Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
56/18.0PJLRS-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 09/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - O recurso extraordinário de revisão tem consagração constitucional – art. 29.º, n.º 6, da CRP e encontra-se previsto no art. 449.º e ss. do CPP.

II - Tem uma larga tradição histórica, no nosso direito, encontrando-se já referenciado nas Ordenações Afonsinas.

III - É constituído por duas fases: a fase do juízo rescindente e a fase do juízo rescisório. A primeira abrange todos os termos que têm lugar desde a petição do recurso até à decisão do STJ; a segunda respeita ao conhecimento do mérito do próprio recurso, cabendo ao tribunal da primeira instância.

IV - No caso de descoberta de novos factos ou novos elementos de prova, que é um dos fundamentos mais frequentemente utilizados pelos recorrentes, a doutrina mais abalizada chama a atenção para a indicação ser em alternativa, o que só pode significar que se trata de coisas diferentes.

V - São novos os factos e meios de prova os que sobrevenham ou se revelem posteriormente à condenação e que “evidenciem a inocência”.

VI - O recurso de revisão não pode servir para a renovação de prova já produzida ou para obter efeitos que apenas poderiam ser alcançados por via do recurso ordinário.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal

de Justiça





I. Relatório

1. AA, através do seu ilustre advogado, veio, ao abrigo do disposto no art. 449.º n.º 1 d), do C.P.P., interpor recurso extraordinário de revisão, extraindo as seguintes Conclusões da sua Motivação (Transcrição):

1. O presente recurso insere-se no disposto no artº 449º nº 1 alínea d) do C.P.P., ou seja, no domínio dos novos factos ou meios de prova que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

2. Tendo a noção, pois, que neste recurso de REVISÃO se importunam os Colendos Conselheiros com a análise da matéria de facto e num esforço de síntese para estabelecer o adequado objecto do debate, importa TRANSCREVER as palavras do PRÓPRIO Acórdão de primeira instância com o resultado das confrontações entre factos imputados e declarados provados e não provados.

“Relativamente ao arguido AA, tal como foi explicado, da prova produzida só é possível retroagir a Dezembro de 2019, a sua ligação à residência sita na Praceta ..., ..., ....

Não ficou demonstrado qualquer acto de venda/cedência pelo arguido

AA mas, apenas, a detenção de produto de corte e de produto estupefaciente (heroína e cocaína), no dia 1 de Março de 2020. Sendo esta a prova produzida, encontra-se demonstrado, apenas, que na data da detenção do arguido AA, este detinha produto de corte e produto estupefaciente – nas quantidades já indicadas – destinadas à venda a terceiros.”

3. Parece pois que o ora recorrente foi condenado pela detenção do produto de corte e estupefaciente encontrado no dia 1 de Março de 2020 durante a busca realizada na Praceta ... em ... – imóvel de que é proprietário BB.

4. Nessa residência foram encontrados num balde de plástico 153,37 gramas de heroína e 9,782 gramas de cocaína, bem como uma arma fogo.

5. Nas investigações pelo O.P.C. resultam ainda as transcrições das intercepções telefónicas nas quais o ora recorrente, em conversa com o proprietário do imóvel, de nome BB, se reflete apenas alguma suspeita de que seria o arrendatário desse quarto na aludida residência.

6. Todavia, nessas mesmas conversas telefónicas e devidamente transcritas nos autos ressalta a existência de UMA TERCEIRA PESSOA – expressamente identificado como CC – da qual não se conhece, por esta conversa apenas, sua reação com a questão do arrendamento.

7. É certo que o proprietário BB solicita, nesta conversa, o adiantamento do pagamento de uma renda e com o assentimento do ora recorrente nesta única parte.

8. Todavia, fica por conhecer quem é o verdadeiro arrendatário – se o recorrente ou o tal CC.

9. Com efeito, em declarações em audiência, o ora recorrente, explicou que a sua parte nesta relação seria apenas de mero garante ou fiador, e que apenas o fazia por este amigo CC se deslocar frequentemente à ... onde tinha sido emigrante.

10. Esta questão, deveras simples, não foi resolvida em audiência apesar do ora recorrente ter ficado com o convencimento de que a sua explicação teria bastado.

11. Este proprietário do imóvel cujo quarto estava arrendado, de nome BB, figura como testemunha nº 11 da Acusação deduzida pelo Mº Pº.

12. Todavia, na audiência de julgamento e apesar do Mº Pº e do douto tribunal de primeira instância, até terem decidido pela sua detenção para comparência, e em face do insucesso desta medida, foi decidido prescindir da sua inquirição.

13. Aqui chegados, perante a ausência da inquirição desta testemunha BB, ficamos sem ver esclarecido quem era o verdadeiro arrendatário – se o ora recorrente, se o tal CC.

14. Mas porque o tal CC existe, e até existe na conversa telefónica interceptada importa averiguar qual o seu papel em toda situação, mormente se é ele e não o ora recorrente o verdadeiro arrendatário do quarto sito na Praceta ... – ... em ...

15. Tudo isto porquanto o que está em causa é a MERA DETENÇÃO DE ESTUPEFACIENTES E ARMA nesse quarto arrendado.

16. O douto tribunal colectivo bastou-se para o efeito, na aludida conversa telefónica e na posse das chaves de entrada.

17. Mas as chaves da entrada para esse quarto, também as detinha esse mesmo proprietário BB (o qual mantinha outro quarto cujo acesso só era permitido por chaves iguais), bem como o CC que era o efectivo possuidor dessas chaves.

18. O ora recorrente não é polícia, nem sabe quantas chaves do mesmo espaço existiam por aí.

19. O que resulta dos próprios autos é que o ora recorrente usou essas chaves para alojar por uma noite apenas a sua ex mulher e mãe de suas filhas (emigrante em ... e aí residente) em Portugal para pagar uma promessa religiosa com uma peregrinação a Fátima.

20. E foi o O.P.C. que vigiou esta dita peregrinação a Fátima, desta senhora conduzida pelo recorrente a qual passou a noite no quarto do nº ..., ... da Praceta ..., em ....

21. Senhora esta que foi identificada pelo O.P.C. durante a busca que realizou nesse imóvel no dia 1 de Março e depois a deixou seguir para o Aeroporto para tomar o avião de regresso a ..., com o bilhete respectivo que esta lhes exibia.

22. O ora recorrente só pediu as chaves para este efeito porquanto não podia alojar a sua ex mulher em sua casa (onde a sua actual mulher não deixaria ta acontecer por motivos óbvios).

23. Nem se diga que, através da localização celular, junta aos autos, se pode concluir que o recorrente visitava o prédio sito na Praceta ..., de uma forma frequente.

24. Na verdade, nos relatórios do O.P.C. ficou esquecido, intencionalmente ou não, a proximidade do prédio sito na Praceta ... em ... com a casa onde mora o recorrente sita na ... (cerca de 2 Km.)

25. Ora, essa proximidade com a sua residência permite a confusão entre antenas celulares, sendo do conhecimento comum existência de sobreposições dado a sua abrangência que vai até 5 km (e não cem metros como consta no relatório policial, bem como os chamados eventos de rede, as próprias saturações de chamadas, o mau funcionamento ocasional e inativações frequentes.

26. Em conclusão, os resultados de analise policial às localizações celulares enfermam de falta de precisão e rigor, achando-se o recorrente na sua residência de ... e acionando os células de ....

27. De qualquer modo, este argumento da Acusação baseado na localização celular seria sempre bem vago e aleatório pelo que apenas neste recurso se refere, com ÚNICO PROPÓSITO DE FOCAR A IMPORTÂNCIA das inquirições ainda não realizadas das testemunhas BB e CC.

28. No que diz respeito à identificação do CC só recentemente foi possível realizá-la agora porquanto o ora recorrente se acha preso e impedido de o procurar para esse efeito.

29. Assim, apenas sabe agora que se chama CC natural de ..., tem cerca de 45 a 50 anos, com 1,80m de altura, e reside no ... e esteve emigrado na ....

30. Depreende-se que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, pelo nome, conseguirá localizar a sua residência actual.

31. O ora recorrente está a cumprir uma pena de nove anos e seis meses por um crime que sabe bem que não cometeu.

32. Pena esta que, por si própria estabelece a considerável gravidade do que ora se coloca em causa, neste recurso de revisão.

33. E da doutrina e da jurisprudência retiram-se dois requisitos obrigatórios neste recurso extraordinário:

a) Os factos ou meios de prova tem que ser novos.

b) Esses factos ou meios de prova sendo que novos têm que ter veleidade de conseguir suscitar GRAVES DÚVIDAS, sobre a justiça da condenação.

34. Ora, os factos novos que agora se apresentam consistem na inquirição de duas testemunhas que ainda não foram ouvidas até ao momento.

35. Essas testemunhas são o proprietário do imóvel onde foram encontrados os estupefacientes, bem como o verdadeiro arrendatário desse mesmo imóvel.

36. Sendo certo, muito embora, que nem o próprio recorrente sabe qual deles terá colocado o estupefaciente no mencionado imóvel.

37. Ou ainda, qual deles terá sido o eventual mandante de quem terá colocado esse produto no imóvel.

38. Na verdade, o O.P.C. nas suas investigações ter-se-á bastado com a detenção pelo ora recorrente das chaves do imóvel e descurado qualquer outro esforço para o desenvolvimento da investigação.

39. Com o agravamento de que o ora recorrente não é polícia e, por se achar preso preventivamente, não poder efectuar uma investigação criminal privada.

40. Além disso, se o recorrente fosse traficante de drogas e usasse uma casa de recuo parece difícil acreditar que alguma vez pensasse sequer ali alojar a sua ex mulher e mãe de seus filhos, mesmo que a título precário.

41. O facto de o ora recorrente aparecer como garante/fiador do arrendamento verbal do quarto no imóvel sito na Praceta ... advém, pura e simplesmente, de ter sido quem efectivamente apresentou o proprietário ao BB arrendatário CC.

42. E tal facto também decorre da área geográfica onde se situa a dita Praceta ... estar próxima de sua casa e ali costumar frequentar quer em lazer nos cafés e restaurantes quer para se abastecer de géneros alimentícios e ferramentas e outras materiais que foram necessárias para aprovisionar o ... que tomou recentemente de arrendamento.

43. DO DIREITO

Correndo o risco de estar a tentar ensinar a missa ao Papa a seguir se reproduzem excertos jurisprudenciais:

Do Acórdão do S.T.J. nº 75/15.8PJAMD-D.S1 da 5ª Secção de 11-02-2021:

V – Este fundamento para a revisão da sentença assenta em dois requisitos: a apresentação de factos ou meios de prova que, de per se ou conjugados com os que foram apreciados no processo, devam considerar-se ‘novos’ e, após reconhecida a ‘novidade’, a verificação de que tais factos ou meios de prova têm a necessária aptidão para constituir um juízo de graves dúvidas sobre os fundamentos da condenação, de modo a poder concluir-se que a aplicação da pena constituiu o resultado de inaceitável erro judiciário de julgamento da matéria de facto.

VIII – De facto, de acordo com a interpretação que se tem feito da al. d), do n.º 1, do art. 449.º, do CPP, o desconhecimento relevante é, não apenas o do tribunal (na medida em são factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento), devendo ter-se em conta o desconhecimento do próprio requerente (razão de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos).

Do Acórdão do S.T.J. nº 614/09.3TDLSB-A.S.1 da 5ª Secção de 26-04-2012 :

II - Para efeitos da al. d), factos novos e novos meios de prova, segundo a jurisprudência actualmente dominante no STJ, são aqueles que não puderam ser apresentados e apreciados ao tempo do julgamento, quer por serem desconhecidos dos sujeitos processuais, quer por não poderem ter sido apresentados a tempo de serem submetidos à apreciação do julgador.

III - Uma versão morigerada deste entendimento extrai-se do Ac. proferido no Proc. n.º 330/04.2JAPTM-B.S1 - 5.ª: “os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes da sua apresentação”.

44. O ora recorrente apresenta como NOVOS RELEVANTES e GRAVES os seguintes meios de prova:

NOVO FACTO:

O ora recorrente não era o arrendatário do quarto arrendado na Praceta ..., em ..., nem era o único possuidor das chaves do mesmo com todas as consequências jurídicas inerentes.

MEIOS DE PROVA NOVOS

INQUIRIÇÃO

1. BB, “identificado como nº 11 do Rol de Testemunhas ínsita na Acusação do Mº Pº - o qual não foi ouvido em julgamento por se não ter conseguido a sua presença, apesar de notificado e de ter sido emitido mandado de detenção para comparência sem sucesso.

Na altura e sob pressão da prisão preventiva de 4 arguidos, o Mº Pº prescindiu desta Testemunha.

A Testemunha BB deverá ser questionada sobre a existência do arrendamento verbal do quarto do imóvel de que é proprietário na Praceta ..., quando, com quem, por quanto, como eram os pagamentos da renda efectuados, como era efectuado o acesso ao quarto arrendado, quem usava o quarto vizinho e se este tinha acesso com as mesmas chaves, quantas pessoas detinham a chave do imóvel, quem lhe apresentou o CC, que outra identificação e localização deste CC pode fornecer aos autos, qual era o papel do ora recorrente nesta relação de arredamento, quem é que usava frequentemente o espaço arrendado.

2. CC, de que ainda hoje se desconhecem mais elementos de identificação, mas por ser cidadão de ..., já se requer se oficie ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no sentido de obter tais elementos e localização.

O ora recorrente não pode ajudar neste sentido apenas porque está preso preventivamente e só recentemente conseguiu saber o nome completo.

Aliás, quem provavelmente deve conhecer os outros elementos de identificação será precisamente a testemunha BB.

A Testemunha/arguido CC deverá responder sobre todas as características da relação de arrendamento do quarto arrendado no imóvel em questão, quem colocou um balde de plástico com todo o estupefaciente e parafernália respectiva, bem como a arma apreendida e imputado pelo Mº Pº ao recorrente.

3. INQUIRIÇÃO DE PERITO em telecomunicações com especialização em localização de antenas celulares e respectivo alcance métrico em situações urbanas e seu funcionamento dinâmico de substituição entre si em casos de sobrealimentação de rede.

A designar pelo douto tribunal com o objectivo de se conseguir a possível precisão das conclusões tiradas no processo de inquérito por agentes da P.S.P.

Nestes termos, deve o presente recurso obter provimento e ordenado o reenvio do processo para o tribunal competente, de acordo com o artº 457º nº 1 do C.P.P. e suspensa a execução da pena ao abrigo dos números 2 e 3 do mesmo artigo.

Assim se Restaurando Justiça

2.  O recurso em causa foi admitido por despacho da Senhora Juiz do Juízo Central Criminal de ... -J..., da comarca ..., de 13/04/2022.

3. O Ministério Público da primeira instância respondeu ao recurso, em 19/05/2022, referindo, em síntese, que o recorrente pretende, sob o pretexto de um recurso de revisão, discutir novamente, depois do trânsito em julgado, a matéria de facto consolidada nos autos no acórdão proferido, que foi confirmado pelo Tribunal da Relação.

A excecionalidade do recurso de revisão não é compatível nem pode ser complacente perante situações em que o arguido apresenta repetição de motivações de recurso ordinário como fundamento para recurso de revisão.

Nesta conformidade, em seu entender, deverá ser rejeitada a revisão do acórdão recorrido.

4.  A Senhora Juiz, por despacho de 27/05/2022, deu a informação a que alude o art. 454.º, do C.P.P., no sentido de que não deverá proceder o recurso de revisão, uma vez que os fundamentos invocados pelo recorrente não podem ser considerados novos factos ou meios de prova, para os efeitos da citada al. d) do n.º 1 do art. 449.º, do C.P.P.

5. Por sua vez, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu, neste Tribunal, em 07/06/2022, desenvolvido parecer, salientando, em suma, que nem os factos alegados nem os meios de prova oferecidos eram desconhecidos do recorrente AA à data do julgamento, nem o mesmo, no que concerne aos meios de prova, demonstra que, então, não os podia ter apresentado ou requerido.

Assim, em sua opinião, deverá ser negada a solicitada revisão.

Observado o contraditório, o arguido respondeu, em 21/06/2022, ao parecer do Ministério Público, desconcordando do seu conteúdo e reiterando que o recurso de revisão merece provimento.

6. Colhidos os vistos legais e submetidos os autos à Conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. Fundamentação

1. Resulta dos autos que o ora recorrente foi condenado, no Proc. n.º 56/18.0PJLRS, pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22/01, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão, e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º n.º 1 c), da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, e, em resultado do cúmulo jurídico efetuado, na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão.

A decisão condenatória do tribunal coletivo do mencionado Juízo Central Criminal de ... data de 12/03/2021 e transitou em julgado em 27/10/2021.

Vem, agora, interpor o presente recurso de revisão, nos termos do art. 449.º n.º 1 d), do C.P.P., argumentando que há um facto novo, pois não era o arrendatário do quarto na Praceta ..., em ..., nem era o único possuidor das chaves do mesmo, com todas as consequências jurídicas inerentes, e indicando como novos meios de prova a inquirição de dois indivíduos que não chegaram a ser ouvidos, durante o processo, um por não ter comparecido em julgamento e outro por se desconhecer a sua identificação completa, bem como a de um perito em telecomunicações, com a especialização em localização de antenas celulares, a designar pelo tribunal.

2. O recurso extraordinário de revisão constitui, nas assertivas palavras de Amâncio Ferreira[1], o “último remédio contra os erros que atingem uma decisão judicial”.

Este expediente extraordinário visa a obtenção de uma nova decisão judicial que se substitua, através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada em julgado[2].

Trata-se, pois, de uma solução de compromisso entre o interesse de dotar o ato jurisdicional de firmeza e segurança e o interesse de que não prevaleçam sentenças que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça material.

Procura-se evitar, em ultima ratio, sentenças injustas e corrigir erros judiciários[3].

Saliente-se que a revisão de sentenças e despachos que ponham termo ao processo tem uma larga tradição nosso direito[4], encontrando-se já referenciada, como lembra Luís Osório[5], nas Ordenações Afonsinas (Ord. III, §§ 1.º, 3.º, 5.º e 6.º).

Presentemente, tem consagração constitucional – art. 29.º n.º 6 da C.R.P. – e encontra-se prevista no art. 449.º e ss. do C.P.P.

Também a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no Protocolo 7, art. 4.º, consagra que a sentença definitiva não impede a reabertura do processo, nos termos da lei do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior poderem afetar o resultado do julgamento.

É constituída por duas fases: a fase do Juízo rescindente e a fase do juízo rescisório[6]. A primeira abrange todos os termos que têm lugar desde a petição do recurso até à decisão do Supremo Tribunal de Justiça, concedendo ou denegando a revisão. A segunda respeita ao conhecimento do mérito do próprio recurso, cabendo ao tribunal da primeira instância.

No caso da descoberta de novos factos ou novos elementos de prova, que é um dos fundamentos mais frequentemente utilizados pelos recorrentes, tal como sucede no caso em apreço, Cavaleiro de Ferreira[7] chama a atenção para a indicação ser em alternativa, o que só pode significar que se trata de coisas diferentes.

Factos são os factos probandos; elementos de prova, as provas relativas a factos probandos. Quer dizer, por factos há que entender todos os factos que devem ou deveriam constituir tema da prova, seja direta ou indireta. Elementos de prova são os as provas destinadas a demonstrar a verdade de quaisquer factos probandos, quer dos que constituem o próprio crime, quer dos que são indiciadores de existência ou inexistência do crime.

3. Fechado este parêntese, em que tecemos breves considerações sobre a figura do recurso de revisão, e regressando à situação em análise, teremos de ver se a revisão do acórdão do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ... -J... se funda, efetivamente, em novos factos ou meios de prova, que de per si ou combinados com os que foram apreciados durante o processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Vejamos, então:

A alegação do recorrente de que não era o arrendatário do quarto na Praceta ..., em ..., nem era o único possuidor das chaves do mesmo e, por outro lado, não terem sido ouvidos dois indivíduos, no processo, não constituem nem um facto novo nem meios de prova novos, pois, como bem salientam Simas Santos e Leal-Henriques[8], citando Emilio Orbaneja e Vicente Quemada, são novos os factos e meios de prova que sobrevenham ou se revelem posteriormente à condenação e que “evidenciem a inocência”.

Na verdade, como bem frisa o Senhor Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, resulta inquestionável que estes factos, apresentados como novos, eram do conhecimento do ora recorrente ao tempo do julgamento.

Assim, não podem ser considerados como meios de prova inéditos, pois o recorrente já conhecia as testemunhas que agora indica – o BB e o CC -, pois até arrolou o primeiro como testemunha, vindo, porém, a prescindir da sua inquirição, na sessão de julgamento de 30/09/2020, e, em relação ao CC, não explica ou justifica por que não o arrolou como testemunha.

Por sua banda, no que concerne à inquirição de um perito em telecomunicações, a ser designado pelo tribunal, o recorrente não esclarece, em primeiro lugar, qual a mais-valia dessa inquirição para corroborar o tal “facto novo” e, em segundo lugar, por que razão não requereu anteriormente a realização de tal diligência, nomeadamente na fase de julgamento do processo.


Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 11/11/2021[9], o fundamento de revisão previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º importa a verificação de dois pressupostos: por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro, que tais factos ou meios de prova suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação.

Factos ou meios de prova novos podem ser tanto os que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam ali ser apresentados e produzidos, como também os que eram do conhecimento do requerente, mas não do tribunal, desde que ele justifique as razões por que não pôde, ou por que entendeu, não os apresentar.

Acontece, porém, que não é, de todo, o que se passa no caso sobre o qual nos debruçamos, pelo que a situação alegada não pode ser enquadrada no aparecimento/descoberta de novos factos ou meios de prova, com o sentido e alcance que atrás assinalámos.

Nesta conformidade, a pretensão do recorrente terá de improceder por falta de fundamento.

III. Decisão

Em face do exposto, acordam, na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em:

a) Julgar improcedente o recurso extraordinário de revisão interposto pelo condenado AA e, em consequência, negar a revisão; e

b) condenar o recorrente em custas, com 3 UC de taxa de justiça (arts. 513.º, do C.P.P., e 8.º n.º 9, do RCP, e Tabela III, anexa).

Lisboa, 06 de setembro de 2022

(Processado e revisto pelo relator)

Pedro Branquinho Dias (Relator)

Teresa de Almeida (Adjunta)

Ernesto Vaz Pereira (Adjunto)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)

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[1] Manual dos Recursos em Processo Civil, 3.º ed., Pg. 334.
[2] Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.º ed., pg. 203 e ss.
[3] É muito vasta a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre o recurso de revisão, sendo, entre os mais recentes, entre outros, de destacar os acórdãos de 7/4/2022, 23/3/2022, 27/1/2022, 20/10/2021 e 11/2/2022, cujos relatores são, respetivamente, os Senhores Conselheiros António Gama, Nuno Gonçalves, M. Carmo Silva Dias, Ana Barata de Brito e Margarida Blasco, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[4] Sobre a evolução histórica do recurso de revisão, vide Paulo Renato de Freitas Belo, in JULGAR n.º 23-2014, pg. 85 e ss.
[5] In Comentário ao Código de Processo Penal, Vol.VI, pg. 402.
[6] Com mais desenvolvimento, veja-se, com interesse, Manuel Cavaleiro de Ferreira, in Scientia Juridica, 1965, Tomo XIV, n.ºs 75-76 – Setembro-Dezembro, pg. 357 e ss., e o acórdão do STJ de 12/3/2009, cujo relator é o Senhor Conselheiro Simas Santos, in www.dgsi.pt.
[7] Estudo já referenciado, pg. 521 e ss.
[8] Obra cit., pg. 213.
[9] Relatado pelo Senhor Conselheiro Eduardo Loureiro, no Proc. n.º 759/17.3PBAMD-B.S1, da 5.ª S., e disponível no sítio indicado.