Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANA RESENDE | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO REJEIÇÃO DE RECURSO CONTRADIÇÃO DE ACÓRDÃOS OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS CONHECIMENTO DO MÉRITO EXCEÇÃO DILATÓRIA LEGITIMIDADE | ||
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Apenso: | | ||
Data do Acordão: | 11/02/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA. | ||
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Sumário : | I- A oposição relevante em termos de admissibilidade de recurso pressupõe que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, que determine a aplicação em cada um do mesmo regime legal, de modo direto conflituantes, com soluções de direito opostas e como tal inconciliáveis, e em conformidade contraditórias. II- O disposto no art.º 671, n.º1 e 2, do CPC, não permite que sejam recorríveis os Acórdãos da Relação que julguem improcedentes exceções dilatórias que não apreciam o mérito da causa, nem põem termo ao processo, como no caso sob análise que considerando a A. parte legítima, determinou o subsequente prosseguimento dos autos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Revista n.º 1482/22.5T8VCT.G1-A.S1. ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – RELATÓRIO 1. AA veio interpor contra IRMÃOS VAZ, CONSTRUÇÕES, LDA, BB e CC, ação declarativa com processo comum, pedindo que seja anulada a deliberação de aprovação do ponto 4 da ordem de trabalhos da reunião da assembleia-geral da 1.ª R. realizada em 31.03.2022, na parte em que aprovou a proposta de exigência aos sócios de prestações suplementares, no montante de 35.000,00€, dos quais 21.000,00€ a exigir ao 2.º R. e 14.000,00 a exigir ao 3.º R. e à A., propondo que a exigibilidade das prestações suplementares se verificasse no prazo de 35 dias a contar da comunicação aos 2.º e 3.º R. e A. 1. Invoca para tanto que contraiu casamento com o 3.º R, em 18.08.2002, sem convenção antenupcial, dissolvido por divórcio, conforme sentença de 18.11.2021. Em 30.06.2004 foi constituída a sociedade, 1.ª Ré, que nessa data tinha como sócios os dois RR, irmãos, e um outro irmão entretanto falecido, cuja quota foi dividida, por escritura pública de 23.09.2020, entre os dois RR, no valor de 9.600,00€ para o 2.º R, e 2.400,00€ para o 3.º R., passando o 2.º R a ser formalmente o sócio maioritário da 1.ª R. Logo no mês de Setembro de 2020, o 2.º e 3.º RR mediante acordo prévio e em conluio para prejudicar a A. começaram a praticar atos jurídicos com o propósito de subtrair bens ao património comum da A. e do 3.º R. Foi convocada para participar em reunião da assembleia-geral dos sócios da 1.ª R, a realizar em 31.03.2022, o que fez, votando contra o 4.º ponto da ordem de trabalhos consistindo numa proposta de exigência aos sócios de prestações suplementares, proposta esta que foi aprovada pela maioria dos sócios presentes. A deliberação aprovada padece de vício de anulabilidade, porque para além dos 2.º e 3.º RR terem uma relação recíproca de confiança total, não havendo por parte do 3.º R constrangimento em colocar os seus bens no nome do 2.º R, porque os devolveria certamente, a 1.ª R. e a atividade conjunta dos 2.º e 3.º RR nunca passou por dificuldades financeiras, muito menos carecendo de capital, não visando acautelar os interesses societários, mas apenas prejudicar a A. numa futura partilha do património comum pela ocorrência do divórcio. 2. Os RR contestaram invocando a exceção da ilegitimidade ativa da A., a ilegitimidade passiva do 2.º e 3.º RR, e impugnando a factualidade aduzida pela A. 2. No despacho saneador foi conhecida a exceção da ilegitimidade ativa, que foi julgada procedente, sendo os RR absolvidos da instância. 3. Inconformada, veio a A. interpor recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido Acórdão que revogou o despacho recorrido, considerando a A. parte legítima e determinado o subsequente prosseguimento dos autos. 4. Ora inconformados, vieram os RR interpor recurso de revista ordinária, nos termos do art.º 629, d), e art.º 671, n.º 2, b), do CPC, considerando que o Acórdão sob recurso está em contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 3990/14.2TBBRG.G1, de 5.11.2015 e com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 325/18.9T8VNG.P1.S1, de 26.01.2021, transitados em julgado e proferidos no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, formulando nas suas alegações, as seguintes conclusões (transcritas): A – O douto acórdão recorrido revogou o douto despacho saneador proferido pelo tribunal da 1.ª instância, o qual tinha julgado procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa da aqui recorrida, decidindo absolver os aqui recorrentes da instância; B - O douto acórdão recorrido pode ser objeto de revista não só nos termos da alínea d) do número 2 do artigo 629º do CPC, mas também da alínea b) do número 2 do artigo 671º do CPC, já que o mesmo está em contradição com o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 3990/14.2TBBRG.G1, de 05/11/2015, já transitado em julgado, e com o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 325/18.9T8VNG.P1.S1, de 26/01/2021, já transitado em julgado, ambos proferidos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito; C - No presente recurso cabe decidir, para os efeitos previstos no número 2 do artigo 8º do CSC, se o cônjuge de um sócio é, ou não, tratado como sócio, mais concretamente se a ex-cônjuge de um sócio de uma sociedade comercial por quotas, não sendo sócia, tem legitimidade, nos termos do artigo 59º do CSC, para instaurar ações de anulação de deliberações tomadas em assembleia geral; D -O douto acórdão recorrido entra em contradição com o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 3990/14.2TBBRG.G1, de 05/11/2015, já transitado em julgado, já que, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, foi entendido, naquele, que a ex-cônjuge de um sócio de uma sociedade comercial por quotas, não sendo sócia, tem legitimidade, nos termos do artigo 59º do CSC, para instaurar ações de anulação de deliberações tomadas em assembleia geral e, contrariamente, no acórdão fundamento, foi entendido que a ex-cônjuge sócia mantém em exclusivo essa posição na sociedade, pelo que só ela, e já não o seu ex-cônjuge não sócio, pode legitimamente interpor a ação de anulação de deliberações sociais; E - Embora no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 325/18.9T8VNG.P1.S1, de 26/01/2021, já transitado em julgado, o que esteve sob apreciação tenha sido a questão da legitimidade do exercício do direito à informação por parte do ex-cônjuge do sócio, e não a legitimidade do exercício do direito à instauração da ação de anulação de deliberações sociais pelo ex-cônjuge do sócio, a questão fundamental de direito, salvo melhor juízo, é a mesma, já que o que está em causa, num e noutro processo, é a apreciação de quem, no que ao exercício dos direitos sociais diz respeito, tem a qualidade de sócio: se apenas é o ex-cônjuge que, de acordo com o regime de bens, levou a participação social para o acervo patrimonial comum ou, ou invés, se essa qualidade pertence simultaneamente ao ex-cônjuge sócio e ao ex-cônjuge não sócio; F - O douto acórdão recorrido entra em contradição com o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 325/18.9T8VNG.P1.S1, de 26/01/2021, já transitado em julgado, uma vez que um e outro têm soluções divergentes no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, a qual se circunscreve, num e noutro processo, à apreciação de quem, no que ao exercício dos direitos sociais diz respeito, tem a qualidade de sócio; G - O douto acórdão recorrido, entrando em contradição com os acórdãos fundamento identificados na precedente conclusão elencada sob a alínea B), violou o disposto no número 2 do artigo 8º e o artigo 59º, ambos do CSC, já que decidiu, contra direito, que a ex-cônjuge de um sócio de uma sociedade comercial por quotas, não sendo sócia, tem legitimidade, nos termos do artigo 59º do CSC, para instaurar ações de anulação de deliberações sociais tomadas em assembleia geral; H – A recorrida, não sendo sócia da recorrente “Irmãos Vaz – Construções, Lda.”, mas apenas, e só, contitular, da vertente patrimonial, de duas quotas adquiridas pelo recorrente CC na constância do matrimónio com aquela, não tem legitimidade ativa para instaurar a ação de anulação de deliberações sociais; I - O douto acórdão recorrido deve ser revogado, mantendo-se a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância. 1. A A. veio apresentar contra-alegações, formulando as seguintes conclusões (transcritas): 1. Vieram os Recorrentes interpor recurso de revista do douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo, fundamentando o mesmo no facto de, alegadamente, aquele se encontrar em contradição com um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães e outro pelo Supremo Tribunal de Justiça, ambos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, nos termos do disposto na al. d) do n.º 2 do art.º 629.º e al. b) do n.º 2 do art.º 671, ambos do Cód. Proc. Civil. 2. Salvo o devido respeito, que é muito, o Douto acórdão Recorrido não está em contradição com os Doutos acórdãos citados e juntos aos autos pelos Recorrentes e, por isso, o recurso interposto pelos Recorrentes é inadmissível. 3. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 05-11-2015, processo n.º 3990/14.2TBBRG retrata uma situação em que um ex-cônjuge, titular de ações sobre uma sociedade por quotas anónima, intenta uma ação de anulação de deliberações sociais, ao abrigo do disposto no art.º 59.º do Cód. Soc. Comerciais. 4. O caso dos presentes autos, salvo o devido respeito, é substancialmente diferente daquele que retrata o acórdão citado pelos Recorrentes. 5. No caso subjudice, a ora Recorrida adquiriu, na constância do matrimónio celebrado com o Recorrente CC, a quota que o mesmo dispunha na sociedade Recorrente “Irmãos Vaz – Construções, Lda.”. 6. A Recorrida não consta pois do contrato de sociedade da Recorrente “Irmãos Vaz – Construções, Lda.” como sócia, ou seja, detentora de uma quota social, mas sim como cônjuge do sócio Recorrente CC, agora ex-cônjuge: cf. doc. n.º 2 junto com a petição inicial, já junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. 7. No acórdão citado pelos Recorrentes, identificado supra, a questão vertida no mesmo baliza-se no facto de saber se a ali Autora, efetivamente titular de ações sobre a sociedade anónima ali identificada, teria ou não legitimidade para instaurar ação de anulação de deliberações sociais, por ter sido impedida de exercer os seus direitos de sócia, ainda que o seu matrimónio se encontrasse dissolvido, à data da Assembleia Geral convocada. 8. E, no caso vertido nos presentes autos, coloca-se a questão da (il)legitimidade de um (ex)cônjuge, contitular de uma quota numa sociedade comercial por quotas limitada, adquirida na pendência do matrimónio celebrado com um sócio da mesma, para instaurar uma ação de anulação de deliberações sociais, ao abrigo do disposto no art.º 59.º do Cód. Soc. Comerciais, quando o mesmo foi convocado para uma assembleia geral da mesma e aí exerceu o seu direito de voto. 9. Salvo o devido respeito, e pelas razões acima expostas, o acórdão citado pelos Recorrentes e o Douto acórdão recorrido, pese embora se situem domínio da mesma legislação, os mesmos não versam sobre a mesma questão fundamental de direito. 10. A questão fundamental de direito vertida no Douto acórdão recorrido e no Douto acórdão citado pelos Recorrentes é, assim, no entendimento da Recorrida, manifestamente distinta, pelo que, não verifica qualquer contradição entre ambos os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Guimarães. 11. A legitimidade da Recorrida para instaurar a presente ação contra os aqui Recorrentes, requerendo a anulação das deliberações sociais da Sociedade Recorrente, em sede de assembleia-geral, datada de 31/03/2022, é indubitável, já que os factos que são alegados na sua petição inicial sustentam por si a sua legitimidade. 12. Face ao exposto, bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, não havendo nenhum reparo a fazer ao Douto acórdão recorrido, devendo, por isso, julgar-se totalmente improcedente o recurso de revista interposto pelos Recorrentes, por ser inadmissível, e, em consequência, ser proferido Douto acórdão que mantenha integralmente a decisão recorrida. 13. O acórdão ora junto pelos Recorrentes aos autos, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 26-01-2021, processo n.º 325/18.9T8VNG.P1.S1 retrata uma situação em que um Autor instaura uma ação especial de inquérito judicial contra diversos Réus, tendo peticionado que os mesmos lhe prestassem um conjunto de informações. 14. A questão fundamental de direito do acórdão citado pelos Recorrentes, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, diz respeito ao direito à informação de uma terceira pessoa que não é sócia, de uma determinada sociedade por quotas limitada, neste caso o ex-cônjuge de um sócio. 15. O caso dos presentes autos, salvo o devido respeito é, à semelhança do que aqui se disse anteriormente, substancialmente diferente daquele que retrata o acórdão citado pelos Recorrentes. 16. Tal como se referiu supra, no caso subjudice, a ora Recorrida não consta do contrato de sociedade da Recorrente “Irmãos Vaz – Construções, Lda.” como sócia, ou seja, detentora de uma quota social, mas sim como cônjuge do sócio Recorrente CC, agora ex-cônjuge, e a mesma instaurou contra os Recorrentes uma ação de anulação de deliberações sociais, ao abrigo do disposto no art.º 59.º do Cód. Soc. Comerciais, e não uma ação especial de inquérito judicial, tendo em vista o exercício de um ex-cônjuge do direito à informação. 17. Salvo o devido respeito, o acórdão citado pelos Recorrentes e o Douto acórdão recorrido, pese embora se situem domínio da mesma legislação, os mesmos não versam sobre a mesma questão fundamental de direito. 18. Pelo que, na esteira do já supra referido, é indubitável a legitimidade da Recorrida para instaurar a presente ação contra os aqui Recorrentes, requerendo a anulação das deliberações sociais da Sociedade Recorrente, em sede de assembleia-geral, datada de 31/03/2022, já que os factos que são alegados na sua petição inicial sustentam por si a sua legitimidade. 19. Face ao exposto, bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, não havendo nenhum reparo a fazer ao Douto acórdão recorrido, devendo, por isso, julgar-se totalmente improcedente o recurso de revista interposto pelos Recorrentes, por ser inadmissível e, em consequência, ser proferido Douto acórdão que mantenha integralmente a decisão recorrida 3. O Senhor Desembargador Relator admitiu o recurso. 4. Distribuídos os autos junto deste Tribunal, a Conselheira relatora ordenou o cumprimento do disposto no art.º 655, n.º2, do CPC, uma vez que tinha sido suscitada a inadmissibilidade do recurso, pela Recorrida. 5. Os Recorrentes vieram pronunciar-se reiterando a existência de julgados contraditórios. 4. Foi proferida Decisão singular afastando o conhecimento do recurso. 5.1. Os Recorrentes vieram requerer a submissão à conferência, invocando tão só o n.º 3, do art.º 652, aplicável ex vi o art.º 679, ambos do CPC. II – ADMISSIBILIDADE DO RECURSO 1. Na Decisão singular que entendeu não conhecer do objeto do recurso, consignou-se: “ 1. Merece acolhimento o entendimento que o atual regime do recurso de revista, (ordinária e excecional), previsto no art.º 671, do CPC, nos parâmetros estabelecidos, não visa garantir, genericamente, um terceiro grau de jurisdição, resultando tais limitações não só da aludida disposição legal, e do consignado no art.º 672, também do CPC, com os demais normativos correlativos do regime em causa, mas também tendo em conta citérios decorrentes do art.º 629, do mesmo diploma, para além das limitações especificamente consignadas em matérias diversas, tais como, entre outras, a insolvência e os processos de jurisdição voluntária1. Podendo dizer-se que no art.º 671, do CPC, encontram-se as regras essenciais da revista, no artigo 672 são previstos os casos de revista excecional, aquando da existência de dupla conforme, desde que se mostrem reunidos os demais pressupostos da admissibilidade da revista (normal). 2. Não se questionando nos presentes autos os pressupostos gerais de admissibilidade – legitimidade, tempestividade, valor da causa e sucumbência, a invocada admissibilidade do recurso, resulta, segundo os Recorrente, da contradição de julgados. 1. A oposição de acórdãos pressupõe que o acórdão recorrido esteja em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pela Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, o denominado acórdão fundamento, tendo ambos os acórdãos sido proferidos no domínio da mesma legislação, e sobre a mesma questão fundamental de direito, no sentido de neste último caso, se revelar essencial para a resolução do litígio em ambos os processos. Estamos assim perante oposição/contradição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito, “quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade da situação de facto subjacente a essa aplicação”2, ou, isto é, quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma é idêntico, havendo conflito jurisprudencial se os mesmos preceitos são interpretados e aplicados a enquadramentos factuais idênticos3. A contradição deve ser frontal, e não implícita, não bastando que se tenha abordado o mesmo instituto, pressupondo que a subsunção jurídica realizada em quaisquer das decisões tenha operado sobre o mesmo núcleo factual, sem ser atribuída relevância a elementos de natureza acessória, sublinhando, que sendo o recurso admitido com o único fundamento de contradição jurisprudencial, e desse modo como objetivo reapreciar o acórdão recorrido a partir da resposta que seja dada à apontada questão essencial de direito, não podem ser abordadas outras questões4. Em suma, a oposição relevante em termos de admissibilidade de recurso pressupõe que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, que determine a aplicação em cada um do mesmo regime legal, de modo direto conflituantes, com soluções de direito opostas e como tal inconciliáveis, e em conformidade contraditórias. 3. Os Recorrentes, num reporte ao disposto no art.º 629, n.º2, d) do CPC, indicam como Acórdão fundamento o proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 3990/14.2TBBRG.G1, de 5.11.2015, no qual se discutia se a ali Autora, titular de 72.955 ações da Ré, sociedade anónima, podia exercer os seus direitos de acionista, nomeadamente votar, pedindo a anulação das deliberações tomadas na assembleia referenciada, por ter sido impedida por outro acionista, cabeça de casal no processo de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio, arrogando-se como único representante das ações em causa, bem comum do casal, concluindo-se que a A. enquanto sócia relativamente às ações aludidas de que era titular, podia legitimamente interpor ação de anulação de deliberações sociais, por ter sido impedida de votar. Como os próprios Recorrentes alegam, no Acórdão recorrido discutia-se o reconhecimento da legitimidade ativa da ex-cônjuge de sócio detentor de quota ainda não partilhada, para impugnar deliberações da sociedade referenciada, concluindo-se no aresto em causa pela legitimidade ativa da ex-cônjuge, tendo a R. Sociedade interiorizado tal direito, na medida em que a convocou para participar na assembleia geral dos sócios da sociedade, e aquela compareceu, intervindo, votando e emitido declarações de voto. Estamos assim perante telas factuais diversas, o que determina, decorrentemente, um enquadramento e apreciação diferenciada, quanto às questões suscitadas e que foram submetidas a conhecimento nos dois Arestos em contraposição, mas não constituindo julgados contraditórios, ainda que sejam feitas referências legais idênticas. 3.1. No que concerne ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 325/18.9T8VNG.P1.S1, de 26.01.2021, discutia-se se o cônjuge da sócia tinha legitimidade ativa para requerer inquérito judicial à sociedade, por esta lhe ter negado o acesso à informação requerida, com fundamento no facto de a requerente não ser sócia da sociedade, concluindo que não sendo reconhecido ao cônjuge do sócio o direito a exigir o fornecimento de informações à sociedade, também não lhe poderá ser reconhecida legitimidade para propor ação de inquérito social, tendo por base a recusa legítima do fornecimento de informação. Na contraposição já enunciada com o Acórdão recorrido, verifica-se do mesmo modo que estamos perante realidades distintas, que embora reportando-se ao exercício dos direitos sociais, não se confundem e que merecem tratamento diferenciado, pelo que perante um enquadramento fáctico diverso, a solução encontrada não pode ser tida como julgado contraditório, ainda que, como se salientou, haja referência a disposições legais coincidentes. 2. Decorre do exposto a inexistência de oposição de julgados fundando a pretensão da admissibilidade de recurso de revista formulado. 4. E se dúvidas pudessem existir relativamente à inadmissibilidade do recurso, as mesmas seriam supridas, desde logo por não ser coincidente o âmbito do disposto no art.º 629, n.º2, d) e o previsto no art.º 671, n.º 2, b), ambos do CPC, porquanto, no primeiro caso a admissão do recurso de revista emerge de motivo estranho à alçada do tribunal, o que não se verifica, pois estamos perante uma ação declarativa com processo comum, mas também por afastada a aplicabilidade do disposto no art.º 671, n.º1 e 2, face aos elementos dos autos, porque os normativos não permitirem que sejam recorríveis os Acórdãos da Relação que julguem improcedentes exceções dilatórias como a ilegitimidade, determinando o prosseguimento dos autos para conhecimento do mérito, pois como no caso sobre análise, não apreciam o mérito da causa, nem põem termo ao processo5”. 2. Ora não se vislumbra que não sejam de atender as razões vertidas no Despacho supra como fundamento da inadmissibilidade do recurso de revista interposto pelos Recorrentes, sendo certo que os mesmos nada vieram aduzir em termos de reapreciação do já decidido, limitando-se a requerer a submissão à Conferência. 3. Pelo exposto, indefere-se a reclamação deduzida. Custas pelos Recorrentes, com duas UCs de taxa de justiça. Lisboa, 2 de novembro de 2023
Ana Resende (Relatora) Maria Amélia Ribeiro Rui Gonçalves Sumário, (art.º 663, n.º 7, do CPC).
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1. Cf. Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, pag. 99 a 102, e Lopes do Rego, O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil, em Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, pag. 764, apud Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, pag. 401.↩︎ 2. Cf. Ac. STJ de 12.01.2021, processo n.º 817/16.4T8FLG.P1.SA-A, in www.dgsi.pt.↩︎ 3. Cf. Ac STJ de 9.03.2021, processo n.º 4359/19.8T8VNF.G1.S1, apud Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, pág. 116/117, in www.dgsi.pt.↩︎ 4. Cf. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, pág. 76/77.↩︎ 5. Cf. Abrantes Geraldes, obra citada, fls. 412.↩︎ |