Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
97A140
Nº Convencional: JSTJ00032527
Relator: LOPES PINTO
Descritores: MANDATO
MANDATO NO INTERESSE COMUM
CADUCIDADE
MORTE
Nº do Documento: SJ199706030001401
Data do Acordão: 06/03/1997
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N468 ANO1997 PAG361
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1166/95
Data: 11/05/1996
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR CONTRAT / DIR SUC.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 258 ARTIGO 261 N1 ARTIGO 262 ARTIGO 265 N3 ARTIGO 333 N1 N2 ARTIGO 1157
ARTIGO 1170 N2 ARTIGO 1175 ARTIGO 1178 ARTIGO 2025.
CPC67 ARTIGO 664.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1990/01/24 IN BMJ N393 PAG592.
ACÓRDÃO STJ DE 1994/09/27 IN CJSTJ ANOII TIII PAG68.
ACÓRDÃO STJ DE 1995/03/09 IN BMJ N445 PAG462.
Sumário : I - O mandato estabelecido no interesse comum do mandante e do mandatário não caduca com a morte do mandante (artigos 1175, 1170 n. 2 e 265 n. 3 do CCIV66).
II - Para haver mandato no interesse comum é necessário que esse interesse se integre numa relação jurídica vinculativa (v.g. um contrato-promessa válido), i.é., que o mandante queira vincular-se a uma prestação a que mandatário ou terceiro têm direito.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
A e mulher B, demandam C, D, E e mulher F, e Caixa Geral de Depósitos, com dedução, na acção, desde logo, de incidente de falsidade com citação de G, ajudante do Cartório Notarial de Oeiras, todos com os sinais dos autos, pedindo que:
- seja declarada falsa e de nenhum efeito a procuração junta a fls. 45-46;
- o autor e a ré D sejam declarados únicos e universais herdeiros de E;
- se declarem nulas e de nenhum efeito ou anuladas as escrituras públicas indicadas nos artigos 15, 18 e 20 da pet. in.,
- sendo restituídos à herança os bens deixados pelo A, e
- cancelando-se todos os registos de aquisição e hipoteca que, após a data dessas escrituras, sobre eles versarem;
- se declarem sem efeito aquelas escrituras públicas;- se condene a ré C a pagar à herança, se impossível for a recuperação dos imóveis, uma indemnização correspondente ao seu valor;
- se condenem os réus E e mulher, se impossível for a recuperação do imóvel do artigo 18, a pagar à herança uma indemnização correspondente ao seu valor;- se condenem as rés C e D a pagar à herança uma indemnização pelos prejuízos causados a liquidar em execução de sentença, pedido que ampliaram, ampliação que foi admitida, para - - reconhecer-se que os imóveis indicados nos artigos
12 a 14 da pet. in. se não transmitiram à ré C através das escrituras referidas no artigo 15 desse articulado, pois que a "procuração" de fls. 45-46 em que A "constituiu" sua procuradora a ré C, irrevogável por passada no interesse da própria mandatária, não existe ou é falsa ou sofe do vício de falta de consciência da declaração e de usura, procuração que foi utilizada, já após a morte do A, nas aludidas compras e vendas, as quais são ainda simuladas, além de negócios contrários à lei.
Contestando, os réus e o citado Henriques impugnaram, concluindo pela improcedência da acção (os primeiros) e do incidente (todos).
Prosseguiu o processo até final, tendo por sentença de que os autores apelaram, sem êxito, a acção e incidente sido julgados improcedentes, absolvidos os réus e condenados aqueles como litigantes de má fé, por decaírem no incidente.
De novo, inconformados pedem os autores revista, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações:
- as escrituras de venda outorgadas em benefício da ré C foram por esta levadas a efeito já depois da morte do vendedor tendo nelas declarado que este vivia na sua (daquela) residência;
- o vendedor não recebeu os preços dos prédios constantes das escrituras (2200, 225 e 175 contos), sendo que um foi depois vendido por 5000 contos e os restantes avaliados em 40514400 escudos;
- para as escrituras a ré utilizou a procuração que lhe dava poderes para vender a si mesma todos e quaisquer móveis e imóveis e que pelo subscritor fora considerada irrevogável;
- para os efeitos do mandato poderem sobreviver à morte do mandatário, indispensável era que além do mandatário houvesse interesse do mandante, sendo que o interesse deste se integra numa relação jurídica vinculativa, que não é o caso;
- a Relação deu muito valor ao facto de ter aparecido o contrato-promessa que não deixa de ser confuso;
- sendo que os bens do A, adquiridos pela ré C através daquelas escrituras, tinham já passado para a esfera patrimonial dos herdeiros daquele, a ré se em consciência se achasse na posse dum contrato- -promessa deveria ter exigido a estes o seu cumprimento, e não mentir dizendo que ele lhe vendia os bens e que se encontrava em sua casa;
- a procuração já caducara e a lei que regula a procuração, no que respeita à preservação dos interesses do mandatário, apenas se refere à revogabilidade e não
à caducidade;
- o réu E e os elementos que actuaram no expediente do empréstimo pela ré Caixa tinham obrigação de investigar as circunstâncias em que o primeiro negócio de aquisição foi feito;
- foi violado o disposto nos artigos 262, 269, 1057,
2131, e 2025, com referência aos artigos 280 e 294 C.C.,
- devendo as escrituras indicadas nos artigos 15 e 18 da pet. in. ser julgadas nulas e nenhum efeito, com a necessária comunicação ao registo predial, revogando-se o acórdão recorrido.
Contra alegando, defenderam os réus a confirmação do julgado.
Colhidos os vistos.
Matéria de facto que as instâncias consideraram provada: a)- o autor A e a ré D são filhos de A e de H; b)- A faleceu às 2 horas de 25 de Setembro de 1985 no estado de divorciado; c)- na Conservatória do Registo Predial de Oeiras encontra-se inscrita:
- pela apresentação n. 16 de 16 Fevereiro de 1982 a aquisição por compra a favor de A da fracção identificada pela letra D, correspondente ao rés-do- -chão esquerdo do prédio sito em Oeiras, ali descrita sob o;
- pela apresentação n. 22 de 12 de Janeiro de 1986, a aquisição por compra da aludida fracção a favor da ré C;
- pela apresentação n. 16 de 27 de Agosto de 1986, a aquisição dessa fracção por compra a favor do réu E, convertida em definitivo pela apresentação n. 10 de 28 de Janeiro de 1987; d)- na mesma Conservatória encontra-se inscrita:
- pela apresentação n. 34 de 2 de Março de 1982, a aquisição por compra a favor de A da proporção de 2/6 do lote de terreno para construção, com a área de 3.758,50 m2, designado por lote 3, no sítio do Mato da Torre, freguesia de S. Domingos de Rana,
Cascais, prédio esse ali descrito sob a apresentação n. 23.040 do L. B-73;
- e pela apresentação n. 36 de 17 de Maio de 1983, a aquisição por compra a favor de A, da proporção de 1/6 do aludido lote de terreno; e) - em 16 de Setembro de 1985, A prometeu vender e a ré C prometeu comprar a fracção autónoma aludida na alínea c) e os lotes de terreno mencionados na alínea d), mediante a contrapartida monetária de 8000000 escudos, conforme cópia do escrito de fls. 148 e seguintes; f)- A na data em que celebrou o contrato de fls. 148 e seguintes, já havia recebido da ré C a quantia de 8000000 escudos; g)- em 13 de Dezembro de 1985, a ré C vendeu a si própria na qualidade de procuradora de A:
- a fracção referida na alínea c) por 2200000 escudos, conforme cópia da escritura de compra e venda de fls.
28 e seguintes;
- os 2/6 do lote de terreno mencionado na alínea d) por 225000 escudos, conforme cópia da escritura de compra e venda de fls. 34 e seguintes;
- o 1/6 do lote de terreno mencionado na alínea d) por por 175000 escudos, conforme cópia da escritura de compra e venda de fls. 40 e seguintes; h)- nas escrituras mencionadas na alínea g) consta ser A "residente na mesma casa da outorgante" e ter recebido os preços nelas referidos; i)- em 20 de Setembro de 1985, no rés-do-chão esquerdo do n. 6-A da Praceta de Malange, em Oeiras, perante G, ajudante do Cartório Notarial de Oeiras, A declarou constituir sua procuradora a ré C a quem concedeu "os poderes necessários para vender a quem e pelo preço que entender, podendo a mandatária ser a própria compradora, e, por isso, fazer negócio consigo mesmo, todos e quaisquer bens móveis e imóveis, podendo receber o preço ou dá-lo como já recebido por ele mandatário, dar quitação, outorgar e assinar as competentes escrituras ou promessas de compra e venda, requerer nas Conservatórias do Registo Predial quaisquer registos prediais, provisórios ou definitivos e tudo o mais que necessário se torne ao mencionado fim. O mandante considera esta procuração irrevogável nos termos da Lei por ser passada no interesse da própria mandatária", conforme certidão junta a fls. 45-46; j)- em 11 de Dezembro de 1986, a ré D, como procuradora da ré C, vendeu ao réu E a fracção autónoma aludida na alínea c) pela importância de 4150000 escudos, conforme cópia da escritura de venda de fls. 48 e seguintes; l)- em 11 de Dezembro de 1986, os réus E e mulher constituiram a favor da ré Caixa hipoteca sobre essa fracção, conforme cópia da escritura de fls. 54 e seguintes; m)- A e a ré C viveram durante cerca de 20 anos como se fossem marido e mulher; n)- aquando da aquisição por A do prédio referido na 2. parte da alínea d), existiam neste algumas edificações, onde foram, posteriormente, efectuadas obras de reconstrução e ampliação iniciadas por aquele e completadas após a sua morte; o)- a parte do terreno aludida na 2. parte da alínea d) e na alínea e), ocupada por A é murada e tem um furo artesiano; p)- apesar do preço referido na escritura mencionada na alínea j) ser de 4150000 escudos, a quantia real e efectivamente recebida foi de 5000000 escudos; q)- em 20 de Setembro de 1985, A estava acometido de um adenocarcinoma próstático generalizado que lhe provocava um grande sofrimento; r)- A sabia assinar; s)- A dedicava ao autor afecto e dedicação; t)- em Agosto de 1982, quando já se encontrava doente e em grande sofrimento, A foi visitado pelo autor; u)- a ré D prometeu enviar ao autor para França cópias das escrituras celebradas por A e outros documentos respeitantes aos bens do mesmo; v)- a venda mencionada na alínea j) foi esboçada, tratada e acompanhada pela ré D; x)- aquando da venda referida na alínea j), os réus E e mulher desconheciam a existência de qualquer vício que, eventualmente, a afectasse.
Decidindo:-
1.- A 1. instância considerou estar-se face a uma procuração "suspensa" ou "isolada" (no que aceitou a tese de Januário Gomes in "Em tema de revogação do mandato civil", p. 242) e que não regulando a lei (CC-265) o destino da procuração quando o representado morre se deve aplicar por analogia o disposto no artigo 1175 CC; e, porque se trata de procuração irrevogável passada também no interesse da representante (ela poder vender a si mesma determinados imóveis em cumprimento de um contrato-promessa anterior que unia representante e representado e cuja contrapartida monetária já tinha sido recebida por este), não caducou a procuração (ressalva daquele artigo 1175), pelo que os contratos de compra e venda não são ineficazes.
A Relação, quer por os defensores da existência de uma relação-base (tendo-a in casu como a de mandato) da procuração não terem recorrido quer por os autores não discordarem da qualificação operada na decisão de que recorriam, recusou poder conhecer da qualificação; de seguida, considerou que se verificava uma alteração - inadmissível - da causa de pedir, não sendo a caducidade de conhecimento oficioso (CC-333,1 e 2) porque, enquanto alicerçavam o pedido na falsidade da procuração agora o faziam na sua caducidade; não obstante, confirmou a tese da não-caducidade da procuração e consequente validade e eficácia dos negócios jurídicos celebrados pela ré C no uso da procuração, o que tornou irrelevante saber se esta ilidiu ou não o notário, afirmando que o vendedor se encontrava a residir na mesma morada, e, porque a ré Caixa apenas tinha que se preocupar com a segurança na constituição da hipoteca e se não provou negligência na actuação desta e dos réus E e mulher, confirmou a sentença.
Alegando, os autores negam que a procuração fosse no interesse comum do representado e da representante, sendo ele apenas referido para a revogabilidade da procuração (CC-265,3), nada dispondo a lei para a sua caducidade nem lhe sendo ou podendo ser aplicáveis as regras do mandato, caducidade que, além da falsidade da procuração, na petição inicial (artigos 40-42 e 48) invocaram; e porque se trata de venda de bens alheios (CC-2.025) e porque houve negligência dos réus E e mulher, e Caixa, deve proceder a acção revogando-se a acórdão recorrido.
2- A qualificação jurídica que as partes emprestem aos factos não vincula o tribunal pelo que este não pode escusar de a ela proceder (CPC-664). Daí que a Relação, dissentissem ou não os autores, na sua apelação, da qualificação operada na sentença não podia deixar de se pronunciar e retirar as consequências inerentes.
Causa de pedir é o concreto facto jurídico de que emerge o direito do autor, o facto real que este concretamente alega para justificar o pedido, para legalmente fundamentar a sua pretensão. É indiferente que o autor o "rotule" ou não; importa conhecer, pela análise da petição inicial, o que concretamente se alegou.
Desse articulado resulta que os autores, além da falsidade da procuração, fundamentaram o seu pedido na caducidade desta, daí fazendo derivar o efeito de que, na altura das vendas, os bens eram alheios, não integravam senão a herança ilíquida e indivisa por morte do A, nos termos do artigo 2025 CC.
E quando procederam à ampliação do pedido (fls. 399 v-400), ampliação admitida (fls.422 a 424) por constituir um mero desenvolvimento do pedido inicial (restituição à herança dos bens deixados pelo A), pretenderam se reconhecesse que os imóveis se não transmitiram à ré C através das vendas.
Este efeito tanto pode resultar de um como do outro fundamento.
Assistia legitimidade aos autores, e continua a assistir, para alicerçarem o seu recurso na por si alegada caducidade da procuração e que viram decidida desfavoravelmente.
3- Ponto fulcral da revista - pela morte de A extinguiu-se a relação jurídica que entre ele e a ré C se estabeleceu com a procuração que lhe conferiu?
O Supremo Tribunal de Justiça não conhece do facto, aceita-o, em princípio, tal como vem definido pelas instâncias. In casu, não ocorre qualquer das circunstâncias que legitimam a imiscuição do STJ na esfera reservada às instâncias.
É para os factos considerados provados que a solução de Direito terá de ser encontrada.
Pelo documento de fls. 45-46, intitulada de "procuração", verifica-se que A quis recorrer à cooperação da ré C para a alienação dos seus bens, conferindo-lhe poderes representativos para o efeito. É nesse acto, em si, de concessão, que não no documento, que consiste o da procuração (CC-262).
A concessão da representação voluntária tem de ter um fundamento, uma relação que lhe subjaz, mas com ele não se confunde. Seja ele uma relação de mandato (a representação não é essencial ao mandato) seja outra relação, nem a representação é este fundamento nem este
é aquela. Ainda quando coexistam mandato (CC-1157 e ss) e representação (CC-258 e ss), eles não se "comportam como as duas faces da mesma relação jurídica" (Ferrer Correia in Estudos Jurídicos II, p. 6), não se confundem.
Como refere este autor, a causa da representação
é a procuração, "o acto de concessão de poderes representativos, o assentimento do representado à representação" (p. 6), a sua preexistente declaração de vontade relativamente a certos negócios jurídicos a realizar pelo representante.
A procuração é um negócio jurídico autónomo, uma declaração unilateral de vontade que procede do representado e é dirigida a um terceiro, este o outro sujeito do negócio representativo, é, no dizer de Ferrer Correia, "alguma coisa de exterior ao contrato subjacente" (p.19). A procuração não necessita do consentimento do representante embora o dever de agir do procurador não se possa conceber sem a cooperação da sua vontade; contudo, esse dever de agir não se fundamenta na procuração mas procede do negócio causal (p.29); a vinculação do representado que do acto procuratório resulta é perante o terceiro (a quem provocou a confiança na legitimação do procurador - para com ele realizar em seu nome determinado negócio - e na correspondência à sua vontade de autorização representativa) e não perante o representante (p.30).
4- Como causa da declaração de vontade do A alinham-se os seguintes factos - a convivência marital de cerca de 20 anos entre ele e a ré C, até à data da morte daquele, e o consequente estabelecimento de um clima de confiança e consideração mútuas e de uma relação de comunhão, e o contrato-promessa pré-existente, do qual o promitente-vendedor (A) já recebera da promitente-compradora (a ré C) a totalidade da contrapartida acordada.
Se existisse apenas o primeiro facto como causa da declaração de vontade do representado haveria que concluir que se estaria face a procuração "isolada".
Todavia, existe um outro facto e esse leva a questionar se a causa da concessão de poderes representativos à ré C não terá sido um contrato pelo qual o A quis criar a obrigação de aquela praticar por conta dele determinados actos jurídicos o que ela também quis e aceitou, e no interesse de quem foi conferido (só no daquele ou também no desta).
A terminologia empregue na procuração ("mandante",
"mandatária") não é decisiva para se concluir. Na tentativa de reconstrução da vontade do declarante devem ponderar-se sempre as circunstâncias individuais do caso concreto conhecidas do declaratário ou para ele tornadas reconhecíveis (a propósito do artigo 236 CC, cfr. Ferrer Correia in Estudos Jurídicos I, p. 206 a 234).
Dentre as circunstâncias individuais conhecidas pela ré C há que ter ainda presente as relativas ao estado de saúde do declarante e coordená-las temporalmente com os momentos da celebração do contrato-promessa, da outorga do documento-procuração e do óbito do A, bem como não deixar de considerar também a brevidade temporal entre dois actos (contrato-promessa e procuração).
9 dias antes de falecer, A e a ré C, que com ele vivia maritalmente há cerca de 20 anos, celebraram um contrato-promessa no qual aquele lhe prometeu vender e esta lhe prometeu comprar determinados imóveis, estando a contrapartida (preço) devida áquele já por ele recebida.
No contrato-promessa, como destinatária da alienação apenas a ré C tendo-se fixado um prazo máximo de celebração da escritura de compra e venda (3 meses).
O A estava à data acometido de um adenocarcinoma próstático generalizado que lhe provocava um grande sofrimento, doença cuja gravidade e rapidez do desenlace são do conhecimento geral.
É ainda do domínio geral que os contratos são para se cumprir, preferindo a generalidade das pessoas serem elas mesmas a cumpri-lo em lugar de deixar o adimplemento para os seus herdeiros.
Compreende-se pois que A tenha querido expressamente conferir a possibilidade de o seu representante (a ré C) celebrar negócio consigo mesmo (CC-261,1) em cumprimento do contrato promessa, ou seja, de o executar celebrando o contrato prometido tanto mais que os elementos deste estavam previstos naquele e fora já satisfeito o preço. E compreende-se ainda que essa ré se quisesse obrigar a praticar, por conta do representado, o contrato prometido.
Causa da procuração (relação jurídica autónoma) foi in casu um contrato de mandato (CC- 1157). Está-se, pois, aqui face a um mandato representativo (CC-1178).
Não é o facto de na declaração de vontade do A se ler que "o mandante considera esta procuração irrevogável nos termos da Lei por ser passada no interesse da própria mandatária" que a torna irrevogável havendo que conhecer se concretamente ela foi conferida também no interesse desta (P. Lima-A. Varela in CC Anot II/740, chamam a atenção para o facto de os requisitos exigidos nos artigos 1175, 1170-2 e 265-3 serem os mesmos).
A irrevogabilidade tem de "resultar da relação jurídica basilar e, em especial, por ter sido conferido no interesse do mandatário (ou do procurador) ou de terceiro" (Vaz Serra in RLJ 109/127), ou como refere este Supremo nos seus acórdãos de 24 de Janeiro de 1990 (in B. 393/ 592) e 27 de Setembro de 1994 (in CJSTJ ano 1994 tIII pág.
68 "para haver mandato de interesse comum não basta que o mandatário ou o terceiro tenham um interesse qualquer, é necessário que esse interesse se integre numa relação jurídica vinculativa, isto é, que o mandante, tendo o mandatário o poder de praticar actos cujos efeitos se produzem na esfera jurídica daquele, queira vincular-se a uma prestação a que o mandatário ou terceiro tenham direito".
O contrato-promessa é um contrato, tão definitivo, como o prometido, e por ele o promitente vendedor ( o que aqui interessa) obriga-se a uma prestação, a outorga do contrato prometido. In casu, a ré tinha direito a esse cumprimento e a ele quis o A vincular-se.
Estabelecido o mandato no interesse comum do mandante e do mandatário, pelo que não caducou por morte daquele e, não se mostrando revogado pelos herdeiros
(só o poderia ser com base em justa causa - artigo 1170-2), podia-o válida e relevantemente usar a ré C, já que "a caducidade do mandato implica necessariamente como que ficcionar o prolongamento da vida do mandante até ao cumprimento integral da missão atribuída ao mandatário, podendo este, por isso, validamente praticar, em nome do mandante e para além da sua morte, os actos de que fora incumbido" (ac.
STJ de 9 de Março de 1995 in B. 445/462).
Termos em que, embora por diversa fundamentação, se nega a revista.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 3 de Junho de 1997.
Lopes Pinto,
Ribeiro Coelho,
Torres Paulo.