Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99B247
Nº Convencional: JSTJ00037171
Relator: SOUSA INÊS
Descritores: ESCRITURA PÚBLICA
DOCUMENTO AUTÊNTICO
CONFISSÃO
PROVA PLENA
PROVA TESTEMUNHAL
RESPOSTAS AOS QUESITOS
Nº do Documento: SJ199906020002472
Data do Acordão: 06/02/1999
Votação: MAIORIA COM 2 VOT VENC
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 1072/97
Data: 10/20/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 352 ARTIGO 355 N4 ARTIGO 358 N2 ARTIGO 347 ARTIGO 363 N1 N2 ARTIGO 371 N1 ARTIGO 351 ARTIGO 393 N2 ARTIGO 395.
CPC95 ARTIGO 646 N4.
Sumário : 1. Constando de escritura pública de compra e venda a declaração dos vendedores de que receberam a totalidade do preço - 6 mil contos - não pode considerar-se provado por testemunhas (nem por presunção) coisa diversa do facto confessado (recebimento de apenas 3 mil contos).
2. Tendo o tribunal colectivo respondido ao respectivo quesito que os autores somente receberam, do preço da venda, 3 mil contos, resposta que fundamentaram na prova testemunhal produzida, deve considerar-se como não escrita essa resposta.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A. e mulher, intentaram, a 11-03-1996, acção declarativa, de condenação, com processo comum, na forma ordinária, contra
B. e mulher, pedindo a condenação destes a pagarem-lhes a quantia de três milhões de escudos, acrescida de juros vencidos, no montante de dois milhões dois mil e cinquenta e cinco escudos, e vincendos, à taxa de dez por cento, até integral pagamento.
Para tanto, em resumo, os autores alegaram que, a 09-05-1991, venderam aos réus, por seis milhões de escudos, dado prédio rústico, não tendo os réus pago metade do respectivo preço, que é o que pedem.
Os réus contestaram pugnando pela absolvição do pedido, com condenação dos autores a indemnizá-los, incluindo honorários de advogado no montante de trezentos mil escudos, por litigância de má fé.
O Tribunal do Círculo Judicial de Castelo Branco, por douta sentença de 20-12-1996, julgando a acção em parte procedente, condenou os réus a pagarem aos autores a quantia de três milhões de escudos, de resto do preço da aludida compra e venda, acrescida de juros vencidos, no montante de um milhão setecentos e quarenta e seis mil quatrocentos e trinta e sete escudos e cinquenta centavos, até 11-03-1996, e, ainda, juros vencidos e vincendos a partir desta data, sobre aquele resto de preço, até integral pagamento, à taxa anual de dez por cento; absolveu os réus do resto do pedido; e julgou improcedente o pedido de condenação dos autores como litigantes de má fé.
Em apelação dos réus, o Tribunal da Relação de Coimbra, por douto Acórdão de 20-10-1998, confirmou a sentença.
Ainda inconformados, os réus pedem revista.
Em douta alegação, na qual dizem ter sido violado o disposto nos arts. 352, 358, ns. 1 e 2, 359, 371, n. 1, 376, ns. 1 e 2, 393 e 394, todos do Cód. Civil, os réus pugnam pela absolvição do pedido.
Os autores alegaram doutamente, concluindo no sentido de se negar a revista.
O recurso merece conhecimento.
Vejamos se merece provimento.
No acórdão em revista a Relação julgou adquirida a seguinte matéria de facto:
1. Por escritura de compra e venda de 09-05-1991, lavrada no 1º Cartório Notarial de Castelo Branco, os AA. venderam aos RR., pelo preço de 6000000 escudos, o prédio rústico composto de terra de cultura arvense, oliveiras, pinheiros e sobreiros, com a área de 10,700 hectares, sito à Tapadinha, Olival entre Àguas e Vale, freguesia de Ninho de Açor, Município de Castelo Branco, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o art. 317, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n. 59 da mencionada freguesia - A;
2. Nessa escritura os AA. declararam ter já recebido o preço respectivo - B;
3. No documento de fls. 12, que configura uma "declaração" assinada pelos RR., os mesmos declararam, designadamente, dever ao A. a importância de 3000000 escudos - C;
4. Os filhos dos AA. endereçaram aos RR. a carta que constitui fls. 13 dos autos, que não obteve resposta - D;
5. Foi a pedido dos RR. que os AA. declararam na escritura de A. ter recebido o preço respectivo - I;
6. Os AA. somente receberam, do preço de venda respeitante a essa escritura a quantia de 3000000 - 2;
7. Da diferença entre o valor da venda e essa quantia de 3000000 escudos os AA. apenas receberam dos RR., em 29-09-1992, e por conta dos juros vencidos, a quantia de 100000 escudos - 3;
8. AA. e RR. acordaram proceder à venda, e respectiva compra, do prédio de A. - 4;
9. Os AA. sabiam da intenção dos RR. em apresentar junto do IFADAP um projecto de investimento agrícola - 7;
10. Em 04-04-1990, AA. e RR. celebraram o contrato-promessa de fls. 40 - 8.
Como se informa no mesmo Acórdão, os factos agora enumerados de cinco a dez, foram assim adquiridos:

"O Tribunal Colectivo, como se pode ver da fundamentação das respostas aos quesitos, a fls. 47 verso, fundou a sua convicção probatória "na inteligibilidade da prova produzida no seu conjunto e em especial nos depoimentos de parte dos AA. e RR. e nos depoimentos das testemunhas Catarina, ... António, ... Maria E, ... Maria L, ... Maria C, ... e, quanto às respostas aos quesitos 7 e 8, ainda no documento de fls. 40, e ao quesito 10 baseou-se no documento de fls. 12"

De harmonia com o disposto no art. 371, n. 1 do Cód. Civil:

"Os documentos autênticos fazem prova plena (...) dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (...)".

Sendo a escritura pública documento autêntico, atento o disposto no art. 363, ns. 1 e 2, do Cód. Civil, a afirmação, em escritura de compra e venda, de que os vendedores disseram, naquele acto, já haverem recebido o preço, faz prova plena desta afirmação destes outorgantes (salvo prova do contrário, feita em incidente de falsidade) (1). A realidade da afirmação, dos vendedores de recebimento do preço cabe nas percepções do notário.
No entanto, de tal não resulta que o afirmado coincida com a realidade, isto é, que os vendedores hajam efectivamente recebido o preço, a quantia indicada na escritura.
Embora a entrega do preço pelo comprador ao vendedor seja um facto susceptível de ser apreendido pelo notário, a força probatória material do documento só cobre este acto se for praticado na presença do notário e por ele atestado na escritura (2).
De qualquer modo, esta afirmação do comprador, assim documenta na escritura pública de compra e venda, constitui confissão, nos termos do art. 352 do Cód. Civil:

"Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária".

Trata-se de confissão extrajudicial, nos termos do art. 355, n. 4 do Cód. Civil:

"Confissão extrajudicial é feita por algum modo diferente da confissão judicial".

Ora, quanto à força probatória material da confissão extrajudicial, dispõe-se no art. 358, n. 2, do Cód. Civil:

"A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena".

Quer isto dizer que a escritura pública, ainda que não faça prova da realidade do pagamento do preço, fá-la da confissão desse pagamento, comprovando-se, por esta via, a realidade de tal pagamento (3). Trata-se, sublinhe-se, de força probatória plena já que a declaração, documentada na escritura pública, de recebimento do preço, é feita à parte contrária, o comprador.
A força probatória plena da confissão em relação ao facto do pagamento do preço só pode ser contrariada por meio de prova do contrário, nos termos do disposto no art. 347 do Cód. Civil:

"A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto (...)".

Quer isto dizer que o vendedor é admitido a destruir a força da confissão de haver recebido o preço mediante a prova de que, na realidade, o não recebeu; que o certo é outro facto contrário ao da afirmação que consciente e voluntariamente produziu perante o notário (4).
Porém, nesta tarefa de produzir prova do contrário que confessou quando a confissão tenha força probatória plena, encontra o vendedor obstáculos de monta.
É que lhe está vedado usar da prova testemunhal, atento o disposto no art. 393, n. 2, e 395, do Cód. Civil:

"Também não é admitida a prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por (..) meio com força probatória plena".

E, ainda, de prova por presunções judiciais, agora por força do disposto no art. 351 do Código Civil:

"As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal" (5) (6) (7).

Tudo isto se aplica directamente à espécie em julgamento: a escritura pública de compra e venda de 09-05-1991 que deu forma ao contrato de compra e venda celebrado entre os ora autores, como vendedores, e os réus, como compradores, faz prova plena de que, nesse acto, os vendedores declararam já haverem recebido o respectivo preço, de seis milhões de escudos.
Esta declaração dos vendedores constitui uma confissão extrajudicial, em documento autêntico, tendo força probatória plena da realidade desse declarado recebimento do preço de seis milhões de escudos, por eles, vendedores, uma vez que essa declaração foi feita aos próprios compradores, na presença do notário que a documentou autenticamente.
Esta força probatória plena da confissão podia ser destruída mediante prova da realidade do facto contrário aquele que a confissão estabeleceu.
Foi isto mesmo o que os autores procuraram fazer, tendo sido perguntado se os autores somente receberam, do preço da venda, a quantia de três milhões de escudos; tendo, não obstante, declarado que havia recebido a totalidade do preço a pedido dos réus.
Estes factos vieram a ser julgados provados, mas tal só aconteceu por se ter tomado em consideração a prova testemunhal, como acima já ficou referido, contra o disposto no art. 393, n. 2, do Cód. Civil, desta sorte se violando, a um tempo, o disposto nos arts. 358, n. 2, e 347, ambos do Cód. Civil (8) (9) (10).
Cometeu-se no Acórdão recorrido, desta sorte, um erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa que pode ser censurado por este Tribunal, ao abrigo do disposto nos arts. 722, n. 2, e 729, n. 2, do Cód. de Proc. Civil, por ocorrer violação do art. 358, n. 2, do Cód. Civil que fixa a força probatória da confissão extrajudicial, em documento autêntico, feita à parte contrária.
Há que aplicar, em consequência, o disposto no art. 646, n. 4, do Cód. de Proc. Civil, enquanto determina:

"Têm-se por não escritas as respostas do Tribunal colectivo (...) dadas sobre factos (...) que estejam plenamente provados (...) por (...) confissão das partes".

Foi o que este Tribunal, recentemente, fez mediante o Acórdão de 10-12-1997 (Fernandes Magalhães) (11).
Assim, têm-se por não escritos os factos acima descritos sob os números cinco e seis. E do facto descrito sob o número sete resta que os autores receberam dos réus, em 29-09-1992, a título de juros, a quantia de cem mil escudos (mas sem que esteja provada relação entre estes juros e a compra e venda de 09-05-1991).
Subsiste, desta sorte, o facto confessado, o de que os compradores pagaram aos vendedores, no acto da escritura ou antes, a totalidade do preço de seis milhões de escudos. Com o que a acção, mediante a qual os autores, afirmando só haverem recebido uma parte do preço, pretendiam receber o resto, tem que improceder.

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em, concedendo revista julgar a acção inteiramente improcedente a absolver os réus do pedido.
Custas pelos autores, incluindo as das instâncias.
Lisboa, 02 de Junho de 1999.
Sousa Inês,
Nascimento Costa,
Pereira da Graça,
Lúcio Teixeira,
Dionísio Correia.
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(1) O preceituado no art. 372 do Cód. Civil não é convocável para a solução do pleito uma vez que não vem posto em dúvida que os autores realmente declararam perante o notário já haverem recebido o preço de seis milhões de escudos.
(2) Pires de Lima - Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", I Vol., 4ª edição, pág. 370 e 371; Antunes Varela, in "Manual de Processo Civil", 2ª edição, pág. 521; Lebre de Freitas, in "A Falsidade no Direito Probatório", pág. 37, Almeida e Costa, in "Rev. de Leg. e de Jur., ano 129, pág. 350 a 352.
(3) Cfr. Pires de Lima - Antunes Varela, ob. cit., pág 318; Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 39; Antunes Varela, ob. cit. pág. 551 e 552; Acórdão deste Tribunal de 08-11-1994 (Martins da Costa) tirado na revista n. 85748, inédito.
(4) Antunes Varela, ob. cit., pág. 472, 473 e 552.
(5) Antunes Varela, ob. cit., pág. 473, nota (1) e 617; Acórdão deste Tribunal de 08-11-1994, citado.
(6) Diferente seria o caso se os autores tivessem arguido a falsidade da escritura notarial (art. 372 do Cód. Civil), ou a nulidade ou anulabilidade da confissão, por falta ou vícios da vontade (art. 359 e 245 a 257 do Cód. Civil), casos em que seria admissível a prova por testemunhas e por presunções.
Note-se, a propósito, que aqui "a lei não permite ao confidente impugnar a confissão mediante a simples alegação de não ser verdadeiro o facto confessado: para tanto há-de alegar o erro ou outro vício de que haja sido vítima" - Pires de Lima - Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, I vol., 4ª edição, pág. 319. Sendo o vício o de simulação já é aplicável o referido no texto - art. 394, n. 2, do C. Civil.
(7) Bem se compreende que assim tenha que ser dada a falibilidade da prova testemunhal. Se os factos estabelecidos por meios de prova com força probatória material plena, como é o caso da prova documental e da confissão, em certas condições, as quais são as rainhas da prova, pudessem livremente ser destronadas pela plebe das testemunhas, cair-se-ia na incerteza e na insegurança que ao direito cabe arredar. Não mais teria sentido que em certos casos se deva recorrer à formalização de negócios jurídicos mediante escritura pública se o valor desta pudesse ser livremente arredado por simples depoimentos. Acerca da falibilidade e perigos da prova testemunhal cfr. Carrington da Costa, "Psicologia do Testemunho", in "Sciência Jurídica", vol. III, ns. 11 e 12.
(8) Poderia querer ver-se na alegação dos autores a celebração de um acordo entre eles e os réus a respeito do pagamento do preço e contrário ao conteúdo da escritura. Sob este prisma, seria então convocável o disposto no art. 394, n. 1, do Cód. Civil:

"É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao contrário de documento autêntico (...) quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores".
o que conduz à mesma solução do texto quanto à inadmissibilidade da prova testemunhal (e por presunção judiciais) acerca dos quesitos cujas respostas se censuram.
(9) Também não é convocável o disposto no art. 393, n. 3, do Cod. Civil, segundo o qual as regras da inadmissibilidade da prova testemunhal não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento. É que esta excepção só é aplicável à hipótese de haver dúvida acerca do sentido e alcance da confissão extrajudicial documentada na escritura, como resulta da referência à "simples interpretação". Assim, esta regra não pode ser utilizada como meio de se fazer prova de facto contrário ao confessado, sem o mínimo de correspondência com o conteúdo do meio probatório dotado de força probatória plena. De outro modo, por via da excepção deste n. 3, acabar-se-ia por subverter inteiramente o estatuído nos ns. 1 e 2 do art. 393 do Cód. Civil. A propósito, Vaz Serra, in "Rev. de Leg. e de Jur.", ano 101, pág. 269 a 272, e Acórdão deste Tribunal de 08-11-1994, citado.
(10) É certo que nos autos se encontra um documento, o de fls. 12, que os autores ofereceram como princípio de prova escrita dos factos agora censurados, os dos números cinco, seis e sete supra. No julgamento procurou-se indagar se tal documento (que não está datado nem especifica qual a causa da dívida que nele se diz existir) diz respeito aos factos controvertidos entre as partes e o que resultou do julgamento é que tal relacionação não foi alcançada. Por isso, por um lado, este documento não integra os fundamentos das respostas dadas aos quesitos cinco a sete; e, por outro lado, o Tribunal Colectivo respondeu negativamente aos quesitos sexto, nono e décimo primeiro a vigésimo, e com restrição aos quesitos sétimo, oitavo e décimo. Quer isto dizer que não existe princípio de prova escrita que permita abertura à possibilidade de se provar por testemunhas facto contrário ao adquirido por confissão. E não pode este Tribunal substituir-se às instâncias no julgamento da matéria de facto em ordem a estabelecer relação entre o documento de fls. 12 e os factos censurados no texto deste acórdão, modificando as respostas negativas ou restritivas que o Tribunal Colectivo deu aos apontados quesitos; não pode este Tribunal apreciar o meio de prova que é o documento particular de fls. 12 para dele, por presunção ou ilação, estabelecer a realidade de qualquer facto.
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Declaração de Voto:

Votei pela negação da revista.
Em meu entender, o art. 393 - 2 do C. Civil não pode aplicar-se com a rigidez adoptada no acórdão.
Antes de mais, há que lembrar dois factos essenciais:
a escitura é de 09-05-1991;
na "declaração" de lf. 12 os RR. declaram "dever 3000000 escudos" ao A.
"A importância acima referida será paga até 10-05-1992.
Vencerá o juro da lei, a primeira prestação a 10-12 e a segunda a 10-06-1992".
Não referimos os restantes factos, por terem sido dados como provados com base em prova testemunhal, que o acórdão mandou riscar.
O art. 393 - 2 do CC tem na base a conhecida desconfiança em relação à prova testemunhal, mais compreensível quando ela põe em causa prova constante de documentos - "Lettres passent témoins" (1).
O art. 393 - 2 comporta porém várias restrições.
Algumas delas são referidas, e bem, no acórdão.
Mas a doutrina nacional e a lei de outros países apontam ainda outras.
Vaz Serra escreveu (2) que a regra, se estabelecida com carácter absoluto, pode levar a resultados iníquos.
Almeida Costa (3), encarado precisamente a hipótese de o vendedor ter declarado na escritura o recebimento do preço, chama a atenção para o que escreveu Vaz Serra sobre a possibilidade de aquela declaração ter vários sentidos.
De facto Vaz Serra anota (4) que a declaração feita pelo vendedor pode significar apenas uma quitação antecipada, á espera da prestação.
Se o foi ou não é um problema de interpretação, a ser resolvido por qualquer meio de prova.
O que aliás resulta do art. 393 - 3 do CC., assim mesmo proposto no articulado de Vaz Serra.
E na hipótese de se provar que foi uma quitação antecipada, terá o devedor de provar que pagou posteriormente.
Mas não é tudo.
Ainda no citado estudo, Vaz Serra defende, na esteira das leis francesa e italiana (no direito alemão o problema nem se põe, por não existir limitação), que se admita a prova testemunhal desde que ela seja acompanhada de circunstâncias que tornem verosímil a convenção contrária ao documento que com ela se pretende demonstrar (5).
Assim, Vaz Serra aceita as regras dos CC francês e italiano que permitem prova testemunhal logo que exista um começo de prova por escrito ou tenha sido impossível ao autor munir-se contra a perda de prova escrita (6).
Vaz Serra propôs mesmo que essas normas figurassem no CC futuro (7).
É de crer que tal não sucedeu apenas porque se preferiu deixar para a doutrina e jurisprudência a busca dessas soluções.
Este Tribunal deu-lhes já guarida:
Assim, em acórdão de 16-04-97 (8) doutrinou-se que "é admissível prova testemunhal tendo por objecto convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo dos documentos particulares mencionados nos arts. 373 a 379 do CC quando haja um princípio de prova escrita legitimando a admissibilidade de prova testemunhal complementar, ou quando tenha sido impossível, moral ou materialmente, ao contraente obter uma prova escrita, ou quando se tenha perdido, sem culpa do contraente, o documento que fornecia a prova".
A "declaração" subscrita pelos RR. não tem data, mas é inequívoco que aponta para data muito próxima da escritura, se é que não foi entregue ao A. nesse mesmo dias.
Não estaremos perante o tal "princípio de prova" que legitima o recurso à via testemunhal?
Deixemos, porém, a escritura e a sua declaração de recebimento.
Vamos dar de barato que a prova não estabeleceu relação directa entre a escritura e a "declaração" de fl. 12.
O certo é que uma e outra se mantêm na prova como elementos incontornáveis.
Teremos de admitir assim que o A. recebeu o preço do prédio mas, por razões que ignoramos, que certamente se prendem com a compra do prédio, os RR. são ainda devedores de 3000000 escudos (como não admiti-lo, se eles se confessam devedores?).
Haveria que condená-los no pagamento desse montante, uma vez que não provaram a inexistência da relação fundamental - art. 458 do CC.
Deviam ainda os juros estipulados por eles próprios.
Nascimento Costa.