Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1387/15.6T8PRT-B.L1.P1-A
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: NUNES RIBEIRO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
DIREITO COMUNITÁRIO
PACTO PRIVATIVO DE JURISDIÇÃO
CONTRATO DE MÚTUO
CONTRATO DE SWAP
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - TRIBUNAIS / COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES / PACTOS PRIVATIVOS DE JURISDIÇÃO.
DIREITO EUROPEU - COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL.
Doutrina:
- ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª ed., 43.
- RODRIGUES BASTOS, Notas ao “Código de Processo Civil”, 3.ª ed. vol. III, 215.
- TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 92/93.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 59.º, 94.º, 629.º, N.º 2, AL. A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 8.º, N.º 4.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (UE) N.º 1215/2012, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 12-12-2012 – RELATIVO À COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA E AO RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE DECISÕES EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL: - ARTIGOS 25.º, 30.º, 31.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 13-3-56, IN B.M.J., N.º 55, 307, E DE 13-3-97, IN B.M.J. N.º 465º, 477.
Sumário :
I - A competência internacional dos tribunais portugueses pode resultar, designada e prioritariamente de regulamentos europeus, sendo um deles o Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12-12-2012 – relativo à competência judiciária e ao reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial – aplicável desde 10-01-2015 (arts. 59.º do CPC, e 8.º, n.º 4, da CRP).

II - Nos termos do art. 25.º do citado Regulamento, as partes podem celebrar pactos atributivos e pactos privativos de jurisdição: os primeiros são os que concedem competência a um ou vários tribunais portugueses; os segundos são os que retiram a competência a um ou a vários tribunais portugueses e a atribuem em exclusivo a um ou a vários tribunais estrangeiros – o mesmo resultando do art. 94º do CPC.

III - Resultando da matéria provada que as partes acordaram na atribuição de competência exclusiva aos tribunais espanhóis, mais concretamente ao tribunal de Vigo, para a resolução dos litígios que pudessem decorrer do contrato de “empréstimo” entre ambas celebrado e não padecendo esse pacto de jurisdição de ineficácia ou de vício que o torne inválido, é de concluir que os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para dirimir o litígio, na parte referente ao mencionado contrato de mútuo bancário.

IV - O art. 30.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 – que rege para os casos de acções conexas que estejam pendentes em tribunais de diferentes Estados-membros – não sendo aplicável ao caso, não afasta a mencionada conclusão: quer porque a invocada conexão entre as duas “acções” (“empréstimo” e “swap”), não tendo relevância processual, não é susceptível de conduzir a decisões inconciliáveis (dado que a causa de pedir não é a mesma e única e os pedidos não estão, entre si, numa relação de dependência); quer porque no caso não ocorre pendência de acções “em tribunais de diferentes Estados-membros”.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:



Parque Fotovoltaico AA, S.L., com sede em …, Pontevedra, Espanha, instaurou, em 16-01-2015, na 1ª secção cível da instância central do Porto, acção declarativa com processo comum contra Banco BB, S.A., com filial na Avenida …, …-…, Porto, e Banco CC, S.A., com filial no mesmo local, pedindo:

1. Seja declarada a invalidade (por dolo ou erro) dos aditamentos ao contrato de empréstimo, realizados em 25.02.2009 e em 2012, devendo o 1.° Réu ser condenado a restituir à Autora os montantes que esta pagou em consequência das alterações do "spread", os quais somavam a importância total de € 715.917,72, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa comercial em vigor, contados desde a data de pagamento de cada prestação semestral até efectivo e integral pagamento, e que em 16.1.2015 perfaziam € 189.667,95;

2. Seja declarada a resolução do contrato de “swap" com efeitos retroactivos à permuta de taxas ocorrida em 17.07.2009, devendo o 1.° Réu ser condenado a restituir à Autora a importância de € 1.588.908,90, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa comercial em vigor, contados desde a data de pagamento de cada fluxo até efectivo e integral pagamento, e que em 16.01.2015 perfaziam € 342.746,65, mais devendo o 1.° Réu ser condenado a restituir à Autora todos os fluxos vincendos que venha a pagar até ao trânsito em julgado da sentença, a que acrescem juros de mora vincendos, calculados à taxa comercial em vigor, contados até efectivo e integral pagamento.

Subsidiariamente ao pedido formulado em 2:

3. Seja o 1.° Réu condenado a indemnizar a Autora pelos prejuízos causados pelo "contrato de swap", por força do abuso de direito, em montante equivalente aos fluxos financeiros negativos por esta pagos e a pagar no âmbito deste, desde 17.07.2009 até ao término da sua vigência, e que em 16.01.2015 perfaziam o montante total de € 1.588.908,90, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa comercial em vigor, contados desde a data de pagamento de cada fluxo até efectivo e integral pagamento, e que na data de 16.01.2015 perfaziam € 342.746,65.

Subsidiariamente ainda aos pedidos formulados em 2. e 3:

4. Seja o 1.° Réu condenado a indemnizar a Autora pelos prejuízos causados pelo "contrato de swap", por força da responsabilidade civil simultaneamente delitual e contratual, em montante equivalente aos fluxos financeiros negativos por esta pagos e a pagar no âmbito deste, desde 17.07.2009 até ao término da sua vigência, e que em 16.01.2015 perfaziam o montante total de € 1.588.908,90, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa comercial em vigor, contados desde a data de pagamento de cada fluxo até efectivo e integral pagamento, e que em 16.01.2015 perfaziam € 342.746,65.

Subsidiariamente a todos os pedidos anteriores:

5. Seja o 2.° Réu condenado nos exactos termos dos pedidos formulados contra o 1.° Réu, caso se entenda que é este o sujeito da relação material controvertida.

Alegou, para tanto, em síntese, ter celebrado com o Banco CC, sucursal em Espanha, em 17/1/2008, um contrato de empréstimo, por via do qual este lhe emprestou a quantia de € 9.700.000,00, pelo prazo de 15 anos, com taxa de juro variável "euribor" a 6 meses, acrescido dum "spread" de 1%, a pagar semestralmente, nos termos do doc. que juntou com o n.º 1; e que, em 20/6/2008, celebraram um contrato de "swap", com início em 17/7/2008, pelo prazo de 7 anos, em ordem a precaver o risco de subida em alta da taxa de juro "euribor" a que a Autora se havia vinculado no âmbito do aludido contrato de empréstimo, vindo tal contrato de "swap" a ser substituído por outro de idêntica natureza, em 11/1/2010, para vigorar pelo prazo de 10 anos, por força do qual o "Banco CC" pagava semestralmente a "euribor" a 6 meses, enquanto a Autora pagava semestralmente as taxas fixas crescentes mencionadas no artº 38 da p.i.; que a alteração das taxas de juro assim convencionada veio a revelar-se desequilibrada e prejudicial em relação a si, por força da evolução da "euribor" a 6 meses, ao ponto de lhe causar um elevado prejuízo, tudo a justificar a resolução desses contratos de "swap" por alteração das circunstâncias ou, então, por actuação abusiva do contraente "banco", incorrendo na obrigação de indemnizar a Autora pelos prejuízos correspondentes aos fluxos financeiros que já pagou ou pagará desde Julho de 2009 até ao termo daquele último contrato de "swap".

O Réu "Banco BB" contestou impugnando e excepcionando a incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer das questões relativas ao contrato de mútuo, bem como a incompetência territorial do Tribunal da Comarca do Porto (onde a acção fora instaurada) para conhecer da matéria referente ao contrato de "swap".

No que à primeira excepção concerne, única que aqui importa considerar, alegou que as partes convencionaram que o tribunal competente para dirimir qualquer conflito referente ao contrato de mútuo seria o do lugar do cumprimento da obrigação, no caso, Vigo - Espanha.

A Autora respondeu a tal excepção, defendendo a sua improcedência, por o tribunal onde a causa foi instaurada dever ser considerado o competente internacionalmente.

A 1ª instância, por despacho de 1/10/2015, julgou procedentes as excepções invocadas, tendo declarado:

-   a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, por violação de pacto privativo de jurisdição, para tramitar e julgar as questões suscitadas nos autos relativamente ao contrato de mútuo, com a consequente absolvição das Rés da instância, nessa parte;

-   a incompetência territorial do Tribunal da Comarca do Porto para julgar as questões suscitadas nos autos relativamente aos contratos de “swap” e, em consequência, determinou a oportuna remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.

Inconformada, a Autora reclamou desta última decisão, e interpôs recurso de apelação quanto à primeira.

A reclamação foi desatendida, tendo a questão nela apreciada sido decidida definitivamente, nos termos do art.° 105.° n.° 4 do C. P. Civil.

O recuso foi admitido, tendo a Relação do Porto, por acórdão de 07 de Julho de 2016, julgado a apelação improcedente e confirmado a decisão recorrida.

De novo irresignada, a Autora interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal, que foi recebido pelo ora Relator, ao abrigo da primeira parte da al. a) do nº 2 do artº 629º do C. P. Civil, atenta a invocada violação das regras da competência internacional.

Na sua alegação, a recorrente concluiu, na parte que aqui releva, nos termos que a seguir se transcrevem:

«Da Jurisdição Competente

Da conexão entre o contrato de empréstimo e o contrato de swap. A competência determinada pelos artigos 30° e 31° do Regulamento

5. Os Tribunais Portugueses são competentes para julgar o contrato de empréstimo ao abrigo dos artigos 30° e 31° do Regulamento 1215/2012, conforme desenvolvido supra nas páginas 17 e seguintes do corpo das alegações.

6. O contrato de swap celebrado entre a Autora e o Banco CC só existe porque existe o contrato de empréstimo, estando os mesmos em coligação, pois que um tem a causa da sua existência na existência do outro.

7. Afigura-se absolutamente imperioso ser o mesmo Tribunal a apreciar o contrato de swap e os aumentos do spread no contrato de empréstimo subjacente, não apenas face à coligação que existe entre ambos os contratos, mas também pela forma como foi configurada a causa de pedir e o pedido da ação quanto a ambos os contratos, mormente no que concerne aos institutos jurídicos da alteração das circunstâncias e do abuso de direito.

8. Tal significa que o conhecimento e apreciação do comportamento abusivo do Banco CC no âmbito do contrato de swap carece de conhecimento e apreciação prévia da atuação do Banco CC no âmbito das alterações do spread no empréstimo associado, assim se verificando um elemento de conexão que justifica a apreciação conjunta de ambos os temas (spread e swap) pelo mesmo Tribunal.

9. A discussão judicial separada de ambas as questões estritamente conexas, implicará uma duplicação da prova a produzir e a apreciar sobre a mesma realidade factual, o que poderá redundar em decisões inconciliáveis, não apenas a nível da decisão de facto, mas também a nível da decisão de direito, pondo em causa a boa administração da Justiça e a certeza e a segurança jurídicas.

10. Como doutamente professado no Parecer proferido pelo Professor José Lebre de Freitas: "Os dois pedidos devem ser conhecidos na mesma causa e os tribunais competentes são os portugueses, visto que nestes foi a ação instaurada em primeiro lugar".

11. O caso dos autos subsume-se na previsão do artigo 31°, n° 1 do Regulamento, pois para a ação que visa conhecer da validade dos aumentos do spread têm competência exclusiva os Tribunais Espanhóis (de Vigo), por força do pacto de jurisdição vertido na cláusula 13ª do contrato de empréstimo (doc. 1 da p.i.), conforme páginas 14 e 15 do Parecer.

12. E para a ação que visa conhecer do contrato de swap tem competência exclusiva os Tribunais Portugueses (do foro mais próximo do domicílio do cliente, escolhido entre os foros da comarca de Lisboa, Porto, Funchal e Ponta Delgada), por força do pacto de jurisdição vertido na cláusula 23a, 2.2. do contrato quadro de operações cambiais e derivados (doe. 3 da p.i.), conforme explanado nas páginas 15 a 20 do Parecer.

13. Assim, sendo as ações da competência exclusiva de vários tribunais — atentos os pactos de jurisdição estabelecidos no contrato de empréstimo e no contrato de swap — e devendo as ações ser julgadas conjuntamente, atenta a inegável conexão entre elas, é competente o tribunal demandado em primeiro lugar, donde decorre, também assim, a competência dos Tribunais Portugueses para conhecer do pedido formulado na petição inicial relativo ao contrato de empréstimo.

14. Determinada a competência internacional dos Tribunais Portugueses para conhecer do pedido atinente ao contrato de empréstimo, este deve ser julgado conjuntamente com o contrato de swap e, uma vez que a competência para julgar o contrato de swap está definitivamente fixada em Lisboa (embora erradamente em nossa opinião), então é o Tribunal de Lisboa onde pende a apreciação do contrato de swap que deve ser declarado competente para julgar os pedidos relativos ao contrato de empréstimo.

15. Conforme desenvolvido supra nas páginas 33 e seguintes do corpo das alegações, uma vez que as partes não escolheram a lei aplicável ao contrato, não havendo escolha expressa ou que resulte de modo inequívoco conforme preceitua o artigo 3°, n° 1 da Convenção 80/934/CEE, aplica-se o disposto no artigo 4°, n° 1, 2 e 5 da Convenção, pelo que, apresentando o contrato uma conexão mais estreita com Portugal, é regulado pela Lei do nosso País.

Com as alegações juntou douto parecer subscrito pelo Prof. Lebre de Freitas.

O Réu Banco BB, S.A. respondeu, pugnando pelo improvimento da revista e confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


*


Objecto do recurso

Como é sabido, são as conclusões da alegação que delimitam o objecto do recurso [art.ºs 635º n.º 4, 639º n.ºs 1 e 3 e 641º nº 2 al. b) todos do novo C.P. Civil], não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Não obstante, tendo o recurso, no caso, sido recebido excepcionalmente ao abrigo da al. a) primeira parte do nº 2 do artº 629º do C. P. Civil, a respectiva apreciação está restringida à questão que justificou a sua admissão, ou seja, a infracção das regras da competência internacional, não podendo, por isso, ser apreciadas ou conhecidas quaisquer outras questões mesmo que de questões novas se não tratem, como é doutrina e jurisprudência uniforme (vide RODRIGUES BASTOS, in Notas ao Código de Processo Civil, 3ª ed. vol. III, pag 215; ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 43; e, por exemplo, os Acs STJ de 13-3-56, in BMJ, nº 55, pag. 307 e de 13-3-97, in BMJ nº 465º, pag. 477).

Daí que, no caso, a única questão a apreciar e decidir consista em saber se os Tribunais Portugueses são ou não internacionalmente competentes para conhecer da acção, no que ao contrato de mútuo concerne.


*


Fundamentação

1) De facto:

O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:

1. A Autora e o Banco CC, S.A. (Sucursal em Espanha), em 17/1/2008, celebraram, em …, Espanha, o contrato escrito de mútuo constante do doc. n.° 1, junto com a petição inicial;

2. A Autora e o Réu Banco CC, em 20/6/2008, celebraram um contrato denominado "swap", substituído pelo outorgado em 11/1/2010, tendo em vista precaver o risco de subida e manutenção em alta da taxa de juro "euribor" estabelecida no âmbito do contrato do mútuo referido em 1;

3. A Autora é uma sociedade de direito espanhol, tem a sua sede em …, …, Espanha e por objecto social a produção e comercialização de energia gerada por fontes renováveis;

4. Da cláusula 13.ª do contrato de mútuo aludido em 1, subordinado ao título "jurisdição", ficou estabelecido o seguinte:

"Todos os signatários renunciam ao seu próprio foro e submetem expressamente à jurisdição e competência dos tribunais do lugar do cumprimento das obrigações derivadas do presente contrato, de acordo com o fixado na al. a) da disposição quinta anterior, para dirimir quaisquer litígios que possam decorrer do mesmo";

5. Na cláusula 5.a, al. a) desse mesmo contrato de mútuo foi estabelecido que:

"Em cada data na qual o mutuário deva pagar qualquer importância em conformidade com o presente contrato, pagará a mesma nesse mesmo dia, ao Banco, sem necessidade de qualquer requerimento por parte deste. Esse pagamento será efectuado nas instalações do banco e será creditado na conta de empréstimo indicada na disposição sétima da presente apólice. Assim, o local de cumprimento das obrigações do mutuário é a localidade que consta no cabeçalho deste Contrato, nas instalações da sucursal do banco identificada no mesmo";

6. No cabeçalho desse contrato de mútuo consta como localidade e como escritório do Banco, Vigo.

2) De direito:

Como acima se disse, é uma só a questão a apreciar: saber se os Tribunais Portugueses têm ou não competência internacional para conhecer da acção no que respeita ao contrato de mútuo.

As instâncias entenderam que, em face da atribuição da competência, para dirimir os litígios surgidos com o contrato de mútuo, ao Tribunal de Vigo, nos termos do pacto de jurisdição celebrado, os tribunais portugueses eram internacionalmente incompetentes para o efeito.

Ao invés, a recorrente argumenta e insiste que, atenta a inegável conexão entre «as acções» (a que visa conhecer da resolução do contrato de “swap”, por um lado, e a que visa conhecer da invalidade dos aditamentos ao contrato de empréstimo, por outro) elas devem ser julgadas conjuntamente, e mostrando-se «a competência para julgar o contrato de “swap” já definitivamente fixada em Lisboa», então será também este tribunal de Lisboa «onde pende a apreciação do contrato de “swap”, que deve ser declarado competente para julgar os pedidos relativos ao contrato de empréstimo», por força do estatuído nos artºs 30º e 31º do Regulamento nº 1215/2012, uma vez que foi nele que a acção foi instaurada em 1º lugar.

Mas não tem razão, adiante-se já.

Como salienta TEIXEIRA DE SOUSA, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pag 92/93: «As facilidades de deslocação de pessoas, bens e capitais potenciam o surgimento de litígios que apresentam, através quer das partes interessadas, quer do seu próprio objecto, conexões com várias ordens jurídicas. Quando emerge um desses litígios plurilocalizados, coloca-se o problema de determinar qual o tribunal que, no âmbito das várias ordens jurídicas envolvidas, tem competência para o dirimir. Esta selecção incumbe às regras sobre a competência internacional directa, às quais cabe determinar, em cada uma das jurisdições com as quais o litígio tem contacto, se os tribunais de alguma delas são competentes para resolver o conflito».

E, mais adiante, acrescenta:

«A competência internacional dos tribunais portugueses é, assim, a competência dos tribunais da ordem jurídica portuguesa para conhecer de situações que, apesar de possuírem, na perspectiva do ordenamento português, uma relação com ordens jurídicas estrangeiras, apresentam igualmente uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa» (obra citada, pag. 108).

No que respeita à competência internacional dos tribunais portugueses, estabelece o art.° 59.° do C. P. Civil  que :

«Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.° e 63,° ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º».

A competência internacional dos tribunais portugueses pode, assim, resultar, designada e prioritariamente de regulamentos europeus. É o que decorre do primado do direito comunitário e da sua aplicação directa na ordem interna, conforme previsto no art.° 8.° n.° 4 da Constituição da República Portuguesa, onde se estatui que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das suas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Um desses regulamentos é, efectivamente, o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, citado pela recorrente, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, aplicável desde 10 de Janeiro de 2015 (salvo quanto aos artºs 75º e 76º, aos quais se aplica desde 10 de Janeiro de 2014), e portanto, de aplicação aos autos já que acção foi instaurada no dia 16 desse mês.

Ora, estatui o artº 25º do referido Regulamento que:

«1. Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita;

b) De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou

c)  No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão.

2. Qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à “forma escrita”.

(…)

5. Os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são tratados como acordo independente dos outros termos do contrato.

A validade dos pactos atributivos de jurisdição não pode ser contestada apenas com o fundamento de que o contrato não é válido».

Trata-se de uma norma semelhante à do artº 94º do C. P. Civil para que remete na sua parte final o acima citado artº 59º, na qual se preveem e regulam, tanto os pactos atributivos, como os pactos privativos de jurisdição.

Na verdade, de acordo com a mencionada norma, são atributivos de jurisdição os pactos que concedem competência a um ou vários tribunais portugueses; e privativos de jurisdição os que retiram a competência a um ou vários tribunais portugueses e a atribuem em exclusivo a um ou vários tribunais estrangeiros.

Ora, no caso, não oferece dúvidas, face à matéria provada sob os nºs 4 a 6 supra e ao estatuído no nº 1 do artº 25º do citado Regulamento, que a ora recorrente e o Réu Banco Espírito Santo acordaram na atribuição de competência exclusiva aos tribunais espanhóis, mais concretamente ao tribunal de Vigo, para a resolução dos litígios que pudessem decorrer do celebrado contrato de «empréstimo» (na terminologia da ora recorrente), como, aliás, explicitamente reconhece sob o nº 11 das conclusões do recurso.

E não padecendo tal pacto de ineficácia ou de vício que o torne inválido (a ora recorrente reconhece, aliás, como se disse, a sua validade) custa a entender o argumento da ora recorrente - fazendo tábua rasa de tal convenção - de que são os tribunais portugueses os competentes internacionalmente para dirimirem o litígio relativo a esse contrato.

É que a competência internacional que poderia residir nos tribunais portugueses, por força do artº 4º nº 1 e 63º nº 1 do indicado Regulamento, foi-lhes voluntária e irreversivelmente retirada pelos contraentes e atribuída, em exclusividade, aos tribunais espanhóis.

E não venha agora a recorrente argumentar com a conexão entre o contrato de «empréstimo» e o contrato de «swap» (para o qual foi já julgado competente, por decisão definitiva, o tribunal da comarca de Lisboa) e a necessidade do julgamento conjunto dos atinentes pedidos, tendo em vista prevenir eventuais «decisões inconciliáveis».

Na verdade, sendo certo que, de acordo com o artº 30º do Regulamento:

«1. Se estiverem pendentes ações conexas em tribunais de diferentes Estados-Membros, todos eles podem suspender a instância, com exceção do tribunal demandado em primeiro lugar.

(…)

3. Para efeitos do presente artigo, consideram-se conexas as ações ligadas entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídas e julgadas em conjunto para evitar decisões eventualmente inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente».

E que, segundo o artigo 31° nº 1:

«1. Se as ações forem da competência exclusiva de vários tribunais, todos eles devem declarar-se incompetentes em favor do tribunal demandado em primeiro lugar».

Não se vê, porém, como possam ter aplicação à situação em apreço tais normas.

Em 1º lugar e desde logo, porque ainda que se não possa recusar uma certa conexão entre as duas «acções» («empréstimo» e «swap») - mas sem relevância processual, dado a causa de pedir não ser a mesma e única e os pedidos não estarem entre si numa relação de dependência - tal conexão nunca seria susceptível, quaisquer que possam ou pudessem ser as decisões num e noutro caso, de conduzir a decisões «inconciliáveis» ou absolutamente incompatíveis, na medida em que a eventual procedência do pedido de declaração de invalidade dos aditamentos ao contrato de  mútuo em nada colidiria com uma eventual improcedência do pedido de resolução do contrato de “swap", ou vice-versa.

A lógica da recorrente conduzir-nos-ia a ter de aceitar axiomaticamente que qualquer outra decisão diferente da procedência de ambos aqueles pedidos redundaria ou poderia redundar em decisões inconciliáveis; o que em termos processuais é indefensável.

Depois, porque aquilo que nas citadas normas se prevê tem a ver com casos de pendência de acções «em tribunais de diferentes Estados-Membros», o que, como é óbvio, não ocorre na situação em análise.

Em conclusão: os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para dirimir o litígio, na parte referente ao contrato de mútuo bancário, por força do pacto de jurisdição celebrado, como bem decidiu o tribunal recorrido.

Consequentemente, é de confirmar o acórdão recorrido, que não violou qualquer das normas invocadas pela recorrente.


Decisão

Nos termos expostos, acordam em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 09 de Fevereiro de 2017


Nunes Ribeiro (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova

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[1] Relator: Nunes Ribeiro
Conselheiros Adjuntos: Dra Maria dos Prazeres Beleza e Dr. Salazar Casanova