Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1524/12.2TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
NULIDADE
PROPRIETÁRIO
DIREITO DE VOTO
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
REPRESENTAÇÃO
ABUSO DO DIREITO
Data do Acordão: 12/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE HORIZONTAL / CONSTITUIÇÃO / DIREITOS E ENCARGOS DOS CONDÓMINOS / ADMINISTRAÇÃO DAS PARTES COMUNS DO EDIFÍCIO.
Doutrina:
-Calvão da Silva, Locação financeira e garantia bancária, p. 20 ; Direito Bancário, p. 426 e 427;
-Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3ª edição, 460, 463 e 467;
-Gravato Morais, Manual da Locação Financeira, p.113 a 116;
-Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, p. 858 e ss. ; Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2005, p. 103 e 106 ;
-Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 2ª edição, p. 511 e 512;
-Paulo Mota Pinto, Teoria Geral de Direito Civil, 4.ª edição, p. 551, 619 e 620;
-Pedro Santos, Revista de Direito Civil, n.º 0 (2015), p.200;
-Pestana de Vasconcelos, A locação financeira, p.277;
-Rui Pinto Duarte, O Contrato de Locação Financeira, 2010, p.5 a 7;
-Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2ª. edição, p.215;
-Urbano Dias, Revista, Direito, Lusíadas, n.º12, p.340 e 342.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1419.º, N.º 1, 1420.º E 1430.º, N.º 2.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA, APROVADO PELO DL N.º 149/95, DE 24-06: - ARTIGOS 9.º, N.º 2, ALÍNEA A) E 10.º, N.º 2, ALÍNEA E).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 14-02-2008, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-02-2013, IN SUMÁRIOS, 2013, P.86, WWW.STJ.PT;
- DE 21-11-2016, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-02-2017, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A qualidade de condómino é inerente à propriedade exclusiva da fração autónoma, pelo que só o proprietário desta pode participar na assembleia de condóminos, com direito a voto (arts. 1420.º e 1430.º, n.º 2, do CC).
II - O locatário financeiro pode exercer, na locação de fração autónoma, os direitos próprios do locador, com exceção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos (art. 10.º, n.º 2, al. e), do DL n.º 149/95, de 24-06).
III - O direito de participar em assembleia de condóminos em que se discute a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal é um direito próprio do locador financeiro, que, pela sua natureza – visando defender a integridade do bem –, apenas por ele pode ser exercido (art. 9.º, n.º 2, al. a), do DL n.º 149/95).
IV - É nula a deliberação da assembleia de condóminos que modifica o título constitutivo da propriedade horizontal, sem a presença de um condómino – o locador financeiro – não convocado para a assembleia nem representado, de nenhum modo, pelo locatário e de cujo teor apenas teve conhecimento dois anos depois –, dado não ter sido tomada por unanimidade, como exige, imperativamente, a norma do art. 1419.º, n.º 1, do CC.
V - Não agem com abuso do direito os autores que peticionam a nulidade da deliberação referida em IV, quando a votaram favoravelmente, porém, no pressuposto de que o prédio teria determinadas obras, e toleraram, na assembleia de condóminos que a tomou, a presença do locatário financeiro, que nela votou em nome próprio e como se fosse titular do direito, não se tendo demonstrado que (i) sabiam que este não tinha direito de voto; e, (ii) apesar desse conhecimento, aceitaram a sua intervenção.


Decisão Texto Integral:


Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório
1. AA e mulher, BB, CC e mulher, DD, e EE, intentaram ação comum contra FF, SA,  GG, SA,  HH e mulher, II, JJ e mulher, LL, e MM, Lda, pedindo que seja:
- declarada a nulidade da deliberação de afetação do terraço da cobertura, em exclusivo, à fração designada pela letra “R”, cancelando-se o respetivo registo;  
- declarada a nulidade da deliberação de aprovação de afetação e conversão do torreão em parte própria da fração “R”, cancelando o respetivo registo;
- declarada a nulidade das modificações ao título constitutivo da propriedade horizontal;
- condenados os 4ºs e 5ºs réus a reparar os danos provocados com as obras de substituição do elevador.
            Alegam, em síntese, que:
- são todos proprietários de frações autónomas de um prédio sito em Lisboa, constituindo conjuntamente com o Banco ...., a totalidade dos proprietários;   
- em assembleia de condóminos de 29 de junho de 2010 foi deliberado atribuir o uso exclusivo da parcela de terraço que é comum à fração autónoma propriedade dos 4ºs réus e converter o torreão do edifício em parte própria da mesma fração;
- essas deliberações, contrariamente ao que ficou a constar da respetiva ata, não foram aprovadas pela totalidade dos condóminos, uma vez que um dos intervenientes era o locatário financeiro da fração propriedade do referido Banco, não se tendo este feito representar;
- para que os autores tomassem a decisão de aprovar as alterações à propriedade horizontal foi determinante a intervenção, na referida assembleia, de uma senhora que os induziu a crer que era a futura compradora da fração dos 4ºs réus, levando-os a crer que essa aprovação era um ato de simpatia para com ela;
- as obras que aprovadas como contrapartida da alteração da propriedade horizontal não chegaram a ser integralmente concretizadas e as que foram realizadas para a substituição do elevador causaram danos nas partes comuns;
- as deliberações são inválidas seja por anulabilidade com fundamento em erro, seja por verificação do vício da nulidade.

 Os Autores requereram a intervenção principal, como seu associado, do Banco ..., S.A.

2. Contestaram os 1º, 2º, 4ºs e 5º RR., sustentando, nomeadamente, a validade das deliberações impugnadas, tendo os 4ºs e 5º RR. excepcionado a ilegitimidade dos Autores, a sua ilegitimidade, a caducidade do direito de ação e o abuso de direito, e pedido a condenação dos Autores como litigantes de má fé por conhecimento da manifesta falta de fundamento da sua pretensão – concluindo pela improcedência da ação e os 1º e 2º R.R. deduziram, ainda, pedido reconvencional.


3. Admitida a respetiva intervenção, o Banco ... SA, apresentou articulado, afirmando não ter sido convocado, na qualidade de condómino, para a assembleia em causa.

4. Realizou-se a audiência prévia, onde foi proferido despacho de indeferimento liminar do pedido reconvencional, fixado o valor da ação e saneado o processo (julgada improcedente a exceção de ilegitimidade ativa, julgada sanada a ilegitimidade passiva e improcedente a caducidade).

5. Efetuado julgamento, foi proferida sentença, na qual se considerou a ação parcialmente procedente, declarando-se:
- a nulidade da deliberação obtida na assembleia de condóminos de 29 de julho de 2010 do prédio sito na ... e ..., em Lisboa, de aprovação da afetação, na sua totalidade, do uso do terraço de cobertura desse prédio, em exclusivo, à fração autónoma designada pela letra “R”;
- a nulidade da deliberação, obtida na mesma assembleia, de afetação e conversão do torreão do prédio em parte própria da fração autónoma designada pela letra “R”;
- a nulidade da alteração do título constitutivo da propriedade horizontal consequente a essas deliberações e ordena-se o cancelamento do respetivo registo, efetuado em 17 de fevereiro de 2012.

6. Não se conformando com esta decisão, os Réus JJ e LL e MM, Lda. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

7. A Relação de Lisboa veio a julgar improcedentes os recursos de apelação, mantendo a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.

8. Inconformados com tal decisão, os Réus/Apelantes vieram interpor o presente recurso de revista (que foi liminarmente admitido pela formação de Juízes a que alude o nº3 do artigo 672º do Código de Processo Civil) formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

- Recorrentes JJ e LL -

1ª. O acórdão de 17/12/2015 não pode subsistir, pois:
a) A escritura de alteração da propriedade horizontal do prédio identificado nos Factos Provados sob o n.º 1, foi outorgada em 16/02/2012, em execução das deliberações de condóminos do prédio tomadas por unanimidade em 29/07/2010;
b) O voto emitido nessas deliberações, imputável à fracção "I", vale como o acordo por parte daquela fracção à alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, pelo menos na relação com os ora Recorrentes;
c) Mesmo que não valesse, o vício daí resultante para as deliberações sempre seria a mera anulabilidade, nunca nulidade ou tão pouco ineficácia;
d) E, em qualquer caso, à procedência do vício das deliberações (fosse ele de nulidade, anulabilidade ou mesmo ineficácia) sempre obstaria o abuso de direito.

  2ª. Não obstante O acórdão recorrido haver confirmado, sem votos de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença da 1.ª instância, estão, ainda assim, reunidos os pressupostos para que a presente revista excepcional seja admitida nos termos e com os fundamentos expostos supra nos pontos 3. a 44., o que se requer.

  3ª. Pressupondo a admissão desta revista excepcional, as questões a resolver neste recurso são as seguintes:

  a) Pode o locatário financeiro aprovar deliberações de condóminos que alterem o título constitutivo da propriedade horizontal?

  b) Toda a deliberação de condóminos que viole o art. 1419º., nº1 (norma imperativa) está inevitavelmente ferida de nulidade?

  c) A modificação do título constitutivo da propriedade horizontal. com violação do art. 1419º, nº1, impede o funcionamento do abuso de direito mesmo contra os condóminos que, tácita ou expressamente, aceitaram modificá-lo?

    4ª. Em relação à primeira questão, há que começar por dizer que a matéria de facto permite concluir, sem sombra de dúvida, que nas deliberações modificativas do título constitutivo de 29/07/2010, como nas anteriores de 26/05/2009 e 07/07/2009, que tiveram igual propósito, o locatário financeiro sempre foi visto por todos os condóminos e pela administração como quem legitimamente «representava» a fracção "I", independentemente de estar a actuar nome próprio, em nome de outrem ou sob o nome de outrem.

             5ª. Feita exta contextualização, podemos agora afirmar que, por força do art.10.º, n.º 2, e) do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho, na sua redacção actual, é ao locatário financeiro que compete exercer os direitos próprios do locador em relação à fracção autónoma, tendo este assim legitimidade para aprovar as deliberações em causa, não se verificando qualquer violação do art. 1419º. do Código Civil por ter sido ele a estar na assembleia e não o locador.

                6ª. Em qualquer caso, e tão importante quanto o que acima ficou dito, a matéria de facto provada demonstra (ainda) uma tolerância absoluta do locador financeiro em relação à representação que em seu nome vinha sendo exercida pelo locatário financeiro da fracção "I", a qual determina que o mesmo esteja vinculado ab initio pela deliberação, uma vez que nos termos do art. 334.º constituiria um verdadeiro venire contra factum proprium pôr posteriormente em causa a representação que sempre tolerou.

7ª. Passando para segunda questão objecto do recurso, mesmo que não existisse a apontada representação tolerada. a suposta falta de acordo do BBVA não conduz à nulidade mas a mera anulabilidade das deliberações em causa, como tal inoponível aos 4.ºs Réus pelos Autores. que careceriam de legitimidade para o efeito.

8ª. De facto, a entender-se que o acordo do locatário financeiro não teria sido suficiente e que continuaria a ser exigida a autorização do locador financeiro para estas deliberações concretas, tal não afectaria nos termos gerais a validade da representação da fracção "I" efectuada pelo locatário financeiro, havendo nesse caso apenas um abuso de representação. nos termos do art. 269.º, que poderia ser invocado única e exclusivamente pelo BBVA, nunca pelos Autores. E mesmo pelo BBVA, não poderia sê-lo, como veremos abaixo.

9ª. Ainda que se considere que o caso sob análise não configura abuso de representação, insiste-se que o desvalor das deliberações associado à suposta violação da regra da unanimidade do art. 1491.º. n.º 1, nunca poderia ser a nulidade mas a anulabilidade simples, inoponível aos 4.ºs Réus pelos Autores, que continuariam a carecer de legitimidade para o efeito.

10ª. A respeito do alegado desvalor das deliberações, o acórdão recorrido denota uma confusão manifesta, mas inaceitável, entre normas imperativas e normas dispositivas, por um lado, e entre inderrogabilidade e inviolabilidade, por outro. Uma leitura do texto de Vasco Lobo Xavier, "Invalidade e ineficácia das deliberações sociais no projecto de Código das Sociedades", Separata da RLJ, 118.º, 1985, n.º15, que se recomenda, de certeza que teria dissipado a confusão, tal é a clareza da exposição.

11ª. Normas imperativas são aquelas cuja disciplina, atenta a importância dos interesses tutelados (indisponíveis por natureza), se impõe às partes, de forma que nem sequer por acordo destas é possível estabelecer disciplina oposta ou divergente àquelas, ou seja são as também chamadas normas inderrogáveis. Pelo contrário, as normas dispositivas são, à partida, as susceptíveis de derrogação pelas partes.

12ª. O que distingue umas das outras não é o facto de umas não poderem ser violadas (supostamente as imperativas) e outras poderem sê-lo (supostamente as dispositivas). O que as distingue é, como se viu, a susceptibilidade de o respectivo conteúdo (entenda-se, disciplina legal) poder ser afastado, ou não, pois, violável, toda a norma jurídica o pode ser por natureza.

13ª. Esqueçamos por ora as normas dispositivas e foquemo-nos apenas nas imperativas, para dizer que a sua derrogação é cominada com a nulidade. Já à mera violação de uma norma, ainda que imperativa, corresponde apenas anulabilidade.

14ª. É o conteúdo da norma imperativa que justifica a diferença do desvalor do acto que a viola. A norma imperativa não visa proteger apenas os interesses das partes actuais, mas também das partes futuras, de terceiros e o interesse público em sentido estrito. É neste contexto que foi acolhido na doutrina, na jurisprudência e na lei o princípio de que "só há nulidade (...) quando a contrariedade a normas imperativas se traduz no conteúdo - e não no procedimento, no modo ou processo de formação - das deliberações."

15ª. É por este motivo que não tem razão o acórdão recorrido, a qual se limitou a dizer simplesmente que as deliberações de 29/07/2010 são nulas porque alegadamente violaram o art. 1419.º, n.º1 (norma indubitavelmente imperativa), sem atender também ao modo como a violação se teria configurado.

16ª. Não tendo as deliberações, supostamente inquinadas, afastado com carácter de permanência a disciplina do art. 1419.º, n.º1, é inquestionável que, na hipótese em apreço, a ofensa daquele "preceito imperativo, afecta interesses (e interesses disponíveis) daqueles que no momento" da aprovação da deliberação eram condóminos, "interesses, portanto, que, por via de regra (e é o que sucede aqui) tais" condóminos "perfeitamente podem defender através de acção anulatória".

17ª. Assentemos na terminologia que as deliberações que derrogam preceitos de natureza imperativa são nulas. Já as que apenas violam tais preceitos, sem os derrogar, são meramente anuláveis.

18ª. Podemos assim concluir que o vício resultante da pretensa falta de acordo do BBVA não é susceptível de ser impugnado nos termos gerais do art. 286º, nem tão pouco do art. 287º., pois, não obstante ser um caso de anulabilidade (e não de nulidade) é aqui aplicável - ao abrigo da ressalva inicial do art. 285º. - o regime especial de anulabilidade previsto no art. 1433º, nº1, obviamente temperado pela regra prevista no art.178º, nº2, cuja aplicação analógica nestes casos não oferece qualquer dúvida, até em coerência com o disposto no art.380º., nº.3 do CPC, aplicável na propriedade horizontal por remissão do 1433º., nº5.

19ª. Abordada a questão por estas duas perspectivas (a da representação aparente e da existência, quando muito, de mera anulabilidade), sempre se conclui que os Autores ­que, em qualquer caso, aprovaram livremente as deliberações visadas - carecem de legitimidade para impugná-Ias com fundamento na falta de acordo do BBVA.

20ª. Cumpre referir ainda que não se coloca qualquer dúvida quanto à licitude do conteúdo das deliberações de 29/07/2010, designadamente não lhe é apontada a derrogação de nenhuma das normas imperativas habitualmente indicadas pela doutrina e jurisprudência como geradoras de nulidade, máxime o art.1415.º.

21ª. Por outro lado, a interpretação das normas acolhida pelo tribunal a QUO - segundo a qual violação do art.1419.º, n.º1, mesmo quando é meramente procedimental, acarreta a nulidade da deliberação nos termos gerais dos arts. 286.º e 294.º, arguível por qualquer interessado e até suscitável oficiosamente pelo tribunal; ao passo que a violação do art.1415.º, por sinal muito mais gravosa dado estarem em causa interesses indubitavelmente de ordem pública, apenas poderia ser arguida pelos condóminos e pelo Ministério Público - choca frontalmente com a presunção prevista no art. 9.º. n.º 3. pelo que não poderia deixar de ser julgada errada.

22ª. Mesmo no que respeita ao direito de o ... opor aos Autores a suposta falta do seu acordo, repete-se que, quando muito, há apenas um abuso de representação, nos termos do art. 269.º, que teria de ser invocado pelo banco para considerar o negócio ineficaz em relação a si e apenas perante os outros condóminos junto dos quais o locatário exerceu o voto, isto se estes conhecessem ou devessem conhecer tal abuso de representação, o que não sucedeu como se infere e resulta claramente da factualidade provada.

23ª.Quanto aos 4ºs. Réus, não sendo eles os declaratários do voto emitido pelo locatário, porque não eram condóminos à data das deliberações, nem sequer se coloca a questão da oponibilidade da ineficácia resultante do abuso de representação. Os 4ºs Réus não tinham, por isso mesmo, qualquer forma de conhecer o abuso, nem estavam obrigados a tal.

24ª. Por outro lado, considerando que, segundo o banco declarou em tribunal e se infere do seu comportamento antes e depois de tomar conhecimento das deliberações, a declaração de nulidade era-lhe mais ou menos indiferente, pois aquelas não lhe causaram qualquer impacto nem representam risco para o seu negócio, é forçoso concluir que sempre faltaria ao ... um pressuposto essencial para as poder impugnar, o chamado interesse em agir.

25ª. Em qualquer caso, o eventual direito de o ... impugnar as deliberações (fosse o vício de anulabilidade ou ineficácia, não importa para aqui), já teria caducado à data em que interveio nos autos, seja à luz das regras especiais do art.1433º., ainda que mitigadas pelo art.178º. (aplicável às deliberações de condóminos por analogia), seja nos termos gerais do 287º., que já vimos não serem aplicáveis ao caso. Aliás, é a própria letra do art.1433, nº. 2, in fine ("para revogação das deliberações inválidas e ineficazes") que aponta claramente no sentido de que também as deliberações ineficazes estão sujeitas ao mecanismo e prazos de impugnação estabelecidos no art.1433º..

26ª. Por último, abordando a terceira questão que há conhecer neste recurso, a eventual invalidade das deliberações ou a sua ineficácia em relação ao locador financeiro nunca seriam oponíveis aos 4ºs Réus, uma vez que estes são terceiros de boa fé protegidos pela figura do abuso de direito.

27ª. Sem prejuízo de a alegada falta de acordo do ... poder configurar, pelo menos em teoria, um caso de abuso de representação do locatário financeiro (art.269º.) ou, quando assim não se entenda, de mera violação da regra da unanimidade (art.1419º., nº.2), a conclusão a que se chega, vista a questão pelos dois ângulos, é sempre a mesma: a anulação ou declaração de ineficácia das deliberações não pode prejudicar os direitos que terceiros de boa fé hajam adquirido em execução das citadas deliberações (cfr. arts. 269º. e 179º., aplicável por analogia no âmbito das deliberações de condóminos).

28ª. Em cima de tudo de isto e, porventura, é aqui que o acórdão recorrido pior andou, não se pode deixar de considerar que a declaração de invalidade ou de ineficácia das deliberações de 29/07/2010 sempre seria ilegítima por corresponder ao exercício de direitos em termos que excedem manifestamente os limites impostos pela boa fé, constituindo violação grosseira do princípio da protecção da legítima confiança dos 4º.s Réus.

29ª. A factualidade provada demonstrada inequivocamente que os condóminos Autores deram o seu acordo expresso à alteração do título constitutivo, votando favoravelmente as deliberações de 29/07/2010 e assinando a respectiva acta.

30ª. Demonstra ainda que os Autores reconheceram ao longo de anos a qualidade de condómino ao locatário financeiro. Recorde-se que, em 27/01/2012, apenas seis meses antes de porem essa qualidade em causa junto dos tribunais, os Autores assinaram, em conjunto com o locatário financeiro, uma carta dirigida à administração do prédio, em que comunicavam que "os signatários, que na reunião de 29 de Julho de 2010 concederam poderes à Dra. NN para proceder à alteração do Título Constitutivo da Propriedade Horizontal, decidiram agora retirar-lhe esses mesmos poderes".

31ª. Com a sua actuação, os Autores criaram junto dos outros condóminos e dos terceiros que tiveram acesso à acta em questão, designadamente os 4º.s Réus, uma justificada confiança e investimento na validade das deliberações, o qual se traduziu em gastos consideráveis (não só com a aquisição e reabilitação da fracção "R", mas também com avultadas contrapartidas acordadas e já entregues ao condomínio e ainda com as dispendiosas obras que os 4º.s Réus executaram nas partes comuns do edifício à sua única custa e que em muito melhoraram o prédio), pelo que agora estão impedidos, em virtude da proibição do venire contra factum proprium pelo art. 334º., de solicitar agora a anulação dessas deliberações.

32ª. No caso particular do BBVA, a indiferença perante os assuntos do condomínio, a tolerância para com a actuação do seu locatário e a falta de reacção atempada perante o conhecimento das deliberações em causa, leva-nos mesmo a poder dizer que, fruto da situação de confiança para a qual contribuiu largamente, o banco perdeu o direito a impugnar as deliberações (supressio) e os 4º.s Réus, por contraposição, adquiriram o direito a oporem-se à sua impugnação pelo Banco com fundamento na violação da regra da unanimidade (surrectio).

33ª. Em suma, o acórdão recorrido conduziu a um resultado manifestamente injusto, permitindo que os Autores, sem benefícios assinaláveis, se prevaleçam de uma situação para a qual também contribuíram, ao aprovarem as deliberações declaradas nulas, isto em grave prejuízo dos ora Recorrentes, que, de boa fé, adquiriram direitos sobre a fracção "R" por 375 mil euros, no pressuposto de que tinha a composição resultante das aludidas deliberações, e ali investiram várias centenas de milhares de euros, quer na reabilitação da casa propriamente dita, quer na reabilitação das partes comuns do edifício (cobertura do torreão e terraço de cobertura), partes onde já despenderam pelo menos 140 mil euros.

Conclui pela procedência do recurso, com a revogação do “Acórdão recorrido e a sua substituição por outro que, com base nas razões de direito atrás expostas, julgue improcedente a ação.”

- Recorrente MM, Lda. –

1ª. A locação financeira é um contrato de financiamento em que a propriedade da fração "I" pelo locador financeiro tem uma função de garantia do cumprimento das obrigações contratuais do locatário, pelo que a medida em que o conteúdo do direito de propriedade do locador pode ser modelado pelo ato de modificação da propriedade horizontal deve ser apreciada à luz da natureza garantística e das concretas alterações do título constitutivo da propriedade horizontal.

2ª. As alterações à propriedade horizontal deliberadas na assembleia de 29 de Julho de 2010 não importaram a alteração da composição da fração "I" ou da sua permilagem e tiveram como contrapartida uma redução dos custos de conservação e manutenção do torreão e do terraço que anteriormente estavam a cargo do condomínio, não sendo, por isso, suscetíveis de condicionar o valor da fração ou aptidão para o fim a que se destina, conforme foi comprovado pelo banco ..., que depois de tomar conhecimento das deliberações fez uma avaliação do risco dessas alterações e concluiu que não tinha qualquer impacto no seu direito de proprietário jurídico enquanto locador financeiro.

3ª. A concreta alteração do título constitutivo de propriedade horizontal, consignada nas deliberações aprovadas na assembleia de condóminos de 29 de Julho de 2010, não corresponde a direito que, pela sua natureza, só pode ser exercido pelo locador, enquanto proprietário jurídico da coisa, estando também ao alcance do locatário financeiro.

4ª. Assistia ao locatário financeiro o direito de participar e votar na assembleia de 29 de Julho de 2010, aprovando as deliberações nela tomadas e garantindo a unanimidade exigida pelo artigo 1419º, nº 1, do CC.

5ª. A falsidade da ata sustentada pela sentença recorrida - ao dar como presente na assembleia, para efeitos da unanimidade requerida pela lei, um representante do proprietário da fração sob a letra "I", quando resultou provado que quem esteve presente por parte desta fração foi o locatário financeiro do imóvel - não comporta a invalidade das deliberações e, consequentemente, da modificação da propriedade horizontal, porque materialmente não lhe corresponde a preterição da unanimidade dos condóminos, pelo que o vício da ata não se transmitiu à escritura pública de modificação da propriedade horizontal.

Ainda que assim não se entenda, e que vingue a tese sustentada pela sentença recorrida da nulidade (ou anulabilidade) das deliberações e da escritura de modificação da propriedade horizontal,

6ª. Resulta dos pontos 19, 32 e 33 dos factos provados que o Dr. OO apresentou-se nas assembleias de condóminos de 26 de Maio de 2009, 7 de Julho de 2009 e 29 de Julho de 2010 como o legítimo representante da fração "I", tendo votado e aprovado, em todas elas, em nome próprio da sociedade locatária financeira que representava, modificações à propriedade horizontal.

7ª. A legitimidade e poderes do Dr. OO para intervir nas ditas assembleias nunca foi posta em causa por nenhum dos restantes condóminos ou pela administração do condomínio, criando em todos - recorrente, quartos réus e administradora do condomínio que viria a outorgar, em cumprimento das deliberações tomadas e em representação do condomínio, a escritura de modificação do título constitutivo da propriedade horizontal - a convicção de que a sua participação através do exercício do direito de voto era perfeitamente válida e eficaz.

8ª. A circunstância de a relevância e efeitos da figura da representação aparente serem menos amplas e intensas no domínio do direito civil, relativamente ao que ocorre em direito comercial, não significa que não possam verificar-se situações excepcionais em que a tutela da fundada confiança do terceiro de boa fé na existência de poderes representativos de quem outorgou no negócio imponha a vinculação do próprio representado aos efeitos do acto - como ocorrerá, nomeadamente quando a desprotecção do terceiro traduzisse uma insuportável lesão da confiança, incompatível com os ditames da boa fé e com a proscrição do abuso de direito, decorrente da simultânea existência de uma muito fundada aparência de poderes representativos e de uma reprovável negligência do representado na criação dessa mesma aparência fundada.

9ª. No caso dos autos, o Dr. OO aparentava razoavelmente ter poderes para representar a fração "I", criando, fundadamente, na recorrente, nos quartos réus e na administradora do condomínio - de boa fé - uma situação de fundada confiança na sua legitimação substancial, que os levou a cumprir as contrapartidas previstas nas deliberações de 29 de Julho de 2010 (no caso da recorrente), efectuar um elevadíssimo investimento com a aquisição da fração "R" e recuperação da totalidade do terraço de cobertura e torreão do prédio, com vista à sua afectação e integração na fração "R" (no caso dos quartos réus) e outorgar a escritura de alteração da propriedade horizontal (no caso da administradora do condomínio).

10ª. A ilegalidade procedimental cometida - traduzida na falta de poderes de representação do banco para participar e voltar na assembleia de 29 de Julho de 2010, de acordo com a tese do Tribunal a quo - é primacialmente imputável à falta de diligência do próprio ..., no controlo da actividade do locador financeiro, criando justificadamente tal omissão, na pessoa da recorrente, dos quartos réus e da administradora do condomínio, uma muito fundada e consistente aparência de poderes representativos por parte do Dr. OO.

11ª. As necessidades de tutela da confiança determinam, pois, a sujeição do pretenso representado ­... - aos efeitos do acto praticado a coberto dos aparentes poderes de representação - as deliberações em crise nos autos -, pois não seria proporcional e adequado fazer repercutir todas as consequências da referida ilegalidade procedimental exclusivamente sobre a esfera jurídica da recorrente e dos quartos réus, terceiros de boa fé, que confiaram justificadamente na legitimação substancial de quem lhes foi apresentado como detentor da qualidade de representante da fração

12ª. O comportamento dos autores consubstancia abuso de direito procedente contra a invalidade das deliberações, na modalidade de venire contra factum proprium, que se traduz, no caso do ..., no facto de ter tolerado a representação do Dr. OO nas assembleias de condóminos realizadas nos termos atrás descritos e, no caso dos restantes recorridos, no facto de terem votado, de modo esclarecido e consciente, favoravelmente às alterações da propriedade horizontal, mediante contrapartidas que já foram integralmente cumpridas, conduzindo a recorrente a suportar o respectivo custo e os quartos réus a adquirir a fração "R" e a realizar elevado investimento em partes comuns do edifício, vindo agora, através da presente acção, peticionar a invalidade (seja por anulabilidade seja por nulidade) das deliberações que aprovaram.

13ª. A ora recorrente e os quartos réus agiram sempre de boa fé, pelo que a invalidade das deliberações nunca poderia prevalecer sobre os direitos adquiridos com base numa legítima e fundada confiança criada pelo comportamento do ..., dos restantes recorridos que, independentemente de qualquer ilegalidade procedimental, aprovaram conscientemente as deliberações em crise, e do Dr. OO, na qualidade de gerente da locatária financeira, merecendo tal confiança tutela e não lhe sendo, por isso, oponível qualquer eventual invalidade das deliberações.

14ª. Porque o próprio ..., com a posição assumida nos autos, atua em abuso de direito, falece o argumento da sentença recorrida quando sustenta que não se pode julgar procedente o abuso de direito dos autores sobre o seu direito a invocar a nulidade das deliberações, porque a essa nulidade serve primacialmente os interesses do interveniente principal ... e de outro modo ficaria proscrito o próprio direito do banco a arguir a invalidade das deliberações.

15ª. A sentença recorrida e consequentemente o acórdão recorrido enfermam de erro de julgamento, quanto ao enquadramento jurídico dos factos considerados provados, violando frontalmente os artigos 334º., 284º. e 1419º, nº.1 do CC e o artigo 10º., nº. 2, alínea e) do regime jurídico da locação financeira, aprovado pelo DL nº.149/95, de 24 de Junho, na redacção dada pelo DL nº. 30/2008, de 25 de Fevereiro, ao concluírem que a primeira daquelas disposições não é aplicável ao caso dos autos, o que consubstancia erro na determinação da norma aplicável, e as restantes são.

16ª. O recurso deve ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e anulando-se a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, que deverá ser substituída por decisão que julgue a acção totalmente improcedente, absolvendo os réus de todos os pedidos.

9. Os Recorridos AA e BB, CC e DD e EE contra-alegaram, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões – excluem-se as conclusões que se referiam ao recebimento do recurso de revista, que veio a ser admitido pela formação dos Juízes a que se reporta o nº3 do artigo 672º do Código de Processo Civil - :

16ª. No entanto, ainda que assim não se entenda o que por mera cautela de patrocínio se admite sempre cumprirá concluir que no que concerne à análise do Regime Jurídico da Locação Financeira, o locatário financeiro da fração I, enquanto proprietário meramente económico, exerce os direitos previstos no Art.o10, nº. 2 do referido regime, bem como todos os poderes relativos às relações com outros condóminos e com a administração do condomínio, mas, apenas nessa medida.

17ª. Em tudo o mais que vá além desse exercício regular, não pode, de forma alguma  exercer os direitos que pela sua natureza possam somente ser exercidos pelo proprietário pleno e jurídico do imóvel, a saber o locador, in casu, o BBVA, como seja o direito de participar em deliberações que tenham por objecto o direito de propriedade do locador.

18ª. O parecer junto com o Recurso de Apelação, salvo o devido respeito, não poderá colher entendimento face à defensabilidade de uma incoerência entre a posição jurídica do locatário financeiro e do locador, devendo consignar-se que o locatário financeiro mais não é do que alguém que tem na sua esfera jurídica, apenas o gozo e a fruição da coisa locada mediante uma retribuição económica, pelo que não se podem aceitar argumentos atinentes à consagração e equiparação dos efeitos jurídicos do contrato de compra e venda aos efeitos do contrato de locação financeira, por motivos óbvias.

19ª. Neste sentido, entende também Sandra Passinhas, que nos diz que "nos termos do artº.10º., nº.1, al. e) do DL nº.149/95, de 24 de Junho […], o locatário exerce, na locação da fração, os direitos próprios do locador, com exceção dos que, pela sua natureza, somente possam por aquele ser exercidos. Nos direitos próprios do locador, entendemos que cabe o direito de voto na assembleia de condóminos", em A Assembleia de Condóminos e a Administração na Propriedade Horizontal, 2ª ed., Almedina, a pág. 237.

20ª. Note-se que é a própria lei a dizer que "cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence […]” (Artº1420, nº1 do CC), e é aos condóminos que pertence o poder deliberativo e decisório na assembleia de condomínio (cfr., ainda, Arts. 1430 e 1432), posição sustentada pelo Ac. ReI. do Porto, de 26.10.2006, relator Fernando Baptista que nos diz que o "direito de voto na assembleia de condóminos relativamente a frações objeto de contratos de locação financeira pertence ao locador e não ao locatário, dado que é aquele o proprietário das frações enquanto tal locação se mantiver”.

21ª. Assim, concluímos pelo entendimento de que o locatário financeiro exerce os direitos próprios e afinados aos de um contrato de arrendamento, conforme pugnou a decisão do tribunal a quo.

22ª. Refira-se ainda autónoma e relativamente às alegações apresentadas petos Recorrentes JJ e LL, em que argumentam que as partes comuns eram de difícil acesso, que o facto de os condóminos não usarem as partes comuns, tal não determina de forma alguma que estas partes comuns deixem de fazer parte integrante do seu direito de propriedade e, obviamente influenciam assim o valor comercial das frações.

23ª. O Artº.1419, nº1 do C.P.C, dispõe que a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal só pode ocorrer mediante acordo de todos os condóminos, entendendo-se por condómino, aquele que é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do prédio.

24ª. Assim, impõe o referenciado preceito, de natureza imperativa, que seja colhida unanimidade para que se encontrem reunidos todos os requisitos legais conducentes à alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, o que não sucedeu.

25ª. E, nesse seguimento, na Assembleia de Condóminos de 29 de Julho de 2010, foi deliberada a alteração do título constitutivo, tendo sido lavrada ata onde consta ter sido reunida a unanimidade imposta, o que não é verdade.

26ª. Isto porque, apesar de ter sido colocado o nome de um representante do ..., locador financeiro, como tendo estado presente na Assembleia de Condóminos, ficou provado no ponto 18 e 19 dos factos provados da douta sentença recorrida e confirmada pela Relação que o ... não foi convocado para a referida assembleia e que não compareceu na mesma qualquer representante dos seus interesses, pelo que se conclui pela falsidade da ata.

27ª. Mais, na Assembleia de Condóminos de 29 de Julho de 2010 esteve presente o locatário financeiro, o qual não estando devidamente mandatado para esse efeito, deliberou favoravelmente à alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, sendo que, no limite, o seu voto só poderia ser eficaz caso tivesse existido ratificação do processado, à semelhança da figura de gestão de negócios, o que não aconteceu nem mesmo quando o ... tomou conhecimento dessa deliberação.

28ª. A unanimidade que impõe o Art° 1419, nº. 1 do C.C. não sendo acautelada e infringindo­-se assim a natureza imperativa do referido artigo, tem como consequência a nulidade das deliberações e da consequente escritura pública de alteração da propriedade horizontal, posição adotada pela primeira instância e sustentada, entre outros, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.05.1974, in BMJ 237, pág. 242.

29ª. No acórdão citado estabeleceu-se a seguinte jurisprudência: “É nula nos termos do Artº 294 do Código Civil, por violação do nº 1 do Artº.1419 do mesmo diploma, a modificação de título constitutivo da propriedade horizontal feita sem o acordo de todos os condóminos.".

30ª. A norma que tem vindo a ser referenciada, sendo de natureza imperativa, impõe uma determinada conduta aos seus destinatários: a de colher a unanimidade de todos os condóminos, o que não se verificou, pelo que, não tendo o locatário financeiro sido devidamente mandatado para tomar deliberações, as deliberações tomadas por este são nulas e, por conseguinte, se a ata considera o seu voto para a unanimidade imposta por lei, a ata lavrada é nula porque este não tinha legitimidade para tomar tal deliberação, transmitindo-se assim o vício da nulidade à escritura pública realizada com vista a alterar o título constitutivo de propriedade horizontal, permitindo que os Recorrentes, com base num documento falso, se apropriassem ilegitimamente das fracções comuns dispostas.

31ª. A consequência para esta nulidade invocada é a de ordenar o cancelamento do registo da nova propriedade horizontal, como decidiu e bem a primeira instância.

32ª. A respeito da convocação do ... e da pretensa representação tolerada deste para com a atuação do locatário financeiro repete-se o supra exposto, OU seja, os Recorrentes apelam para uma consignação da atuação do locatário financeiro semelhante à atuação de um gestor de negócios, sendo que, necessário seria que o ... ratificasse - à luz do Artº. 471 e Artº. 268, nº1 e nº.2, ambos do c.c. - a deliberação favorável tomada pelo locatário financeiro, o que não sucedeu, pelo que, não havendo essa ratificação e, não tendo este por conseguinte, legitimidade para tal ato, a deliberação tomada na referida assembleia é nula.

33ª. Contudo, apelam ainda os Recorrentes para o facto de o locatário financeiro ter agido enquanto proprietário da fração, a qual adquiriu por contrato de locação financeira, o que não poderá proceder atento o facto de o contrato de locação financeira não consignar a transmissão da propriedade.

34ª. Face a tudo o que foi narrado e aduzido, devem as Alegações dos Recorrentes em tudo o que contrarie o entendimento pugnado pelos Recorridos ser declaradas como improcedentes, uma vez que cabe ao locador, enquanto proprietário pleno e jurídico, deliberar em tudo o que afeta o objeto do direito de propriedade, garantindo que quando regressar à plenitude dos poderes da sua qualidade de proprietário, a coisa locada não tenha sido objeto de alterações, não autorizadas, suscetíveis de condicionar o seu valor ou aptidão para o fim a que se destina.

35ª. Retornando à questão da natureza imperativa do Artº. 1419, nº1 do C.C, uma vez que esta norma foi derrogada, o ordenamento jurídico impõe que a falta de requisitos legais - Art.o1416 do CC. - tenha a cominação de nulidade, de natureza absoluta e oponível erga omnes, ou seja, os condóminos podem arguir e invocar a deliberação tomada e ferida de nulidade.

36ª. A primeira instância e a Relação assim o entenderam, e tem sido igualmente este o entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça, veja-se neste sentido o Acórdão de 03.10.2006, relator Sebastião Póvoas, disponível em www.dgsi.net, segundo o qual: "A nulidade é um vício de ordem pública, de conhecimento oficioso, podendo ser invocada por qualquer interessado (Artº.286 c.c.); (...) Tratando-se de nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, vale a norma especial do nº 2 do Art.o 1416 que confere legitimidade aos condóminos e também ao Ministério Público, este "sobre participação de entidade pública a quem caiba a aprovação ou fiscalização das construções.

37ª. Note-se que o Tribunal da Relação confirma peremptoriamente que "Como na decisão recorrida, deve, pois, entender-se, que, à semelhança do que ocorre na locação comum, e face à eventualidade de (não culminando o contrato com a aquisição do bem pelo locatário) vir o locador a recuperar a plenitude dos poderes inerentes à condição de proprietário, se acha vedado ao locatário, na vigência do contrato de locação financeira, operar na coisa locada alterações suscetíveis de, nomeadamente, afetar a sua integralidade ou valor"

38ª. No mesmo sentido entende também o Supremo Tribunal de Justiça, em 08.03.1994, relator Pais de Sousa, quando refere que "têm legitimidade para a ação, em que pede a declaração de nulidade de uma escritura (...) que, independentemente de qualquer pressuposto processual, defende em juízo os seus direitos derivados da propriedade horizontal, tanto no que respeita à sua fração como no que respeita às partes comuns".

39ª. Ainda que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se coloca, sempre se dirá ter existido erro vício na formação da vontade dos condóminos deliberantes, os quais foram, conforme resulta da matéria de facto provada nos pontos 20., 21., 22. e 23. enganados e ludibriados pela Sra. PP

40ª. Ficou provado e por esse motivo alegam os Recorridos, que existiu uma falsa representação da realidade criada por parte da Sra. PP acerca das reais circunstâncias de facto, as quais foram - como ficou provado - decisivas na formação da vontade dos condóminos, sendo certo que caso assim não tivesse esta agido, e estes conhecessem o verdadeiro estado das coisas, não teriam querida o negócio, ou pelo menos, não o teriam celebrado nos termos em que celebraram.

41ª. E, a tomar o supra citado como pressuposto de análise do caso em apreço, tal situação tem como cominação um regime de invalidade mista, o qual permite aos condóminos proteger os direitos alheios advindos da modificação da propriedade, não sendo assim terceiros juridicamente indiferentes como pretendem os Recorrentes fazer crer.

42ª. Veja-se a este propósito o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão datado de 03.10.2006, relator Sebastião Póvoas, o qual vai no sentido de que: “O regime da nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal - artigo 1416° do Código Civil - consagra uma invalidade mista, com elementos de nulidade e da anulabilidade. Muito embora, e como regra, a anulação por erro esteja estabelecida no interesse do errante, os condóminos têm legitimidade para arguir quando essa invalidade se situa naquele título constitutivo, por não poderem ser considerados alheios à proteção que a lei pretendeu dar a um negócio jurídico que os afeta."

43ª. Assim, é forçoso concluir que, a falta de unanimidade prevista no Artº. 1419, nº.1 do c.c. viola a natureza imperativa deste preceito, o qual prevê que o negócio celebrado com base em tal deliberação seja declarado nulo, bem como que a não se entender desta forma, a deliberação encontra-se viciada, uma vez que se os condóminos soubessem das circunstâncias reais do negócio não teriam deliberado da forma que deliberaram, sendo certo que a lei prevê que tais negócios sejam invocados apenas pelo errante, a verdade é que os condóminos não são terceiros indiferentes e a Iei, ao proteger um negócio jurídico que os afeta, não os considera por esse motivo, alheios a toda esta questão.

44ª. A Recorrente MM, Lda. argumenta não ter existido "controlo da atividade do locador financeiro", aqui iremos ler controlo da atividade do locatário financeiro por não se poder conceber diferentemente e, nesta medida, diremos que cabia ao locatário - verificando a ausência de pronúncia e de instruções de voto do locador ao locatário - avisar e alertar o locador para uma assembleia cuja ordem de trabalhos continua deliberações a tomar que colocavam o seu direito de propriedade em causa, conforme dispõe o Art.° 10, nº1, alínea i) do RJLC, o qual impõe que o locatário avise o locador sempre que estiver em causa uma possível ameaça ao bem cuja propriedade é do locador, sendo que a lei impõe essa comunicação sempre que o locador desconheça a situação, o que ficou provado nos autos com a consignação que não foi o ... convocado.

45ª. Sendo o locador o proprietário pleno e exclusivo do direito de propriedade cabia a este o exercício exclusivo do direito de voto dessas deliberações, pelo que não poderão proceder os argumentos trazidos pelos Recorrentes.

46ª. Em suma, sempre se dirá que o Tribunal da Relação andou bem quando confirmou que "Na locação financeira, existe um contrato de financiamento, visando, tendencialmente, um contrato de compra e venda; mas, enquanto este contrato perdurar, a relação jurídico-negocial tem notória afinidade com o contrato de arrendamento."

47ª. Mais entendeu o Tribunal da Relação que: "Durante o tempo por que perdura, o locatário entra na posse material do imóvel dado em locação (i) mobiliária e, tal como um mero arrendatário, tem poderes de fruição temporária - medida esta pelo período de duração do contrato - mediante o pagamento de uma renda. (ac. STJ, de 2/3/2010, www.dgsi.pt).

48ª. Por último, no que concerne ao pretenso abuso de direito invocado por ambos os Recorrentes, entendem os Recorridos não existir lugar à verificação deste instituto, uma vez que a invocação da nulidade das deliberações pelos Recorridos, face à ratio do Artº. 1419, nº. 1 do CC. visar a tutela de quem ficou de fora do processo formativo das deliberações, e face à cominação imposta pela lei, outra conclusão não pode ser retirada que a de o facto de existindo uma verdadeira nulidade da alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, na medida em que não houve o consentimento do ..., enquanto proprietário exclusivo da fração autónoma designada pela letra I, a ata lavrada é nula por conter uma falsa representação dessa unanimidade e, por conseguinte o título que deu origem à alteração da propriedade horizontal é válido.

Concluem pela improcedência dos recursos.

10. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Recorrentes JJ e LL e MM, Lda. decorre que o objeto dos presentes recursos está circunscrito às seguintes questões:

- O direito de voto do locatário financeiro na assembleia de condóminos que delibera sobre a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal;

- Da invalidade da deliberação de condóminos;

- Do abuso do direito.

                III. Fundamentação.
1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

            1.1. O prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na ... e ..., na freguesia de São Jorge de Arroios, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° 2471 é composto por 18 fracções autónomas, designadas pelas letras A a R (assente por documento).

1.2. A propriedade horizontal do edifício foi constituída por escritura pública outorgada no dia 26/5/2009 e registada em 1/6/2009, constando desse registo que são partes comuns do edifício, o logradouro situado à retaguarda ao nível do rés-do-chão e o terraço de cobertura, constando ainda que esse terraço se encontra dividido em duas parcelas, das quais uma é fronteira à fração R e tem acesso direto através dessa fração, ficando afeta ao uso exclusivo da mesma (assente por documento).

1.3. A aquisição das frações designadas pelas letras A, B, C e D encontra-se registada desde 29/11/2009, a favor da 1ª e 2ª RR., por compra à 5ª R. (assente por documento).

1.4. A aquisição da fração designada pela letra E encontra-se registada desde 15/7/2010, a favor do 3° A., por compra (assente por documento).

1.5. As aquisições das frações designadas pelas letras F, G, H, K, L, N, P e Q encontram-se registadas desde 17/9/2008 a favor da 5ª R., por compra (assente por documento).

1.6. A aquisição da fração designada pela letra I encontra-se registada desde 1/6/2009 a favor do Banco ... (Portugal), SA, constando do mesmo registo, por apresentação da mesma data, a locação financeira, pelo prazo de 20 anos, com início em 26/5/2009, a favor da sociedade QQ, Limitada (assente por documento).

1.7. A aquisição da fração designada pela letra J encontra-se desde 21/12/2009 registada a favor dos 1°s AA., por compra à 5ª R. (assente por documento).

1.8. A aquisição da fração designada pela letra M encontra-se desde 29/11/2010 registada a favor dos 3°s RR., por compra à 5ª R. (assente por documento).

1.9. A aquisição da fração designada pela letra O encontra-se registada desde 13/11/2009 a favor dos 2°s AA., por compra à 5ª R. (assente por documento).

1.10. Os 4°s RR. adquiriram a fração R do mesmo prédio por escritura de compra e venda outorgada com a 5ª R. no dia 19/7/2011 (assente por documento).

1.11. Essa fração encontra-se descrita no registo predial como sendo composta por 7 andar e torreão, com entrada pelo nº ...., estando a referida aquisição registada a favor dos 4°s RR. desde 21/7/2011 (assente por documento).

1.12. No dia 29/7/2010 realizou-se uma assembleia geral extraordinária do condomínio do prédio acima identificado, que havia sido convocada com a ordem de trabalhos que parcialmente se transcreve:

"1. Deliberação sobre a aprovação da afectação do uso exclusivo da totalidade do terraço de cobertura do prédio, à fracção autónoma designada pela letra "R" (...)".

2. Deliberação sobre a aprovação da conversão do torreão do prédio, com acesso único através do terraço de cobertura, que é de uso exclusivo da fracção autónoma designada pela letra "R", em parte própria, privativa e integrante da referida fracção autónoma (...) passando a área do torreão a fazer parte integrante da mencionada fracção.

3. Deliberação sobre a aprovação da alteração das permilagens de cada uma das fracções autónomas do prédio, na sequência da deliberação da conversão do torreão em parte própria, privativa e integrante da fracção autónoma designada pela letra "R"

(...)

5. Deliberação sobre a autorização para a execução das obras necessárias para a conversão do torreão em parte própria, privativa e integrante da fracção autónoma designada pela letra "R" (...), nomeadamente, através da supressão da casa das máquinas do elevador, actualmente localizada no interior do denominado torreão, e deslocação e acoplamento das máquinas à parte superior (tecto) da cabine do elevador, mediante a substituição da própria cabine, e do melhoramento do acesso, já existente, do terraço de cobertura, que é de uso exclusivo da fracção autónoma designada pela letra "R", ao denominado torreão, de acordo com o prévio e devido licenciamento da Câmara Municipal de Lisboa.

6. Deliberação sobre a modificação, por escritura pública, do titulo constitutivo da propriedade horizontal do prédio, no que respeita às deliberações a aprovar referentes aos pontos um, dois, três e quatro da presente ordem de trabalhos.

7. Deliberação sobre a aprovação da execução da obra, a realizar no interior da fracção autónoma designada pela letra "R", nomeadamente, de ligação interna do sétimo andar ao denominado torreão, mediante a colocação de escadas de acesso interior ( ... ).

8. Deliberação sobre a aprovação da junção das fracções autónomas designadas pelas letras "Q" e "R"  

(…)(assente por documento).

1.13. Nessa assembleia estiveram presentes a 1ª e 2ª RR., o 3° A., a 5ª R. e os 1°s e 2°s AA. (assente por acordo).

1.14. Na mesma assembleia compareceu PP (assente por acordo).

1.15. Dessa assembleia foi elaborada a ata que figura sob a forma de cópia de fls. 27 a 31 e que aqui se dá por reproduzida, na qual, sob a menção "Estavam presentes os seguintes condóminos:"  consta a seguinte indicação "d) ..., S.A, proprietário da fracção "I", representada pelo Sr. Dr. RR" (assente por documento).

1.16. Da mesma ata consta, nomeadamente, terem sido tomadas as seguintes deliberações por referência aos pontos 1, 2, 4, 5, 6, 7 e 8, respetivamente, da ordem de trabalhos mencionada no nº 12:

"(...) por unanimidade aprovar a afectação do uso exclusivo da totalidade do terraço de cobertura do prédio à fracção autónoma designada pela letra "R" ( ...).

(...) por unanimidade aprovar a conversão do torreão do prédio (...) em parte própria, privativa e integrante desta fracção autónoma, passando a área do torreão a fazer parte integrante da mesma fracção.

(...) por unanimidade aprovar a alteração das permilagens de cada uma das fracções autónomas do prédio (...).

(...) por unanimidade autorizar a execução das obras necessárias para a conversão do torreão em parte própria, privativa e integrante da identificada fracção autónoma designada pela letra "R" (...).

(...) por unanimidade aprovar a modificação, por escritura pública, do título constitutívo da propriedade horizontal do prédio, de acordo com as deliberações tomadas sobre os pontos anteriores da ordem de trabalhos, desde que todos os custos com a tramitação administrativa e legal (...) bem como com a execução de obras (...) sejam integralmente suportados pela "MM, Lda" ou por terceiro que prometa comprar ou compre a identificada fracção autónoma designada pela letra "R". Foi ainda deliberado por unanimidade subordinar a produção dos efeitos desta deliberação (...) à verificação da condição suspensiva de substituição do elevador do prédio por um novo elevador, nos termos das deliberações anteriores ( ... ).

(...) por unanimidade aprovar a execução da obra a realizar no interior da fracção autónoma designada pela letra "R" ( ... ).

(...) por unanimidade aprovar a junção das fracções autónomas designadas pelas letras "Q" e "R" (...)" (assente por documento).

1.17. Na mesma assembleia foi ainda deliberado sob o ponto nove da ordem de trabalhos:

"(...) por unanimidade converter as carvoarias existentes no logradouro do prédio em arrumos comuns para serem afectados ao uso exclusivo de cada uma das fracções, demolir o barracão ali existente e converter o espaço por ele ocupado em jardim, sendo os respectivos custos suportados pela condómina MM, Lda, na condição da modificação da propriedade horizontal do prédio se concretizar nos termos das deliberações anteriores".

"(...) por unanimidade conceder autorização e os poderes necessários à administração do condomínio para, em sua representação, tratar de toda a tramitação administrativa e legal necessária à concretização das deliberações tomadas, nomeadamente, calcular e fixar as novas permilagens das fracções nos termos da deliberação tomada sobre o ponto três da ordem de trabalhos e celebrar e assinar a escritura de modificação da propriedade horizontal do prédio" (assente por documento).

1.18. O Banco ... não foi convocado para a assembleia referida no nº 12 nem teve, por outro meio, conhecimento da sua realização (art.1°).

1.19. Nessa assembleia não esteve presente qualquer representante do referido Banco, tendo comparecido, por parte da fração "I", o Sr. Dr. QQ, representante da sociedade QQ, Lda. (art. 2°).

1.20. Na mesma assembleia PP falou de forma emotiva do prédio e das intenções que tinha para a fração "R" (art. 4°).

1.21. A mesma afirmou que a aquisição dessa fração e o uso exclusivo do terraço de cobertura era um seu sonho pessoal e que os seus filhos já andavam a sonhar com a nova casa (art. 5°).

1.22. Os condóminos AA, CC e EE, presentes nessa assembleia, acreditaram que essa senhora seria a sua futura vizinha (art. 6°).

1.23. Os mesmos não teriam tomado as deliberações referidas no n°16 se não estivessem sob essa convicção e se PP não se tivesse comportado do modo descrito no nºs 20 e 21 (art. 7°, dos temas da prova).

1.24. A assembleia referida no nº12 foi precedida de uma outra, realizada em 20/7/2010, com a mesma ordem de trabalhos transcrita no nº 12, e que decorreu conforme a cópia da respetiva ata junta a fls. 210 e 211 e que aqui se dá por reproduzida (assente por documento).

1.25. Nessa assembleia o representante da 5ª R., SS "(...) fez uma breve dissertação sobre todos os pontos da ordem de trabalhos explicando que o sétimo andar já tinha o uso exclusivo de uma parte do terraço de cobertura justificando -se adjudicar-lhe a restante parte bem como todo o torreão do prédio que só tinha acesso pelo terraço ou pelo sétimo andar. Mais disse que, caso se viesse a deliberar nesse sentido, propunha-se substituir o elevador do prédio por um novo, restaurar as antigas carvoeiras e distribui-las pelos condóminos, remover a construção da casa existente no logradouro e, transformar este espeço num jardim mediante a apresentação de um projecto paisagístico que seria submetido à aprovação dos condóminos" (assente por documento).

1.26. Na mesma assembleia o A. CC informou que "(...) não podia tomar uma decisão de imediato uma vez que, previamente, pretendia averiguar se o valor do espaço comum a ceder ao sétimo andar era equivalente ao valor das contrapartidas apresentadas pela condómina MM e, propunha-se também averiguar da viabilidade de construção de um espaço para estacionamento no logradouro do prédio" (assente por documento).

1.27. Ainda na mesma assembleia, os restantes condóminos, entre eles o 3° A., concordaram com essa posição e sugeriram a suspensão dos trabalhos durante uma semana, com reinício no dia 29/7, o que foi aprovado por unanimidade (assente por documento).

1.28. No dia 21/10/2010 realizou-se uma assembleia geral extraordinária do prédio, nos termos da ata cuja cópia se encontra junta a fls. 190 e que aqui se dá por reproduzida, na qual foram tomadas, além de outras, as seguintes deliberações:

"(...) adiar o destino do logradouro do prédio visto que este estava pendente do estacionamento" .

Aprovar "(...) por unanimidade, a proposta de montagem de um ascensor eléctrico sem casa das máquinas elaborado pela empresa "TT", anexa à presente acta" (assente por acordo e documento).

1.29. A alteração da propriedade horizontal foi objeto da escritura pública notarial outorgada em 16/2/2012, junta sob a forma de cópia a fls. 238 a 240, que aqui se dá por reproduzida, na qual interveio como outorgante UU na qualidade de administradora do condomínio (assente por documento).

1.30. Em 17/2/2012 foi lavrado registo de alteração da propriedade horizontal com o seguinte conteúdo: "1- Alteração da composição da fracção R" e "2- Direito dos Condóminos: A fracção tem o uso exclusivo da totalidade do terraço de cobertura do prédio" (assente por documento).

1.31. As obras de conversão das carvoeiras em arrumos comuns não foram ainda realizadas (assente por acordo).

1.32. Na primeira assembleia de condóminos do prédio, realizada em 26/5/2009, nos termos da ata cuja cópia está junta a fls. 253, interveio na qualidade de "proprietária da fracção I" a sociedade QQ, Lda, tendo sido aprovada, entre outras, a seguinte deliberação por unanimidade:

"( ...) autorizar que na fracção I correspondente ao segundo andar esquerdo, se destinasse à instalação de um consultório para o exercicio de qualquer especialidade médica" (assente por documento).

1.33. Na segunda assembleia de condóminos, realizada no dia 7/7/2009, nos termos da ata cuja cópia está junta a fls. 254 e que aqui se dá por reproduzida, interveio na qualidade de "proprietária da fracção I" a sociedade QQ, Lda, tendo sido aprovado, entre outras deliberações, por unanimidade, um regulamento para o prédio (assente por documento).

1.34. Nessa mesma assembleia, o representante da referida sociedade, declarou que: "(...) tinha adquirido a sua fracção através de um contrato de leasing e que subscreveram seguro cuja apólice incluía a fracção e as respectivas partes comuns, seguro este que fazia parte integrante do mencionado contrato  (...)" (assente por documento).

1.35. Foi enviada à administração do condomínio a carta datada de 27/1/2012, subscrita, entre outros, pelos AA. AA, CC e EE e pelo Sr. Dr. OO, junta sob a forma de cópia a fls. 248 e que aqui se dá por reproduzida (assente por acordo).

1.36. Na sequência das deliberações referidas no nº 16 o elevador do prédio foi substituído por um mais pequeno que o anterior, tendo registado inicialmente várias avarias que foram entretanto resolvidas (art. 8°).

1.37. Nas obras de substituição do elevador antigo foram causados danos no mármore do pavimento do hall de entrada por derrame de óleo (entretanto reparados) e alguns dos negativos dos anteriores comandos do elevador não ficaram tapados, tendo-o sido posteriormente (arts. 8°-A e 8°-B).

1.38. Os trabalhos de reabilitação da cobertura do torreão do prédio e do terraço de cobertura orçaram em cerca de € 140.000 (art 11°).

1.39. Essa intervenção no terraço e no telhado permite estagnar e reverter a degradação da estrutura do edifício que poderia comprometer o comportamento deste em caso de sismo e trazer o desempenho da mesma estrutura para níveis idênticos ou superiores aos originais (art. 12°).

1.40. A colocação do novo elevador ascendeu a €38.130, com IVA incluído (art 13°).

1.41. A transformação das carvoeiras em arrecadações não se realizou, porque os condóminos entenderam suspender o processo enquanto não tomassem uma decisão definitiva sobre o estacionamento no logradouro (art. 14°).

1.42. As obras de conversão do torreão e reabilitação do 7° andar foram executadas em conformidade com os projetos aprovados pela Câmara Municipal de Lisboa (art. 16°).

1.43. Antes dessas obras o terraço de cobertura do prédio e o torreão encontravam-se em estado avançado de degradação (art 17°).

1.44. Em 10/1/2013, por carta registada com aviso de receção, que o A. ... recebeu, a administração do condomínio do prédio comunicou àquele o teor de todas as atas das assembleias de condóminos realizadas até 21/3/2012, inclusive (art 18°).

1.45. Desde a recepção dessa carta, até ao presente, o referido Banco não reagiu, junto do condomínio, ao conteúdo das deliberações exaradas nas atas que foram enviadas (art 19°, dos temas da prova).

1.46. No dia 16/2/2015, a R. MM transferiu para a conta bancária aberta em nome do condomínio na ..., SA, a quantia de € 21.000 (assente por acordo). 

2. O direito de voto do locatário financeiro na assembleia de condóminos que delibera sobre a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal

No dia 29/7/2010 realizou-se uma assembleia geral extraordinária do condomínio do prédio identificado nos autos, que havia sido convocada com a ordem de trabalhos que parcialmente se transcreve:

"1. Deliberação sobre a aprovação da afectação do uso exclusivo da totalidade do terraço de cobertura do prédio, à fracção autónoma designada pela letra "R" (...)".

2. Deliberação sobre a aprovação da conversão do torreão do prédio, com acesso único através do terraço de cobertura, que é de uso exclusivo da fracção autónoma designada pela letra "R", em parte própria, privativa e integrante da referida fracção autónoma (...) passando a área do torreão a fazer parte integrante da mencionada fracção.

3. Deliberação sobre a aprovação da alteração das permilagens de cada uma das fracções autónomas do prédio, na sequência da deliberação da conversão do torreão em parte própria, privativa e integrante da fracção autónoma designada pela letra "R"

(...)

5. Deliberação sobre a autorização para a execução das obras necessárias para a conversão do torreão em parte própria, privativa e integrante da fracção autónoma designada pela letra "R" (...), nomeadamente, através da supressão da casa das máquinas do elevador, actualmente localizada no interior do denominado torreão, e deslocação e acoplamento das máquinas à parte superior (tecto) da cabine do elevador, mediante a substituição da própria cabine, e do melhoramento do acesso, já existente, do terraço de cobertura, que é de uso exclusivo da fracção autónoma designada pela letra "R", ao denominado torreão, de acordo com o prévio e devido licenciamento da Câmara Municipal de Lisboa.

6. Deliberação sobre a modificação, por escritura pública, do titulo constitutivo da propriedade horizontal do prédio, no que respeita às deliberações a aprovar referentes aos pontos um, dois, três e quatro da presente ordem de trabalhos.

7. Deliberação sobre a aprovação da execução da obra, a realizar no interior da fracção autónoma designada pela letra "R", nomeadamente, de ligação interna do sétimo andar ao denominado torreão, mediante a colocação de escadas de acesso interior ( ... ).

8. Deliberação sobre a aprovação da junção das fracções autónomas designadas pelas letras "Q" e "R"  

(…)

E foram tomadas as seguintes deliberações por referência aos pontos 1, 2, 4, 5, 6, 7 e 8, respetivamente, da ordem de trabalhos mencionada no nº 12:

"(...) por unanimidade aprovar a afectação do uso exclusivo da totalidade do terraço de cobertura do prédio à fracção autónoma designada pela letra "R" ( ...).

(...) por unanimidade aprovar a conversão do torreão do prédio (...) em parte própria, privativa e integrante desta fracção autónoma, passando a área do torreão a fazer parte integrante da mesma fracção.

(...) por unanimidade aprovar a alteração das permilagens de cada uma das fracções autónomas do prédio (...).

(...) por unanimidade autorizar a execução das obras necessárias para a conversão do torreão em parte própria, privativa e integrante da identificada fracção autónoma designada pela letra "R" (...).

(...) por unanimidade aprovar a modificação, por escritura pública, do título constitutívo da propriedade horizontal do prédio, de acordo com as deliberações tomadas sobre os pontos anteriores da ordem de trabalhos, desde que todos os custos com a tramitação administrativa e legal (...) bem como com a execução de obras (...) sejam integralmente suportados pela "MM, Lda" ou por terceiro que prometa comprar ou compre a identificada fracção autónoma designada pela letra "R". Foi ainda deliberado por unanimidade subordinar a produção dos efeitos desta deliberação (...) à verificação da condição suspensiva de substituição do elevador do prédio por um novo elevador, nos termos das deliberações anteriores ( ... ).

(...) por unanimidade aprovar a execução da obra a realizar no interior da fracção autónoma designada pela letra "R" ( ... ).

(...) por unanimidade aprovar a junção das fracções autónomas designadas pelas letras "Q" e "R" (...)".

 

Bem como, na mesma assembleia foi ainda deliberado sob o ponto nove da ordem de trabalhos:

"(...) por unanimidade converter as carvoarias existentes no logradouro do prédio em arrumos comuns para serem afectados ao uso exclusivo de cada uma das fracções, demolir o barracão ali existente e converter o espaço por ele ocupado em jardim, sendo os respectivos custos suportados pela condómina MM, Lda, na condição da modificação da propriedade horizontal do prédio se concretizar nos termos das deliberações anteriores".

"(...) por unanimidade conceder autorização e os poderes necessários à administração do condomínio para, em sua representação, tratar de toda a tramitação administrativa e legal necessária à concretização das deliberações tomadas, nomeadamente, calcular e fixar as novas permilagens das fracções nos termos da deliberação tomada sobre o ponto três da ordem de trabalhos e celebrar e assinar a escritura de modificação da propriedade horizontal do prédio".

Nessa assembleia estiveram presentes a 1ª e 2ª RR., o 3° A., a 5ª R. e os 1°s e 2°s AA..

Dessa assembleia foi elaborada a ata que figura sob a forma de cópia de fls. 27 a 31, na qual, sob a menção "Estavam presentes os seguintes condóminos:" consta a seguinte indicação "d) ..., S.A, proprietário da fracção "I", representada pelo Sr. Dr. RR".

O ... não foi convocado para a assembleia, nem teve, por outro meio, conhecimento da sua realização, pelo que, como consta dos factos provados (1.18. e 1.19.) não se fez representar.

Na assembleia de condóminos, realizada no dia 7/07/2009, interveio na qualidade de “proprietária da fração I”, a sociedade QQ, lda., tendo o representante desta sociedade declarado que “(…) tinha adquirido a sua fracção através de um contrato de leasing e que subscreveram seguro cuja apólice incluía a fracção e as respectivas partes comuns, seguro este que fazia parte integrante do mencionado contrato(…)”.

A aquisição da fração designada pela letra I encontra-se registada desde 1/6/2009 a favor do Banco ..., S.A., constando do mesmo registo, por apresentação da mesma data, a locação financeira, pelo prazo de 20 anos, com início em 26/5/2009, a favor da sociedade QQ, Lda.

           

    Ora, é perante a presença, na assembleia de condóminos, da sociedade locatária financeira e a sua participação na votação (segundo os factos provados as deliberações foram tomadas pela totalidade dos presentes) que se coloca a questão de saber se o locatário financeiro podia aprovar (sem que se verifique a anuência do locador financeiro) a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, como ocorreu no caso presente (também, como provado nos autos o Banco ..., S.A., não participou na assembleia, não se fazendo representar nem sequer tendo sido convocada, nem teve conhecimento da realização da assembleia de condóminos de qualquer outra forma, nem posteriormente deu o seu acordo, tendo somente conhecimento da outorga da escritura após a sua realização).

  As instâncias entenderam que para ser válida a deliberação a locadora financeira devia aprovar a mesma deliberação.

                        Cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício (nº1 do artigo 1420º do Código Civil).

            O conjunto dos dois direitos é incindível; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição (nº2 do artigo 1420º do Código Civil).

            Assim, na propriedade horizontal coexistem dois tipos de propriedade: a propriedade exclusiva da fração de certo condómino e a compropriedade de todos os condóminos relativamente às partes comuns, sendo que estes direitos são incindíveis.

           

            O nº1 do artigo 1417º do Código Civil prevê os títulos constitutivos da propriedade horizontal: o negócio jurídico, a usucapião ou uma decisão judicial proferida em ação de divisão de coisa comum ou em processo de inventário.

            Como refere Henrique Mesquita, o título constitutivo é um ato modelador do estatuto da propriedade horizontal e as suas determinações têm natureza real e, portanto, eficácia erga omnes” (in Propriedade Horizontal, pág.94).

Contudo, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado, prescrevendo o nº1 do artigo 1419º do Código Civil que, sem prejuízo do disposto no nº3 do artigo 1422º-A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos.

            A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador (nº1 do artigo 1430º do Código Civil), e cada condómino tem na assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que o artigo 12418º se refere (nº2 do artigo 1430º do Código Civil).

            Assim, tendo presente as citadas disposições do Código Civil, resulta que a qualidade de condómino é inerente à propriedade exclusiva das frações autónomas, pelo que só o proprietário seria o condómino com direito a voto.

            Mas, a locação financeira veio possibilitar a participação do locador financeiro nas assembleias de condóminos quando se delibera sobre a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, como é o caso presente?

                      A locação financeira, que é um contrato de financiamento, consiste num contrato pelo qual uma entidade (o locador financeiro) concede a outra (o locatário financeiro) o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário, e que este poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados

            - cfr. artigo 1º do Decreto – Lei nº149/95, de 24 de junho -

           

No artigo 9º do citado diploma legal encontram-se previstas as obrigações do locador, sendo uma delas o vender o bem ao locatário, caso este queira, findo o contrato (alínea c) do nº1).

            No nº2 desta disposição legal estipula-se que para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma, assistem ao locador financeiro, em especial a para além do estabelecido no número anterior, os seguintes direitos:
a) Defender a integridade do bem, nos termos gerais de direito

Por sua vez, é obrigação do locatário pagar, em caso de locação de fração autónoma, as despesas correntes necessárias, à função das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum (alínea b) do nº1 do artigo 10º da citada disposição legal), de avisar imediatamente o locador, sempre que tenha conhecimento de vícios no bem ou saiba que o ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos em relação a ele, desde que o facto seja ignorado pelo locador (alínea i)) e deve restituir o bem locado, findo o contrato, em bom estado, salvo as deteriorações inerentes a uma utilização normal, quando não opte pela sua aquisição (alínea l)).
E para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação financeira, em especial, o locatário financeiro tem os seguintes direitos:
Exercer, na locação de fração autónoma, os direitos próprios do locador, com exceção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos (alínea e) do nº2 do artigo 10º).
 
Ora, reportando-se à propriedade da coisa locada, Gravato Morais refere que “o locador adquire o bem e, consequentemente, a sua propriedade, sendo que posteriormente concede (tão só) o seu gozo ao locatário durante um certo período de tempo, permitindo a este, no termo do contrato, a sua compra.
Portanto, durante o período de vigência do contrato de leasing financeiro, o locador permanece o proprietário. No entanto, (…) exime-se a qualquer tipo de responsabilidade decorrente do seu uso, exonerando-se também, entre outros, do risco de perda ou deterioração da coisa. A sua situação não é, pois, similar à de um típico proprietário. É, ao invés, sobre o locatário financeiro que impendem determinados encargos, que normalmente oneram o proprietário da coisa.
(…) o locador, apesar de ser titular de um direito real, não suporta os riscos inerentes ao uso do bem. (…) Não pode dispor isoladamente da coisa dada em locação. Apenas lhe é legítimo ceder a sua posição no contrato de locação financeira e, deste modo, transmitir a propriedade da coisa.
Já o locatário financeiro dispõe de um direito de gozo do bem – portanto um direito de natureza obrigacional – embora onerado com os riscos que normalmente gravam sobre o típico proprietário. No entanto, o locatário não pode vender a coisa, nem provocar a sua destruição, sendo que, por outro lado, o seu gozo deve respeitar o fim estabelecido no contrato.
Portanto, o direito de propriedade do locador comprime-se na exata medida do aumento do dominium utile do locatário.
(…) a propriedade do locador tem uma natureza mista: por um lado, garante o risco económico de incumprimento do locatário; por outro, assegura a sua instrumentalidade no tocante à realização do financiamento.
Tais funções não são incompatíveis entre si. Pelo contrário, completam-se. Parece ser claro que a primeira finalidade assinalada está presente no quadro negocial da locação financeira: o interesse do locador consiste no pagamento da quantia por si antecipada, desconsiderando uma eventual restituição da coisa no termo do contrato (ou mesmo na sua vigência). A propriedade do bem visa assegurar, portanto, o capital adiantado. Por outro lado, também não pode deixar de se reconhecer o papel de intermediário financeiro do locador, que assume apenas e tão só os riscos que a este normalmente competem (ou seja, os de incumprimento e de insolvência do devedor), mas que, em simultâneo, concede ao locatário a mera disponibilidade da coisa que lhe pertence”.
(in Manual da Locação Financeira, págs.113/116)
- cfr., ainda, Calvão da Silva, in Locação financeira e garantia bancária, pág. 20, que considera que a propriedade do locador serve de garantia ao financiamento; e Pestana de Vasconcelos, in A locação financeira, pág.277, que refere que o locador mantém a propriedade jurídica do bem como forma de garantia de um financiamento –

Afirma-se, por vezes, que o locatário financeiro tem a “propriedade económica” da coisa locada, nomeadamente por ele ser o utilizador exclusivo da coisa e vigorar uma regra contabilística que determina que ele a considere como integrada no seu ativo imobilizado, sendo que a “propriedade económica” do locatário financeiro se manifesta em várias outras regras (o risco de perda ou deterioração do bem locado corre por conta do locatário (artigo 15º do Decreto – Lei nº149/95, de 24 de junho) e caber ao locatário pagar as chamadas contribuições para o condomínio (alínea b) do nº1 do artigo 10º do Decreto – Lei nº149/95, de 24 de junho).
No entanto, o locador conserva importantes poderes, nomeadamente o de recuperar a “propriedade plena” nos casos de incumprimento pelo locatário ou de não exercício por este do seu direito de aquisição.
- cfr. Rui Pinto Duarte, in O Contrato de Locação Financeira, maio de 2010, págs.5/7 -

Assim, o locador mantém a propriedade jurídica, pelo que importa ver a possibilidade de o locatário financeira participar e votar na assembleia de condóminos sobre a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal (caso dos presentes autos).
Como se referiu supra, só o proprietário de fração autónoma pode participar na assembleia de condóminos.
Por outro lado, o locatário pode exercer, na locação de fração autónoma, os direitos próprios do locador, com exceção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos (alínea e) do nº2 do artigo 10º).

Ora, os direitos próprios do locador que, pela sua natureza, só ele pode exercer, reportam-se a todos aqueles que coloquem em causa a integridade da fração e das partes comuns de que o locatário vem usufruindo, porquanto um dos direitos do locador é defender a integridade do bem, nos termos gerais de direito (alínea a) do nº2 do artigo 9º do Decreto – Lei nº149/95, de 24 de junho.

E entende-se que assim seja e que se afaste a intervenção do locatário financeiro, porquanto a propriedade da fração por parte do locador funciona como garantia do financiamento, sendo que a intervenção do locatário financeiro poderia conduzir a uma desvalorização do imóvel, diminuindo o valor da fracção objecto do contrato de locação, dado que, se se entende que “a propriedade desempenha um papel fundamentalmente instrumental do financiamento, não sendo um fim em si mesmo. Daí que, no termo do contrato, normalmente, se verifique a aquisição da coisa pelo locatário (artigo 10º, nº2, alínea e))” (Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2ª. edição, pág.215) – aquisição a que o locador não se pode opor -, sempre se verificam situações em que a aquisição não se verifica: por o locatário não ter interesse na aquisição; por via do contrato ter sido resolvido por incumprimento do contrato de locação por parte do locatário.

- o estado do bem “porque influencia o valor do bem (que o locador financeiro poderá ter, fruto da resolução do contrato ou do não exercício do direito de compra pelo locatário, que transacionar), é para ele um elemento relevante” - Miguel Pestana de Vasconcelos, in Direito das Garantias, 2ª edição, págs. 511/512 – ou, como refere Calvão da Silva como a “propriedade garante o financiamento, à locadora-proprietária não é indiferente a conservação da coisa em bom estado” (in Direito Bancário, pág.426).

Por outro lado, sempre que finde o contrato, se não optar pela compra, o locatário tem de restituir a coisa em bom estado, salvas as deteriorações inerentes à sua utilização normal, porquanto o “locatário não tem o abusus da coisa – logo, não pode vendê-la nem destruí-la – e o usus e frutus devem respeitar o fim do contrato, numa utilização normal” Calvão da Silva, in Direito Bancário, pág.427 -, devendo, assim, restituir o que recebeu.

- cfr., no sentido da necessidade de intervenção do locador financeiro, Urbano Dias, in Revista, Direito, Lusíadas, nº12, pags.340 “o preceituado na alínea e) do nº2: ele, locatário financeiro, pode exercer os direitos próprios do locador, com exceção do que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos. São estes, ex rerum natura, os já citados e relativos à disposição das partes comuns e/ou à alteração do título constitutivo”, e 342 “caso em discussão estivessem questões relacionadas com a disposição de partes comuns ou alteração do título constitutivo, só o locador tinha legitimidade para intervir na assembleia geral de condóminos e para, eventualmente, impugnar as deliberações aí tomadas”. -

Desta forma, só o locador financeiro pode intervir na assembleia de condóminos quando está em causa a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal.

Assim, no caso presente, não tendo o locador financeiro (Banco ... participado na assembleia de condóminos que deliberou sobre a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, nem para a mesma foi convocada, nem, posteriormente até à outorga da escritura pública lhe foi comunicada, a mesma deliberação não foi aprovada por todos os condóminos, como o exige o nº1 do artigo 1419º do Código Civil.

No caso presente, também se mostra afastado o que dispõe o nº5 do artigo 1432º do Código Civil, que prescreve que as deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes.

E estes números seguintes impõem o seguinte formalismo: as deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de receção, no prazo de 30 dias (nº6) e os condóminos têm 90 dias após a receção da carta referida no número anterior para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua discordância (nº7), sendo que o silêncio dos condóminos deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada nos termos do nº6 (nº8).

Ora, nestes autos, ao condómino ausente (o Banco ... não lhe foi comunicada a deliberação no prazo de 30 dias, tendo ocorrido em 10/01/2013, mas somente mais de dois anos depois e já com a outorga da escritura pública (que ocorreu em 16/02/2012), sendo, assim, irrelevante o seu silêncio para o fim de se considerar que deu a sua concordância com o decidido pela assembleia de condóminos.

Contudo, os Recorrentes JJ e LL referem que o locatário financeiro sempre foi visto por todos os condóminos e pela administração como quem legitimamente “representava” a fração “I”, independentemente de estar a atuar em nome próprio, em nome de outrem ou sob o nome de outrem e que se verifica uma tolerância absoluta do locador financeiro em relação à representação que em seu nome vinha sendo exercida pelo locatário financeiro da fração “I”, a qual determina que o mesmo esteja vinculado ab initio pela deliberação.

É possível configurar uma relação que se pode designar por «representação tolerada», no caso presente?

Nesta, um sujeito admite, repetidamente, que outrem pratique atos como seu representante.

Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 103) entende que, na representação tolerada, não há procuração nem os poderes de representação resultam, diretamente, de um dado contrato (p. ex., contrato de trabalho, art.º 111.º, n.º 3, do Código do Trabalho), pois trata-se «apenas de um esquema de tutela, por força da confiança, imputada ao "representado", suscitada pela conduta do "representante”»; mas Mota Pinto (Teoria Geral de Direito Civil, 4.ª edição, revista por Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pág. 551) entende que se «o representado tolera a conduta, dele conhecida, do representante, e essa tolerância, segundo a boa-fé e considerando os usos do tráfico, pode ser interpretada pela contraparte no negócio no sentido de que o representante recebeu procuração do representado para agir por ele», então foram conferidos poderes de representação.

Pode ainda falar-se numa situação de representação aparente?

No caso de representação aparente, segundo Mota Pinto, (Teoria Geral de Direito Civil, pág. 551) «o representado não conhecia a conduta do representante, mas com o devido cuidado teria podido conhecer e impedir», por outro lado, «a contraparte podia de acordo com a boa-fé compreender a conduta do representante no sentido de que ela não poderia ter ficado escondida do representado com a diligência devida, e que este, portanto, a tolera». A este propósito, Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, págs. 103 e 106) explica que a procuração aparente assenta num dado objetivo (alguém atua como representante) e num dado subjetivo (negligência do "representado"), esclarecendo que tem particular relevo no domínio do Direito comercial, justificada na tutela do dano de confiança do terceiro de boa-fé.

Ora, dos factos provados nos presentes autos, temos de concluir pela não verificação de qualquer uma destas figuras, porquanto o ... (locador financeiro) não foi convocado para a assembleia, nem teve, por outro meio, conhecimento da sua realização, sendo certo que a administração de condomínio remeteu, em 10/01/2013, carta registada com aviso de receção, comunicando-lhe o teor de todas as atas das assembleia de condóminos realizadas até 21/03/2012. Assim, só nesta última data (já depois da outorga da escritura pública que ocorreu em 16/02/2012) poderia o locador financeiro saber que estava a ser representado pelo locatário financeiro.

Também, não se mostra demonstrado nos autos, que em outras assembleias de condóminos que se tenham realizado a locadora financeira tenha sido convocada ou sequer que tenha tido conhecimento das assembleias, e que a mesma se fizesse representar ou não e, sendo convocada ou tendo conhecimento das mesmas assembleias, estando ausente, não se mostra demonstrado que era conhecedora da participação do locatário financeiro nessas assembleias.

Por outro lado, tornava-se necessário que o locatário financeiro, aquando da sua participação nas assembleias de condóminos pretendesse representar o locador financeiro. Ora, o locatário financeiro não o fez, apresentando-se, sempre, a exercer um eventual direito próprio.

Desta forma, tornando-se necessário que houvesse a representação, o que não aconteceu, não se pode invocar quer a representação tolerada quer a representação aparente, bem como não se verifica o abuso de representação a que alude o artigo 269º do Código Civil (o disposto no artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso), pois o locatário financeiro, como se referiu, agiu sempre no exercício de um direito que considerava próprio.
3. Da invalidade da deliberação de condóminos

No Acórdão recorrido entendeu-se que as deliberações que modificaram o título constitutivo da propriedade horizontal, não se encontrando presente um dos condóminos, estavam feridas de nulidade por força do disposto no artigo 294º do Código Civil, confirmando a decisão da 1ª instância.
Os Recorrentes entendem que não se está em presença de uma nulidade mas uma anulabilidade, pelo que só o interessado (neste caso, o condómino ausente – o locador financeiro) poderia invocar e dentro de determinado período de tempo, o que este não o fez.

Prescreve o nº1 do artigo 1419º do Código Civil que, sem prejuízo do disposto no nº3 do artigo 1422º-A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos.
Ora, perante esta disposição legal, as deliberações de condóminos que aprovaram a alteração ao título constitutivo da propriedade horizontal são nulas?


Como refere Mota Pinto, obra citada, “O negócio nulo não produz, desde o início (ab initio), por força da falta ou vício de um elemento interno ou informativo, os efeitos a que tendia.
O negócio anulável, não obstante a falta ou vício de um elemento interno ou formativo, produz os seus efeitos e é tratado como válido, enquanto não for julgada procedente uma ação de anulação; exercido, mediante esta ação, o direito potestativo de anular pertencente a uma das partes, os efeitos do negócio são retroativamente destruídos.
O regime e os efeitos mais severos da nulidade encontram o seu fundamento teleológico em motivos de interesse público predominante. As anulabilidades fundam-se na infração de requisitos dirigidos à tutela de interesses predominantemente particulares.
A lei, por vezes, afasta-se da simetria das construções para estabelecer invalidades de carácter misto (…). Quebra, assim, a harmonia estética do sistema, mas configura soluções (invalidades mistas) mais adequadas aos interesses que constituem a matéria da respetiva regulamentação” (págs.619/620).
- cfr., ainda, Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, pág.858 e sgs. ; Carvalho Fernandes, in Teoria Geral do Direito Civil, II, 3ª edição, 460 e segs. –

As nulidades operam “ipso iure” ou “ipsa vi legis”, são invocáveis por qualquer pessoa interessada, são insanáveis pelo decurso do tempo e são insanáveis mediante confirmação (cfr. artigos 286º e 288º, a contrario, do Código Civil).
As anulabilidades têm as seguintes características: têm de ser invocadas pela pessoa dotada de legitimidade, só podem ser invocadas por determinadas pessoas e não por quaisquer interessados, são sanáveis pelo decurso do tempo, são sanáveis mediante confirmação (cfr. artigo 288º do Código Civil).

 Carvalho Fernandes, na obra citada, advertiu que “em rigor … haverá tantos casos de nulidade e anulabilidade atípicas quantos os desvios do regime geral estatuídos pelo legislador para as categorias ditas nulidades ou anulabilidade típicas” (pág.463), e afirma “o legislador civil português … estabeleceu um critério geral no art.294º do Código vigente. Assim, são nulos os negócios jurídicos em que exista violação da norma de carácter imperativo; nos demais casos existe uma situação de anulabilidade. Só assim, não é quando a lei estabelecer regime especial, como acontece nas chamadas invalidades mistas.
Deste modo, no plano prático, a indagação do tipo de invalidade há-de fazer-se segundo esta ordem de precedência. Averigua-se se para o vício existe disposição cominando o valor negativo correspondente. Se existe, o problema fica logo resolvido. Caso contrário, há que indagar a natureza da norma que prevê o requisito de validade em causa: sendo ela de carácter imperativo, o negócio é nulo; se o não for, é apenas anulável” (pág.467).

No caso presente estão em causa deliberações que modificam o título constitutivo da propriedade horizontal, sendo que essas deliberações não foram tomadas por unanimidade de todos os condóminos, porquanto o locador financeiro não se encontrava presente, não tendo sequer sido convocado para a assembleia de condóminos, nem tendo aceite posteriormente (apesar do momento em que teve conhecimento que ocorreu mais de dois anos depois da realização da assembleia geral e depois da outorga da escritura pública).
Ora, nos termos do disposto no nº1 do artigo 1419º do Código Civil a modificação do título constitutivo só pode ser feito por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos (com a ressalva do disposto no nº3 do artigo 1422º-A e do disposto em lei especial).
Estamos, assim, em presença de uma norma imperativa, inalterável, porquanto o próprio legislador, ao admitir que o administrador do condomínio possa outorgar a escritura ou elaborar e subscrever o documento particular a que se refere o nº1 do artigo 1419º do Código Civil, impôs que o acordo conste de ata assinada por todos os condóminos.
No caso dos autos, esta imposição legal estaria afastada, não podendo o administrador do condomínio diligenciar pela concretização das deliberações tomadas, pois a ata não poderia sequer ser assinada por todos os condóminos, dado que um não se encontrava presente (o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal)), nem veio posteriormente a aceitar essa deliberação nem se pode considerar que o seu silêncio corresponderia a uma aceitação, como atrás se referiu, sendo que a ata se mostrava assinada pelo locatário financeiro como verdadeiro condómino.
Ainda se pode afirmar que de nada serviriam as deliberações tomadas, porquanto, não havendo acordo de todos os condóminos e que esse acordo de todos constasse de ata assinada por todos os condóminos, não poderiam concretizar-se o objetivo de modificação do título constitutivo de propriedade horizontal, não podendo ser outorgada a escritura pública ou o documento particular não poderia ser autenticado.

Deste modo, estando em presença de uma norma imperativa, a sua violação acarreta a nulidade, como previsto no artigo 294º do Código Civil (os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei).
Desta forma, as deliberações são nulas, pelo que os Autores têm legitimidade para desencadear a declaração de nulidade, pois a nulidade da deliberação pode ser invocada por qualquer interessado (no caso presente, os Autores são condóminos) e a todo o tempo (nos termos do disposto no artigo 286º do Código Civil).

 - cfr., no sentido da nulidade, nos termos do disposto nos artigos 294º e 1419º, ambos do Código Civil, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 22/02/2017, 14/02/2008 e 21/11/2016, consultáveis em www.dgsi.pt

4. O abuso do direito

Os Recorrentes JJ e LL invocam, ainda, a existência do abuso do direito por parte dos Autores, pois estes reconheceram ao longo dos anos a qualidade de condómino ao locatário financeiro, tendo criado junto dos outros condóminos e dos terceiros que tiveram acesso à ata em questão, nomeadamente, os 4ºs Réus, uma justificada confiança e investimento na validade das deliberações, o qual se traduziu em gastos consideráveis, designadamente, pelos Recorrentes.
A Recorrente MM – , Lda. invoca, também, o abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, que se traduz, no caso ..., no facto de ter tolerado a representação do Dr. OO nas assembleias de condóminos e, no caso dos restantes recorridos, no facto de terem votado, de modo esclarecido e consciente, favoravelmente às alterações da propriedade horizontal, mediante contrapartidas que já foram integralmente cumpridas, conduzindo a recorrente a suportar o respetivo custo e os quartos réus a adquirir a fração “R” e a realizar elevado investimento em partes comuns do edifício, vindo agora, através da presente ação, peticionar a invalidade (seja por anulabilidade seja por nulidade) das deliberações que aprovaram.

Prescreve o artigo 334º do Código Civil que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Como escreve Pedro Santos, “A verdadeira essência de uma ordem jurídica não se descortina através da soma dos seus preceitos, sendo muito mais abrangente os valores que a caracterizam. Cada sistema tem princípios ou vectores fundamentais que deverão ser atendidos, não só pelo intérprete, mas, sobretudo, pelo aplicador do Direito. Esta afirmação leva-nos a uma outra: os diversos comandos jurídicos, ainda que adequados para um grande número de situações em abstracto, podem, num determinado caso, demonstrar-se completamente desajustados, materializando-se, através da sua pura e simples aplicação, numa clara injustiça e, como tal, contrária aos princípios fundamentais do ordenamento.

A disposição do artigo 334º do nosso actual Código Civil, com a epígrafe “abuso do direito”, surge precisamente para combater a rigidez da lei positivada quando se demonstre desadequada in concreto, invocando-se esses princípios fundamentais para a corrigir, nomeadamente, a boa fé.”

(in Revista de Direito Civil, nº0 (2015), pág.200)

No Acórdão do STJ, de 5 de fevereiro de 2013, afirma-se: “ O abuso do direito (art.334º do CC), como excepção peremptória inominada, é uma figura que se verifica quando o direito legítimo é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, ou seja, longe do interesse social e por forma a exceder manifestamente os limites resultantes da boa fé, dos bons costumes ou do fim económico-social do direito, tornando-se, assim, escandalosa e intoleravelmente ofensiva do nosso sentimento de justiça.

O instituto do abuso do direito, bem como os princípios da boa fé e da lealdade negocial, são de que, os tribunais, devem lançar mão para obtemperar a situações em que alguém, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, ou do exercício da acção, o faz de uma maneira que – objectivamente – e atenta a especificidade do caso, conduz a um resultado que viola o sentimento de justiça, prevalecente na comunidade que, por isso, repudia tal procedimento, que apenas formalmente respeita o Direito, mas que, em concreto, o atraiçoa.

O art.334º do CC acolhe uma concepção objectiva do abuso do direito, segundo a qual não é necessário que o titular do direito actue com consciência de que excede os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito ou com animus nocendi do direito da contraparte, bastando pois que tais limites sejam e se mostrem ostensiva e objectivamente excedidos”

(in Sumários, 2013, pág.86, www.stj.pt)


No que ao caso presente diz respeito, importa referir que o BBVA não tomou qualquer atitude contra ou a favor das deliberações pelo que não é possível afirmar-se que o mesmo agiu com manifesto abuso do seu direito.
Quanto aos Autores, Recorridos, e é o comportamento destes que é posto em causa, importa referir que intervieram, votando favoravelmente, as deliberações.
Contudo, as deliberações de autorização da modificação do título constitutivo da propriedade horizontal estavam sujeitas à condição de “todos os custos com a tramitação administrativa e legal (…) bem como com a execução de obras (…) sejam integralmente suportados pela MM, Lda. ou por terceiro que prometa comprar ou compre a identificada fracção autónoma designada pela letra “R”. Foi ainda deliberado por unanimidade subordinar a produção dos efeitos da deliberação (…) à verificação da condição suspensiva de substituição do elevador do prédio por um novo elevador, nos termos das deliberações anteriores”.
Os Recorrente JJ e LL vieram a adquirir a fracção designada pela letra “R” em 19 de julho de 2011, depois das deliberações em causa, mas antes da realização da escritura outorgando a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, que só ocorreu em 16 de fevereiro de 2012.
Por outro lado, já vários condóminos (entre os quais os Autores), antes da outorga da escritura tinham endereçado à administradora do condomínio uma carta em que lhe retiravam os poderes que lhe haviam concedido para a outorga da escritura (carta datada de 27 de janeiro de 2012). E nessa carta, para além da referência a que havia um condómino que continuava a manter a sua posição de não autorização de alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, questionava-se a obra do novo elevador e os danos causados, bem como se questionava o “processo de anexação de áreas comuns ao sétimo piso” – cfr. fls.248/248 vº.

Assim, os Autores e outros condóminos votaram uma deliberação de alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, com uma condição suspensiva e, ao longo do tempo, foram questionando o cumprimento dessa condição, bem como o comportamento da administração do condomínio, culminando com uma manifestação de desagrado, retirando os poderes à administradora do condomínio para a outorga da escritura.
Os Recorrentes JJ e LL adquiriram a fração “R” antes da alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, e sem qualquer garantia que a falta de poderes de participação do locatário financeiro na assembleia de condóminos, sendo conhecida, seria aceite pelos restantes condóminos (entre eles os Autores), bem como o não cumprimento das condições impostas na assembleia de condóminos.

Destes factos se podem concluir que os Autores, apesar de votarem favoravelmente a deliberação, votaram a deliberação num pressuposto de que o prédio teria determinadas obras.
Por outro lado, os Autores aceitarem a participação na votação do locatário financeiro, que votou sempre em nome próprio e como se fosse o titular do direito. Contudo, não se mostra demonstrado que os Autores tinham conhecimento que os locatários financeiros não tinham poderes para deliberar sobre a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, mas que aceitaram esse facto.
Deste modo, não resulta dos factos provados que os Autores tenham dado garantia aos Recorrentes de aceitação das deliberações, mesmo que a condição suspensiva não se verificasse e que o locatário financeiro não tivesse poderes para participar na assembleia de condóminos; aliás, o seu comportamento demonstra o contrário.
Assim, o comportamento dos Autores não é adequado a criar a convicção a quem quer que seja que jamais exerceria o seu direito, pelo que não se verifica o abuso do direito por parte dos Autores.


IV. Decisão
Posto o que precede, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
As custas ficam a cargo dos Recorrentes.


Pedro Lima Gonçalves (Relator)
Cabral Tavares
Maria de Fátima Gomes
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)
Lisboa, 20 de dezembro de 2017

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)