Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2166/12.8TBVCT.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
SEGURO DE CRÉDITOS
SOCIEDADES EM RELAÇÃO DE GRUPO
PAGAMENTO INDEVIDO
PRESCRIÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONCEDIDA A REVISTA QUANTO À MÁ FÉ. NEGADA QUANTO AO MAIS
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
Doutrina:
-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª Edição, p. 62.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): ARTIGO 482º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 11-12-2012, PROCESSO N.º 200/08, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-01-2014, PROCESSO N.º 1279/98:
- DE 19-02-2008, PROCESSO N.º 07A2669;
- DE 22-09-2009, IN CJSTJ, TOMO III, P. 71;
- DE 23-06-2016, PROCESSO N.º 54/14;
- DE 27-05-2010, PROCESSO N.º 5387/05.
Sumário :
I. A seguradora que, ao abrigo de um contrato de seguro de crédito, procedeu ao pagamento de uma indemnização a uma das empresas seguradas, indemnização que, no entanto, pertencia a outra empresa segurada integrada no mesmo grupo empresarial, apenas pode obter daquela a restituição do que foi indevidamente recebido mediante a invocação da figura do enriquecimento sem causa.

II. O direto à restituição do indevido prescreve no prazo de 3 anos a contar da data em que o credor dele teve conhecimento, ou seja, in casu, a partir do momento em que se apercebeu que a indemnização fora paga a uma empresa diversa daquela que era a verdadeira credora da indemnização (art. 482º do CC).

III. Tratando-se de uma situação em que o pagamento foi feito a uma empresa que integrava o mesmo grupo empresarial e que tinha uma denominação social semelhante, erro que apenas foi detetado na pendência da ação, em face da contestação que as RR. apresentaram, não se verifica a prescrição do direito à restituição do indevido, apesar de entre o pagamento da indemnização e a citação para a ação ter decorrido um prazo superior ao de 3 anos fixado no art. 482º do CC.

IV. Da decisão de condenação como litigante de má fé proferida pela 1ª instância e que foi confirmada pela Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Decisão Texto Integral:
I – AA - Companhia de Seguros de Créditos, S.A.., intentou ação declarativa de condenação (então sob a forma de processo ordinário) contra

- 1ª R. - AA, SA (ex-Fábrica de Papel do …, Ldª)

- 2ª R. - BB, SA (ex-CC V…, SA) e

- 3ª R. - DD - SGPS, SA (ex-CC, SA e, antes disso, ex-CC EP),

pedindo a condenação solidária das 1ª e 3ª RR. no pagamento da quantia de € 259.602,38, acrescida dos juros que se vencerem até efetivo e integral pagamento ou em alternativa a condenação solidária das 2.ª e 3.ª RR. no pagamento da quantia que a 2.ª R. houver recebido da 1.ª R., até se perfazer o valor indemnizado, nos termos expostos nos arts. 42.º e ss. da p.i.

Circunscrevendo-nos ao que verdadeiramente interessa para a apreciação do recurso de revista, sustentou a sua pretensão na outorga de um contrato de seguro de crédito com a CC ...-Empresa Produtora de Papéis Industriais, S.A. (que agora corresponde à 2ª R.), um contrato de seguro de créditos titulado pela apólice nº 7…/50/12…, ao abrigo do qual esta lhe participou à A., em 19-7-94, um sinistro decorrente do não pagamento dos fornecimentos enunciados no art. 4º da p.i. no valor de € 176.580,74 por si feitos à 1ª R. (então denominada Fábrica do Papel do …, Ldª).

Em consequência dessa participação, a A. indemnizou a 2ª R., em 29-5-95, pelo montante de € 91.654,11. Sendo agora o capital social da 1ª R. inteiramente detido pela 3ª R., é esta solidariamente responsável pelo pagamento de tal quantia ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 489º e 501º e ss., ex vi art. 491º do CSC.

Relativamente ao pedido alternativo, alegou que a 2ª R. demandou a 1ª R. com vista a obter a condenação e cobrança judicial do preço de sucessivas vendas e fornecimentos [proc. nº 1134/94], incluindo os que foram objeto de indemnização por parte da A., tendo a 1ª R. confessado ser devedora junto da 2ª R. da quantia de € 2.668.879,43.

A 2ª R., até à data da propositura da ação, não informou a A. dos pagamentos efetuados pela 1ª R., não obstante as sucessivas interpelações, em violação das cláusulas 14ª, nº 3, 21º, nº 2, al. d), 22ª, nº 4 das condições gerais da apólice. Assim, acautelando a hipótese de a 2ª R. haver recebido pagamento da 1ª R., reclama a A. da 2ª R. que esta houver recebido da 1ª R. até se perfazer o valor correspondente a essa indemnização. Para o caso de a 1ª R. não haver pago a totalidade do crédito, reclama a A. das 1ª e 3ª RR. o pagamento da diferença entre o que cabe a esta na sequência da recuperação do crédito pela 2ª R. e o montante de que estas são devedoras e liquidado supra em € 259.602,38 (14º da p.i.).

Porque também o capital social da 2ª R. é inteiramente detido pela 3ª R. (como acontece com o da 1ª R.), é esta responsável solidariamente junto da autora pelo pagamento da dívida que a 2ª Ré mantém junto desta.

A 1ª R. contestou e alegou que fez o pagamento das faturas em causa nos autos à empresa que lhe forneceu as mercadorias, ou seja à CC, SA, que não é parte nos autos, no âmbito de um acordo judicial exarado no proc. n.º 1134/94, já após o pagamento da indemnização efetuada pela A. à 2ª R.

Contestaram as 2ª e 3ª RR., alegando não ter ocorrido transmissão dos créditos da CC, EP, para a 2ª R. aquando da constituição desta, pois os créditos de que aquela era titular, inclusive sobre a 1ª R., mantiveram-se na sua titularidade. Sendo verdade que foi a 2ª R. que acionou o seguro junto da A., não foi esta quem efetuou os fornecimentos ou emitiu as faturas, antes a CC, única credora da 1ª R.

Invocaram a prescrição do direito da A., nos termos do 482º do CC, seja por referência ao acordo celebrado na ação judicial mencionada, seja por referência ao plano aprovado no PERE e respetivos pagamentos no seu âmbito estabelecidos (até outubro de 2005).

Alegaram ainda a caducidade do direito da A. ao abrigo do contrato de seguro celebrado e a inexigibilidade dos juros de mora por falta de interpelação até à citação para os termos da presente ação, não se encontrando a 2ª Ré em mora e ainda a prescrição dos vencidos em data anterior à sua citação em 19/7/2007 [em termo similares ao alegado pela 1ª R.].

Finalmente invocou ainda a 3ª R. a limitação da sua responsabilidade à medida da responsabilidade das 1ª e/ou 2ª R., bem como e ainda o regime especial de exigibilidade da responsabilidade da sociedade mãe decorrente do art. 501º, nº 2 CSC.

Respondeu a A. a ambas as contestações e deduziu a A. ampliação do pedido e causa de pedir nos seguintes termos:

A provar-se a factualidade alegada pela 2ª R., sempre a 2ª R. e a 3ª R., por solidariedade, estão obrigadas à devolução da quantia de € 91.654,11 que a 2ª R. embolsou a título de indemnização e que então nenhuma razão teria para fazer sua e que efetivamente recebeu.

Recebimento que terá sido perpetrado pela 2ª R. dolosamente e induzindo a A. em erro quanto aos elementos subjacentes e determinantes para o pagamento da indemnização, o que determina a anulabilidade do negócio com a consequente obrigação de restituição pelas 2ª e 3ª RR. de tudo quanto receberam.

Tal obrigação encontra ainda fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.

Finalmente e com base na litigância de má-fé que imputou tanto à 1ª como 2ª R. peticionou ainda a A. a sua condenação como litigantes de má-fé, em multa adequada à censurabilidade, agravada pelo que as suas atuações revelam e indemnização à autora, esta em quantia nunca inferior a € 30.000,00.

Responderam as RR. à ampliação da causa de pedir e pedido, reiterando ter sido a CC e não a 2ª R. quem recebeu a indemnização que é fundamento do pedido formulado e que foi à CC e não à 2ª R. que a 1ª R. pagou os valores em dívida.

Igualmente pugnaram pela improcedência do pedido da A. ao abrigo do enriquecimento sem causa, por não verificação dos respetivos requisitos, o qual, de todo o modo, estaria prescrito por o último pagamento ter sido efetuado em março de 2004, tal como prescritos estão os juros peticionados.

Admitida a ampliação do pedido e causa de pedir (fls. 488) procedeu-se à realização da audiência final, após o que foi proferida sentença (fls. 714 a 731) que, julgando a ação parcialmente procedente, decidiu:

1 - Absolver a 1ª R. do pedido contra si formulado.

2 - Condenar solidariamente as 2ª e 3ª RR. a pagarem à A. a quantia de € 91.654,11, acrescida dos juros de mora, à taxa legal prevista para as transações comerciais, contados desde 16-7-98 até integral e efetivo pagamento.

3 - Julgar verificada a existência de litigância de má-fé por parte das 2ª e 3ª RR., condenando-se cada uma na multa de 10 UC’s, cumprindo-se por ora o disposto no art. 543º, nº 3, do CPC, notificando-se as RR. para se pronunciarem sobre a indemnização peticionada.

Após pronúncia das RR. sobre a indemnização peticionada pela A. (a fls. 736 e ss.) foi decidido relegar a sua fixação para final (fls. 889).

Apelaram as 2ª e 3ª RR., tendo a Relação proferido acórdão que condenou solidariamente as 2ª e 3ª RR. a restituir à A. a quantia de € 91.654,11, a título de enriquecimento sem causa, com juros de mora à taxa supletiva legal sucessivamente em vigor desde a data da notificação da 2ª R. para o pedido de restituição nestes autos formulado pela A. e até integral e efetivo pagamento.

Manteve ainda a condenação da 2ª R. como litigante de má-fé em indemnização a favor da A. em montante a fixar oportunamente e multa fixada em 10 Uc’s, no mais se absolvendo as 2ª e 3ª RR. do pedido contra as mesmas formulado.

Foi interposto recurso de revista por parte das 2ª e 3ª RR. suscitando as seguintes questões:

a) Inverificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa invocado pela A.;

b) Verificação da prescrição do direito à restituição;

c) Inverificação dos pressupostos da litigância de má fé e excesso da multa aplicada.

A A. contra-alegou.

Cumpre decidir.


II – Factos provados (ficando a negrito os factos que mais relevam para a apreciação das questões suscitadas):

1.1. A A. é uma sociedade comercial que, com escopo lucrativo, exerce a sua atividade no ramo segurador, nomeadamente, nos sub-ramos “seguro de créditos” e “seguro-caução”.

1.2. Na prossecução da sua atividade estatutária, a A. celebrou em 1989 com a sociedade então denominada CC-Empresa de Celulose e Papel de Portugal, EP, que depois assumiu a designação de CC-Empresa de Celulose e Papel de Portugal, SA, e em 93 passou a ser CC-Empresa de Celulose e Papel de Portugal, SGPS, SA (doravante CC, SA), um contrato de seguro de créditos titulado pela apólice n.º 7…/50/1..2, no qual assumiu a qualidade de segurada, cujas condições gerais e particulares se encontram juntas aos autos com a p.i. como docs. 1 e 2 a fls. 16 a 23 e ainda a fls. 438 e ss.

1.3. Tal como resulta da ata adicional n.º 4 (fls. 23 e 446) das condições particulares do contrato referido em 1.2 e com efeitos a partir de 1-6-93, passou também a figurar como segurada a aqui 2ª R. que então tinha a denominação social de CC …-Empresa Produtora de Papéis Industriais, S.A. (para além da “CC Industrial-Empresa Produtora de Celulose SA”, e da própria tomadora de seguro), tendo a atual designação social da 2ª R. sido registada em 2010 - certidão permanente relativa à R. junta a fls. 24 a 30).

1.4. No exercício dos respetivos objetos sociais, a CC-Empresa de Celulose e Papel de Portugal, S.A., sob encomenda da 1.ª R., então com a denominação social de Fábrica de Papel do …, Ldª, vendeu a esta, que comprou, recebeu e aceitou, as mercadorias que lhe foram debitadas pelas seguintes faturas (juntas como doc. 4 com a p.i. – fls. 34 a 57):

- 93/52…9, emitida em 11/janeiro/1993, no montante de PTE. 2.646.227$;

- 93/52…4, emitida em 11/janeiro/1993, no montante de PTE. 2.639.759$;

- 93/52…8, emitida em 12/janeiro/1993, no montante de PTE. 380.765$;

- 93/52..9, emitida em 12/janeiro/1993, no montante de PTE. 2.032.245$;

- 93/52..1, emitida em 14/janeiro/1993, no montante de PTE. 1.227.187$;

- 93/52…2, emitida em 14/janeiro/1993, no montante de PTE. 1.153.127$;

- 93/52..3, emitida em 14/janeiro/1993, no montante de PTE. 1.590.096$;

- 93/52…4, emitida em 14/janeiro/1993, no montante de PTE. 829.966$;

- 93/52…5, emitida em 14/janeiro/1993, no montante de PTE. 2.462.436$;

- 93/52…6, emitida em 14/janeiro/1993, no montante de PTE. 2.633.507$;

- 93/52…5, emitida em 21/janeiro/1993, no montante de PTE. 359.839$;

- 93/52…6, emitida em 21/janeiro/1993, no montante de PTE. 2.012.648$;

- 93/52…2, emitida em 21/janeiro/1993, no montante de PTE. 2.418.346$;

- 93/52…6, emitida em 26/janeiro/1993, no montante de PTE. 2.396.850$;

- 93/52…3, emitida em 27/janeiro/1993, no montante de PTE. 182.630$;

- 93/52…4, emitida em 27/janeiro/1993, no montante de PTE. 1.175.718$;

- 93/52…5, emitida em 27/janeiro/1993, no montante de PTE. 191.952$;

- 93/52…6, emitida em 27/janeiro/1993, no montante de PTE. 375.439$;

- 93/52…7, emitida em 27/janeiro/1993, no montante de PTE. 373.917$;

- 93/52…7, emitida em 02/fevereiro/1993, no montante de PTE. 2.478.292$;

- 93/52…8, emitida em 02/fevereiro/1993, no montante de PTE. 2.518.836$;

- 93/52…0, emitida em 03/fevereiro/1993, no montante de PTE. 2.326.408$;

- 93/52…1, emitida em 03/fevereiro/1993, no montante de PTE. 601.180$;

e

- 93/52…2, emitida em 03/fevereiro/1993, no montante de PTE. 393.891$.

1.5. Tais faturas foram remetidas à 1.ª R. nas datas das respetivas emissões e totalizam o montante de PTE. 35.401.261$, a que corresponde o contravalor de € 176.580,74.

1.6. A 1.ª R. girava, à data dos fornecimentos vindos de elencar, sob a denominação de FÁBRICA de PAPEL …, Ldª, firma que viria a ser alterada, em 2010, para a atual designação - certidão permanente obtida no site “Portal da Empresa”, acessível com a senha 4…-…-0…5, junta como doc. 5 (fls. 61).

1.7. As faturas referidas em 1.4. deveriam ser pagas pela 1ª R., no prazo de 60 dias a contar do respetivo vencimento.

1.8. A 1ª R. não procedeu ao pagamento à CC, SA (agora 3ª R.), ou à 2ª R., nas respetivas datas de vencimento, ou posteriormente de nenhuma das 24 faturas supra elencadas, não obstante as inúmeras interpelações que para esse efeito lhe foram dirigidas, tendo esse inadimplemento determinado a 2.ª R. a participar à A. o correspondente sinistro - o que fez em 19-7-94, na forma do doc. 6 junto com a p.i, fls. 71 e 72).

1.9. E em face do não pagamento pela 1.ª R. dos fornecimentos referidos supra em 1.4., a A., no cumprimento da obrigação decorrente do contrato de seguro identificado supra em 1.2., indemnizou a sua segurada, ora 2ª R. (então “CC …, SA), em 29-5-95, pelo montante de PTE 18.375.000$, hoje EUR. 91.654,11€, correspondente a 70% do montante da responsabilidade da A. (encontrado pela aplicação da percentagem de cobertura de 75% prevista nas c.g.a. ao valor máximo da garantia emitida, que foi de PTE 35.000.000$), dado tratar-se de uma indemnização provisória – tudo conf. recibo de indemnização n.º 734/95 junto com a p.i. como doc. 7 – fls. 73 e 74).

1.10. O capital social da 1.ª R. é inteiramente detido pela 3ª R., de acordo com a ordem em que se mostram identificadas no cabeçalho da p.i.

1.11. (eliminado).

1.12. (eliminado).

1.13. (eliminado)

1.14. (eliminado)

1.15. (eliminado).

1.16. Não obstante as repetidas insistências da A. junto da sua segurada (2ª R.), com vista a inteirar-se do cumprimento ou não do acordo judicial obtido no âmbito da ação referida em 1.28. a 1.36. dos factos provados, a mesma nada informou ou esclareceu, nomeadamente se logrou fazer seu o valor do crédito tal qual resulta da transação naquela ação referida.

1.17. A A. desconhecia, até à data da instauração da ação, em face da ausência de informação por parte da 2ª R. e da CC, SGPS, SA, se a mesma lograra recuperar, na sequência da sobredita transação judicial, o valor do seu crédito tal qual lho participou.

1.18. Nos termos do art. 21.º, n.º 2, al. d) das c. g. da apólice mencionada em 1.2. e 1.3., “efetuado o pagamento de qualquer indemnização a AA fica sub-rogada em todos os direitos do segurado na proporção do crédito indemnizado”, na sequência do que o segurado se obriga: [art. 21º n.º 2 al. d)] a “Entregar à AA, no prazo de 15 dias e na proporção dos créditos indemnizados, todas as quantias recebidas do devedor ou de terceiro em seu nome, bem como outros créditos e direitos cedidos para regularização da dívida”.

1.19 - Tendo a AA, nos termos do art. 22º, nº 4, das c. g. da mesma apólice, o direito de praticar os atos necessários à recuperação dos créditos em que está sub-rogada e tendo por referência as situações mencionadas em 2 e 3 do art. 22º, nestes casos “as importâncias recebidas serão distribuídas entre a AA e o Segurado na proporção dos respetivos créditos”.

1.20 A 2ª R. nada entregou à A. por conta de quantias que tenha logrado recuperar.

1.21. Tal como nada lhe devolveu por referência ao importe que lhe foi indemnizado.

1.22. O capital social da 2.ª R. é inteiramente detido pela 3.ª R.

1.23. (eliminado)

1.24. Dão-se por reproduzidas as cláusulas 14ª, nº 3 e 22º das condições gerais da apólice (fls. 18 e 19 dos autos)

1.25. (integrado no 1.4 dos factos provados).

1.26. (integrado no 1. 7 dos factos provados).

 1.27. (integrado no 1.7 dos factos provados).

1.28. Em 1994 foi a 1ª R. citada para uma ação judicial de condenação intentada pela 3ª R., que resultou da transformação em sociedade gestora de participações sociais da referida CC, SA, a qual correu termos na 3ª secção, do 16º Juízo, do Tribunal Cível da Comarca de …, sob o nº 1…4, do ano de 1994 (cf. doc. nº 1 junto com a contestação, fls. 109).

1.29. Na referida ação judicial, a 3ª R. peticionou (cfr. art. 3º da petição inicial, faturas nº 93/52…9 a 93/52…2) da 1ª R. o pagamento, entre outras, das mesmas 24 faturas que estão em causa nos presentes autos, entre as quais se conta a fatura nº 93/52…9, que, em conjunto, ascendem ao valor de 35.401.261$00, a que corresponde o contravalor de € 176.580,74.

1.30. É expressamente referido pela 3ª R. na dita petição inicial, que “por conta da fatura nº 93/52…9, junta em anexo como doc. nº 1, a R. pagou a quantia de 166.868$00” (832,33€) (cf. art. 4º da petição inicial apresentada pela 3ª R.) – fls. 113, pagamento este que ocorreu em 1993/1994.

1.31. Em 1996, após o pagamento da indemnização efetuado pela A. à 2ª R., foi celebrada, no âmbito do processo judicial referido em 1.28., entre a 1ª R. e a 3ª R., uma transação judicial na qual a 3ª R. reduziu o pedido que era de 610.782.472$00 para 535.045.445$00 (2.668.879,43€), tendo-se a 1ª R. confessado devedora deste montante (doc. nº 8, junto com a petição inicial – fls. 76).

1.32. (eliminado).

1.33. (eliminado).

1.34. Na mencionada transação judicial foi ainda acordado um plano de pagamentos, nos termos do qual o referido montante seria pago pela 1ª R. à 3ª R. em “95 prestações mensais iguais e sucessivas, com início em Abril de 1995 e termo em Março de 2004”.

1.35. Embora a referência a “Abril de 1995” resultasse de um mero lapso, uma vez que, sendo a transação judicial efetuada em 1996 o que se pretendia dizer era “Abril de 1996”.

1.36. Em cumprimento do plano de pagamentos acordado entre a 1ª R. e a 3ª R., aquela, entre Abril de 1996 e Junho de 1998, procedeu ao pagamento à CC, SGPS, SA, de 27 prestações do acordo celebrado (doc. nº 2)

1.37. Foi em nome da 3ª R. (ex-CC, SA), que, em Janeiro e Fevereiro de 1993, foram emitidas as 24 faturas em questão nos autos.

 1.38. As 27 prestações pagas pela 1ª R. à 3ª R. ascenderam ao montante global de 217.373.000$00, a que corresponde o contravalor de 1.084.251,95€.

1.39. Em cumprimento do acordo/transação judicial celebrado entre a 1ª R. e a 3ª R. qquela procedeu não só ao pagamento a esta do montante correspondente às 24 faturas em causa nos presentes autos – sendo o da fatura referida em 1.30. pelo valor remanescente - como de uma parte substancial da sua dívida para com a 3ª R.

1.40. (eliminado).

1.41. Em finais de Junho de 1998 a 1ª R. requereu um Procedimento Especial de Recuperação da Empresa, nos termos do disposto no CPEREF, aprovado pelo DL nº 132/93, de 23-4, que correu termos no 1º Juízo, do Tribunal de Recuperação da Empresa e de Falência de Vila …, sob o nº 1…2/1998 (doc. nº 3, junto com a contestação, a fls. 154)

1.42. No referido procedimento, a 3ª R. procedeu à reclamação do seu crédito sobre a 1ª R., o qual foi reconhecido, pelo montante de 746.513.088$70, a que corresponde o contravalor de € 3.723.591,58 (doc. nº 4, de fls. 265 e ss).

1.43. O crédito da 3ª R. foi reconhecido como crédito comum.

1.44. No mencionado procedimento, a A. não apresentou qualquer reclamação relativamente a qualquer crédito de que fosse alegadamente titular sobre a 1ª R.. (doc. nº 4)

1.45. No Relatório do Gestor Judicial nomeado no referido processo de recuperação da 1ª R., foi proposta como providência de recuperação a “Gestão Controlada”.

1.46. Sob a epígrafe “Proposta do Meio de Recuperação” e no que respeita à incidência sobre o passivo da 1ª R., propôs o Gestor Judicial:

“5. Restantes Credores: pagamento de 25% do valor de capital, nas seguintes condições: o pagamento em cinco prestações anuais, crescentes e sucessivas, vencendo-se a primeira no fim do vigésimo quarto mês após o trânsito em julgado da sentença homologatória de aprovação da providência, de acordo com o plano de liquidação do ponto 6.” (cf. pág. 25 do doc. 3 junto com a contestação das 2ª e 3ª RR. a fls. 234 e ss.).

1.47. Segundo o plano de liquidação apresentado pelo Gestor Judicial, a 1ª prestação corresponderia a 10% do valor a pagar, a 2ª a 15%, a 3ª a 20%, a 4ª a 25% e a 5ª a 30% do valor a pagar.

1.48. Na assembleia definitiva de credores da 1ª R., realizada em 20-7-99, foi a proposta de recuperação apresentada pelo Gestor Judicial aprovada com 97,31% dos credores presentes em assembleia, não tendo existido votos contra ou abstenções (doc. nº 6, de fls. 161 e ss).

1.49. Por despacho proferido em 21-7-99 e face à votação da assembleia definitiva de credores foi homologada a referida proposta apresentada pelo Gestor Judicial “nos seus precisos termos e para todos os efeitos legais” (doc. nº 7 de fls. 167).

1.50. Os créditos de que eram titulares os credores da 1ª R., incluindo a 3ª R. ficaram, assim, reduzidos a apenas 25% do seu valor.

1.51. (eliminado).

1.52. Pagamentos esses que foram efetuados, entre Abril de 1996 e Junho de 1998, em cumprimento da transação celebrada no processo judicial supra identificado que lhe foi movido pela 3ª R.

1.53. (eliminado)

1.54. (eliminado)

1.55. (eliminado)

1.56. (eliminado).

1.57. Estabelece o art. 26º do Contrato de Seguro de Créditos que “os direitos decorrentes desta apólice devem ser exercidos, sob pena de caducidade, no prazo de 3 anos, contados a partir do dia em que se verificou o facto que fundamenta o direito do Segurado ou da Companhia” (doc. nº 1, junto à petição inicial).

1.58. (eliminado)

1.59. (eliminado)

1.60. A 1ª R. nunca estabeleceu qualquer relação, de natureza comercial ou de qualquer outra, com a A.

1.61. (eliminado)

1.62. A constituição da 2ª R. ocorreu em Maio de 1993, no âmbito das medidas de reestruturação da 3ª R. (ex-CC, EP e ex-CC, SA), tendentes à sua reprivatização (doc. nº 1, de fls. 198 e ss.).

1.63. Foi também no âmbito de tais medidas que a 3ª R. alterou o seu objeto social, passando de CC, SA, para CC-Empresa de Celulose e Papel de Portugal, SGPS, SA.

1.64. A reestruturação da “CC” foi efetuada por autonomização das suas diferentes áreas de negócios, consubstanciada na criação de novas sociedades anónimas, incluindo da 2ª R.

1.65. Em reunião da Assembleia Geral da CC, SA, realizada em 31-5 -93, e consignada na ata nº 6, foi deliberada a constituição da 2ª R. (doc. fls. 200).

1.66. Na mesma reunião, foi ainda deliberado que o capital social da 2ª R. fosse realizado “em espécie mediante transmissão de ativo líquido do passivo” e que aquela tivesse como objeto social principal a “produção e a comercialização de pastas celulósicas e seus derivados ou afins”.

1.67. Foi a 2ª R. que, em 1994, acionou o seguro de crédito junto da A. respeitante às 24 faturas em crise nos presentes autos.

1.68. Dispõe o nº 1 da cláus. 4ª do contrato de seguro de créditos (cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial – fls. 17) que “os prejuízos objeto de cobertura são indemnizáveis até ao limite da percentagem indicada nas Condições Particulares ou nas respetivas Garantias”.

1.69. Acrescentando no nº 2 que “a parte não indemnizável é da responsabilidade do segurado”.

1.70. No que respeita ao pagamento de indemnização provisória, dispõe o nº 2 da cláus. 16ª (fls. 18) do referido contrato que “nos casos em que não seja possível determinar o montante exato dos prejuízos no prazo previsto no número anterior, a AA abonará, a título de indemnização provisória, a quantia correspondente a 70% da indemnização provavelmente devida”.

1.71. (integrado no ponto 1.18)

1.72. (eliminado)

1.73. (eliminado)

1.74. (eliminado)

1.75. A A. desconhecia se os créditos titulados pelas faturas elencadas em 1.4. foram, ou não, pagos pela 1.ª R. à sua fornecedora.

1.76. A 1.ª R. era, como é, plenamente conhecedora da existência do contrato de seguro de créditos, das garantias que a A. emitiu para as transações que firmou com a sua fornecedora e do pagamento da indemnização.

1.77. Tendo a A. e a 1.ª R., a este propósito, trocado correspondência (junta a fls. 344 a 348 dos autos).

1.78. A A. instou também, de modo expresso, a sua segurada e aqui 2.ª R. a, nos termos da apólice, a dar conhecimento do pagamento da indemnização à 1.ª R. e a proceder “à sub-rogação desta Companhia nos V. direitos, junto do Cliente, pelo montante da indemnização recebida, no prazo máximo de dez dias após o recebimento desta.” (doc. fls. 353).

1.79. Ainda assim, a A. notificou expressamente a sua segurada, a 2ª R., para que procedesse à reclamação de créditos no processo mencionado em 1.41 (vide comunicações de 09/setembro/1998, 08/março/1999 e 05/abril/2000, juntas a fls. 361 a 363).

1.80. Os créditos participados à A. pela 2.ª R. estavam, à data do dito procedimento especial de recuperação (1998), integralmente pagos.

1.81. Foi a 2.ª R. quem comunicou junto da A. a situação de ameaça de sinistro da sua cliente, aqui 1.ª R. (docs. fls. 349 a 351).

1.82. Através de documento que é composto de carta com o seu timbre e de formulário próprio onde descreve minuciosamente quais as faturas que se encontravam em situação de ameaça e que são as mesmas que constituem o doc. n.º 4 junto na p.i., documento que a 2.ª R. firmou em 13-6-94 com a aposição nele da sua assinatura e carimbo (conf. doc. n.º 2 – fls. 349 a 351).

1.83. Foi a 2.ª R. quem, posteriormente, comunicou o sinistro à A. através do impresso próprio e que foi junto como doc. n.º 6 na p.i. (fls. 71), impresso que, por sua vez, acompanhou carta da demandada datada de 19-7-94 e na qual esta se mostra devidamente identificada através do seu timbre, assinatura e carimbo, documento onde, uma vez mais, designou a 1.ª R. como sendo a sua cliente (cf. doc. de fls. 352), assim se arrogando, junto da A., a titular do direito de crédito constante das faturas que descreve nesses documentos e que são as elencadas supra em 1.4.

1.84. Foi a 2.ª R. quem recebeu, embolsou e fez sua a indemnização que a A. pagou, por conta do sinistro participado nos termos dos documentos vindos de referir.

1.85. Da análise do recibo de indemnização n.º 734/95, junto à p.i. como doc. n.º 7 (fls. 73 e 74), verifica-se que a 2.ª R. está identificada como sendo a segurada, a 1.ª R. como sendo a cliente e as faturas descritas na identificação do sinistro são as que juntaram na petição.

1.86. Recibo que se mostra assinado pela 2.ª R., firmado com o seu carimbo e do qual consta, no respetivo verso, o reconhecimento notarial da assinatura de quem, à data, a representava e obrigava.

1.87. Recibo de indemnização que foi enviado à R. através de carta expedida em 11-4-95, onde se identifica claramente o valor a indemnizar, o cliente/entidade risco e a obrigação de “proceder à sub-rogação desta companhia nos V. direitos, junto do Cliente, pelo montante da indemnização recebida…” (conf. doc. de fls. 353).

1.88. De acordo com o preâmbulo e o articulado do DL. n.º 39/93 de 13-2 (doc. 1 junto na contestação), no ano de 1993, a CC – Empresa de Celulose e Papel de Portugal, SA, foi (re)privatizada e reestruturada.

1.89. E que, para adequada execução dessa (re)privatização, foi adotada uma estrutura empresarial organizada por áreas de negócio, para a exploração das respetivas atividades, para o que se constituíram várias empresas, de entre as quais a aqui 2.ª R., e se converteu a CC, SA, em sociedade cujo objeto seria a gestão de participações sociais, redenominada para CC, SGPS, SA.

1.90. Foi assim que foi constituída a 2.ª R. que, como resulta da documentação por si selecionada e junta aos autos, nomeadamente das págs. 4 e 4 vº do doc. 2, ficou sediada em …, com o intuito de se dedicar à produção e comercialização de papéis e seus derivados, para o que se integrou no seu património o então Centro Fabril de … da CC, SA, incluindo todos os meios humanos e materiais que lhe estavam afetos.

1.91. Nesse mesmo doc. n.º 2 de fls. 200 e ss – a ata da assembleia-geral prevista no supra citado DL n.º 39/93 – estabeleceu-se que “as novas sociedades assumirão as posições jurídicas da CC, SA, nas situações que a cada uma competir, em quaisquer contratos, direitos…pendentes ou que venham a ocorrer decorrentes dos bens, valores patrimoniais e pessoal para elas transferidos”.

1.92. Foi assim que a 2.ª R. viu integrado no seu património, de entre o mais, todo o ativo imobiliário de que se compunha a célula empresarial que a CC detinha já em …, ainda antes da sua constituição.

1.93. Os produtos elencados nas várias faturas supra elencadas em 1.4. foram produzidos e expedidos, como se percebe dos dizeres nelas inscritos, a partir das instalações localizadas em …, instalações que, como se viu, foram integradas no património da “CC … …”, tendo sido esta quem, de acordo com a reestruturação da atividade da anterior “CC, S.A.” por áreas de negócio, ficou com o sector da “produção e comercialização de papéis e seus derivados e afins” (vide pág. 11 da ata junta como doc. 2, a fls. 200 e ss).

1.94. A apólice que estava subscrita pelo segurado CC, SA (vide ata adicional n.º 3 junto como doc. 2 na p.i., a fls. 20 e ss.) foi atualizada, lavrando-se a ata adicional n.º 4 (cf. fls. 23) cujo escopo exclusivo foi o de alterar a titularidade da apólice, passando a ser segurada, de entre outros, a CC …-Empresa Produtora de Papéis Industriais, S.A., aqui 2.ª R.

1.95. Mais se acordando, então, que tal apólice e todos os pedidos de garantia que estavam em vigor se aplicariam a tais empresas (ponto IX, nº 1 da ata adicional nº 4 junta a fls. 23).

1.96. A atualização/alteração da apólice através da referida ata adicional teve como origem carta que a CC endereçou à A., datada de 3-6-93, onde, com o assunto “reestruturação da CC” se comunicou à A, entre outras coisas, que:

“Como é do conhecimento de V. Exªs, o DL n.º 39/93 veio definir o quadro jurídico para reestruturação da CC-Empresa de Celulose e papel de Portugal, SA”

“De harmonia com o disposto no art. 1º n.º 1 do citado diploma, a referida reestruturação consubstancia-se na criação de novas sociedades cujo capital social é realizado mediante transmissão de património originário desta Empresa”

 “As novas sociedades iniciaram a sua atividade no dia 1-6-93 tendo recebido, nos termos do art. 8º n.º1 do citado DL 39/93 as posições jurídicas em contratos celebrados por esta empresa, relativamente aos interesses que passam a ser prosseguidos por cada uma das novas sociedades…”

1.97. Nessa mesma carta – de fls. 354 e 355 dos autos – solicitou-se à A. a inclusão como segurado na apólice n.º 754/50/1202, i.e., no contrato de seguro de créditos referido supra em 1.2., precisamente da CC …-Empresa Produtora de Papéis Industriais, SA.

1.98. A A. não sabe, e nem sabia antes da propositura desta ação, se existiram tais pagamentos suscetíveis de gerar esse seu direito à entrega – que corresponde à obrigação – por parte do segurado de quantias recebidas.

1.99. E bem assim desconhecia e desconhece a A. quais os exatos valores que possam ter sido recebidos pela sua segurada.

1.100. (eliminado)

1.101. (eliminado)

1.102. A A. interpelou inúmeras vezes a 1ª R. para que procedesse ao respetivo pagamento, sendo uma dessas vezes em 23-8-05 (cf. fls. 348), sendo que, até à data, o mesmo não foi, ainda, efetuado.

1.103. Com a realização de entradas em espécie, passaram da CC para a 2ª R. “as posições jurídicas em contratos celebrados” – cf. ata nº 6 de fls. 200, al. C) (fls. 219):

“As novas sociedades assumirão as posições jurídicas da CC, SA” nas situações que a cada uma competir, em quaisquer contratos, direitos de propriedade industrial, nacionais e estrangeiros, processos judiciais de qualquer natureza ou outras situações litigiosas pendentes ou que venham a ocorrer decorrentes dos bens, valores patrimoniais e pessoal para elas transferido.”

1.104 - Desde Junho de 93 a 1ª e 2ª RR. mantiveram relações comerciais.


II – Decidindo:

1. Da floresta de factos, alegações, argumentos, questões e até incidentes que foram suscitados nos autos que chegaram a esta última instância emerge, como verdadeiramente essencial, a questão acerca da verificação ou não dos requisitos do enriquecimento sem causa que permitam à A. (na sua qualidade de seguradora num contrato de seguro de crédito) obter da 2ª R. segurada (e também da 3ª R., por via do regime de solidariedade que emerge do CSC, atenta a detenção da totalidade do capital daquela 2ª R.), a restituição da quantia que lhe pagou mas que, no entanto, respeitava a um contrato de fornecimento que uma outra entidade, a CC, SA (ex-CC, EP), e não a agora 2ª R. (ex-CC …, SA), fizera à 1ª R. (ex-Fábrica de Papel …, SA).

Para a resolução dessa questão importa apenas uma reduzida parte dos factos que foram enunciados, de modo que não devemos enredar-nos em aspetos marginais que, afinal, apenas servem para obscurecer o que é fundamental.

Os factos essenciais podem ser assim sintetizados:

- A A. celebrou com a CC, EP (segurada), um contrato de seguro de crédito, sendo depois agregada ao mesmo contrato, como segurada, CC …, SA, que agora corresponde à 2ª R.

- Na vigência desse contrato de seguro, a CC, EP, forneceu à 1ª R. mercadorias no montante global de € 176.580,74, quantia que não foi paga no prazo devido.

Foi então que surgiu no radar deste relacionamento a 2ª R.

- Conquanto também fosse abarcada pelo contrato de seguro de crédito (como segurada), a então denominada CC …, SA, não era a credora da referida quantia, mas foi ela que declarou à A. a ameaça de sinistro resultante da falta de pagamento da referida quantia, obtendo da A. a indemnização contratual traduzida no pagamento e recebimento da quantia de € 91.654,11, correspondentes a PTE 18.375.000$00.

- A verdade é que a credora da 1ª R., ou seja, a CC, EP, entretanto demandara a 1ª R. numa ação judicial, tendo celebrado com esta uma transação que abarcou um crédito de montante mais elevado, mas que incluía o referido fornecimento. Provado ficou que a CC, EP, recebeu da 1ª R. o pagamento do valor correspondente ao fornecimento em causa nestes autos (1.39.).


2. Perante os singelos factos enunciados, não há qualquer dúvida quanto à verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa, nos termos dos arts. 473º e ss. do CC, na medida em que a A. acabou por efetuar o pagamento a uma empresa do grupo empresarial “CC” que não era a real credora da mesma.

Sendo verdade que a 2ª R. também era abarcada, como segurada, pelo contrato de seguro de crédito, a legitimidade, quer para a declaração do sinistro quer para o recebimento da indemnização que a A. deveria suportar, pertencia exclusivamente à fornecedora e credora CC, SA.

Não se entende, aliás, como, perante factualidade que (agora) já é tão clara, as 2ª e 3ª RR. recorrentes ainda insistem na legitimidade da 2ª R. para o recebimento sustentada no simples facto de também a 2ª R. ser segurada da A.

Parece cristalino que não pode nem deve confundir-se essa qualidade de segurada num contrato de seguro de crédito (que envolvia outros riscos inerentes a outros contratos que viessem a ser outorgados por qualquer das empresas seguradas) com a legitimidade para reivindicar e receber da A. o pagamento de uma concreta indemnização que tinha como contraponto um crédito que não lhe pertencia, mas que pertencia a outra entidade, a CC, SA.

Obviamente que quando nas condições da apólice se confere ao “segurado” o direito de reclamar alguma indemnização se deve interpretar tal cláusula no sentido de restringir esse direito ao segurado (de entre os que estejam abarcados pela apólice) que tenha a qualidade de credor prejudicado pela ameaça de sinistro que o seguro visa garantir.

Tendo a CC, SA, recebido, depois, da 1ª R., sua devedora, o pagamento da referida quantia, mas tendo sido a 2ª R. quem, afinal, declarara o sinistro e recebera da A. a indemnização, não existe outra forma de a A. satisfazer o seu direito ao reembolso do pagou à 2ª R. a não ser através da invocação do direito à restituição do indevido, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.

A afirmação da existência de um recebimento indevido da parte da 2ª R. não depende da existência de uma duplicação de pagamentos que tenha sido feita pela A., antes do singelo facto de a 2ª R. ter recebido, ao abrigo de um sinistro que tinha como sujeito prejudicado outra empresa, uma indemnização que não lhe era devida, sem que tivesse alertado a A. para a discrepância e subscrevendo documentação que tornava aparente a legitimidade substancial para o recebimento da quantia. Isto enquanto a 3ª R. vira satisfeito o direito de crédito que estava em causa da devedora que era a 1ª R.

O complexo empresarial que se formou em torno da reprivatização da “CC” e que se traduziu na constituição de diversas sociedades, com designações semelhantes, em função das áreas de negócio, terá estado na origem da confusão que se estabeleceu.

Ademais, para além de os fornecimentos terem partido das instalações de … (que passaram depois a integrar o património da 2ª R.), foi esta que participou o sinistro, que subscreveu a documentação necessária ao recebimento da indemnização e que encaixou essa indemnização, sem que tivesse alertado a A. para o facto de o crédito pertencer a outra sociedade, a CC, SA.

Verifica-se, pois que o recebimento da indemnização não encontra qualquer causa justificativa e que apenas pode explicar-se pelo facto – sem conteúdo suficiente para conduzir a uma justificação – de existir uma interligação empresarial entre as duas empresas seguradas que levou a que a A. efetuasse o pagamento a quem não detinha formalmente a qualidade de credor.


3. Resta apurar se se verifica ou não a prescrição invocada pelas recorrentes e negada pelas instâncias.

À semelhança do que está previsto, para o lesado, no art. 498º, nº 3, do CC, o direito à restituição do indevido por parte daquele que invoca o enriquecimento sem causa prescreve no prazo de 3 anos a contar do conhecimento do direito que lhe compete, nos termos do art. 482º do CC.

Existe alguma diferença entre os referidos preceitos, mas que não trazem para o caso concreto qualquer dificuldade. Com efeito, na responsabilidade civil extracontratual, o início do prazo de prescrição do direito de indemnização é independente do conhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, ao passo que no instituto do enriquecimento sem causa o prazo conta-se desde o momento em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável.

Traduzida esta expressão para uma realidade que mais nos aproxime do caso concreto, esse prazo conta-se a partir do momento em que a ora A. teve conhecimento de que, afinal, efetuara (erradamente) o pagamento da indemnização a quem não era o efetivo titular do respetivo direito.

Trata-se de um regime que, como já se explicitou no Ac. do STJ, 23-6-16, 54/14, relatado pelo ora relator, com intervenção do 1º adjunto (que, no entanto, incidiu sobre o direito de indemnização decorrente da responsabilidade civil extracontratual) veio encurtar o prazo geral previsto no art. 309º do CC para os direitos de crédito em geral.

O regime prescricional do enriquecimento sem causa procura compatibilizar os interesses do credor da indemnização e os do devedor, dando prevalência, através da redução do prazo normal, ao fator da segurança jurídica, consignando-se que o início de contagem do prazo para a restituição do indevido apenas exige do lesado o conhecimento do direito à restituição e a identidade do responsável.

Como se decidiu no Ac. do STJ, de 22-9-09, CJSTJ, t. III, p. 71, “o lesado terá conhecimento do direito que lhe compete quando se torne conhecedor da existência, em concreto, dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu”.


4. Defendem as recorrentes que a prescrição ocorreu, no máximo, em Fevereiro de 1998, uma vez que a A. sempre soube que a 2ª R. não era a titular do crédito que a indemnização visou, argumentando não apenas com a documentação que estaria na posse da A. como ainda com o teor do DL nº 39/93 sobre a reprivatização da CC.

Na realidade, as recorrentes procuram neste recurso de revista, em que, no essencial, se aprecia matéria de direito, retomar argumentos ligados à matéria de facto, sobrepondo-os ao que as instâncias (e especialmente a Relação) considerou provado e não provado.

Nesta ocasião, depois da discussão gerada ao longo deste longo processo, ficou claro que o direito de indemnização não pertencia à 2ª R., ainda que de certo modo contraditório com a alegada prescrição, as recorrentes continuem a jurar que a 2ª R. tinha legitimidade para receber a indemnização e que, por isso, nem sequer existiria o direito de repetição do indevido que foi reconhecido.

Porventura num mundo ideal em que todos tivessem estado atentos a todos os pormenores deste intrincado relacionamento, a A. deveria ter detetado o erro em que estava a incorrer, evitando o pagamento à 2ª R.

Mas estas considerações de ordem abstrata não podem ser opostas, nesta fase, à concreta realidade que ficou condensada na matéria de facto provada, recheada, ainda assim, de vasta documentação. Assim como não podem desconsiderar-se para o efeito os comportamentos evasivos das 2ª e 3ª RR. que mantiveram a A. no erro inicial, sem que lhe dessem informações precisas sobre a matéria, o que, aliás, mais uma vez, encontra sustentação no facto de a 2ª R. continuar a afirmar nesta ação que tinha o direito de exigir da A. o pagamento da indemnização que efetivamente recebeu, apesar de não ser a titular do crédito que deu origem à participação do sinistro.

Como pano de fundo, não podemos deixar de envolver este litígio no processo de reprivatização da CC e no subsequente processo de reestruturação que passou, além do mais, pela criação de empresas autónomas, em função das áreas de negócio, ainda que envolvidas no mesmo grupo empresarial encabeçado, primeiro, pela CC, SA, e, depois, pela CC, SGPS, SA.

A confusão de denominações sociais não pode deixar de ser ponderada e, nesta medida, entrar em consideração a favor da A., tanto mais que, como já se disse, o contrato de seguro abarcava tanto a CC, SA (ora 3ª R.), como a CC …, SA (ora 2ª R.). Ademais, os produtos fornecidos e que estiveram na génese do crédito e do acionamento do contrato de seguro provinham das instalações de …, integrados numa área de negócio que veio a ser a base da constituição da ora 2ª R.

Como segundo aspeto temos a atuação da ora 2ª R. na ocasião em que houve a participação do sinistro e o pagamento/recebimento da indemnização.

Afinal, como agora ainda continua a sustentar, arrogou-se a qualidade de credora e de beneficiária da indemnização decorrente da ameaça de sinistro e, depois, do sinistro que foi participado por si à A. (1.67. e 1.81.), em documentos com o timbre da sua denominação social, a que nem faltou sequer o reconhecimento notarial da assinatura de quem a representava (1.82. a 1.87.).

Mas existem ainda outros aspetos que relevam da matéria de facto provada e que obscurecem o que, numa perspetiva rigorista e formalista, agora é invocado pelas recorrentes (em simultâneo com a alegação de que, afinal, a 2ª R. tinha legitimidade para o recebimento da indemnização).

Depois de declarado o sinistro e paga a indemnização, a A., no pressuposto de que tinha efetuado o pagamento da indemnização a quem tinha efetiva legitimidade para tal, não deixou cair o assunto, na medida em que se considerava titular do direito de sub-rogação perante a devedora (isto é, perante a 1ª R.).

Tendo esta sido demandada numa ação que foi intentada pela CC, naquele pressuposto – errado, como agora se verifica – a A. insistiu junto da 2ª R. por informações relacionadas com a cobrança do crédito (1.16), mas até à contestação que esta ação foi apresentada pelas 2ª e 3ª RR.,  a A. desconhecia se o crédito havia sido efetivamente cobrado e por quem (1.17.).

Em nenhuma das comunicações que foram trocadas entre a A. e a 2ª R. esta assumiu ou esclareceu que a titular do crédito que foi objeto de acionamento pela 2ª R. afinal era a CC, SA., tanto assim que a ação foi proposta numa base em que se mantinha essa versão dos acontecimentos, a qual apenas foi modificada, através de ampliação do pedido e da causa de pedir, depois da contestação apresentada pelas 2ª e 3ª RR.

Factos suficientes para nos levarem a concluir que, pese embora o longo período decorrido desde que foi efetuado o pagamento à 2ª R., eivado de erro quanto à qualidade do beneficiário, quando as RR. foram citadas para a presente ação ou, mais rigorosamente, quando foram notificadas da ampliação da causa de pedir sustentada no enriquecimento sem causa, ainda não havia decorrido o prazo de 3 anos previsto no art. 482º do CC, confirmando-se, assim, a decisão que julgou improcedente a exceção de prescrição do direito à repetição do indevido.

Valem aqui inteiramente as conclusões que por exemplo foram extraídas no Ac. do STJ 11-12-12, 200/08, em www.dgsi.pt: o conhecimento do direito “equivale à consciência da possibilidade legal de ressarcimento dos danos; para que ocorra esse conhecimento para o efeito daquela prescrição necessário é que o empobrecido tenha consciência da existência cumulativa dos três requisitos para aquela restituição: um enriquecimento, a carência da causa justificativa do mesmo e que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição”.


5. As RR. insurgem-se ainda contra a sua condenação como litigantes de má fé.

Ocorre, porém, que tal matéria admite sempre um grau de recurso, mas nada permite concluir que, a esse respeito seja assegurado o triplo grau de jurisdição, como vem sendo decidido por este Supremo (Acs. de 16-1-14, 1279/98, de 27-5-10, 5387/05 e 19-2-08, 07A2669), posição que também já foi assumida pelo ora relator em Recursos no , 4ª ed., p. 62).

Nesta parte, está este Supremo impedido de reapreciar o acórdão recorrido.


IV – Face ao exposto, acorda-se em:

a) Rejeitar a reapreciação do acórdão recorrido na parte referente à litigância de má fé;

b) Julgar improcedente, no mais, a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas da revista principal a cargo das recorrentes.

Notifique.

Lisboa, 22-3-18


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo