com a Insolvente a construção das moradias nos aludidos lotes A1, A2 e A3 ficara mais cara do que inicialmente previsto, a herdeira, BB, entregou à Insolvente um cheque datado de 23/6/2008 no valor de € 30.000,00, tendo em vista a construção (mais atrasada por se não destinar a habitação própria dos destinatários) da moradia situada no lote A4, cheque esse, o qual foi descontado pela segunda.
21. Em 10/9/2008, a Insolvente e as herdeiras do falecido, AA, estas a título próprio e individual e não enquanto representantes da referida herança, outorgaram os acordos, vertidos em documentos particulares e denominados "contratos-promessa de permuta e compra-venda" juntos a fls. 581 e ss. como Doc. 17 a 20 com a Reclamação de Créditos (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos), mediante os quais aquela prometeu vender / permutar a estas os imóveis construídos nos lotes A1, A2, A3 e A4 e estas prometeram adquirir tais prédios.
22. Assim, na mesma data, a Insolvente e a viúva, BB, quanto ao negócio vertido no aludido Doc. nº 17, aquela e a herdeira, CC, bem como o marido desta, no que concerne o negócio vertido no aludido Doc. nº 18, aquela e a herdeira, DD, bem como o marido desta, no que respeita o negócio vertido no aludido Doc. nº 19 e, finalmente, aquela e a viúva, BB, no que tange o negócio vertido no aludido Doc. nº 20, prometeram-se reciprocamente vender e comprar os imóveis construídos, respectivamente, nos lotes A1, A2, A3 e A4, mais acordando em atribuir, respectivamente, o preço de € 250.000,00 a cada uma das moradias situadas nos lotes A1, A2 e A3, bem como o preço de € 220.000,00 à moradia sita no lote A4, preço esse que os contraentes consideraram já estar pago por força da permuta identificada em 3) e 6) e da entrega do cheque de € 30.000,00 aludida em 20).
23. Mais ficou estipulado nos contratos-promessa aludidos em 21) e 22) que os contratos definitivos de compra e venda seriam celebrados no prazo máximo de 90 dias (quanto às moradias dos lotes A1, A2 e A3) ou de 180 dias (quanto à moradia do lote A4) a contar da data de celebração daqueles (10/9/2008) e logo que emitida a competente licença de habitabilidade, para o que a Insolvente deveria informar os promitentes ­compradores logo que tal acontecesse, enviando carta registada com aviso de recepção.
24. Na data da celebração dos aludidos contratos-promessa (10/9/2008), a Insolvente, por intermédio do respectivo representante legal, JJ, entregou a cada uma das herdeiras as chaves das 4 moradias, autorizando-as por essa via a ocupar estas últimas.

25. Assim, a partir de Dezembro de 2008, as aludidas herdeiras, BB e CC passaram a residir, respectivamente, nas moradias edificadas nos lotes A1 e A2, dormindo nas mesmas, aí preparando e tomando refeições, tomando banho e cuidando dos respectivos jardins.

26. Da mesma forma, também nessa altura, as referidas, BB e CC, sempre com autorização do legal representante da Insolvente, procederam à requisição de água e luz e, bem assim, requereram a certificação do prédio, pagando as taxas e encargos daí decorrentes.

27. Posteriormente, em Novembro de 2009, também a herdeira, DD, passou a residir com a sua família na casa edificada no lote A3, aí dormindo e tomando as suas refeições, para o que, fazendo uso do contrato-promessa aludido em 21) requisitou igualmente água e luz, bem como a certificação do prédio em causa.

28. Sem prejuízo, a moradia edificada no lote A4 não foi concluída, tendo a estrutura da casa, paredes e vedações sido construídas com recurso ao cheque de € 30.000,00 entregue pela aludida BB à Insolvente e tendo as herdeiras de AA, a partir de Novembro de 2009 e da entrega de tal lote A4 pelo representante legal da insolvente a estes, cuidado do mesmo, procedendo às limpezas necessárias, corte de arbustos e plantas que foram crescendo no local, consertado a vedação e colocado anúncio de venda com o nome da representante da herança.

29. Nos meses subsequentes a celebração dos contratos-promessa aludidos em 21) a 23), ou seja, em 2009, as herdeiras do falecido, AA, pediram, por várias vezes, ao representante legal da Insolvente JJ, para este diligenciar a marcação da escritura pública dos contratos definitivos de compra e venda das aludidas moradias;

30. Manifestando o aludido representante legal da Insolvente que tinha vontade de outorgar tais escrituras, mas que, de momento, não o podia fazer em função de não ter dinheiro para fazer os destrates das hipotecas (aludidas em 10) que incidiam sobre os imóveis a vender, pedindo, pois, mais tempo a fim de poder melhorar a situação financeira da insolvente e ter solvabilidade para pagar o empréstimo bancário.

31. Em 9/12/2009 a Herança Reclamante instaurou acção declarativa que correu termos sob o nº 1522/09.3TBGCC destinada a reconhecer o direito de resolução dos contratos-promessa aludidos em 3), bem como 21) e a condenação da Construtora Brigantina, Lda. a pagar àquela a quantia de € 2.000.000,00 acrescida de € 100,000,00 a título de benfeitorias ou, caso assim se não entendesse, a condenação desta a pagar à primeira a quantia de € 1.000.000,00, acrescida dos referidos € 100.000,00 a título de benfeitorias, mais se reconhecendo em todo o caso o direito de retenção da Herança sobre os imóveis construídos nos lotes A1, A2, A3 e A4 para garantia do pagamento de tal indemnização.
32. Por sentença transitada em julgado em 14/6/2010 foi declarada a insolvência da Construtora Brigantina, Lda.

33. Na acção aludida em 31), entretanto apensa aos presentes autos de insolvência, foi proferida sentença que absolveu a Construtora Brigantina, Lda. do pedido, decisão essa da qual foi interposto recurso pela Herança, aí Autora, recurso esse, na sequência do qual a Construtora Brigantina, Lda. foi absolvida da instância.
34. Os contratos-promessa aludidos em 21) não foram objecto de reconhecimento presencial de assinaturas no que respeita aos aí outorgantes.

35. Os lotes A1, A2, A3 e A4 encontram-se ainda onerados com a hipoteca a favor da credora hipotecária, CCAM em consequência do acordo de hipoteca aludido em 10).

36. No decurso do presente processo de insolvência, foi reconhecida pela Sra. Administradora de Insolvência à Herança Reclamante um crédito comum no valor de € 1.100.000,00.

37. A Sra. Administradora de Insolvência esclareceu no julgamento ocorrido nos presentes autos, nunca ter pretendido outorgar as escrituras dos contratos definitivos de transmissão dos lotes A1, A2, A3 e A4, entretanto apreendidos na massa insolvente, por entender que – a menos que os promitentes-compradores aludidos em 21) e 22) pagassem o respectivo preço de mercado – tal prejudicaria os restantes credores, designadamente, a CCAM.

3. O direito aplicável


3.1. O caso trazido à decisão do STJ[9] reflecte a existência de um crédito, reconhecido pelo AI, resultante do incumprimento pelo AI para “negócios jurídicos em curso” (art. 102º, 1, 106, 1, a contrario sensu, CIRE; cfr. pontos 36. 37. dos factos provados) de contratos-promessa com eficácia obrigacional de troca e compra e venda, celebrados em 2008 com as herdeiras do falecido promitente-vendedor AA, circunscritos à obrigação de venda e construção dos imóveis/moradias construídos nos denominados lotes A1, A2, A3 e A4 originariamente permutados com a insolvente (cfr. pontos 21. a 23. dos factos provados). Tais contratos-promessa surgem no âmbito e em cumprimento parcial do contrato-promessa matriz (chamemo-lo assim) de troca e compra e venda, celebrado em 1999, com obrigação de permuta e venda de terreno e lotes e obrigação de construção de quatro imóveis/moradias em quatro desses lotes (cfr. pontos 3. e 4. dos factos provados) – tendo sido adquirido o referido terreno pela insolvente por escritura pública celebrada em 2004 (cfr. ponto 6. dos factos provados).
O crédito reclamado emerge de cláusula penal estabelecida no contrato-        -promessa matriz de 1999, segundo a qual “no caso de incumprimento culposo do aludido negócio, a parte culpada teria de indemnizar a outra pelo valor de 230.000.000$00, valor este que incluiria todos e quaisquer prejuízos causados pela parte culposa à contraparte” (ponto 6. dos factos provados). Tal cláusula foi convencionalmente executada e actualizada, aquando da celebração formal em 2004 dessa venda do terreno à insolvente, através de um “acordo de garantia” tendo por objecto a promessa de transmissão dos lotes permutados e da construção de quatro imóveis-moradias em quatro desses lotes, nos termos dos quais teria a credora direito a receber da insolvente € 1.000.000, valor acordado, com entrega de cheque no montante correspondente, para garantir a celebração pela Insolvente das escrituras de compra e venda dos lotes denominados como A1, A2, A3, A4 e C1 em caso de incumprimento das promessas contratadas pela insolvente (cfr. pontos 7. a 9. dos factos provados).
Por isso, devemos desde já salientar que o crédito reconhecido pelo AI diz respeito – genética, cronológica e substancialmente – ao contrato-promessa matriz de 1999, pois foi nele que se convencionou a cláusula penal em que se funda o crédito reclamado pelas herdeiras em exercício do direito da herança ilíquida e indivisa. Logo, não respeita originariamente às promessas celebradas pelas herdeiras – recordamos, as referidas aos lotes A1, A2 e A3. Estas promessas tiveram como efeito jurídico essencial terem sido acompanhadas pela tradição dos imóveis-moradias (pontos 24. a 27. dos factos provados) mas não foi sinalizada qualquer prestação de coisa como antecipação de pagamento. E não foram cumpridas através da celebração dos respectivos contratos definitivos pelo AI.

Por sua vez, atenta esta última circunstância, a decisão de 1.ª instância reconheceu o direito de retenção ao crédito indemnizatório antecipadamente convencionado apenas para as promessas incidentes sobre os prédios apreendidos a que correspondem os lotes A1, A2 e A3 (e apenas sobre esses) tendo em conta a aplicação da jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 4/2014 e a inerente exigência da qualidade de consumidor aos respectivos promitentes-compradores. Argumentou-se que as heranças também ingressam no conceito de promitente-comprador consumidor exigido pelo tal AUJ, “desde que a destinação do prédio seja para uso (habitacional ou não) próprio destas e não para revenda” (pág. 36 e nt. 15).

3.2. Aqui chegados, percebe-se qual a questão directamente colocada para julgamento nesta instância pelas Recorrentes: decidir se o crédito da Herança Ilíquida e Indivisa, emergente do incumprimento pelo AI desses contratos-promessa celebrados em 2008 em referência aos aludidos lotes A1, A2 e A3, uma vez não sinalizados e em função desta natureza das promessas, está ou não garantido pelo direito de retenção, sendo certo que em benefício dela se registou a tradição dos imóveis-moradias que a Insolvente se havia obrigado a construir nos lotes respectivos, entretanto apreendidos na massa insolvente, e, ademais, estando esse crédito reconhecido judicialmente pelas instâncias[10] e, assinale-se, a discussão do seu montante fora do objecto recursivo.

3.3. Infirmando a decisão de 1.ª instância, o tribunal recorrido julgou divergentemente, argumentando com estas linhas essenciais para a conclusão (não tendo havido prestação de sinal, não gozaria a Recorrente do direito de retenção):

“Em termos gerais, é pacífico que nestas situações (de contrato-promessa) se pode reconhecer a existência de um direito de retenção, que tenha por objecto os lotes ou moradias que viessem a ser construídas e que tivessem sido entregues ao promitente "permutador", desde que obviamente se verifiquem os respectivos pressupostos legalmente previstos nos arts. 754° e 755° do CC. Na verdade, é inequívoco que o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real, sinalizada (que tenha prestado sinal), e que obteve a tradição da coisa objecto do contrato-prometido pode gozar do direito de retenção "pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442° do CC". E esta afirmação é válida para todas as situações em que no contrato intervenha o beneficiário de qualquer contrato promessa sinalizado com traditio rei – coisa móvel ou imóvel, rústica ou urbana, para habitação, comércio, indústria, etc. – e não só do contrato-promessa previsto no art. 410º, nº 3 do CC.

O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição do direito real que não obteve a tradição da coisa, não goza do direito de retenção, o que é óbvio, por definição, visto que um dos pressupostos necessários para que o direito de retenção exista, é que o devedor esteja obrigado a entregar a coisa que detém, lícita e legitimamente, à pessoa de que é simultaneamente credor.

No entanto, se tal tradição tiver ocorrido, tal direito de retenção pode ser reconhecido em qualquer contrato promessa sinalizado em que se declare prometer constituir um direito real.

Isto significa que o disposto na aI. f) do nº 1 do art. 755º do CC não é só aplicável aos contratos promessa de compra e venda. Também poderá abranger um contrato-promessa de troca ou permuta de bens imóveis que reúna os referidos requisitos.

No entanto (…), o nosso entendimento é que o âmbito de protecção do direito de retenção não abarca todos os créditos indemnizatórios que possam decorrer do incumprimento do contrato promessa, tendo que se fundar antes naqueles que decorram da aplicação do disposto no nº 2 do art. 442º do CC.

Ora, constata-se que o crédito aqui reclamado não se mostra calculado em função do valor de qualquer sinal que tivesse ficado estabelecido no contrato – como exige aquele preceito legal –, mas sim do valor previamente fixado em termos de cláusula penal (arts. 810º e ss. do CC) no aludido Acordo de Garantia (2004) – como já ficou referido”.

Ademais:

“Dispõe o art. 754° do CC que o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.

Em síntese, o direito de retenção previsto naquele normativo depende de três requisitos: a) a detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrem; b) apresentar-se o detentor, simultaneamente, credor da pessoa com direito à entrega; c) a existência de uma conexão directa e material entre o crédito do detentor e a coisa detida, quer dizer, resultante de despesas realizadas com ela ou de danos pela mesma produzidos.

A conexão objectiva entre o crédito e a coisa ("debitum cum re iunctum") constitui o alicerce básico do direito de retenção. O direito de retenção mostra-se, assim, consagrado na lei como um verdadeiro direito real de garantia, equiparando-se o seu titular ao credor pignoratício ou hipotecário, consoante o objecto do direito seja uma coisa móvel ou uma coisa imóvel (arts. 758º e 759º). Segundo o Prof. Calvão da Silva, para além da função de garantia, o direito de retenção tem ainda a função coercitiva, sendo um meio de pressão sobre o devedor para o determinar a pagar as despesas feitas por causa da coisa legitimamente retida ou por causa dos danos por ela causados.

Torna-se, assim, possível definir o direito de retenção, com a necessária segurança, como o direito conferido ao credor, que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também, de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores.

Para além das situações que derivam da aplicação do critério geral consagrado no art. 754º do CC – que aqui não tem aplicação –, existem os casos especiais de direito de retenção previstos nas diversas alíneas do nº 1 do art. 755º do CC.

Nalguns daqueles casos especiais, há lugar a direito a retenção apenas com base na simples origem comum dos dois créditos, sem que se verifique a conexão objectiva entre o direito e a coisa.

No caso concreto, a Reclamante/Recorrida invocou a aI. f) do nº 1 do art. 755º do CC. Dispõe esta aI. f) que goza de direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442º do CC.

Como é sabido, a exigência de ter havido constituição de sinal e a tradição da coisa têm subjacente a ideia de que nestes casos existe uma forte confiança na firmeza e concretização do negócio.

Ora, salvo o devido respeito, e como decorre já do exposto, a questão no caso concreto não tem razão para existir.
Na verdade, contrariamente ao defendido pelo Tribunal Recorrido, o legislador só admitiu a constituição do direito de retenção nas promessas sinalizadas em que tenha havido tradição da coisa e em que o crédito que esteja em jogo seja resultante do não cumprimento imputável à outra parte nos termos do art. 442° do CC.
Com efeito, o âmbito de protecção do direito de retenção previsto na aI. f) do nº 1 do art. 755º do CC só abrange a posição do promitente-comprador na promessa sinalizada em que tenha havido tradição da coisa e por isso não abarca todos os contratos promessa, nem sequer todos os contratos promessa sinalizados, mas simplesmente aqueles em que além do sinal tenha havido tradição da coisa.
Nessa medida, “a situação-tipo regulada na aI. f) é, sabidamente, muito vulgar: incumprimento pelo promitente-vendedor de contrato-promessa de compra e venda de imóvel (com especial relevo dos casos em que o mesmo se destina a habitação do próprio promitente-comprador) por conta de cujo preço foi pago sinal e cujo objecto já foi entregue ao promitente-comprador'' [Rui Pinto Duarte].
Na verdade, como esclarece o Prof. Menezes Leitão "chama-se a atenção, em primeiro lugar, que o art. 755°, f) não atribui o direito de retenção, em caso de tradição da coisa, a todo e qualquer crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, uma vez que se assim fosse, não faria sentido a inclusão, no texto legal, da expressão “nos termos do art. 442°”. Ora, os créditos referidos nesta disposição são apenas a restituição do sinal em dobro e o direito ao aumento do valor da coisa e não a indemnização geral por incumprimento, prevista no art. 798°.
Daqui resulta, portanto, que o direito de retenção atribuído no art. 755º, nº 1, aI. f) pressupõe, além da tradição da coisa, a estipulação de sinal. Efectivamente, e conforme se demonstrou, caso não tenha sido estipulado sinal, a tradição da coisa apresenta-se como um mero acto de tolerância, não havendo razão para penalizar o promitente vendedor, através da atribuição à parte contrária de uma garantia como o direito de retenção”.
Mas, além disso, "um dos pressupostos do direito de retenção previsto no art. 755°, nº 1, aI. f) do CC (é): a existência de um crédito indemnizatório, nos termos do art. 442º, nº 2 do CC, derivado do incumprimento imputável (com culpa) à outra parte. Não tendo o promitente-comprador... um direito indemnizatório nos termos do art. 442º, nº 2 do CC, não pode existir aquele direito de retenção, porque este pressupõe a existência daquele crédito do autor da retenção e nasce para garantir o mesmo” [Gisela César].
Na verdade, importa ter em consideração qual é o âmbito de protecção desta garantia nos casos que aqui estão em jogo.
É que importa ter em atenção que aquele âmbito coincide com as situações em que as pessoas “celebram contratos promessa de compra e venda sinalizada e, muitas vezes obtêm a tradição da coisa, onde passam a habitar, o que fortalece a sua expectativa de execução do contrato. Acrescente-se ainda que o valor da quantia inicialmente entregue (que a lei presume sinal, art. 441°) pode ser (justamente porque houve tradição) bastante elevado. O âmbito de protecção desta garantia é só esse. Não é demais sublinhar que ela não abarca todos os contratos promessa, nem sequer todos os contratos promessa sinalizados, mas simplesmente aqueles (em) que além do sinal tenha havido tradição da coisa. Se nesses casos (promessa sinalizada com tradição da coisa) fosse retirado o direito de retenção aos promitentes-compradores, eles ficariam desprotegidos perante o incumprimento da outra parte. E pior ainda ficariam, se posteriormente fosse declarada a insolvência do empreiteiro/vendedor, porque o seu património, justamente os imóveis, destinar-se-iam a satisfazer os créditos garantidos por hípotecas" [Pestana Vasconcelos]. Assim, “a atribuição deste direito ao promitente-adquirente, naqueles casos em que a promessa seja sinalizada, e em que se verifique a tradição da coisa, visa a tutela do seu crédito (ao sinal em dobro ou aumento da coisa) se a outra parte incumprir o contrato. Para o efeito, o legislador recorreu a uma das garantias mais robustas que dispunha no seu arsenal (criando um “caso especial” de direito de retenção)” [Pestana de Vasconcelos].
Na verdade, “a teleologia (do art. 755°, nº 1, aI. f) do CC) (é) a tutela do promitente-­adquirente (de forma mais precisa: do seu crédito ao sinal em dobro ou à indemnização pelo aumento do valor da coisa), no caso particular de a promessa ser sinalizada e quando tenha havido tradição da coisa e, consequentemente, seja mais intensa a sua expectativa de a vir a adquirir…” [Pestana de Vasconcelos]. 
De todas estas considerações, resulta, assim, que se pode concluir que, conforme decorre, aliás, da letra da lei, o direito de retenção previsto na citada aI. f) "pressupõe a indemnização/aplicação” [Cons. Sebastião Póvoas, voto de vencido, AUJ n.º 4/2014, de 20/3] do regime do art. 442° do CC.
E pressupõe, como já referia o Prof. Antunes Varela, também que o promitente-­comprador, que pretende ser beneficiário da retenção, tenha entregue ao promitente­-vendedor uma qualquer quantia a título de sinal (o que decorria da inserção deste preceito legal no nº 3 do art. 442° do CC), pois que se assim não for “o promitente­-comprador poderia desfrutar do privilégio da retenção da coisa imóvel que lhe fora entregue, mesmo indo de mãos inteiramente a abanar, sem ter feito a menor despesa... sequer com a expectativa da futura aquisição do prédio”.

3.4. Não obstante, perfilhamos outro entendimento, que ficou cabalmente explicitado no Ac. do STJ de 3/7/2018[11], com apoio doutrinal relevante (Calvão da Silva, Ana Prata, Gravato Morais) e jurisprudência sustentada, que é de sufragar.

Vejamos os principais argumentos e contra-argumentos:
(i) “Nos termos do artigo 755 n.º 1 al. f) do CCivil, goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º.
Questão é saber se o direito indemnizatório resultante do não cumprimento é apenas o do n.º 2 desta última norma (uma sub-questão é ainda saber se a faculdade de exigir o valor da coisa ou do direito, como alternativa ao recebimento do sinal prestado, pressupõe a existência de sinal), ou se compreende também a indemnização que, a despeito da existência do sinal, tenha sido convencionada, ou até a indemnização a calcular nos termos gerais (coincidente com o prejuízo real ou efetivo) quando não tenha sido constituído sinal nem fixado o quantum do prejuízo.
(…)
Historicamente, o direito de retenção (ainda que então direcionado apenas para a defesa do promitente-comprador [de edifícios ou frações autónomas deles]) em sede de incumprimento de contrato-promessa surgiu com a alteração introduzida no Código Civil pelo DL nº 236/80. Aí (nº 3 do art. 443º) se concedia um direito de retenção para garantia do “crédito resultante do incumprimento pelo promitente-        -vendedor”. Literalmente, este direito não surgia vinculado ao crédito decorrente do regime do sinal ou do valor da coisa. Por isso, parece que era de entender que o direito de retenção garantia também créditos emergentes do incumprimento da promessa para além dos decorrentes do regime do sinal. O que é dizer, o direito de retenção não estaria necessariamente dependente da constituição de sinal, senão e apenas do incumprimento do promitente-vendedor (com o consequente crédito do promitente-comprador) e da tradição da coisa.
O DL 379/86, que de igual forma alterou o Código Civil, manteve o direito de retenção, desta feita nos termos supra transcritos do artigo 755 n.º 1 al. f). Como resulta do respetivo preâmbulo (ponto 4), um tal direito foi suportado pelo legislador na seguinte argumentação: “Tem de reconhecer-se que, na maioria dos casos, a entrega da coisa ao adquirente apenas se verifica com o contrato definitivo. E, quando se produza antes, não há dúvida de que se cria legitimamente, ao beneficiário da promessa, uma confiança mais forte na estabilidade ou concretização do negócio. A boa-fé sugere, portanto, que lhe corresponda um acréscimo de segurança”. Do mesmo passo que o legislador considerou que se afigurava razoável atribuir prioridade (mediante esse direito de retenção) à tutela dos particulares em geral, o que, mais aduziu, vinha “na lógica da defesa do consumidor”. Também destes incisos se retira que a ratio do direito de retenção passou à margem do sinal, centrando-se exclusivamente no propósito de fortalecer (garantia acessória) os direitos do beneficiário (consumidor) da promessa de transmissão ou constituição de direito real.
Sendo assim, como nos parece que é, então o direito de retenção não depende necessariamente da existência de sinal, isto a despeito do art. 442º do CCivil regular sobre o sinal e, inclusivamente, a respetiva epígrafe se reportar precisamente ao sinal.”;
(ii) “(…) a remissão da alínea f) do n.º 1 do art. 755º é feita para o artigo 442º, e não especificamente para o respetivo n.º 2 (e seria neste n.º 2 que se poderia ancorar a tese de que o sinal funcionaria como conditio sine qua non do direito de retenção). Ora, no art. 442º postulam-se (ou seja, estão previstos, admitem-se) três tipos de créditos pecuniários emergentes do incumprimento da contraparte do beneficiário do direito de retenção: (i) o do sinal em dobro (nº 2), (ii) o do valor da coisa ou do direito (idem nº 2) e (iii) o da indemnização para além do sinal (nº 4). O primeiro destes créditos pressupõe obviamente a constituição de sinal. O segundo crédito parece que não pressupõe necessariamente a constituição de sinal; o ponto será controverso, mas no sentido de que é dispensável a constituição de sinal se pronuncia, por exemplo, Galvão Telles (Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 155), quando aduz que “(…) a indemnização consistente no aumento do valor da coisa ou do direito tem lugar ainda que não haja sinal (ao contrário do que inculcaria a letra da lei), pois que não se vê motivo para que ela só possa funcionar quando sinal exista, como alternativa a este”; no mesmo sentido vai Januário Gomes (Em Tema de Contrato-promessa, pp. 15 e 61 e seguintes). Quanto ao último dos créditos – trate-se aí de crédito convencionado para além do sinal constituído, trate-se de crédito por indemnização a calcular nos termos gerais (coincidente pois com o prejuízo real ou efetivo) – o sinal não tem implicação. O que tudo reforça a ideia de que o sinal não pode ser erigido como pressuposto inelutável da atuação do direito de retenção.”

3.5. À argumentação que seguimos não obsta o facto de a indemnização pelo incumprimento estar ancorada num montante antecipadamente fixado através da estipulação de cláusula penal, clausulado antes da verificação da declaração de insolvência, e, portanto, fora do contexto de incumprimento pelo AI.

Na verdade, é de advogar que, na falta de qualquer distinção na lei e na ausência de racionalidade ou teleologia excludentes, o art. 755º, 1, f), do CCiv. garante qualquer crédito indemnizatório derivado do incumprimento do contrato-promessa com tradição da coisa[12], incluindo essa indemnização fundada em cláusula penal na espécie antecipatória[13], destinada a liquidar o dano fundado na inexecução do contrato mediante acordo prévio substitutivo sobre o montante da obrigação de indemnizar como prestação pecuniária exigível (quantum respondeatur), de acordo com os arts 442º, 4, 1.ª parte – «Na ausência de estipulação em contrário…» –, 810º e 811º, 2, do CCiv.[14]. E não se vê que, uma vez reconhecida tal indemnização como crédito da insolvência, actuada no âmbito do incumprimento por parte do AI, se abalem os interesses considerados na insolvência com o facto de o montante indemnizatório para ressarcir os prejuízos causados pelo incumprimento das promessas ter sido substituído pelo valor antecipadamente fixado pelas partes na “pena” convencional, em preenchimento da função coercitiva da cláusula penal, implicada na autorização em exigir alternativamente uma prestação (em princípio) mais gravosa em relação ao regime legal[15].

A tal asserção não obsta ainda o carácter bivalente dessa estipulação em concreto. Resulta dos factos provados que o crédito indemnizatório deriva, em primeira linha, da cláusula penal fixada no primeiro e mais amplo contrato-promessa celebrado em 1999 (cfr. facto provado 6.) e, em segunda linha, circunscrita ao montante a ressarcir em caso de incumprimento da promessa de transmissão e construção nos lotes A1, A2, A3, A4 e C1, do “acordo de garantia” de 2004. E este painel enquadra-se com a admissibilidade de acordar, integralmente ou em algum do seu conteúdo, cláusula penal (mesmo que tacitamente por factos concludentes: art. 217º, 1, do CCiv.) fora do contrato em que se integra e num momento diferente (nomeadamente depois), desde que antes da verificação do facto que contempla. Em qualquer dos casos, “sempre a cláusula penal se encontra ligada à obrigação de que previne o incumprimento: tem carácter acessório[16].

3.6. Sem prejuízo, e a montante da questão de direito entendida no seu todo, o julgamento do objecto recursivo, no que toca à atribuição da garantia traduzida em direito de retenção à titular do crédito herança ilíquida e indivisa, incidente sobre “os prédios apreendidos na massa insolvente correspondentes aos Lotes A1, A2 e A3”, implica necessariamente a análise do reconhecimento de tal direito de retenção à herança de acordo com a jurisprudência fixada nos acórdãos de uniformização n.º 4/2014, de 20/3/2014 – Processo n.º 92/05.6TYVNG-M.P1.S1, publicado in DR, 1.ª Série, n.º 95, de 19/5/2019 – e n.º 4/2019, de 12/2/2019 – Processo n.º 2384/08.3TBSTS-D.P1.S1-A, publicado in DR, 1.ª Série, n.º 141, de 25/7/2019 (arts. 682º, 1, 608º, 2, 5º, 3, CPC)[17]

3.6.1. O Acórdão n.º 4/2014 uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:

«No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755.º, n.º 1, alínea f) do Código Civil».

O Acórdão n.º 4/2019, em complemento e seguindo as notas tipológicas consagradas no art. 2º, 1, da Lei 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), uniformizou jurisprudência tal como se transcreve:

«Na graduação de créditos em insolvência, apenas tem a qualidade de consumidor, para os efeitos do disposto no Acórdão n.º 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa».

            Em suma:

O titular do direito de crédito indemnizatório, enquanto promitente-comprador lesado pelo incumprimento do contrato-promessa pelo administrador da insolvência e beneficiado com a garantia conferida pelo direito de retenção, tem que, para esse efeito de qualificação garantística do seu crédito à luz do art. 755º, 1, f), do CCiv., dispor da qualidade de consumidor, conferida enquanto e na medida em que “destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa”. Isto é, em síntese, teremos que nos confrontar com um retentor consumidor, em regra, pessoa singular[18]. Porém, não se exige uma exclusão liminar e absoluta de nele se integrarem pessoas colectivas, em especial se desprovidas de organização empresarial[19]. Mas solicita-se necessariamente uma relação do promitente-               -comprador com o imóvel (prometido vender e entregue) para uso interessado, particular (mormente habitacional) ou (admite-se) altruístico ou egoístico, afastando- -se da tutela garantística a identificação no negócio de conexão com uma finalidade profissional e/ou económico-lucrativa.

Neste âmbito, será que poderemos conferir esse direito de retenção ao crédito indemnizatório reconhecido à herança líquida e indivisa por óbito de AA?

3.6.2. Para começo de resposta, julgamos que a herança não se encontra, pelo menos desde a celebração dos contratos-promessa em 2008, a que se refere o facto provado 21., num estado de jacência, assim como prevista no art. 2046º do CCiv. («herança aberta, mas ainda não aceita nem declarada vaga para o Estado»). Essa intervenção de todas as herdeiras foi comportamento negocial que deve ser visto como facto concludente para se constituir como aceitação tácita da herança (pelo menos na parcela patrimonial respectiva) pelas herdeiras (arts. 2056º, 2, 217º, 1, CCiv.) e, com ela, a respectiva assunção do ingresso de todas as herdeiras na titularidade das relações jurídicas do de cujus para efeitos do exercício representativo de direitos – neste caso, a de promitente-compradoras dos imóveis. Só assim, aliás, se justifica e legitima a traditio dos imóveis objecto das promessas celebradas em 2008 após a sua celebração, uma vez que o art. 2050º, 1, do CCiv. estatui precisamente que «o domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, independentemente da apreensão material».

Estando aceite, ainda que não partilhada e ainda indivisa, e tendo havido por essa via determinação dos seus titulares, não pode a herança nesse estado ser qualificada como património autónomo para efeitos processuais e, como tal, não dispõe de personalidade judiciária (arts. 6º, a), CPC 1961, 12º, a), CPC 2013, a contrario sensu)[20]. Por isso se compreende a decisão do Tribunal da Relação do Porto de 6/3/2014, referida no Relatório e constante por certidão a fls. 248 e ss destes autos, que, em apelação do despacho saneador – que determinara a absolvição da instância da Credora CCAM, em função da falta de personalidade judiciária da Reclamante, Herança –, revogou tal despacho de absolvição de instância e sanou a falta desse alegado pressuposto processual, considerando justamente que a reclamação de créditos apresentada devia ser entendida e interpretada como deduzida pelos herdeiros da herança do falecido, AA.

Nestes termos se pronunciou (com sublinhado nosso):
“O art. 6.º-a) do CPC (art. 12.º-a) do NCPC) atribui personalidade judiciária à herança jacente, que o mesmo é dizer “cujo titular ainda não esteja determinado” (art. 2046.º do CC), excluindo-se, assim, a herança já aceita mas ainda não partilhada, cuja inclusão havia sido objecto da proposta da comissão Varela, por o facto de serem já conhecidos os sucessores do de cujus tomar esta solução redundante.
Tem razão a Sr.a Juíza quando diz que a herança aqui em causa já foi aceita, pelo que não tem, enquanto tal, personalidade judiciária, não podendo estar como parte nos autos.
No entanto, diz o art. 2091.º/1 do CC que[,] fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo da acção de petição da herança por um só herdeiro, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.

E o certo é que não se põe em causa que todas as herdeiras se encontram na lide, como decorre da habilitação de herdeiros supra mencionada. Assim sendo, fará sentido dizer-se que a herança, enquanto tal, não tem personalidade judiciária e julgar procedente a correspondente excepção dilatória, absolvendo a insolvente e a CCAM da instância? Entendemos que não.    
Admite-se que o cabeçalho da reclamação de créditos seja impreciso, ao começar por a «Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de AA representada pelas suas únicas e exclusivas herdeiras: BB, viúva, CC, casada, e DD, casada».
Certo é que sendo a herança, ainda, ilíquida e indivisa, os direitos a ela relativos tinham de ser exercidos por todas as herdeiras.
Assim, bastava que estas tivessem começado, em vez da fórmula empregue, pela seguinte: «BB, viúva, CC, casada, e DD, casada, na qualidade de únicas e exclusivas herdeiras da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA ...», para que se tivesse respeitado o comando do art. 2091.º/1 do sem se suscitar a questão da falta de personalidade judiciária da herança em questão.
Se têm de ser todos os herdeiros a exercer os direitos relativos à herança, e se estes estão na lide desde o princípio, deve ler-se o texto utilizado em conformidade com a exigência legal de litisconsórcio necessário e não por forma a comprometer o êxito da reclamação de créditos apresentada.
   É indubitável, que de forma perfeita ou imperfeitamente expressa, as reclamantes invocam direitos relativos à herança, mesmo que por elas pessoalmente praticados, como acontece com o grupo dos segundos contratos-  -promessa de compra e venda. Ligam-nos ao contrato-promessa de compra e venda e permuta inicial, em cuja decorrência e cumprimento os integraram, e pedem que os efeitos da sua celebração se repercutam nos direitos da herança que elas exclusivamente representam”.

Em suma.

São tais herdeiros aceitantes vistos como partes activas legítimas da reclamação de créditos e do seu contraditório, na qualidade de únicas e exclusivas herdeiras da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do falecido – v., a este propósito, o art. 278º, 3, do CPC 2013. Em resumo: a sua legitimidade ad causam está afirmada processualmente por decisão oportunamente proferida e transitada em julgado.

3.6.3. No entanto, em termos substanciais, mesmo uma herança aceite não deixa de ser património autónomo e separado enquanto acervo de bens que responde e só ele responde pelas dívidas da herança – essencialmente, arts. 2068º e 2071º, com os limites do art. 2070º do CCiv. E, à primeira vista, essa sua natureza jurídica poderia obstar à titularidade do direito de retenção para garantia do crédito reconhecido no elenco de créditos da insolvência, tendo em atenção os pressupostos do AUJ n.º 4/2014, complementado pelo AUJ n.º 4/2019.

Todavia.

Note-se, desde logo, que o alargamento, com cautelas e dentro dos termos restritos do AUJ n.º 4/2019, do conceito de consumidor às pessoas colectivas, não é, como vimos, colocado liminarmente de parte – excepção feita, por regra, atendendo à inclusão dos negócios garantidos na realização, directa ou indirecta, de actividades relativas a objecto económico ou mercantil e submetidas ao princípio da especialidade do fim lucrativo (arts. 160º, 1, do CCiv., e 6º do CSC, em ligação com o lucro previsto no art. 980º do CCiv.), às sociedades, nomeadamente comerciais[21]-[22]. Por maioria de razão, não o deve ser também afastado para os patrimónios autónomos, ainda que desprovidos de personalidade jurídica – este sim, o verdadeiro óbicedesde que assim o justifiquem as particulares situações de debilidade e vulnerabilidade que escoram a tutela insolvencial do promitente-            -comprador que o direito de retenção confere (na relação privilegiada com os credores titulares de hipoteca).

Depois.

É importante enfatizar que o facto de a herança ser legalmente património autónomo visa apenas e tão-somente um escopo de liquidação patrimonial, “traduzido em assegurar o pagamento dos credores da herança com os bens da herança e só com estes”[23]. Logo, essa teleologia não pode ser base para cercear ou condicionar a efectivação de direitos de crédito da própria herança, derivados da esfera jurídica do “de cujus”, e que passam a estar na dependência da vontade e da posição das pessoas singulares chamadas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais do falecido (herdeiros e legatários: art. 2024º do CCiv.).

Por isso mesmo, depois de ultrapassado o estado de herança jacente, o art. 2091º, 1, do CCiv. constitui o normativo basilar para resolver a nossa questão e conferir a solução à questão decidenda. Esse preceito impõe que, fora dos «casos declarados nos artigos anteriores» (basicamente, a administração da herança pelo cabeça-de-casal até à sua partilha e liquidação), «(…) os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros» (o que se sobrepõe à competência do cabeça-de-       -casal, ainda que para os actos para os quais dispõe de poderes de administração).

Daqui resulta, na doutrina de OLIVEIRA ASCENSÃO, que, tratando-se de um caso de litisconsórcio necessário, “os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros. (…) temos aqui uma regra geral quanto à actuação sobre o património hereditário. (…) só os herdeiros podem em geral praticar: 1) A disposição dos bens 2) O pagamento do passivo hereditário 3) A defesa judicial dos direitos contestados, nomeadamente a cobrança de dívidas activas”[24]. CAPELO DE SOUSA acrescenta, a propósito: “A lei exige a intervenção conjunta de todos os herdeiros para conferir legitimidade activa ou passiva a esses actos, de disposição, uma vez que tratando-se de actos de disposição que põem em causa o valor e a composição da herança em si mesma, apesar de se poderem referir a alguns dos bens hereditários, justo é que intervenham todos os titulares desse património autónomo”[25].

De modo que, no caso de herança indivisa, “cabe apenas aos seus herdeiros intervir em nome próprio para fazer valer os seus direitos e que só por todos eles podem ser exercidos”, de forma que, “quando determinados os seus herdeiros, não devem eles ser condenados a pagar os encargos da herança, mas sim reconhecer a existência dos débitos que devam ser satisfeitos pelas forças da herança” (aqui se assume a autonomia ou separação patrimonial para efeitos de responsabilidade por dívidas) – assim se julgou no Ac. do STJ de 9/2/2012[26].

Ora, se assim é, a qualidade de retentor garantido no âmbito dos contratos-    -promessa cujas posições jurídicas patrimoniais se encontram radicados na herança ilíquida e indivisa – relembre-se a origem do crédito no contrato-promessa matriz de 1999 – deve ser aferida na pessoa jurídica singular dos herdeiros que aceitaram a herança – desde que devidamente identificados – e à herança ser reconhecida a garantia privilegiada do seu crédito indemnizatório se esses herdeiros, na relação com o imóvel, preencherem os critérios impostos pela jurisprudência fixada pelos AUJ 4/2014 e 4/2019[27].

Vistos os factos relevantes processualmente assentes, conclui-se que esses pressupostos se verificaram:
- “(…) de acordo com a vontade manifestada em vida pelo aludido AA, a moradia implantada no lote A1 destinar-se-ia a este e à sua esposa, BB, sendo que as moradias implantadas nos lotes A2 e A3 seriam, respectivamente, para habitação das filhas de ambos, CC e DD, destinando-se, por sua vez, a moradia implantada no lote A4 a ser vendida ou comercializada” (facto provado 16.);
- “(…) mais acordaram os aludidos AA e BB com a Insolvente que seria da responsabilidade de cada um dos destinatários das moradias aludidas em 16) os encargos com cozinhas, aquecimento central, ampliações e outros extra” (facto provado 17.);
- “Nesse sentido, os herdeiros do aludido AA suportaram os custos, não só dos projectos de arquitectura tal como referido em 15), como também os custos com as cozinhas das habitações, com o aquecimento central implementado nas moradias e ainda com o fecho de uma divisão inicialmente não contemplado no projecto inicial” (facto provado 18.);
- “Na data da celebração dos aludidos contratos-promessa (10/9/2008) [v. factos provados 21. a 23.], a Insolvente, por intermédio do respectivo representante legal, JJ, entregou a cada uma das herdeiras as chaves das 4 moradias, autorizando-as por essa via a ocupar estas últimas” (facto provado 24.);
 - “Assim, a partir de Dezembro de 2008, as aludidas herdeiras, BB e CC passaram a residir, respectivamente, nas moradias edificadas nos lotes A1 e A2, dormindo nas mesmas, aí preparando e tomando refeições, tomando banho e cuidando dos respectivos jardins” (facto provado 25.);
- “Da mesma forma, também nessa altura, as referidas, BB e CC, sempre com autorização do legal representante da Insolvente, procederam à requisição de água e luz e, bem assim, requereram a certificação do prédio, pagando as taxas e encargos daí decorrentes” (facto provado 26.);
- “Posteriormente, em Novembro de 2009, também a herdeira, DD, passou a residir com a sua família na casa edificada no lote A3, aí dormindo e tomando as suas refeições, para o que, fazendo uso do contrato-promessa aludido em 21) requisitou igualmente água e luz, bem como a certificação do prédio em causa” (facto provado 27.).

Deste complexo de factos pode asseverar-se que a posse e a afectação dos imóveis objecto das promessas – radicadas e fundadas na cadeia de negócios originariamente convencionados com o “de cujus” – estão relacionadas com a protecção visada com a satisfação de necessidades privadas de consumo, neste caso ligadas à utilização habitacional, e às concomitantes situações de debilidade ou vulnerabilidade subjacente ao conceito de consumidor, pressupostas na ratio do critério jurisprudencial do AUJ n.º 4/2019. Em suma, existe fundamento para ser reconhecida às herdeiras a qualidade de consumidor e, por esse meio e fundamento, à própria herança, estendendo-se o regime dos AUJ n.º 4/2014 e n.º 4/2019 aos créditos da herança aceite por tais herdeiras.

3.6.4. Destarte, concluímos:

(i) a circunstância de os contratos-promessa em causa não terem sido sinalizados contratualmente não prejudica o direito de retenção estabelecido no art. 755º, 1, f), do CCivil; e

(ii) o crédito indemnizatório por incumprimento da promessa de transmissão de imóvel reconhecido à herança-património autónomo não deixa de beneficiar da garantia desse direito de retenção desde que os herdeiros-pessoas singulares que exercem os direitos da herança já aceite, nos termos do art. 2091º, 1, do CCiv., correspondam aos critérios dos AUJ n.º 4/2014 e 4/2019.

Assim, o crédito reconhecido na insolvência está garantido pelo direito de retenção sobre os prédios apreendidos na massa insolvente correspondentes aos lotes identificados, que foram entregues, gozando por esse efeito da respectiva preferência legal, nomeadamente no confronto com o crédito hipotecário conflituante na graduação (art. 759º, 2, CCiv.).

Procedem, de tal sorte, no que respeita à questão decidenda, as conclusões das Recorrentes, ainda que com fundamentação adicional.

III. DECISÃO           
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a revista e, repristinando a decisão do tribunal de 1.ª instância no ponto I. do seu dispositivo, declara-se o reconhecimento de que o crédito de € 1.000.000,00 da Herança Ilíquida e Indivisa por óbito do falecido, AA, é garantido para pagamento pelo direito de retenção sobre os prédios apreendidos na massa insolvente correspondentes aos Lotes A1, A2 e A3, sitos no Loteamento ... (zona das ..., ..., ...) e descritos na Conservatória de Registo Predial de ..., respectivamente, sob os n.os 1696/20040920, 1697/20040920 e 1698/20040920, direito esse exercido conjuntamente por BB, CC e DD, na qualidade de herdeiras únicas e exclusivas nessa Herança ilíquida e indivisa nos termos do art. 2091º, 1, do Código Civil, com a consequente modificação da graduação final dos créditos da insolvência respeitantes à insolvente «Construtora Brigantina, Lda.”
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Custas pela Credora Reclamante e aqui Recorrida.

STJ/Lisboa, 13 de Outubro de 2020  

Ricardo Costa (Relator)

José Rainho

Ana Paula Boularot (vencida nos termos da declaração de voto que junto)

SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).

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PROCESSO N.º 54/10.1TBBGC-R.G1.S1

DECLARAÇÃO DE VOTO

Voto vencida o Acórdão, pelas seguintes razões.

A reclamação de créditos que foi desenvolvida e cujo crédito reconhecido não é aqui posto em causa provém da cláusula penal, tendo a respectiva decisão, neste particular, transitado em julgado (bem ou mal, não se discute).

A única questão que está em discussão é a do direito de retenção.

Aqui chegada, suscitam-me as seguintes questões, impeditivas de subscrever a decisão plasmada na tese que faz vencimento:

i)O contrato promessa que foi celebrado em 29 de Setembro de 1999 com o de cujus dizia respeito ao terreno, cfr pontos 3 e 4 da matéria assente, onde iria ser construído um loteamento, terreno esse pertença daquele e cuja escritura foi efectuada em 5 de Março de 2004, pontos 5 e 6;

ii) Nessa mesma data foi celebrado um outro contrato promessa entre a Insolvente e o de cujus, no qual aquela se comprometeu a vender a este os lotes A1,A2, A3 e A4 e C1, ponto 7, lotes esses nos quais iriam ser construídas a moradias cujo direito de retenção se encontra aqui em discussão no que tange às instaladas nos lotes A1 a A3;

ii) O de cujus faleceu em 19 de Dezembro de 2007, sendo que antes da sua morte havia manifestado a vontade que a A1 ficaria para si e para sua mulher e as outras duas, seriam respectivamente para cada uma das filhas, ponto 16;

iii)Posteriormente ao óbito, em 00 de … de 2008, a viúva e as filhas celebraram um contrato com a insolvente, denominado de permuta e compra e venda, relativamente às moradias A1, A2 e A3, sendo no âmbitos destes específicos contratos que lhes foi entregue a chave dos imóveis, cfr pontos 21 a 27;

Assim, se os contratos promessa que são a base para o direito de retenção aqui em causa foram celebrados directamente com as herdeiras e foi a estas que foram dadas as chaves para utilização dos imóveis, como é que se pode concluir que a HERANÇA tem o direito de retenção através do «mecanismo» do disposto no artigo 1091º, nº1 do CCivil, na asserção de que «os herdeiros pessoas singulares que exercem os direitos da herança já aceite correspondam aos critérios dos AUJ 4/2014 e 4/2019»?

Este ínsito legal, pressupõe o exercício dos direitos de acção pelos herdeiros, hipótese que aqui não ocorre, não se confundindo com o exercício de direitos pela própria Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de AA, enquanto património autónomo, com personalidade judiciária própria, nos termos do artigo 12º, alínea a) do CPCivil, credora e parte na acção, embora representada judiciariamente pelas herdeiras, as quais, não obstante tal qualidade, não são parte nesta acção.

E, não sendo parte, não lhes poderá ser reconhecido qualquer direito, sob pena de se estar a conhecer de objecto diverso do pedido, com a transmutação do tema decidendum e a alteração dos direitos dos intervenientes, substituindo-os por outros, que nada reivindicaram nos autos e contra os quais não foi deduzida qualquer defesa

Sendo a herança um património autónomo não poderá este «sujeito» processual ser titular de um direito de retenção, mesmo que se entenda, por mera hipótese de raciocínio, que foi com o mesmo, embora intervindo as herdeiras em sua representação, que tal promessa foi acordada, tendo em atenção a doutrina do AUJ 4/2019, no qual se define quem podem ser os titulares de tal direito, o que afasta a se, a pretensão aqui plasmada.

Face a toda a factualidade apurada e à questão de direito suscitada nos autos, a única solução seria a de concluir pela impossibilidade de declaração do direito de retenção peticionado, mantendo-se a decisão de segundo grau embora com fundamentação diversa.

(Ana Paula Boularot)


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[1] Processo n.º 1444/08.5TBAMT-A.G1.S1, Rel.: PINTO DE ALMEIDA, in www.dgsi.pt.
[2] Processo n.º 841/14.1TYVNG-A.P1.S1, Rel.: NUNO CAMEIRA, in www.dgsi.pt.
[3] CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª ed., Quid Juris, Lisboa, 2013, sub art. 14º, pág. 130. V., ainda na jurisprudência da 6.ª Secção do STJ sobre esse argumento, o Ac. de 6/3/2014, processo n.º 462/10.8TBVFR-L.P1.S1, Rel. AZEVEDO RAMOS, com disponibilidade de Sumário in A admissibilidade do recurso de revista no processo de insolvência – A jurisprudência recente da 6.ª Secção do STJ, Assessoria Cível do STJ, Novembro de 2018, pág. 34.
[4] Para confirmações, v. os Acs. do STJ de 20/9/2016, processo n.º 1823/12.3TBLGS-F.E1.S1, Rel. NUNO CAMEIRA, Sumário in A admissibilidade do recurso de revista no processo de insolvência – A jurisprudência recente da 6.ª Secção do STJ, Assessoria Cível do STJ, Novembro de 2018, pág. 22, de 18/10/2016, processo n.º 106/13.6TYVNG-B.P1.S1, Rel. ANA PAULA BOULAROT, in www.dgsi.pt (“I. O artigo 14.º do C.I.R.E., ao admitir a possibilidade de recurso por oposição de acórdãos no âmbito do processo de insolvência, refere-se apenas à sentença de declaração de insolvência e à oposição que for eventualmente deduzida. II. Quaisquer outros incidentes processados por apenso aos autos de insolvência encontram-se excluídos daquele regime específico, o que significa que as decisões neles produzidas são passíveis de recurso nos termos gerais.” (do Sumário)), e de 5/9/2017, processo n.º 2503/12.5TBPDL-G.L2.S1, Rel. JOSÉ RAINHO, Sumário in A admissibilidade do recurso de revista no processo de insolvência… cit., pág. 13.
[5] V., por ex., os Acs. desta Secção do STJ, proferidos em 27/6/2019, processo n.º 1950/17.0T8VCT-C.G1.S1, Rel. HENRIQUE ARAÚJO, e em 1/10/2019, processo n.º 140/09.0TYVNG.C.P1.S1, Rel. MARIA OLINDA GARCIA, sempre in www.dgsi.pt.
[6] Código de Processo Civil anotado, volume I, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1948 (reimp.: 1982), pág. 269.
[7] Noções elementares de processo civil, colaboração de Antunes Varela, ed. revista e acutalizada por Herculano Esteves, Coimbra Editora, Coimbra, 1976, págs. 384-385.
[8] V., sobre estes pontos, J. H. DELGADO DE CARVALHO, “A dispensa da audiência prévia como medida de gestão processual: para lá dos receios do legislador”, Temas de processo civil – A prática da teoria, Quid Juris, Lisboa, 2019, págs. 15 e ss., em esp. 19-20 (“a adequação processual não pode jamais precludir os direitos das partes, dado que o direito processual não preclude direitos substantivos, salvo através do caso julgado material de decisões de mérito”).
[9] V. a síntese que consta da sentença da 1.ª instância, págs. 26v. e ss, a fls. 49v. e ss.
[10] O montante do crédito reconhecido, enquanto montante indemnizatório devido pelo incumprimento dos contratos-promessa, foi objecto de correcção oficiosa pela sentença de 1.ª instância, nos termos da fundamentação exposta na respectiva nt. 12, estribando-se no Ac. do STJ de 15/5/2013, processo n.º 3057/11.5TBGDM-A.P1.S1, Rel. ABRANTES GERALDES, in www.dgsi.pt (págs. 31v.-32, a fls. 52v.-53).
[11] Trata-se do processo n.º 2717/16.9T8VNF-B.G1.S2, Rel. JOSÉ RAINHO, in www.dgsi.pt, justamente o aresto indicado pela Recorrente para fundar a bondade do seu recurso.
[12] Assim também o referido Ac. do STJ de 3/7/2018.
[13] V. ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Cláusula penal e indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, passim, mas v. págs. 602-604.
[14] V. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2005 (3.ª reimp. ed. 2000), pág. 373.
[15] V. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume II, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009 (4.ª reimp. ed. 1997), págs. 139-140.
[16] ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pág. 795.
[17] Que, aliás, mereceu unanimidade, em sentido positivo, na resposta das instâncias (como já vimos quanto à 1.ª instância; quanto à Relação, v. a pág. 37 do ac. recorrido), ainda que com resultados decisórios diferentes: a herança insere-se no conceito de “consumidor” exigido pelo primeiro dos AUJ referidos.
[18] V. Acs. do STJ de 17/11/2015, processo n.º 1999/05.6TBFUN-I.L1S1, Rel. FONSECA RAMOS, e de 5/7/2016, processo n.º 1129/11.5TBCVL-C.C1.S1, Rel. ANA PAULA BOULAROT, sempre in www.dgsi.pt.
[19] Aproveitemos os esclarecimentos interpretativos do Ac. do STJ de 29/10/2019, processo n.º 3975/16.4T8VIS-A.C1.S1, Rel. PINTO DE ALMEIDA, in www.dgsi.pt: “Decorre da formulação do referido segmento uniformizador (assim como da mencionada fonte normativa [o art. 2º, 1, da LDC: "considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios", sublinhado nosso]) que o conceito de consumidor não é limitado expressa e claramente à pessoa singular. Será, todavia, em relação à pessoa singular que, em primeira linha, se sente a necessidade de protecção, por ser, normalmente, a parte mais fraca ou débil economicamente ou menos preparada tecnicamente. (…) Noutra perspectiva, são referidas as vantagens comparativas da organização empresarial, por mais rudimentar que seja, em relação ao particular: mesmo que, em casos concretos, o nível de informação relevante disponível por profissionais seja igualmente baixo, a inserção numa actividade profissional propicia sempre melhores condições para o seu reforço e um poder de reacção mais efectivo. Admite-se, porém, que existam situações que podem justificar outra ponderação e uma diferente solução – com base na equidade, na igualdade de tratamento e não discriminação –, perante as circunstâncias concretas do caso, designadamente se ocorrem as razões – debilidade económica ou uma situação de desequilíbrio motivada por insuficiência de informação (impreparação técnica) e fraco poder de negociação – que estão na base do conceito de consumidor, como pode acontecer no caso de uma modesta empresa que adquire um bem ou serviço estranho à sua actividade (e competência) específica”.
Na doutrina, v., neste sentido, MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das garantias, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, nt. 1140 – pág. 414, nt. 1148 – pág. 416.
[20] V. Ac. do STJ de 15/1/2004, processo n.º 03B4310, Rel. SALVADOR DA COSTA, in www.dgsi.pt.
[21] Sobre este ponto, convergindo no básico, MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das garantias cit., págs. 414, 416.

[22] V. Acs. do STJ de 17/10/2019, processo n.º 1012/15.5T8VRL-BD.G1.S2, Rel. JOSÉ RAINHO, e de 17/12/2019, processo n.º 1997/11.0TYLSB-B.L1.S1, Rel. RAIMUNDO QUEIRÓS (subscrito como Primeiro Adjunto pelo aqui Relator), in www.dgsi.pt, com convergência de princípio com a restrição interpretativa de Calvão da Silva e Pestana de Vasconcelos.
[23] CARLOS MOTA PINTO, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed. por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 350.
[24] Direito Civil – Sucessões, 5.ª ed., revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, págs. 485-486, sublinhado nosso.
[25] Lições de Direito das Sucessões, volume II, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2002, pág. 48.
[26] Processo n.º 8553/06.3TBMTS.P1.S1, Rel. SILVA GONÇALVES, in www.dgsi.pt.
[27] Também assim se acabará por fazer quando se analisam os negócios das pessoas colectivas, se abrangidas, pois só actuam e se realizam esses negócios através do nexo de organicidade estabelecido com as pessoas singulares-membros titulares dos seus órgãos, em especial o órgão de administração e representação – v. RICARDO COSTA, Os administradores de facto das sociedades comerciais, Almedina, Coimbra, 2014 (reimp.: 2016), pág. 31.