Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20416/17.2T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
EMPRESA DO SECTOR EMPRESARIAL PÚBLICO
NULIDADE DO CONTRATO
Data do Acordão: 03/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSOS ESPECIAIS / PROCESSO DO CONTENCIOSO DAS INSTITUIÇÕES DE PREVIDÊNCIA, ABONO DE FAMÍLIA, ASSOCIAÇÕES SINDICAIS, ASSOCIAÇÕES DE EMPREGADORES OU COMISSÕES DE TRABALHADORES / ACÇÃO DE ANULAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS DE CONVENÇÕES COLECTIVAS DE TRABALHO.
Doutrina:
-João Correia, Albertina Pereira, Código de Processo do Trabalho, anotado à luz da reforma do processo civil, 2015, Almedina, p. 319.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 186.º, Nº 8.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- PROCESSO N.º 17459/17.0T8LSB.L1.S1;
- PROCESSO N.º 17240/17.6T8LSB.L1.S.
Sumário :

I. A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma ação de cariz publicista que resulta da atividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8 do art.º 186.º-O do Código de Processo do Trabalho.

II. Caso a ação venha a ser julgada procedente, por se ter concluído que existe um contrato de trabalho, é que será oportuno discutir uma série de questões que poderão ser suscitadas, como por exemplo a validade do contrato, a responsabilidade de quem procedeu à contratação e os direitos do trabalhador.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:



                                                           I

Relatório:

1. O Ministério Público intentou a presente ação especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho contra Rádio Televisão de Portugal, S.A., pedindo que seja declarada a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a ré e AA, com início reportado a novembro de 2014.

  Para o efeito, alegou, em síntese, que na sequência de uma ação inspetiva realizada pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), em 01-03-2017 e 20‑04-2017, nas instalações da ré, verificou-se que AA prestava funções de jornalista no Departamento de Informação das Rádios antena 1 e antena 3, realizando as tarefas descritas, no local do beneficiário da prestação ou por ele determinado, utilizando os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes ao mesmo, trabalhando com softwares específicos do beneficiário, que são propriedade da RTP, com observância de um horário de trabalho diário, determinado pela Direção de Informação, auferindo com periodicidade mensal a quantia de € 1.300,00 como contrapartida da atividade realizada, integrando uma equipa composta por prestadores de serviços e trabalhadores, onde as mesmas funções são transversais a todos, recebendo as mesmas ordens e orientações.

Conclui que estamos perante uma utilização indevida do contrato de prestação de serviços por parte da ré, sendo que, nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 1 do Código do Trabalho será de presumir a existência de um verdadeiro contrato de trabalho.

Notificada pela ACT, a ora ré não considerou a relação descrita como uma relação laboral por tempo indeterminado.

2. A ré contestou invocando a exceção da nulidade da contratação, alegando, em síntese, a proibição às entidades do sector público empresarial de constituição de relações de trabalho subordinado e, consequentemente, a impossibilidade de reconhecer tais situações estando também vedado ao Tribunal esse reconhecimento.

Argumenta que, desde 1 de janeiro de 2013, por força da legislação orçamental, integrando o sector empresarial do Estado, só lhe é permitido celebrar contratos de trabalho mediante a prévia obtenção de autorização governamental, que constitui um requisito prévio à contratação de um trabalhador por conta de outrem. A omissão dessa formalidade prévia fere o contrato de trabalho celebrado de nulidade originária e insuprível, prevalecendo as normas reguladoras da constituição dos referidos vínculos sobre as demais pois são imperativas.

 Conclui que, face a tais limitações/proibições não pode celebrar contratos de trabalho em violação de tais normativos.

3. Foi proferido despacho saneador que decidiu julgar procedente a exceção perentória da nulidade da contratação e, em consequência absolver a ré do pedido.

4. O Ministério Público interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação, que decidiu julgar a apelação procedente, tendo revogado a sentença recorrida na parte em que determinou a procedência da exceção perentória da nulidade da contratação e que absolveu a ré do pedido, determinando a sua substituição por despacho que ordene o prosseguimento da ação, designando-se dia para a audiência de julgamento.

5. Inconformada com esta decisão, a ré interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

I. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - que revogou a douta Sentença de 1.ª instância e determinou que os autos prosseguissem para julgamento - não ponderou minimamente as consequências dessa decisão, fazendo uma errada interpretação e aplicação do Direito.

II. É reconhecido, quer pelas partes quer pelas instâncias, que, caso se conclua que o contrato existente com a Recorrente configura um contrato de trabalho, o mesmo é nulo por não ter sido precedido da indispensável autorização governamental exigida pela legislação orçamental aplicável à Recorrente.

III. Do prosseguimento dos autos pode resultar uma decisão prejudicial ao Interessado e contrária ao fito da própria ARECT: em vez de se proceder à regularização da situação de errado enquadramento contratual, o Interessado pode ficar colocado numa posição pior daquela em que se encontra. Pior ainda, ficar impossibilitado de conseguir a regularização da sua situação através do único meio que o permite, ou seja, através do PREVPAP.

IV. Por isso, nas mais de duas centenas de decisões dos Tribunais do Trabalho que julgaram ações iguais à presente, considerou-se que o processo não devia prosseguir para julgamento.

V. Os Tribunais do Trabalho perceberam que o que está em discussão nestas ações não é saber, em abstrato e sem atender aos especiais contornos das situações sub judice, se a nulidade do contrato de trabalho obsta à utilização da ARECT. A necessidade de ponderar as consequências da decisão obriga a que se atenda à circunstância de, no caso dos autos como nos demais idênticos, a eventual declaração da existência de um contrato de trabalho conduzir à inevitável cessação da relação contratual, impedindo que se regularize a situação através do PREVPAP (que não pode ser desconsiderado, no contexto factual e jurídico em que os presentes autos se inserem).

VI. E como nesta ação não é possível tratar dos efeitos decorrentes da declaração de existência de contrato de trabalho (válido ou inválido), o Interessado não obteria qualquer consequência favorável com o prosseguimento dos autos.

VII. A decisão sob recurso, ao ordenar o prosseguimento dos autos, fez errada aplicação das regras legais que disciplinam a ARECT, em especial da norma vertida no artigo 186.°-N do CPT, que manda o Tribunal conhecer e julgar das nulidades de que obstam ao prosseguimento da ação.

VIII. O não prosseguimento dos autos para julgamento não impede a possibilidade de a ACT sancionar eventuais violações da legislação laboral que se venham a demonstrar ter existido, desde que, naturalmente, se verifiquem os pressupostos e requisitos da responsabilidade contraordenacional.

IX. Por seu turno, o Interessado não só manterá a relação contratual com a Recorrente, como poderá ver corrigido, no âmbito do PREVPAP, o enquadramento contratual que lhe foi dado, considerando-se que existe um contrato de trabalho válido e eficaz com os direitos e deveres inerentes.

X. E na eventualidade de a conclusão apurada em sede do PREVPAP ser no sentido de o contrato do Interessado não constituir um contrato de trabalho, nem por isso este fica impedido de, caso não concorde com a qualificação, fazer valer a sua posição em tribunal, propondo uma ação judicial com processo comum, onde peticionará que o tribunal declare a natureza da relação contratual com a Requerente e a condenação desta nos efeitos daí decorrentes.

XI. O Tribunal da Relação, para além de desatender injustificadamente às consequências da sua própria decisão, desconsidera ainda, inconsistentemente, a vigência e os objetivos do PREVPAP, que no presente se afigura como o mecanismo de combate à precaridade (definido pelo Estado) adequado à regularização da presente situação, ao qual deve ser dado prioridade.

XII. E a interpretação que se plasmou no Acórdão proferido nos presentes autos mostra-se até contrária ao artigo 202.° da Constituição da República Portuguesa, na medida em que em nada contribui para a justa composição do litígio e agrava a posição do Interessado retirando-lhe a possibilidade de regularizar a sua situação.

XIII. Para além de violar o princípio da limitação dos atos processuais (cfr. artigo 130.° do Código de Processo Civil), destinado a evitar a prática de atos processuais (a audiência de discussão e julgamento) que se revelam, não tanto desnecessários mas sobretudo perniciosos, bem como de se mostrar incompatível com o princípio ínsito no artigo 9.°, n.° 3, do Código Civil.

XIV. Pelo que, no quadro de ponderação de consequências, impõe-se que o Supremo Tribunal siga o único caminho que permite a regularização da situação contratual em apreço, revogando, em todo e qualquer caso, a decisão recorrida, repristinando a decisão da primeira instância ou, se assim achar melhor, alterando tal decisão no sentido da absolvição da instância ou até mesmo consentindo na sua suspensão (posição que também tem vindo a ser adotada por vários Tribunais de 1.° Instância).

 

6. O Ministério Público contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso interposto pela ré, formulando as seguintes conclusões:

1- A Ação de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho visa, sobretudo um interesse social e coletivo de rejeição de recurso ao trabalho subordinado dissimulado mais do que o interesse individual do trabalhador.

2- A finalidade desta ação consiste no reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, e aplica‑se às entidades privadas e públicas, não obstando ao seu reconhecimento a invalidade ou irregularidade "ab initio".

3- As regras e objetivos do PREVPAP são completamente distintas da ARECT como resulta do respetivo procedimento.

4- Não existe qualquer moratória de aplicação do Código de Trabalho no programa do PREVPAP, nem a existência deste obsta ao exercício pelos tribunais das funções que lhes cabem quanto ao reconhecimento de relações jurídicas.

5- O acórdão recorrido fez correta interpretação das normas legais pelo que deve ser mantido.

 

7. Nas suas conclusões, a recorrente suscita a questão de saber se a ação deve prosseguir para julgamento, atenta a natureza da mesma e perante a impossibilidade de a ré poder proceder à, eventual, regularização da situação.

                                                           II

A) Fundamentação de facto:

As instâncias consideraram a seguinte factualidade:

1. A RTP – Rádio Televisão de Portugal, SA é uma empresa pertencente ao sector público empresarial do Estado Português.

2. Em 10 de Novembro de 2014, Rádio e Televisão de Portugal, SA e AA, subscreveram o acordo escrito por si designado por “contrato prestação de serviços”, junto por cópia a fls. 34 a 36 vs. e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

3. Em 5 de Dezembro de 2016, Rádio e Televisão de Portugal, SA e AA, subscreveram o acordo escrito por si designado por “aditamento a contrato de prestação de serviços”, junto por cópia a fls. 33 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

4. A contratação de AA e subscrição dos acordos referidos em 2 e 3, não foram precedidas de qualquer autorização governamental.

B) Fundamentação de Direito:

B1) Os presentes autos respeitam a uma ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho instaurada em 21/09/2017, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 21/12/2017.

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho, na versão operada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto;

- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

B2) Como já se referiu, a recorrente suscita a questão de saber se a ação deve prosseguir para julgamento, atenta a natureza da mesma e perante a impossibilidade de a ré poder proceder à, eventual, regularização da situação.

O Tribunal da 1.ª Instância, no despacho saneador, decidiu julgar procedente a exceção perentória da nulidade da contratação, absolvendo a ré do pedido.

  Por seu turno, o Tribunal da Relação revogou a sentença recorrida na parte em que determinou a procedência da exceção perentória da nulidade da contratação e que absolveu a ré do pedido, e determinou a sua substituição por despacho que ordene o prosseguimento da ação, designando-se dia para a audiência de julgamento.

A Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça já tomou posição sobre esta questão nos processos n.º 17240/17.6T8LSB.L1.S1 e 17459/17.0T8LSB.L1.S1, em que foi sumariado:

1. A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma ação de cariz publicista que resulta da atividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8 do art.º 186.º-O do Código de Processo do Trabalho.

2. Caso a ação venha a ser julgada procedente, por se ter concluído que existe um contrato de trabalho, é que será oportuno discutir uma série de questões que poderão ser suscitadas, como por exemplo a validade do contrato, a responsabilidade de quem procedeu à contratação e os direitos do trabalhador.

Nesses arestos foi aduzida a seguinte fundamentação:

 

           “A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho está inserida no Título VI do Código de Processo do Trabalho, referente aos processos especiais, encontrando-se regulada nos artigos 186.º-K a 186.º-R.

            Trata-se de uma alteração ao Código de Processo do Trabalho introduzida pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, com início de vigência em 1 de setembro de 2013.

            Trata-se de uma ação de cariz publicista que resulta da atividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, como se pode observar pelo teor do art.º 186.º-K, que se estriba no procedimento previsto no art.º 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, que aprovou o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de Segurança Social.

            O artigo 15.º-A, da referida Lei, versa sobre o procedimento a adotar em caso de inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições correspondentes às do contrato de trabalho, e tem a seguinte redação:

1 - Caso o inspetor do trabalho verifique, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente.

2 - O procedimento é imediatamente arquivado no caso em que o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral.

3 - Findo o prazo referido no n.º 1 sem que a situação do trabalhador em causa se mostre devidamente regularizada, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.

4 - A ação referida no número anterior suspende até ao trânsito em julgado da decisão o procedimento contraordenacional ou a execução com ela relacionada.

Como refere João Correia (Código de Processo do Trabalho, anotado à luz da reforma do processo civil, 2015, Almedina, pág. 319 - Obra em coautoria com Albertina Pereira), “A ação para reconhecimento da existência de contrato de trabalho, foi projetada para combater eficazmente a utilização indevida (e abusiva) do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado, sendo o seu escopo de índole marcadamente pública. Com efeito, a falsa contratação em regime de contratação em regime de contrato de prestação de serviços constitui um grave problema social, que não somente afeta os trabalhadores envolvidos, que vêm assim aumentar a sua precaridade e insegurança laboral, como também a própria sociedade no seu conjunto, uma vez que o Estado, por essa via, se vê impedido de cobrar as devidas contribuições à segurança social, bem como os pertinentes impostos, com os inerentes prejuízos no que toca, quer à sustentabilidade do próprio sistema de segurança social, quer à salvaguarda do bem comum. Tal situação consubstancia também uma modalidade de concorrência desleal entre empresas, pois que ao invés das outras que cumprem tais obrigações, não suportam as prevaricadoras os encargos referentes aos trabalhadores subordinados, como são os relativos a férias, feriados e demais acréscimos retributivos, indemnizações ou compensações pela cessação do contrato, prémios de seguros e os demais encargos devidos pela implementação das medidas de segurança e saúde no trabalho, traduzindo, ainda, tal atuação um desvio às regras da União Europeia e ao prescrito a nível internacional, no que se refere, nomeadamente, à livre concorrência e à salvaguarda do trabalho digno”.

Estamos pois perante uma ação de carácter oficioso que se inicia sem a intervenção processual do trabalhador, que pode, em fase posterior, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário, como está previsto no n.º 4, do art.º 186.º-L, do Código de Processo do Trabalho.

Trata-se de uma ação com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8, do art.º 186.º-O, do diploma citado.

Se a ação for julgada procedente, por se ter concluído que existe um contrato de trabalho, está, então, aberto o caminho para se poder, eventualmente, discutir uma série de questões que poderão ser suscitadas, como por exemplo a validade do contrato, a responsabilidade de quem procedeu à contratação e os direitos do trabalhador.

A discussão de todas estas questões só poderá ter lugar a jusante da primeira etapa, que é a qualificação do vínculo.  

No caso concreto dos autos, como bem se referiu no acórdão recorrido, há que, antes de mais, apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral.

A discussão atinente à validade do contrato, que determinou a decisão do Tribunal da 1.ª Instância, bem como a alegada impossibilidade de a empregadora poder proceder à regularização da situação da trabalhadora, só poderá, eventualmente, ter lugar em momento posterior.

O mesmo se diga quanto às consequências da eventual nulidade do contrato, que só faz sentido serem discutidas caso se chegue à conclusão de que estamos perante uma relação laboral. 

Nesta linha, bem andou o Tribunal da Relação ao revogar a sentença recorrida na parte em que determinou a procedência da exceção perentória da nulidade da contratação e que absolveu a ré do pedido, e determinou a sua substituição por despacho que ordene o prosseguimento da ação, designando-se dia para a audiência de julgamento.”

O caso concreto dos presentes autos é idêntico aos já decididos pelo que não se vislumbram razões para alterar a orientação adotada.

Também não se vislumbra, ao contrário do que defende a recorrente, que a interpretação feita no acórdão recorrido seja contrária ao artigo 202.° da Constituição da República Portuguesa, pois, no seu entender, tal interpretação em nada contribui para a justa composição do litígio e agrava a posição do interessado, retirando-lhe a possibilidade de regularizar a sua situação.

Como já se referiu estamos perante uma ação de cariz publicista, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, clarificando assim uma situação indefinida com vista a abrir caminho para a eventual discussão de uma séries de questões emergentes dessa situação.

Esta faceta da ação especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho insere-se plenamente na função jurisdicional dos tribunais, definida constitucionalmente, visando a tutela dos direitos dos cidadãos.

           

                                                           III

            Decisão:

         Face ao exposto acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 21/03/2018

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha