Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B1547
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CUSTODIO MONTES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ESCRITURA PÚBLICA
DECLARAÇÃO DE EXECUTORIEDADE
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: SJ200506160015477
Data do Acordão: 06/16/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 2550/02
Data: 12/14/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1. O documento extrajudicial, constituído por escritura pública outorgada pelo executado na Alemanha e declarada título executivo pelo tribunal alemão, embora não careça de revisão em Portugal, para ser exequível, carece de declaração de executoriedade do tribunal competente, nos termos do art. 57 do Regulamento Bruxelas I (Regulamento 44/2001 do Conselho, de 22.12.00.
2. Não constando do documento essa declaração de executoriedade, ocorre excepção dilatória inominada, a justificar o indeferimento liminar da petição executiva.
Decisão Texto Integral: Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça:

Relatório

"A", instaurou contra B, de nacionalidade alemã, residente em Portugal, e eventualmente em Vierthhstrasse 82, 25593 Reher, na Alemanha,

Execução para pagamento de DM 325.000, acrescida de juros,

alegando que

. por escritura pública de 8.5.98, outorgada pelo executado, perante o Notário que identifica, constituiu-se este devedor ao banco exequente da quantia de 800.000 marcos alemães, acrescida de juros de mora de 15% ao ano e de uma prestação acessória única sobre o capital em dívida.

. para garantia dessa dívida, foi constituída uma hipoteca geral sobre imóveis do executado, situados em Reher e em Mönchengladbach, na Alemanha, devidamente identificados na escritura.

. por essa escritura, ficou estabelecido que a dívida e as prestações acessórias estavam vencidas.

. o executado aceitou nessa mesma escritura a sua responsabilidade pessoal e ilimitada sobre qualquer outro bem do seu património, até ao montante global de 800.000 marcos alemães, acrescidos de juros de 15% ao ano e de uma prestação acessória única de 5% sobre o capital em dívida.

. notificado para pagar, não o fez.

. foi conferida e aposta força executiva à citada escritura por declaração judicial do tribunal da comarca de Hamburgo, Alemanha.

. não se alega que o executado tem bens em Portugal.

A petição executiva foi liminarmente rejeitada por incompetência do tribunal, nos termos dos arts. 835.º, 94.º, 2 e 65, a) e b) do CPC.

O exequente agravou desse despacho para o tribunal da Relação de Évora, mas sem sucesso.

Novamente inconformado, interpôs recurso de agravo para este Supremo Tribunal, terminando as suas alegações com as seguintes

Conclusões

1. O Tribunal deve julgar a causa, dando por boas as indicações feitas pelo autor na petição inicial de execução, se não houver nos autos nada em contrário, nomeadamente por falta de embargos de executado.

2. O executado que é indicado no requerimento de execução como tendo residência em Portugal, mesmo que venha a ser citado editalmente, não pode ser considerado pelos Tribunais como não residente em Portugal para fundamentar a declaração de incompetência internacional dos tribunais, sob pena de violação do art. 264° do Código de Processo Civil.

3. Tendo o executado domicílio em Portugal e pretendendo o exequente intentar execução ordinária para executar bens imóveis situados em Portugal, sobre os quais não recaia a garantia real, são os Tribunais competentes para a respectiva execução, sob pena de violação ao art. 65° nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil.

4. Tendo o executado assumido, em escritura pública, a sua responsabilidade pessoal e ilimitada sobre qualquer bem do seu património para o pagamento de certa dívida, e tendo ou podendo o executado ter bens imóveis em Portugal, são os Tribunais portugueses competentes para julgar a respectiva execução, sob pena de violação do art. 65° nº 1 alínea b) e 94°, ambos do Código de Processo Civil.

5. Só podendo o exequente efectivar o seu direito em Portugal, por o único património conhecido do executado se situar em Portugal, e havendo conexão entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional, nomeadamente porque o executado é indicado como sendo residente em Portugal e como tendo bens em Portugal, os Tribunais são competentes para a respectiva execução, sob pena de, a assim não se entender, ficar violado o art. 65° nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil.

6. Declarando-se neste caso os Tribunais internacionalmente incompetentes, incorrem em denegação de justiça, violando o art. 2° do Código de Processo Civil.

7. Estabelecendo exequente e executado por forma contratual válida e solene, que o segundo pode ser demandado em qualquer Tribunal, são os Tribunais portugueses competentes para a tramitação da execução de bens que o executado tenha em Portugal, sob pena de ficar violado o disposto no art. 99.º do Código de Processo Civil.

8. Sendo uma garantia hipotecária constituída condicionalmente, residindo tal condição no facto de o constituinte da hipoteca vir a adquirir a propriedade do bem, a hipoteca só se torna válida e eficaz depois de feita a prova dessa aquisição

9. Neste caso, a escritura de constituição de hipoteca condicional serve de título executivo para a execução da generalidade do património do devedor, porque não ocorre a necessidade de iniciar a execução pela penhora do bem dado à hipoteca - por essa hipoteca não se ter tornado válida - não podendo assim o Tribunal afastar a sua competência territorial baseada na regra geral do art. 835° do Código de Processo Civil, violando-o, se assim o fizer.

10. O facto de na mesma escritura pública terem sido praticados vários actos, não implica que o Tribunal tenha que ter conhecimento de todos os actos para dirimir a causa, tendo tão só que ter por referência e se debruçar sobre os actos invocados pelas partes litigantes, não devendo nem podendo tomar conhecimento dos restantes actos da escritura, sob pena de ficar violado o princípio consignado na art. 660° nº 2 do Código de Processo Civil.

Termina pedindo se revogue o acórdão recorrido e o substitua por outro que considere o Tribunal internacionalmente competente para julgar os autos de execução ordinária.

Não há contra alegações.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

A matéria de facto a considerar é a que acima se deixou referida no relatório.

O direito

Como é sabido e diz a lei (1) as conclusões delimitam o objecto do recurso, mas elas apenas podem emergir da matéria de facto em que assentou a decisão recorrida porque os recursos "visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento". (2)

Como acima se disse, para além de se ter alegado que o executado reside em Portugal ou eventualmente na Alemanha, nada se diz na P.I. que o executado possui bens em Portugal: apenas se alega que o mesmo tem bens na Alemanha.

Por isso, não emerge do alegado na P.I. a conclusão 5. em que se diz que o executado tem bens em Portugal, sendo, por isso, competentes os tribunais portugueses.

Não sendo lícito ao exequente extrair tal conclusão da matéria de facto alegada na petição executiva, não pode, com base nela, concluir-se pela competência dos tribunais portugueses, face ao art. 65, 1, b) do CPC, como conclui a exequente.

Mas antes de nos pronunciarmos sobre essa questão, há que analisar se o título que fundamenta a execução reúne o condicionalismo para ser caracterizado como título executivo.

É que "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras", devendo começar pelas questões processuais que possam determinar a absolvição da instância. (3)

De acordo com o requerimento inicial, o exequente baseia a execução numa dívida do executado perante si, emanada de um documento extrajudicial, constituído por uma "escritura pública de 8 de Maio de 1998 outorgada pelo executado perante o Notário de Schleswig-Holstein, Hartmut Herzog, com cartório em Itzehoe".

Por declaração judicial do tribunal da comarca de Hamburgo na Alemanha foi conferida e aposta a força executiva à citada escritura.

Mas, em Portugal, essa força executiva aposta por declaração judicial do tribunal alemão não releva, porque, à base do Regulamento 44/2001 do Conselho, de 22.12.00, "os actos autênticos exarados ou registados num Estado-Membro e que a aí tenham força executiva são declarados executórios, mediante requerimento, noutro Estado-Membro, segundo o processo previsto nos arts. 38.º e sgts."(4)

É o que ensina também Lebre de Freitas (5) no seguinte texto: "segundo o art. 57.º do Regulamento Bruxelas I e 50.º da Convenção de Lugano, os documentos autênticos exarados num Estado contratante, de acordo com os requisitos de autenticidade nele estabelecidos, e que aí revistam a natureza de título executivo, podem fundar uma execução em outro Estado contratante, mesmo que aqui não fossem exequíveis, após a emissão, neste estado, da declaração de executoriedade, a emitir, a requerimento de qualquer interessado, nos mesmos termos que a declaração de executoriedade das sentenças...."

Portanto, muito embora o título dado à execução não careça de revisão em Portugal (6) e seja exequível na Alemanha, para o ser em Portugal, terá o exequente que obter a declaração de executoriedade do tribunal competente, como estatuem os arts. 38.º e 39.º do mencionado Regulamento que, no nosso país, é o tribunal de comarca. (7)

Não constando dos autos essa declaração de executoriedade, evidente se torna que o título executivo é insuficiente para fundamentar a execução, integrando essa insuficiência uma excepção dilatória inominada, como ensina Alselmo de Castro.(8)

Por isso, justifica-se o indeferimento liminar do requerimento executivo, que se deve manter, embora por motivos diferentes do considerado pelas instâncias. (9)

Prejudicadas ficam as demais questões suscitadas, face ao mencionado art. 660.º, 2 do CPC.

Decisão

Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida, embora por outros motivos.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 16 de Junho de 2005
Custódio Montes,
Neves Ribeiro,
Araújo Barros.
---------------------------
(1) Arts. 684º, 3 e 690º, 1 do CPC.
(2) Ver Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, pág. 395.
(3) Art. 660.º, 1 e 2 do CPC.
(4) Art. 57.º, 1 do Regulamento, o que já acontecia na vigência da Convenção de Bruxelas - art. 50.º
(5) A Acção Executiva Depois da Reforma 4.ª ed., pág. 49, nota 49.
(6) Art. 49.º, 2 do CPC (antes e depois das alterações do DL. 38/03, de 8.3).
(7) Ver o anexo II do referido Regulamento; na Convenção de Bruxelas era o tribunal de círculo; o Regulamento (CE) n.º 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21.4.04, dispensa o exequatur no Título Executivo Europeu para os créditos não contestados (art. 5.º), mas, apesar de estar em vigor desde 21.1.05, esse normativo apenas entra em vigor em 21.10.05, como resulta do art. 33.º.
(8) Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, pág. 250, considera que se é "necessário o recurso a outras vias, antes da propositura de qualquer acção, isto é, antes de se proceder à solução do conflito", ocorre uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito da causa.
(9) Para ser exequível: art. 811-A, 1 b) do CPC, redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL 38/03, de 8.3, aqui aplicável.