Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
118/08.1TVPRT.P2.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: ALEGAÇÕES DE RECURSO
CONCLUSÕES
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
BAIXA AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 10/07/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC (2013), pp. 116/117, 119, 121.
- Rodrigues Bastos, NOTAS ao CPC, Vol. III, p. 299.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 639.º, N.ºS 1 E 3.
Sumário :
I - O despacho de convite ao aperfeiçoamento, previsto no art. 639.º, n.º 3, do NCPC (2013), não está coberto pela força do caso julgado, podendo o relator, não obstante, em reflexão e ponderação mais profunda, não aplicar a sanção, aí, contemplada.

II - No despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões, deve o relator identificar todos os vícios que, no seu entender, se verificam, por forma a permitir que, sem margem para dúvidas, o recorrente fique ciente dos mesmos e das consequências que podem vir advir da sua inércia ou do deficiente acatamento do convite.
Decisão Texto Integral:

Proc. nº 118/08.TVPRT.P2.S2[1]

             (Rel. 174)

                            Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 – Na apelação por si interposta, formulou o apelante, AA, as seguintes conclusões:

                                                       /

A – O presente recurso consubstancia o mais profundo inconformismo face à errada apreciação e valoração da prova em que o tribunal a quo incorreu, bem como não assiste razão ao Tribunal recorrido para impedir que o recorrente exerça o seu direito –  invocação de nulidade do contrato de arrendamento por inobservância legal de forma – por abuso de direito na modalidade de "venire contra factum proprium";

B – Efectivamente, e como se atesta pela análise circunstanciada da prova dos autos, deve ser alterada a base instrutória passando o quesito nº 4 a merecer resposta positiva face ao depoimento testemunhal de BB aos 37:35, conforme supra se transcreveu, e à data do ofício camarário junto aos autos;

C – O quesito número 5, também merece resposta positiva, face ao depoimento de BB a instâncias da mandatária do A., aos 19:37, e aos 23:55 e 30:31, conforme supra se transcreveu;

D – A resposta ao quesito 6º, deverá ser alterada, passando a ser Provado que após reuniões com os RR e depois de discutidas as respectivas cláusulas, o falecido R. levou o contrato para recolher a assinatura da mulher, e nunca o entregou, conforme decorre do depoimento da testemunha IC aos 32:26, e de MJM aos 24:36, conforme supra se transcreveu;  

E – A resposta ao quesito 7, deverá ser alterada, passando a ser, provado que como os RR. não devolviam o contrato assinado, o autor interpelou-os por carta para comparecerem no dia 14.12.2007, pelas 14.30, num cartório notarial para assinarem o contrato de arrendamento, conforme resulta do depoimento testemunhal de MJM aos 24:36 e IC aos 32:26, conforme supra se transcreveu;

F – A resposta ao quesito 8º, deverá ser alterada, passando a ser provada, conforme decorre do depoimento da testemunha MJM aos 26: 08, supratranscrita;

G – Por sua vez, o Tribunal deverá considerar NÃO PROVADO o quesito 13º e 14º, na medida em que a licença de utilização do local é de 26.06.1'996, cfr. cópia junta aos autos, e só foi entregue ao A. em Setembro de 2007, conforme decorre do depoimento testemunhal de IC aos 30:31, supra transcrito, que só nessa data tomou conhecimento da existência da mesma – depoimento de IC aos 37:35;

H – No que se refere ao quesito 15°, deverá considerar-se PROVADO que só em Outubro de 2007 o autor contactou os RR. para procederem à celebração de um contrato de arrendamento, pois só em Setembro de 2007 é que tomaram conhecimento que os RR. tinham a licença de habitabilidade – ­depoimento de IC aos 37:35;

I – No que se refere ao artigo 17º, este deverá ser considerado como não provado, conforme resulta do depoimento de IC a instâncias da mandatária do A. aos 32: 35 e MJM aos 24: 36, supra transcrito;

J – O argumento utilizado pelo Tribunal – existência de depoimentos contraditórios – para concluir pela impossibilidade de formar convicção sobre o momento em que o A. tomou conhecimento da existência da licença de utilidade do local não pode proceder;

K – Na medida em que, as testemunhas em causa não têm a mesma idoneidade e credibilidade;

L- A razão de ciência' da testemunha BB prende-se com a sua, à data, actividade profissional, a da testemunha CC com amizade;

M – A testemunha BB que tem 43 anos relatou factos ocorridos há 5 anos; A testemunha CC que tem 72 anos, relata factos ocorridos há 16 anos;

N – A testemunha BB teve uma relação profissional com o A., a testemunha CC teve uma relação de grande amizade, até à morte, com o R. marido;

O – Estabelecendo estas diferenças, o tribunal teria que ter valorado o depoimento de IC de forma diferente, e formar necessariamente convicção sobre a data que o A. teve conhecimento da licença – Setembro de 2007;

P – A prova testemunhal produzida, bem como a documentação junta aos autos, terão que necessariamente levar o Tribunal Superior a dar como provado que o A. só tomou conhecimento da existência da licença de utilização em Setembro de 2007, que as partes acordaram minuciosamente as c1ausulas do contrato de arrendamento, e foi com surpresa que o A. encarou a atitude do R. de não devolver o contrato assinado, o que deu azo à interpelação para comparecer em cartório notarial;

Q – Terá necessariamente que dar como provado, que nunca durante a vigência do mesmo, o A. dispensou a realização da escritura pública, na medida em que ficou a aguardar a convocação dos RR., que tinham ficado de obter a licença, documento essencial à formalização da escritura;

R – Os argumentos utilizados pelo Tribunal para considerar que o A. age em abuso de direito, foram que as partes sempre trataram o contrato que intitularam de promessa como definitivo, vir agora o A. invocar ai sua nulidade, é opor-se a um acto próprio, que praticou conjuntamente com os RR.;

S – e que o A. interpelou os RR. para a realização de um contrato diferente da promessa, e estes apenas se recusaram a assinar esse contrato porque não concordaram com essas cláusulas. O que nem sequer resulta da prova produzida;

T – Mas nem estes argumentos chegam, nem são válidos, porque o recorrente tomou consciência da precariedade do contrato quando o tentou negociar. Tendo nessa altura, interpelado os recorridos para a realização de um contrato formalmente válido, de modo a que esse arrendamento fosse inatacável do ponto de vista formal, e assim sendo, com valor no mercado, não podendo a sua conduta ser classificada como contraditória;

U – E se os RR. não concordavam com as cláusulas sugeridas pelo A. – no que não se consente – deveriam ter contraproposto com outras, ou eventualmente interpelar o A. para celebrar um contrato igual à promessa – o que até à data não ocorreu;

V – O que nos leva a concluir que, os RR. não querem validar o contrato promessa de arrendamento;

W – O recorrente não deu causa à nulidade, pois não foi celebrado o contrato de arrenda'mento porque os RR. não tinham licença de habitabilidade, sendo que estes após a obtenção da dita, teriam sempre que notificar o arrendatário para efeitos de formalização legal, e não o fizeram;

X – O recorrente aqiu sempre de boa fé, pois apesar de não ter um contrato de arrendamento formalmente válido, continuou, e continua a pagar as rendas em virtude da ocupação de um espaço que não é seu;

Y – O que significa que, para que o instituto do abuso de confiança opere, tornando válido um acto formalmente nulo, tem que haver (i) uma situação objectiva de confiança, (ii) investimento na confiança, (iii) e boa fé da contraparte que confiou;

Z – Ora, no caso dos autos tal não se verifica pois os recorridos ( senhorios) que tinham ficado incumbidos de obter a licença, comunicar a sua obtenção, e interpelar o recorrentes para a escritura publica, não o fizeram até hoje;

AA – Por outro lado, quando interpelados pelo recorrente para celebrar contrato de arrendamento válido do ponto de vista formal, recusaram-se;

BB – Com este comportamento, impediram propositadamente e com má fé, que o recorrente realizasse trespasse do estabelecimento comercial, sendo este o único prejudicado com a manutenção do "statuo quo", pois tem um contrato inquinado que o impede de obter as vantagens próprias da condição de inquilino;

CC – Haveria sim violação dos princlplos gerais da boa fé, na hipótese de a escritura pública (requisito de forma que validaria o contrato de arrendamento) não ter sido realizada por culpa do recorrido, ou se o recorrido posteriormente interpelado pelos recorrentes para assinar contrato de arrendamento, se recusasse a fazê-lo. Ora, não foi isso que sucedeu;

DD – Por outro lado, quanto à sugestão do Tribunal, que o recorrente se pretendesse negociar o contrato de arrendamento, deveria ao invés de suscitar a nulidade do contrato promessa ter requerido a execução específica. Se o tivesse feito, o tribunal analisando o contrato e coligindo os factos, classificaria tal contrato como sendo um contrato de arrendamento, improcedendo dessa forma a pretensão do recorrente;

EE – Porém, o que o recorrente afirmou é que teve um interessado em adquirir por trespasse o estabelecimento comercial, tendo-se gorado tal negócio, em virtude dos recorridos terem recusado impropriamente a celebração de um contrato formalmente válido e com valor de mercado;

FF – Aqui chegados teremos que concluir que a decisão do tribunal foi desacertada considerando a conduta do recorrente como sendo violadora dos princípios gerais da boa fé, capazes de impedir por abuso de direito, o exercício deste;

GG – O tribunal superior, face à alteração da matéria de facto, conforme suscitado, terá necessariamente que considerar que o contrato promessa de arrendamento é nulo, por violação da exigência de forma à data, pelo que os RR. deverão ser condenados no pagamento das benfeitorias realizadas no imóvel durante a vigência do contrato e cujo valor se dá por provado na sentença ora posta em crise;

HH – Mas mesmo que se verificasse abuso de direito por parte do recorrente em suscitar a questão da nulidade do contrato em causa, no que não se consente, o abuso de direito não podia neutralizar a arguição da nulidade por inobservância de forma;

II – Admitindo-se outra solução, seria pôr em causa os princípios da boa fé, razoabilidade e segurança do tráfico jurídico;

JJ – A sentença recorrida viola o disposto no artigos 7º do Dec. Lei nº 321-B/90 de 15 de Outubro e artigos nº/s 220º, 227º, 286º e 289° do Código civil.

       Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!

       O Ex. mo Desembargador relator, considerando complexas e falhas de síntese tais conclusões, ordenou a notificação do recorrente para, em cinco dias e ao abrigo do disposto no art. 685º-A, nº3 do então vigente CPC, “apresentar novas conclusões devidamente sintetizadas, sob pena de, não o fazendo, não ser conhecido o seu recurso”.

       Apresentou, então, o recorrente as seguintes conclusões:

                                                   /

A – Não assiste razão ao Tribunal recorrido para impedir que o recorrente exerça o seu direito – invocação de nulidade do contrato de arrendamento por inobservância legal de forma – por abuso de direito na modalidade de "venire contra factum proprium";

B – Deve ser alterada a base instrutória passando o quesito nº 4 a merecer resposta positiva face ao depoimento testemunhal de BB aos 37:35 e face à data do ofício camarário junto aos autos;

C – O quesito número 5, merece resposta positiva, face ao depoimento de BB a instâncias da mandatária do A. aos 19:37, e aos 23:55 e 30:31;

D – A resposta ao quesito 6°, deverá ser alterada, passando a ser Provado que após reuniões com os RR e depois de discutidas as respectivas cláusulas, o falecido R. levou o contrato para recolher a assinatura da mulher, e nunca o entregou, conforme decorre do depoimento da testemunha IC aos 32:26, e de MJM aos 24:36;

E – A resposta ao quesito 7, deverá ser alterada, passando a ser, provado que como os RR. não devolviam o contrato assinado, o autor interpelou-os por carta para comparecerem no dia 14. 12.2007, pelas 14.30, num cartório notarial para assinarem o contrato de arrendamento, conforme resulta do depoimento testemunhal de MJM aos 24:36 e IC aos 32:26;

F – A resposta ao quesito 8°, deverá ser alterada, passando a ser provada, conforme decorre do depoimento da testemunha MJM aos 26:08;

G – O Tribunal deverá considerar NÃO PROVADO o quesito 13° e 14°, na medida em que a licença de utilização do local é de 26.06. 1996 e só foi entregue ao A. em Setembro de 2007, conforme decorre do depoimento testemunhal de IC aos 30:31, que só nessa data tomou conhecimento da existência da mesma – depoimento de IC aos 37:35;

H – O quesito 15°, deverá considerar-se PROVADO, posto que só em Outubro de 2007 o autor contactou os RR. para procederem à celebração de um contrato de arrendamento, pois só em Setembro de 2007 é que tomaram conhecimento que os RR. tinham a licença de habitabilidade – depoimento de IC aos 37:35;

I – O artigo 17°, este deverá ser considerado como não provado, conforme resulta do depoimento de IC a instâncias da mandatária do A. aos 32:35 e MJM aos 24:36;

J – O argumento utilizado pelo Tribunal – existência de depoimentos contraditórios – para concluir pela impossibilidade de formar convicção sobre o momento em que o A. tomou conhecimento da existência da licença de utilidade do local não pode proceder, na medida em que, as testemunhas em causa não têm a mesma idoneidade e credibilidade;

K – A razão de ciência da testemunha BB prende-se com a sua, à data, actividade profissional, a da testemunha CC com amizade;

L – A testemunha BB que tem 43 anos relatou factos ocorridos há 5 anos; A testemunha CC que tem 72 anos, relata factos ocorridos há 16 anos;

M – A testemunha BB teve uma relação profissional com o A., a testemunha CC teve uma relação de grande amizade, até à morte com o R. marido;

N – Estabelecendo estas diferenças, o tribunal teria que ter valorado o depoimento de IC de forma diferente, e formar necessariamente convicção sobre a data que o A. teve conhecimento da licença – Setembro de 2007;

O – A prova testemunhal produzida, bem como a documentação junta aos autos, terão que necessariamente levar o Tribunal Superior a dar como provado que o A. só tomou conhecimento da existência da licença de utilização em Setembro de 2007;

P – A prova testemunhal produzida, bem como a documentação junta aos autos, terão que necessariamente levar o Tribunal Superior a dar como provado que as partes acordaram minuciosamente as cláusulas do contrato de arrendamento, e foi com surpresa que o A. encarou a atitude do R. de não devolver o contrato assinado, o que deu azo à interpelação para comparecer em cartório notarial;

Q – A prova testemunhal produzida, bem como a documentação junta aos autos, terão que necessariamente levar o Tribunal Superior a dar como provado que nunca durante a vigência do contrato promessa de arrendamento, o A dispensou a realização da escritura pública, na medida em que ficou a aguardar a convocação dos RR., que tinham ficado de obter a licença, documento essencial à formalização da escritura;

R – Os argumentos utilizados pelo Tribunal para considerar que o A. age em abuso de direito, foram que as partes sempre trataram o contrato que intitularam de promessa como definitivo e que vir agora o A invocar a sua nulidade, é opor-se a um acto próprio, que praticou conjuntamente com os RR., e que o A interpelou os RR. para a realização de um contrato diferente da promessa, e estes apenas se recusaram a assinar esse contrato porque não concordaram com essas clausulas. Ora, tais argumentos nem sequer resultam da prova produzida;

S – O recorrente apenas tomou consciência da precariedade do contrato promessa quando o tentou negociar;

T – E foi nessa altura, que, interpelou os recorridos para a realização de um contrato formalmente válido, de modo a que esse arrendamento fosse inatacável do ponto de vista formal, e assim sendo, com valor no mercado;

U – Deste modo, não pode a sua conduta ser classificada como contraditória;

V – Se os RR. não concordavam com as clausulas sugeridas pelo A, deveriam ter contraproposto com outras, ou eventualmente interpelar o A para celebrar um contrato igual à promessa – o que até à data não ocorreu;

W – O que nos leva a concluir que os RR. não querem validar o contrato promessa de arrendamento;

X – O recorrente não deu causa à nulidade, pois não foi celebrado o contrato de arrendamento porque os RR. não tinham licença de habitabilidade, sendo que estes após a obtenção da dita, teriam sempre que notificar o arrendatário para efeitos de formalização legal, e não o fizeram;

Y – O recorrente agiu sempre de boa fé, pois apesar de não ter um contrato de arrendamento formalmente válido, continuou, e continua a pagar as rendas em virtude da ocupação de um espaço que não é seu;

Z – Para que o instituto do abuso de confiança opere, tornando válido um acto formalmente nulo, tem que haver (i) uma situação objectiva de confiança, (ii) investimento na confiança, (iii) e boa fé da contraparte que confiou;

AA – No caso dos autos tal não se verifica pois os recorridos (senhorios) que tinham ficado incumbidos de obter a licença, comunicar a sua obtenção, e interpelar o recorrentes para a escritura publica, não o fizerem até hoje;

BB – Por outro lado, quando interpelados pelo recorrente para celebrar contrato de arrendamento válido do ponto de vista formal, recusaram-se;

CC – Com este comportamento, impediram propositadamente e com má fé, que o recorrente realizasse trespasse do estabelecimento comercial, sendo este o único prejudicado com a manutenção do "statuo quo", pois tem um contrato inquinado que o impede de obter as vantagens próprias da condição de inquilino;

DD – Haveria sim violação dos princípios gerais da boa fé, na hipótese de a escritura pública (requisito de forma que validaria o contrato de arrendamento) não ter sido realizada por culpa do recorrido, ou se o recorrido posteriormente interpelado pelos recorrentes para assinar contrato de arrendamento, se recusasse a fazê-lo. O que não sucedeu;

EE – Por outro lado, quanto à sugestão do Tribunal, que o recorrente se pretendesse negociar o contrato de arrendamento, deveria ao invés de suscitar a nulidade do contrato promessa ter requerido a execução específica. Se o tivesse feito, o Tribunal analisando o contrato e coligindo os factos, classificaria tal contrato como sendo um contrato de arrendamento, improcedendo dessa forma a pretensão do recorrente;

FF – Ficou provado que o recorrente teve um interessado em adquirir por trespasse o estabelecimento comercial, tendo-se gorado tal negócio, em virtude dos recorridos terem recusado impropriamente a celebração de um contrato formalmente válido e com valor de mercado;

GG – A decisão do tribunal foi desacertada considerando a conduta do recorrente como sendo violadora dos princípios gerais da boa fé, capazes de impedir por abuso de direito, o exercício deste;

HH – O tribunal superior, face à alteração da matéria de facto, conforme suscitado, terá necessariamente que considerar que o contrato promessa de arrendamento é nulo, por violação da exigência de forma à data, pelo que os RR. deverão ser condenados no pagamento das benfeitorias realizadas no imóvel durante a vigência do contrato e cujo valor se dá por provado na sentença ora posta em crise;

II – Mesmo que se verificasse abuso de direito por parte do recorrente em suscitar a questão da nulidade do contrato em causa, o abuso de direito não podia neutralizar a arguição da nulidade por inobservância de forma;

JJ – Admitindo-se outra solução, seria pôr em causa os princípios da boa fé, razoabilidade e segurança do tráfico jurídico;

KK – A sentença recorrida viola o disposto no artigos 7° do Dec. Lei n° 321-B/90 de 15 de Outubro e artigos nºs 220°, 227°, 286° e 289° do Código civil.

       Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!

       Confrontado com estas conclusões e rememorando o seu anterior despacho, o Ex. mo Desembargador relator proferiu novo despacho em que decidiu (na parte que, ora, releva): “…o apelante não deu cumprimento ao dito despacho, pois que em vez de apresentar novas conclusões devidamente sintetizadas, ou seja, em número inferior às 36 inicialmente elencadas a fls 496 a 503, veio juntar aos autos novas conclusões em número de 37… (Cfr. fls. 654 a 657)! (…) Como assim, e de harmonia com o decidido no despacho de fls. 652, não se conhece do recurso interposto pelo apelante”.

       Tendo o apelante reclamado deste despacho para a respectiva conferência, esta, por acórdão de 04.11.13, manteve, na íntegra, o despacho reclamado.

       Daí a presente revista interposta pelo apelante, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:

                                                        / 

1- O despacho de convite ao aperfeiçoamento apresentado pelo Meritíssimo Juiz Desembargador Relator, padece do vício de falta de fundamentação, na medida em que não identifica qualquer vício às conclusões, limitando-se a referir que o recorrente apresenta 36 longas e extensas conclusões, devendo sintetizá-las;

2- Não se pode retirar do sintético despacho de convite ao aperfeiçoamento e da redacção do mesmo que o Meritíssimo Juiz Desembargador Relator pretendia que o recorrente reduzisse o número de conclusões;

3- Ora, perante esta sumária alegação, e perante a redacção do próprio despacho (“36 longas e extensas conclusões”) e considerando que o número de conclusões não corresponde a qualquer vício identificado na lei, o recorrente concluiu que o Meritíssimo Juiz Desembargador Relator se estava a referir a cada uma das conclusões! que na perspectiva daquele, seria longa e extensa, e nessa medida complexa! e não ao número das conclusões;

4- O recorrente correspondeu ao convite, sintetizando o conteúdo de cada uma das conclusões de per si, de modo a fazer corresponder a cada conclusão uma proposição;

5- A aplicação do direito deve ser feita de forma sensata, equilibrada, respeitando os princípios inspiradores das normas, e por detrás da norma do art. 639º do CPC, estão razões de clareza e de perceptibilidade do objecto do recurso;

6- As conclusões sintetizadas delimitam de forma clara, inteligível e concludente o objecto do recurso, permitindo apreender as questões de facto e de direito que o recorrente pretende ver alteradas;

7- Tanto assim é que, os recorridos responderam às alegações originais, sem suscitar a existência de qualquer vício. E foram notificados das conclusões sintetizadas e nada vieram alegar;

8- A cominação imposta - de não conhecimento da totalidade do recurso ¬pelo alegado não cumprimento do dever de síntese adveniente do convite do relator, é infundada, considerando que o recorrente sintetizou cada uma das conclusões de per si;

9- O recorrente não pode reduzir o número de conclusões cegamente, sob pena de truncar a exposição lógica/cronológica da substância da matéria de facto e de direito;

10-Caso assim não se entenda, no que não se consente, refira-se que o artigo 639º nº 3 do CPC expõe:" não se conhecer do recurso, na parte afectada;

11 - Assim, o que o Meritíssimo Juiz Desembargador Relator deverá fazer, considerando a necessidade de dar prevalência a aspectos substanciais em detrimento de outros de natureza puramente formal, caso entenda que o recorrente não cumpriu o dever de síntese em alguma das conclusões, é especificar qual entende ser a parte afectada por tal não conhecimento do recurso;       

12 - A interpretação do artigo 639º do CPC realizada pelo tribunal recorrido é absolutamente discricionária, e totalmente desacertada, na medida em que decide não conhecer da totalidade do recurso apenas e tão só pelo facto das conclusões serem numerosas;

13- O não conhecimento do recurso com os fundamentos constantes do acórdão recorrido, fere um princípio fundamental do direito constitucional de acesso ao direito e aos Tribunais, violando de forma acintosa o artigo 20º da CRP;

14- A decisão recorrida, viola os artigos 154º, 639º e 640º do CPC, bem como o artigo 20º da CRP.

       Nestes termos, e nos melhores de direito, sendo dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, far-se-á a costumada Justiça!

       Inexistem, nos autos, contra-alegações.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir, para o que releva a factualidade emergente do antecedente relatório.

                                                        *

2 – Face ao teor das conclusões formuladas pelo recorrente e não havendo lugar a qualquer conhecimento oficioso, a questão – tão simples quão delicada! – que, no âmbito da revista, demanda apreciação e decisão consiste em saber se, “in casu”, tem fundamento legal a aplicação da cominação processual prevista no art. 639º, nº3, do CPC (art. 685º-A, nº3 do CPC na pregressa redacção).

       Apreciando:

                                                       *

3I – Nos termos do disposto no art. 639, nº1 do CPC[2], “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.

       Por seu turno, estatui-se, no nº3 do mesmo art., que “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o nº anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada”.

       Não se desconhece que, perante correspondentes situações deveras escandalosas, os Tribunais Superiores têm assumido, regra geral, uma atitude demasiado benevolente e rondando o proteccionismo, secundarizando a adequada reacção ao flagrante incumprimento do elementar dever processual da cooperação (art. 7º), desse modo evidenciado pelos recorrentes, com directa e negativa repercussão quer na contraparte, quer na subsequente actividade processual que deve ser levada a cabo pelo tribunal.

       Com efeito, na definição deixada pelo preclaro Cons. Rodrigues Bastos[3], as conclusões consistem na enumeração, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso”, destinando-se as mesmas a resumir, para o Tribunal “ad quem”, o âmbito do recurso e os seus fundamentos, pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões por que devem ser decididas em determinado sentido”.

       Mas, sendo assim e prevendo a lei processual uma sanção tão drástica para o não acatamento do mencionado despacho de convite – apesar de este não estar coberto pela força do caso julgado[4] -, impõe-se ponderar que a lei processual faz depender tal sanção – que, como ficou assinalado, não é automática, podendo o relator, em reflexão e ponderação mais profunda, não a aplicar – da prévia notificação do recorrente nesse sentido, com base na apresentação por este de alegações culminadas com a formulação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas ou em que não se tenha procedido às especificações a que alude o nº2 do art. 639º.

       No entendimento perfilhado pelo Cons. Abrantes Geraldes[5], “As conclusões são deficientes designadamente quando não retratem todas as questões sugeridas pela motivação (insuficiência), quando revelem incompatibilidade com o teor da motivação (contradição), quando não encontrem apoio na motivação, surgindo desgarradas (excessivas), quando não correspondam a proposições logicamente adequadas às premissas (incongruentes), ou quando surjam amalgamadas, sem a necessária discriminação, questões ligadas à matéria de facto e questões de direito (…) Obscuras serão as conclusões formuladas de tal modo que se revelem ininteligíveis, de difícil inteligibilidade ou que razoavelmente não permitam ao recorrido ou ao tribunal percepcionar o trilho seguido pelo recorrente para atingir o resultado que proclama (…) As conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o nº1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados. Complexidade que também poderá decorrer do facto de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referências doutrinais ou jurisprudenciais propícias ao segmento da motivação. Ou, ainda, quando se mostre desrespeitada a regra que aponta para a necessidade de a cada conclusão corresponder uma proposição, evitando amalgamar diversas questões. Nestes casos, trata-se fundamentalmente de eliminar aquilo que é excessivo, de forma a permitir que o tribunal de recurso apreenda com facilidade as verdadeiras razões nas quais o recorrente sustenta a sua pretensão de anulação ou de alteração do julgado”.

       Por outro lado, como adverte o mesmo autor [6], “…tal como se verifica na fase do saneamento do processo, no despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões o relator deve identificar todos os vícios que, no seu entender, se verificam, por forma a permitir que, sem margem para dúvidas, o recorrente fique ciente dos mesmos e das consequências que podem decorrer da sua inércia ou do deficiente acatamento  do convite”.

                                                        /

II – No caso dos autos, constata-se que, no despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões, não foi identificado com a reclamada clareza o vício de que, no entender do Ex. mo Desembargador relator, enfermam as conclusões formuladas pelo apelante. Tão só, pelo que do mesmo se pode extrair, foi enfatizado o número das mesmas, que se teve por excessivo.

       Ora, sem quebra do devido – máximo – respeito, não só tal eventual excesso não consubstancia qualquer dos apontados vícios que legitimariam a prolação do despacho de convite ao aperfeiçoamento, como pode, mesmo, sustentar-se que a complexidade ou falta de síntese das conclusões não é, necessariamente, função do número destas (Podem ser apresentadas, v. g., apenas duas conclusões totalmente fastidiosas, prolixas e amalgamadas, do mesmo modo que se forem, v. g., vinte ou trinta, podem primar pela clareza e máxima perfeição, em termos de boa técnica processual).

       Aliás, constata-se que quer as conclusões inicialmente apresentadas, quer as que decorreram do despacho de convite ao respectivo aperfeiçoamento permitem determinar, com facilidade e sem desmesurado esforço do tribunal, quais as questões suscitadas pelo apelante, em discordância com o decidido na 1ª instância, qual o sentido em que propugna que sejam solucionadas e quais os fundamentos por que assim o entende. Trata-se, em síntese, da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, indicando os arts. da base instrutória que pretende sejam respondidos de forma diversa e fundamentos por que o faz e, bem assim, da recusa da imputação que lhe é feita de  actuação com abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, com a sucinta indicação dos fundamentos por que o faz, visando a prevalência das consequências jurídicas da provada inobservância da forma legal no celebrado contrato.

       Tem, pois, de concluir-se que o despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões apresentadas pelo apelante se encontra desprovido de fundamento legal, não podendo, pois, subsistir a sanção decretada pelo Tribunal “a quo” para o que qualificou como inobservância ou incumprimento de tal convite, a qual, aliás, nos termos legais, teria de restringir-se à parte que fosse tida por afectada pelo vício invocado.

       Procedendo, pois, na forma exposta, as conclusões formuladas pelo recorrente.

                                                       *

4 – Na decorrência do exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando-se, em conformidade, o acórdão recorrido, em ordem à subsequente e normal tramitação dos autos.

      Custas pelo vencido, a final.

                                                       /

                                          Lx       07/ 10    /  2014   /

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

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[1] Relator: Fernandes do Vale (07/14)
  Ex. mos Adjuntos
  Cons. Ana Paula Boularot
  Cons. Pinto de Almeida
[2]  Como os demais que, sem menção de diferente origem, vierem a ser citados.
[3]  In “NOTAS ao CPC”, Vol. III, pags. 299.
[4]  Assim, designadamente, Cons. A. S. Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo CPC” (2013), pags. 121.
[5]  In “Ob. citada”, pags.116/117.
[6]  In “Ob. citada”, pags. 119.