Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
736/20.0T8CBR-E.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: HABEAS CORPUS
MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
PRAZO
PRESSUPOSTOS
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - Pese embora a natureza e finalidades da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, entendemos, como cremos ser o entendimento da maioria da jurisprudência do STJ, que originando esta medida uma compressão do direito da criança à unidade familiar, é equiparável, de algum modo à prisão e detenção ilegal para efeitos de aplicação do regime do “habeas corpus”.
II - Não compete nesta providência, designadamente, apreciar se a medida de apoio junto aos pais cessou ou não ao fim dos 4 meses, em janeiro de 2022 e se os factos indicados no despacho de aplicação da medida cautelar estão ou não a ser corretamente interpretados pela Ex.ma Juíza do Tribunal de Família e de Menores, pois essa é matéria passível de recurso ordinário, em sede própria.
Que o comportamento do menor em termos de percurso escolar, descrito nos factos indicados na decisão, demonstra uma deficiente personalidade em formação - que advém de um elevado absentismo escolar, um grave desrespeito pelos professores e pelos seus colegas quando comparece na escola, não trabalhando nem permitindo aos outros trabalhar adequadamente, apesar das chamadas de atenção de quem de direito -, é uma evidência manifesta, a necessitar de urgente intervenção da sociedade que não podemos deixar de realçar.
Perante todo o exposto, o STJ não vislumbra razões para deferir a providência de habeas corpus com fundamento, implícito na petição, de o menor se encontrar em acolhimento residencial a título cautelar “por facto pelo qual a lei o não permite”.
III - As medidas de promoção e proteção de crianças e jovens, enunciadas no art. 35.º da LPCJP podem ser aplicadas em termos “definitivos”, com o regime de duração, revisão e cessação constante da Secção VI, Capítulo III e, em termos “provisórios”, ou seja, cautelares, ao abrigo do disposto no art. 37.º da mesma Lei.
O art. 61.º da LPCJP, integrado na Secção VI, que, repetimos, disciplina o regime de duração, revisão e cessação a título “definitivo” das medidas de promoção e proteção de crianças e jovens, designadamente das medidas de colocação, dispõe que «As medidas previstas nas alíneas e) e f) as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 35.º têm a duração estabelecida no acordo ou na decisão judicial.».
Como medida “definitiva” obtida por acordo ou fixada em decisão judicial, tem de ter um prazo de duração fixado naquelas peças processuais.
O mesmo já não se tem de passar estando-se perante medidas cautelares, aplicadas ao abrigo do disposto no art. 37.º da LPCJP.
Nos termos do disposto n.º 3 do art. 37 da LPCJP – a que os peticionantes não fazem referência – «As medidas aplicadas nos termos dos números anteriores têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses.».
O legislador fixou um limite temporal de duração das medidas cautelares, no caso, de seis meses. E isto porque considerou suficiente o prazo de seis meses para proceder ao estudo da situação da criança ou do jovem e aplicar a medida definitiva adequada, tudo sem prejuízo da revisão trimestral.
Do exposto resulta que a Ex.ma Juíza não tinha de fixar um prazo na decisão “quanto à duração daquela medida provisória”, como defendem os peticionantes.
A medida cautelar de acolhimento residencial fixada ao menor em 31 de maio de 2022, foi objeto de execução em 15 de junho de 2022, com a sua entrada na Casa de Acolhimento, pelo que está ainda longe de ter decorrido o prazo máximo de 6 meses fixado no art.37.º, n.º 3, da LPCJP ou mesmo o prazo máximo de revisão trimestral da mesma medida.
IV - Aliás, se fosse obrigatório estabelecer um prazo máximo de duração da medida cautelar – e não é –, não se vê como na ausência da sua fixação se poderia invocar o pressuposto da al. c) do n.º 2 do art. 222.º do CPP, quando este pressupõe estar o cidadão “preso” para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial.
Decisão Texto Integral:


Proc. nº 736/20.0T8CBR-E.S1

Habeas Corpus

*

Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. AA e BB, progenitores do menor AA a quem o Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo de Família e Menores de Coimbra - Juiz ..., aplicou a medida provisória de acolhimento em instituição, vêm requerer ao Ex.mo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a providência de Habeas Corpus, através de Advogada, nos termos da alínea c) do nº 2 do artº 222º do Código de Processo Penal, com os fundamentos que se transcrevem:

«1. Corre termos no Juízo de Família e Menores de Coimbra - Juiz ..., processo de promoção e proteção com o nº 736/20.0T8CBR referente ao menor AA,

2. O aludido processo foi instaurado pelo Ministério Público e teve a sua origem numa sinalização efetuada pela escola, por o menor apresentar um elevado número de faltas injustificadas, situação que se manteve.

3. Os factos sinalizados pela escola, só de per si, não são suscetíveis de enquadrar e/ou preencher o conceito de perigo.

4. Nunca o menor esteve ou foi colocado em situação de perigo que exigisse a intervenção e aplicação da medida de promoção e proteção agora aplicada.

5. Parece-nos ter sido também esse o entendimento do Tribunal em dois outros momentos iniciais: veja-se a este propósito a Decisão se 16/06/2020 em que foi aplicada a medida de apoio junto dos pais e, ainda, a decisão de 2/09/2021 em que após o arquivamento daquele primeiro, optou-se, mais uma vez, pela medida de apoio junto aos pais.

6. Esta última medida foi aplicada a 2 de setembro de 2021, pelo prazo de 4 meses, pelo que nos termos do art.60, nº 1 da LPCJP, a mesma cessou a janeiro de 2022

7. Foi agora, a 31/05/2022 aplicado ao menor AA a medida de acolhimento residencial por, imagine-se, “estarmos perante o incumprimento reiterado do acordo de promoção e protecção” que afinal já tinha cessado.

8. Os menores encontram-se institucionalizados na Casa de Acolhimento ...” em ..., desde 15 de junho de 2022 como resultará da certificação dos mandados de condução datados de 1 de junho de 2022 e cuja cópia foi entregue aos pais do menor.

9. Por notificação de 17 de junho de 2022 foram os pais notificados, na pessoa da sua mandatária, da decisão proferida a 31 de maio de 2022 com a ref. ...87 através da qual o Tribunal de Família e Menores de Coimbra aplicou àquele menor a medida provisória de acolhimento em instituição.

10. Analisada essa decisão verificamos que tal medida para além de ter sido aplicada com a fundamentação de que foi violado um acordo que já tinha cessado, foi aplicada sem que na respectiva decisão fosse fixado qualquer prazo quanto à duração daquela medida provisória, tudo com grave e incalculável prejuízo para o menor. Uma vez que este foi privado de estar no seu ambiente familiar, com os progenitores, atentando, claramente, contra os seus superiores interesses.

11. Tal situação, a manutenção da medida aplicada, viola claramente os mais elementares princípios fundamentais de direito, designadamente, o princípio da liberdade, do interesse superior das crianças, da prevalência da família, da proporcionalidade e atualidade.

12. o menor encontra-se, ainda hoje, privados da sua liberdade, “mutatis mutandis” “preso” na Casa de Acolhimento supra indicada.

Do Direito:

13. Tem sido entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça que é de aplicar, observando o princípio da igualdade, o regime do habeas corpus quando aplicada a medida de acolhimento residencial.

14. O direito à liberdade pessoal - a liberdade ambulatória - é um direito fundamental da pessoa, proclamado em instrumentos legislativos internacionais e na generalidade dos regimes jurídicos dos países civilizados.

15. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, “considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça …”, no artigo III (3º) proclama a validade universal do direito à liberdade individual.

16. Proclama no artigo IX (9º) que ninguém pode ser arbitrariamente detido ou preso.

17. No artigo XXIX (29º) admite que o direito à liberdade individual sofra as “limitações determinadas pela lei” visando assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da ordem pública.

18. O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no artigo 9º consagra: “todo o indivíduo tem direito à liberdade” pessoal. Proibindo a detenção ou prisão arbitrárias, estabelece que “ninguém poderá ser privado da sua liberdade, excepto pelos motivos fixados por lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos”.

19. Estabelece também: “toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção ou prisão tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, com a brevidade possível, sobre a legalidade da sua prisão e ordene a sua liberdade, se a prisão for ilegal”.

20. A Convenção Europeia dos Direitos Humanos/CEDH (Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais), no art. 5º reconhece que “toda a pessoa tem direito à liberdade”. Ninguém podendo ser privado da liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal ou detido ou preso nas situações tipificadas nas alíneas do nº 1 daquela disposição normativa convencional.

21. Reconhece que a pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a prisão ou detenção for ilegal.

22. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH/) “enfatiza desde logo que o artigo 5 consagra um direito humano fundamental, a saber, a proteção do indivíduo contra a interferência arbitrária do Estado no seu direito à liberdade. O texto do artigo 5º deixa claro que as garantias nele contidas se aplicam a “todos”. As alíneas (a) a (f) do Artigo 5 §1 contêm uma lista exaustiva de razões permissíveis sobre as quais as pessoas podem ser privadas de sua liberdade. Nenhuma privação de liberdade será compatível com o artigo 5º, nº 1, a menos que seja abrangida por um desses motivos ou que esteja prevista por uma derrogação legal nos termos do artigo 15º da Convenção, (ver, inter alia, Irlanda v. Reino Unido, 18 de janeiro de 1978, § 194, série A nº. 25, e A. e Others v. O Reino Unido, citado acima, §§ 162 e 163)[1].

23. Por sua vez a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reconhece, no art.6º, o direito à liberdade pessoal.

24. Não consagrando o habeas corpus, reconhece, no art. 47º, o direito de ação judicial contra a violação de direitos ou liberdades garantidas pelo direito da União.

25. Todavia, assinala E. Maia Costa, os textos internacionais relativos aos direitos humanos preveem genericamente um recurso para os tribunais com carácter urgente contra a privação ilegal da liberdade, mas tal garantia não se confunde com o habeas corpus.

26. A Constituição da República, no artigo 27º nº 1, reconhece e garante o direito à liberdade individual, à liberdade física, à liberdade de movimentos, de ir e vir (que não deve confundir-se com a liberdade de circulação, de mudar de local de residência).

27. O direito a não ser detido, preso ou total ou parcialmente privado da liberdade não é um direito absoluto.

28. À semelhança da CEDH, a Constituição da República, no art.27º nºs 2 e 3, admite, expressamente, que o direito à liberdade pessoal possa sofrer restrições.

29. Entre estas sobressai, desde logo – e para o que aqui releva - “a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar” (nº 3), nos casos de (e) “sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente”.

30. A Lei Fundamental é, pois, clara, catalogando expressamente as medidas de proteção, assistência e educação em estabelecimento adequado, ao lado e ao nível das demais, como modalidade de restrição do direito fundamental à liberdade, apenas admissíveis pelo tempo e nas condições que a lei fixar ou decisão judicial determinar. Conceção constitucionalmente firmada que contribui decisivamente para se concluir pela aplicação do habeas corpus como providência processual extraordinária de reação expedita contra a privação da liberdade de criança ou jovem que sejam mantidos com abuso de poder, ilegalmente, em estabelecimento adequado de acolhimento (residencial).

31. A Constituição da República, no artº 36º nº 5, condensando direitos fundamentais da família e filiação, consagra (no que aqui releva) o direito e impõe o dever dos pais de educar e manter os seus filhos. No nº 6 estatui que “os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial”.

32. No art.67º (“família”), no nº 2, onera o Estado com o dever de proteger a família, impondo-lhe a adoção de políticas sociais e a aplicação de medidas adequadas a essa finalidade, designadamente, [al.ª c)] incumbindo-o de “cooperar com os pais na educação dos filhos”.

33. No artº 68º, nº 1 confere aos pais “direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos”.

34. No art.69 º(“infância”) consagra, no nº 1, o dever do Estado, da sociedade (e dos pais) de garantir o direito das crianças “ao seu desenvolvimento integral”, protegendo-as, “especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”. No nº 2, onera o Estado com o dever de assegurar “especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal”.

35. Por sua vez, a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1990, (aprovada para ratificação pela Resolução da AR nº 20/90, de 12 de setembro), no respetivo Preâmbulo, considera “a família, elemento natural e fundamental da sociedade e meio natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças, deve receber a protecção e a assistência necessárias para desempenhar plenamente o seu papel na comunidade;

36. Reconhecendo que a criança, para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão”.

37. Dando execução aos comandos constitucionais atinentes à infância e juventude, o legislador ordinário, publicou a Lei de proteção das crianças e jovens em perigo/LPCJP – a vigente Lei nº 147/99 de 1 de setembro -, com o escopo de poder intervir, na promoção dos direitos e/ou na proteção das crianças e dos jovens em perigo, que residam ou se encontrem no território nacional, “por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral”.

38. Dos princípios orientadores da intervenção – legitimada nas situações enunciadas no artº 3º - sobrelevam aqui os: do interesse superior da criança; da intervenção mínima; das responsabilidades parentais; do primado da continuidade das relações psicológicas profundas; e da prevalência da família, especificados no artº 4º da LPCJP.

39º Uma das medidas de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo, é o “acolhimento residencial”, prevista no artº 35º nº 1 al.ª f) da LPCJP. Consistindo na colocação (definida na lei como medida de colocação) da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações, equipamento de acolhimento e recursos humanos permanentes, devidamente dimensionados e habilitados, que lhes garantam os cuidados adequados. Tendo como finalidade contribuir para a criação de condições que garantam a adequada satisfação de necessidades físicas, psíquicas, emocionais e sociais das crianças e jovens e o efetivo exercício dos seus direitos, favorecendo a sua integração em contexto sociofamiliar seguro e promovendo a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral – art. 49º nºs 1 e 2 da LPCJP.

40. Tem lugar em casa de acolhimento e obedece a modelos de intervenção socio educativos adequados às crianças e jovens nela acolhidos – art. 50º nº 1 da LPCJP.

41. A sua duração, necessariamente limitada, tem de fixar-se no acordo de promoção e proteção que a adotar ou na decisão judicial que a decretar – art. 61º da LPCJP.

42º Precisamente para obrigar ao acompanhamento e ao controlo permanente da evolução da situação de perigo para a promoção dos direitos e a proteção da criança ou jovem e, preparar o seu regresso ao meio natural de vida logo que tal se revele possível, impõe-se – obrigatoriamente – a revisão, “findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses – art. 62º da LPCJP.

43º A revisão periódica da medida de colocação da criança ou jovem num estabelecimento adequada, para fins de assistência, proteção ou tratamento físico ou mental, é um direito que lhes assiste, consagrada no art. 25º da Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26 de janeiro de 1990

44º A decisão de revisão, necessariamente fundamentada de facto e de direito, “em coerência com o projeto de vida da criança ou jovem”, procede à verificação das condições de execução da medida de acolhimento residencial (no que aqui releva), podendo determinar a continuação ou a prorrogação da respetiva execução ou a sua substituição por outra medida que se revelar mais adequada a evolução da situação do perigo que fundamentou que se tivesse acordado ou

determinado, com a consequente retirada da criança do meio natural de vida (quando

existente) – artº 62º nº 2 da LPCJP.

45º No artº 63º estatui-se que as medidas de promoção e proteção cessam quando “decorra o respetivo prazo de duração ou eventual prorrogação” – artº 63º nº 1 alª a) da LPCJP.

46º Resulta do exposto que a medida de acolhimento residencial – única aqui em apreço - deve ser excecional, temporária, com prazo de duração necessariamente estabelecida em acordo de promoção e proteção ou na decisão judicial. É obrigatoriamente revista até ao termo do prazo estabelecido. Cessa se até lá não tiver sido acordada ou decretada a sua continuação ou prorrogado o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial. A revisão é um ato processual obrigatório e o prazo de duração fixado é perentório.

Pelo exposto, nos termos do artigo 31º da CRP, requer-se a V. Ex.ª que se digne declarar ilegal a aplicação e a manutenção da medida de acolhimento residencial, ordenando-se a libertação imediata do menor AA e, consequentemente, a entrega imediata deste aos seus progenitores, conforme é da mais elementar justiça.”

2. Pela Exmo. Juiz no Juízo de Família e Menores de Coimbra - Juiz ..., foi prestada a seguinte informação, nos termos do art.223º, nº1 do Código de Processo Penal (transcrição):

“Como é referido no despacho datado de 31.05.2022, os presentes autos foram instaurados a favor de AA, tendo em conta a relatada situação de perigo, concretizada, para além do mais, no elevado absentismo escolar, falta de cumprimento de regras e incapacidade dos pais em inverter o percurso do filho.

A 02.09.2021 foi aplicada por acordo a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, dela constando, para além do mais, o seguinte:

Os pais e o jovem concordam em continuar a ser acompanhados e apoiados pela ..., nos mesmos termos que têm vindo a ser feitos, e acatando as instruções que os Sr.s Técnicos entendam por convenientes no que respeita aos cuidados de alimentação, educação, higiene, saúde e conforto a prestar ao jovem.

Os pais comprometem-se a fazer comparecer o AA no estabelecimento de ensino frequentado pelo filho e a acompanhar o seu percurso escolar, e o jovem compromete-se a frequentar as aulas com assiduidade e pontualidade, esforçando-se por obter aproveitamento escolar.

A medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais aplicada por acordo a 02.09.2021 não logrou afastar o jovem da situação de perigo em que se encontra, mantendo-se o absentismo escolar, comportamentos desadequados, falta de cumprimento das mais elementares regras de salutar convivência em sociedade, sendo os seus pais incapazes de providenciar pela educação e bom desenvolvimento do filho.

Em face do incumprimento reiterado do acordo de promoção e proteção, com consequências nefastas para o bem-estar e desenvolvimento do AA, demonstradora não só da falta de regras na vida do jovem, tanto na escola como na sua vida em geral, como a incapacidade dos pais em inverter tal situação, foi aplicada a título cautelar, a medida de acolhimento residencial nos termos do disposto nos artigos 35º nº 1 al. f) e 37º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.

Nada se oferece dizer em desabono da decisão tomada, mesmo não sendo referida expressamente a duração da medida cautelar, encontrando-se tal matéria prevista no nº 3 do artigo 37º do Código de Processo Penal, não podendo ultrapassar a duração de seis meses, sendo revista no prazo de três meses.

Não se afiguram preenchidas as alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 222º do Código de Processo Penal.

Instrua os autos com certidão do requerimento inicial e respetivos documentos, atas e decisões que aplicaram medidas de promoção e proteção, relatórios sociais e escolares, bem como as peças solicitadas pelos progenitores no seu requerimento.”.

3. Convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e a Ex.ma Advogada dos requerentes, procedeu-se à audiência, de harmonia com as formalidades legais, após o que o Tribunal reuniu e deliberou como segue (artigo 223º, nº 3, 2.ª parte, do CPP):

II - Fundamentação

4. Das peças processuais juntas aos autos e do teor da informação prestada nos termos do art. 223º do Código de Processo Penal, emergem apurados os seguintes factos relevantes para a decisão da providência requerida:
- Nos autos de promoção e proteção nº 736/20.0T8CBR, que correm no Juízo de Família e Menores de Coimbra - Juiz ..., instaurados a favor de menor AA, nascido .../.../2006, foi determinada, por decisão de 16/6/2020, a aplicação a este menor da medida de apoio junto dos pais pelo período de seis meses e, por despacho judicial proferido a 16-2-2021, considerando que o menor AA melhorou substancialmente a sua atitude perante as suas obrigações escolares, pois tem ido às aulas, é assíduo e mantém bom comportamento, foi declarada extinta a medida de apoio junto dos pais, nos termos do artigo 62º, nº 3, al. a) e nº 4 da LPCJP,  e determinado o arquivamento dos autos;

- Em 2/9/2021 foi, por acordo, aplicada ao menor AA, a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, pelo período de quatro meses, dela constando, para além do mais, o seguinte:

«(…) Segundo

Os pais e o jovem concordam em continuar a ser acompanhados e apoiados pela ..., nos mesmos termos que têm vindo a ser feitos, e acatando as instruções que os Sr.s Técnicos entendam por convenientes no que respeita aos cuidados de alimentação, educação, higiene, saúde e conforto a prestar ao jovem.

Terceiro

Os pais comprometem-se a fazer comparecer o AA no estabelecimento de ensino frequentado pelo filho e a acompanhar o seu percurso escolar, e o jovem compromete-se a frequentar as aulas com assiduidade e pontualidade, esforçando-se por obter aproveitamento escolar.».

- Em 31/5/2022, a Ex.ma Juíza no Juízo de Família e Menores de Coimbra - Juiz ..., proferiu o seguinte Despacho (transcrição):

“Os presentes autos foram instaurados pelo Ministério Público a favor de AA.

Em 2/9/2021, foi aplicada, por acordo, a medida de apoio junto dos pais, pelo período de 4 meses.

Após informações solicitadas ao estabelecimento de ensino onde o jovem se encontra matriculado, foram tomadas declarações ao AA e aos seus pais.

O Ministério Público promove a substituição da medida vigente, a título cautelar, pela medida de acolhimento residencial.

Cumpre apreciar e decidir:

Analisando o processo, considero apurados os seguintes factos:

1. AA nasceu em .../.../2006 e é filho de AA e de BB.

2. Em 16/6/2020 foi aplicada ao AA a medida de apoio junto dos pais, comprometendo-se estes a fazer comparecer o AA nas consultas que lhe sejam marcadas e a seguir as prescrições médicas e a acompanhar o respectivo percurso escolar, deslocando-se à escola sempre que convocados e, independentemente de convocatória, uma vez por mês para se inteirarem da sua evolução escolar junto do director de turma, e comprometendo-se o jovem a comparecer nas aulas, incluindo os apoios, com assiduidade e pontualidade, e a esforçar-se por obter aproveitamento escolar.

3. Tal acordo foi celebrado pela circunstância de o AA se encontrar em absentismo escolar.

4. Em 16/2/2021 foram os autos arquivados pois, de acordo com as informações obtidas, o AA melhorara substancialmente a sua atitude perante as suas obrigações escolares, pois ia às aulas, era assíduo e mantinha bom comportamento.

5. Contudo, logo em 2/3/2021 a escola comunica que o AA faltava às aulas e não realizava as tarefas nem os trabalhos de casa, pelo que foram os autos re-abertos.

6. Em 2/9/2021 foi aplicada, por acordo, ao AA, a medida de apoio junto dos pais pelo período de 4 meses, comprometendo-se estes a fazer comparecer o AA no estabelecimento de ensino frequentado pelo filho e a acompanhar o seu percurso escolar, a não justificar as faltas do filho às aulas, excepto por motivos clínicos devidamente documentados; o jovem comprometeu-se a frequentar as aulas com assiduidade e pontualidade, esforçando-se por obter aproveitamento escolar; o pai comprometeu-se a executar as tarefas laborais com empenho, mantendo-se laboralmente activo e a mãe comprometeu-se a procurar activamente trabalho ou formação profissional.

7. No dia 6/10/021 na aula de Tecnológica, o AA esteve em conversa frequente e saiu do lugar sem autorização.

8. No dia 12/10/2021 o AA, na aula de Tecnologias de Informação e Comunicação, depois de ser avisado para não mexer na persiana, continuou a fazer e, mesmo sendo avisado mais que uma vez, continuou a não respeitar o pedido para não andar a brincar com a persiana e utilizou indevidamente o telemóvel.

9. No dia 13/10/2021, o AA recusou-se a desenvolver a tarefa da aula de cidadania e mundo actual e, mesmo com várias chamadas de atenção esteve todo o tempo a tirar a máscara e a fazer graça, rindo-se para os colegas.

10. No dia 14/10/2021 o AA esteve toda a aula de física e química sem realizar qualquer tarefa proposta, nem registo da aula; continuava a não ter caderno e não conseguia acompanhar os exercícios porque também não registava nas folhas; esteve sempre com atitude de gozo e a perturbar o normal funcionamento da aula.

11. Em 17/11/2021 a escola informa que apesar de acatar as indicações no momento, o AA é um aluno perturbador, conversador, raramente desenvolve as tarefas de sala de aula independentemente do local onde esteja sentado, sejam tarefas individuais ou grupais; e que os contactos com o encarregado de educação têm sido sempre por parte da escola, sempre que o pai é informado que o AA está a faltar, ele parece preocupado, mas a situação não se altera. Todos os contactos com o EE ainda não melhoraram em nada a situação escolar do AA, não melhorou a assiduidade nem o comportamento.

12. No dia 15/10/2021 o AA, na aula de inglês, distraía-se facilmente e não cumpriu com as tarefas em sala de aula, sendo um elemento que também perturbava e distraia os colegas com conversa ou brincadeiras paralelas.

13. No dia 19/10/2021, na aula de física e química, o telemóvel do AA, que já estava a realizar a ficha de avaliação, fez ruído de mensagem, no bolso do aluno. Todos os colegas tinham ordeiramente ido colocar os telemóveis no sitio de recolha, e a professora reforçara que o aluno que fosse apanhado com telemóvel, não realizaria o mesmo, pelo que o jovem não realizou a ficha de avaliação.

14. No dia 20/10/2021 o AA, durante o visionamento do filme, esteve na conversa com o CC e com o DD.

15. Nesse mesmo dia, na aula de inglês, quando tocou para a pausa, o AA saiu sem autorização e não voltou.

16. No dia 22/10/2021, na aula de inglês, dado que o AA se distrai facilmente e distrai os colegas, o professor pediu-lhe para sair para a sala de trabalho fazer uma tarefa, sendo que o AA levou o telemóvel sem autorização.

17. No dia 28/10/2021, na aula de inglês, o AA não cumpriu as tarefas e distraiu os colegas.

18. No dia 3/11/2021, o AA, na aula de inglês, esteve constantemente na conversa com o EE e disse 'vai-te foder'.

19. No dia 4/11/2021, nas aulas de Tecnologias da Informação e Comunicação, o AA esteve sempre na conversa com o FF, não realizando a ficha de trabalho e esteve sempre no telemóvel, apesar do aviso para começar a trabalhar.

20. No dia 5/11/2021 o AA chegou à aula de física e química depois do 2º toque.

21. Na aula de inglês do dia 10/11/2021 o AA não colocou o telemóvel na caixa e não cumpriu com a tarefa proposta para a aula.

22. No dia 15/11/2021, na aula de português, o AA esteve constantemente na conversa a perturbar o bom funcionamento da aula.

23. No dia 16/11/2021, nas aulas de Tecnologias da Informação e Comunicação, o AA, que estava sozinho num pc, esteve sempre na conversa, sem trabalhar nada e de repente o trabalho apareceu feito, pois foi-lhe enviado pelo GG, ignorando as advertências.

24. De 20/10/2021 a 17/11/2021 o AA dá 38 faltas injustificadas.

25. Em 17/12/2021 a escola informa que o AA tinha enviado, em nome da directora da turma, vários emails, ao pai, a informar que não havia aulas, o que foi comunicado aos pais. O desinteresse do AA face às tarefas escolares era total e o seu aproveitamento era muito pouco satisfatório, não atingindo positiva em nenhuma componente de formação.

26. De 17/11/2021 a 17/12/2021 o AA deu 35 faltas injustificadas.

27. Na aula de 19/11/2021 de Cidadania e Mundo Actual o AA não cumpriu as tarefas da aula e esteve constantemente a perturbar a aula.

28. Nos dias 2/12/2021 e 9/12/2021, nas aulas de Cidadania e Mundo Actual o AA não cumpriu as tarefas das aulas, esteve sempre a perturbar os colegas a falar alto e com conversas despropositadas.

29. No dia 16/12/2021, o AA tocou à porta pedindo para entrar na aula de Cidadania e Mundo Actual às 11h30, e o professor deu-lhe indicação para ir perguntar à DT se podia juntar-se à turma aquela hora. O AA não voltou a ir à sala a não ser as 12h20 quando o meio da aula deu toque às 12h00.

30. No dia 25/11/2021, na aula de educação física, o AA perguntou se podia ir à casa de banho e quando o professor foi à procura dele estava a fumar.

31. No dia 29/11/2021 na aula de física e química o AA recusou-se a cumprir as tarefas da aula, apesar de todas as chamadas de atenção.

32. O AA, no dia 23/11/2021, na aula de inglês, verbalizou para o GG 'pichas no cu para ti'.

33. No dia 14/12/2021, na aula de inglês, o AA esteve a atirar pedaços de lápis aos colegas.

34. Na aula de português do dia 6/12/2021 o AA, apesar das diversas chamadas de atenção, não registou no caderno diário os conteúdos do quadro.

35. Nas aulas de português do dia 7/12/2021 o AA não realizou as tarefas, não passou para o caderno diário os conteúdos e diversas vezes cantou, estando constantemente a incomodar os colegas: ou chama-os, ou tira material.

36. No dia 18/11/2021, nas aulas de Tecnologia de Informação e Comunicação, o AA recusou-se a fazer os exercícios e quando a professora lhe disse que ia marcar falta por este não estar a trabalhar, saiu da sala.

37. Nas aulas de 2/12/2021 de Tecnologias de Informação e Comunicação, o AA foi o único a não colocar o telemóvel enquanto regra da sala de aula, foi constantemente avisado pela professora para estar calado e para fazer a ficha e não o fez, ignorando os avisos, estando sempre a falar com os colegas do lado e com os colegas que estão do outro lado da sala.

38. Nas aulas de 6/12/2021 de Tecnologias de Informação e Comunicação, o AA esteve a aula toda sem passar nada para o caderno, esteve a meter-se com o colega da frente e a distrair os colegas.

39. Em 9/2/2022 a escola informa que o AA continua um aluno perturbador, conversador, que raramente desenvolve as tarefas de sala de aula independentemente do local onde esteja sentado, raramente é portador dos óculos e do material escolar necessário; que sempre que o pai é informado que o AA está a faltar, parece preocupado, mas a situação não se altera; que o desinteresse o aluno face às tarefas escolares é total e o seu aproveitamento é muito pouco satisfatório não atingindo positiva em nenhuma componente de formação.

40. No segundo período, até 8/2/2022, o AA deu 43 faltas injustificadas.

41. No dia 3/2/2022, na aula de inglês, o AA virou-se para o colega HH. e bateu-lhe na mão para ele não escrever.

42. Nas aulas de tecnologias de Informação e Comunicação do dia 10/1/2022 o AA não fez o trabalho da sala de aula e esteve sempre na conversa.

43. Na aula de 27/1/2022 da mesma disciplina o AA não realizou o trabalho proposto.

44. Em 6/4/2022 foram tomadas declarações ao AA e aos seus pais, tendo sido advertidos para a possibilidade de mudança de medida, para acolhimento residencial.

45. Em 28/4/2022 a escola informa que o AA continua, conversador e na maioria das disciplinas continua a não desenvolver as tarefas de sala de aula de forma sistemática ainda que comece a fazer um esforço quando chamado à atenção.

46. No final do segundo período o AA só teve nota positiva a educação física.

47. De 9/3/2022 a 26/4/2022 o AA deu 16 faltas injustificadas.

48. No dia 25/3/2022 na aula de Cidadania e Mundo Actual o AA dirigiu-se a um colega e disse: «Oh filho da puta, está quieto».

49. Na aula de inglês de 10/3/2022 o AA estava a falar com um colega sobre um professor e disse 'meto-lhe um dedo no cu'.

50. No dia 24/3/2022 na aula de inglês o AA bateu com um livro num colega.

51. Na aula do dia 29/3/2022 o AA esteve deitado em cima da mesa toda a aula.

52. No dia 22/4/2022, na aula de português, o AA esteve a perturbar a aula, constantemente na conversa, utilizando vocabulário desadequado e a desafiar constantemente a ordem da professora. Foi alertado várias vezes, mas continuou com a mesma postura.

53. Na aula de 22/3/2022 de Tecnológica o AA não participou nas tarefas da aula, estando a conversar.

54. Na aula do dia 30/3/2022 da mesma disciplina não cumpriu as tarefas propostas, o mesmo sucedendo na aula de 20/4/2022.

55. No dia 26/4/2022, nas aulas de Tecnológica, o AA foi mandado para a sala ... por não ter, repetidamente, acatado as indicações para estar calado. Não respeitou, também, ter de deixar o seu telemóvel na sala de aula, sendo que o utilizou durante a aula e não tinha caderno diário.

56. No dia 27/4/2022, na aula da mesma disciplina, o AA voltou a não cumprir com as tarefas propostas.

57. De 3/5/2022 a 27/5/2022 o AA deu 19 faltas injustificadas.

58. No dia 5/5/2022, na aula de português, o AA esteve com comentários despropositados, e não realizou a tarefa solicitada.

59. No dia seguinte, também a português, o AA continuou a não realizar as tarefas solicitadas e constantemente na conversa com os colegas e a perturbar a aula, a pesar dos avisos constantes.

60. Na aula de Tecnológica de 27/4/2022, o AA não cumpriu com as tarefas propostas.

61. No dia 2/5/2022, na aula de Tecnológica, o AA recusou-se a sair da sala depois de ter, repetidamente, dito palavras impróprias.

62. Na aula da mesma disciplina do dia 16/5/2022, o AA provocou desacatos com o colega II.

63. No dia 17/5/2022, na aula de tecnológica, o AA teve comentários sobre os colegas inconvenientes no ambiente de sala de aula.

64. O pai do AA trabalha nos serviços de recolha do lixo, da Câmara Municipal ..., auferindo mensalmente 735 euros, pelo que a família procedeu à cessação da prestação RSI em Janeiro de 2022.

Analisando a factualidade suporá exposta, verificamos que se mantém a situação de absentismo escolar que deu origem à instauração destes autos e à sua re-abertura, pois desde 20/10/2021 até agora o AA já deu 151 faltas injustificadas!

Mas mais, quando vai às aulas, o AA, ao arrepio do que se comprometeu em 2/9/2021, não se esforça por obter aproveitamento escolar, pois além de não executar as tarefas propostas, perturba grandemente o decurso das aulas, não cumpre as regras estabelecidas e é extremamente incorrecto e grosseiro.

Depois, os progenitores mostram-se totalmente incapazes de exercer autoridade sobre o filho, não acompanhando devidamente o seu percurso escolar, pois não conseguiram, ao fim de praticamente nove meses, inverter o comportamento do AA.

Acresce que a vinda a Tribunal, e a solene advertência nela contida, do passado dia 6/4/2022, não teve qualquer efeito positivo na atitude do AA perante os seus deveres escolares, ou na atitude educativa dos seus pais:

Em 28/4/2022 a escola informa que o AA continua conversador e na maioria das disciplinas continua a não desenvolver as tarefas de sala de aula de forma sistemática e o jovem continuou a dar faltas injustificadas.

No dia 22/4/2022, na aula de português, o AA esteve a perturbar a aula, constantemente na conversa, utilizando vocabulário desadequado e a desafiar constantemente a ordem da professora. Foi alertado várias vezes, mas continuou com a mesma postura.

No dia 26/4/2022, nas aulas de Tecnológica, o AA foi mandado para a sala ... por não ter, repetidamente, acatado as indicações para estar calado. Não respeitou, também, ter de deixar o seu telemóvel na sala de aula, sendo que o utilizou durante a aula e não tinha caderno diário.

No dia 27/4/2022, na aula da mesma disciplina, o AA voltou a não cumprir com as tarefas propostas.

No dia 5/5/2022, na aula de português, o AA esteve com comentários despropositados, e não realizou a tarefa solicitada.

No dia seguinte, também a português, o AA continuou a não realizar as tarefas solicitadas e constantemente na conversa com os colegas e a perturbar a aula, a pesar dos avisos constantes.

Na aula de Tecnológica de 27/4/2022, o AA não cumpriu com as tarefas propostas.

No dia 2/5/2022, na aula de Tecnológica, o AA recusou-se a sair da sala depois de ter, repetidamente, dito palavras impróprias.

Na aula da mesma disciplina do dia 16/5/2022, o AA provocou desacatos com o colega II.

No dia 17/5/2022, na aula de tecnológica, o AA teve comentários sobre os colegas inconvenientes no ambiente de sala de aula.

A intervenção para promoção e protecção dos direitos da criança em perigo funda-se, desde logo, no artigo 69º da Constituição da República Portuguesa, que confere à sociedade e ao Estado o dever de a proteger contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão, e contra o exercício abusivo de autoridade, com vista ao seu desenvolvimento integral.

Funda-se, ainda, nos artigos 19º e 20º da Convenção sobre os Direitos da Criança, que impõe ao Estado a obrigação de adoptar medidas adequadas à protecção da criança contra todas as formas de violência física ou mental, dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração.

O processo de promoção e protecção de crianças e jovens tem uma natureza cautelar e instrumental, com uma finalidade concreta – intervenção imediata junto da crianças ou jovens em situação de perigo, removendo-o, proporcionando algumas condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação e educação, bem-estar e desenvolvimento integral – e não pretende resolver definitiva e juridicamente a situação dessa criança ou jovem, cuja resolução só poderá ser obtida num processo tutelar cível adequado.

Os princípios orientadores da intervenção do Estado e da comunidade estão previstos no artigo 4º da LPCJP, elegendo-se o interesse superior da criança como critério prioritário e prevalecente.

As medidas de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo estão tipificadas no artigo 35º da LPCJP (e elencada numa ordem de preferência e prevalência) e podem ser aplicadas a título provisório, conforme resulta do nº 2 do citado normativo.

De harmonia com o artigo 37º da LPCJP, as medidas provisórias, ou são aplicadas em casos de emergência (situação urgente crítica ou de gravidade excepcional), ou em casos em que não está feito o diagnóstico (definitivo) da situação da criança e definido o seu projecto devida.

No caso em apreço, o AA encontra-se numa grave situação de perigo, sinal do insucesso da medida de promoção e protecção em vigor. Com efeito, este jovem, não obstante a celebração do acordo de promoção e protecção em vigor, continua em absentismo escolar e sem demonstrar qualquer empenho na obtenção de sucesso!

Por outro lado, os seus pais não se revelam capazes, de providenciar pela educação e bom desenvolvimento do filho.

Deste modo, estamos perante o incumprimento reiterado do acordo de promoção e protecção, com consequências nefastas para o bem-estar do AA.

Deste modo, impõe-se aplicar, embora a título provisório, uma medida de promoção e protecção que afaste este jovem da situação de perigo por ele vivida, o que se faz ao abrigo do disposto nos artigos 3º, nºs 1 e 2, als. c) e g)), 35º, nº 1, al. f) e 37º da LPCJP, aplicando ao AA a medida de acolhimento residencial na ..., em ..., que deverá zelar pela saúde, formação e segurança deste jovem.

Instituo curador provisório do AA o Director da Instituição designada.

Passe os competentes mandados de condução do jovem, para serem cumpridos pela PSP, com o auxílio da ..., autorizando-se a entrada destas entidades em qualquer casa, nomeadamente na dos progenitores, sita na Av. ..., ..., ..., em ... (cfr. o nº 2 do artigo 92º da LPCJP).

Comunique, devendo a ... comunicar a estes autos a efectivação do ora decidido.

Após, notifique.”.

- O menor AA encontra-se institucionalizado na Casa de Acolhimento ...”, em ..., desde 15 de junho de 2022.

- Por notificação de 17 de junho de 2022 foram os pais notificados, na pessoa da sua mandatária, da decisão proferida a 31 de maio de 2022 com a ref. ...87 através da qual o Tribunal de Família e Menores de Coimbra aplicou àquele menor a medida provisória de acolhimento residencial.

5. Questão objeto do habeas corpus

 Saber se o filho dos peticionantes, AA, sujeito à medida provisória de acolhimento em residência na Casa de Acolhimento, se encontra ilegalmente “preso”, nos termos do art. 222º, nº 2, al. c), do Código de Processo Penal, devendo, em consequência, ser imediatamente restituído à liberdade e entregue aos seus progenitores.

6. Direito

Delimitado o objeto da providência requerida pelos progenitores do menor, importa tecer breves considerações sobre este instituto jurídico e as normas que fundamentam o pedido visando a sua imediata restituição à liberdade (artigos 27º, nºs 1, 2 e 3, 31º, 36º, nº5, 67º, nº 2, al. a), 68º, nº 1, e 69º da C.R.P.; artigos 222º, nºs 1 e 2 , al. c) e 223º, nº 1 do C.P.P.; artigos III, IX e XXIX da D.U.D.H.; art. 9º do PIDCP; art. 5º da CEDH; art. 47º da CDFUE; Preâmbulo e art. 25º da Convenção sobre direitos da criança; e artigos 3º, 4º, 35º, nº 1, al. f), 49º, nºs 1 e 2, 50º, nº 1, 61º, 62º, e 63º, nº 1, al. a), da LPCJP) .

6.1. Quanto à providência de habeas corpus:

A liberdade física, liberdade de movimentos, expressão da dignidade da pessoa humana é, desde tempos longínquos, objeto de ilegalidades e violações por abuso de poder.

Como garantia do direito à liberdade física das pessoas e à segurança, o art. 27º, da Constituição da República Portuguesa, formula o princípio de que «todos têm direito à liberdade e à segurança» (nº 1), «e ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão» (nº 2). Excetua-se deste princípio, a privação da liberdade pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nomeadamente, no caso de «Sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;» (art. 27º, nº 3, al. e) da C.R.P.).

Para pôr termo à situação de ilegalidade da prisão, o art.31º da Constituição da República Portuguesa, prevê, como providência específica, o «habeas corpus», dispondo o seguinte:

«1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

 2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.

 3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.».

O abuso de poder, referido nesta norma constitucional, traduz uma atuação especialmente gravosa no âmbito dessa ilegalidade, referindo o deputado Barbosa de Melo, em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, no âmbito da IV Revisão Constitucional, que a ideia por trás da fórmula consagrada no art. 31º, nº 1, “…é que não basta que a prisão viole um aspeto menor, é necessário a violação de um princípio essencial da lei. Uma ilegalidade que é uma mera irregularidade não justifica o habeas corpus que é uma providência excecional.”.[1]

Anotando este art. 31º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira:

Na sua versão atual, o habeas corpus consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros, garantido nos arts. 27º e 28º (...).

A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no art.27º, quando efetuada ou ordenada por autoridade incompetente ou por forma irregular, quando tenham sido ultrapassados os prazos de apresentação ao juiz ou os prazos estabelecidos na lei para a duração da prisão preventiva, ou a duração da pena de prisão a cumprir, quando a detenção ou prisão ocorra fora dos estabelecimentos legalmente previstos, etc...

Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade”.

Ainda na doutrina constitucional, JJ e KK, em anotação ao art. 31º, nº 1, da Lei Fundamental, defendem, sobre a qualificação de «providência extraordinária», atribuída ao habeas corpus, que esta “…não significa e não equivale á excecionalidade. Juridicamente excecional é a privação da liberdade (pelo menos, fora dos termos e casos de cumprimento de pena ou medida de segurança) e nunca a sua tutela constitucional. A qualificação como providência extraordinária será de assumir no seu descomprometido significado literal de providência para além (e, nesse sentido, fora – extra) da ordem de garantias constituída pela validação judicial das detenções e pelo direito ao recurso de decisões sobre a liberdade pessoal.”. [2]

Na conformação constitucional e no seu desenho normativo, o habeas corpos é uma providência judicial urgente. “Visa reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal” decretada ou mantida com violação “patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação”.[3]

Dando expressão ao art.31º da Constituição da República Portuguesa, o art. 222º, nº 2, do Código de Processo Penal, estabelece como pressupostos de habeas corpus, em virtude de prisão ilegal:

«a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.».

No seguimento do entendimento do habeas corpus, como uma providência extraordinária, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem considerando que os fundamentos do «habeas corpus» são aqueles que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos suscetíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão.[4]

Pacífico é ainda, na jurisprudência, que a providência de habeas corpus não se destina a apreciar erros de direito nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade.[5]

Por outro lado, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido uniformemente que a procedência do pedido de habeas corpus pressupõe a atualidade da ilegalidade da prisão reportada ao momento em que é apreciado o pedido.[6]

6.2. Quanto aos direitos da família e da filiação na Constituição Portuguesa:

O art.36º da Constituição da República Portuguesa, tutela a família, o casamento e a filiação, no capítulo dos «Direitos, liberdades e garantias», e os artigos 67º, 68º e 69º, consagram os mesmos direitos, mas em sede de «Direitos e deveres económicos, sociais e culturais».

Como facilmente se depreende do texto destas normas, transcritas na petição de habeas corpus pelos requerentes, impõe-se nelas ao legislador, designadamente, um específico dever de proteger a família e as crianças, garantindo a estas o direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao desenvolvimento da sua personalidade integral.

6.3 Quanto ao direito à liberdade individual nos textos internacionais:

Os artigos III, IX e XXIX da D.U.D.H., o art. 9º do PIDCP, o art. 5º da CEDH, o art. 47º da CDFUE e o Preâmbulo da Convenção sobre direitos da criança, também transcritos pelos peticionantes, estabelecem, em termos gerais, o direito à liberdade individual, proibindo a detenção e prisão arbitrárias e o direito de recurso sobre a legalidade da privação da liberdade.   

No que respeita aos Direitos da Criança, a respetiva Convenção (aprovada para ratificação pela Resolução da AR nº 20/90, de 12 de setembro) estatui, no seu art. 25º que «Os Estados Partes reconhecem à criança que foi objeto de uma medida de colocação num estabelecimento pelas autoridades competentes, para fins de assistência, proteção ou tratamento físico ou mental, o direito à revisão periódica do tratamento a que foi submetida e de quaisquer outras circunstâncias ligadas à sua colocação.».

6.4. Da medida de acolhimento residencial:

A Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei nº 147/99, de 1 de setembro) que tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, estabelece sobre a legitimidade daquela intervenção, no seu art. 3º, com interesse para a decisão:

«1 - A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.

 2 - Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:

(…);

c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;

(…)

g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação;».

Os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo são, nos termos do seu art. 4º: o interesse superior da criança; o da intervenção mínima; o das responsabilidades parentais; do primado da continuidade das relações psicológicas profundas; e da prevalência da família.

De acordo com o disposto no art. 34º, da LPCJP, «As medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo visam:

a) Afastar o perigo em que estes se encontram;

b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;

c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.».

Estas medidas encontram-se elencadas nas alíneas a) a g) do nº 1 do art. 35º da LPCJP, constando a medida de «acolhimento residencial» na alínea f).

De notar, ainda, que à exceção da medida de «confiança a pessoa selecionada para a adoção a família de acolhimento ou a instituição com vista a adoção», a que alude a g) do nº 1 do art. 35º da LPCJP, todas as medidas de promoção e proteção podem ser decididas a título cautelar.  

 É o que resulta do art. 35º, nº 2 da LPCJP, ao dispor que «As medidas de promoção e de proteção são executadas no meio natural de vida ou em regime de colocação, consoante a sua natureza, e podem ser decididas a título cautelar, com exceção da medida prevista na alínea g) do número anterior.» (art. 35º, nº 2 e 3 da LPCJP).

A medida de «acolhimento residencial» consiste, nos termos do art. 49º da LPCJP, «..na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações, equipamento de acolhimento e recursos humanos permanentes, devidamente dimensionados e habilitados, que lhes garantam os cuidados adequados (nº 1), e tem como finalidade «…contribuir para a criação de condições que garantam a adequada satisfação de necessidades físicas, psíquicas, emocionais e sociais das crianças e jovens e o efetivo exercício dos seus direitos, favorecendo a sua integração em contexto sociofamiliar seguro e promovendo a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral» (nº 2).

O «acolhimento residencial» tem lugar em casa de acolhimento e obedece a modelos de intervenção socioeducativos adequados às crianças e jovens nela acolhidos (art. 50º, nº 1), ou seja, esta medida retira o exercício das responsabilidades (e guarda da criança) a quem não se encontra em condições de as exercer, entregando-as a uma instituição terceira.

Sobre a duração das medidas de colocação, estabelece o art. 61º: «As medidas previstas nas alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 35º têm a duração estabelecida no acordo ou na decisão judicial.».

Relativamente à revisão das medidas, estabelece o art. 62º, nº 1, aqui com interesse, que «Sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 37º, as medidas aplicadas são obrigatoriamente revistas findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses, inclusive as medidas de acolhimento residencial e enquanto a criança aí permaneça.».

Por fim, o art. 63º, nº 1, al. a), da LPCJP, invocado pelos peticionantes, estabelece que as medidas cessam quando decorra o respetivo prazo de duração ou eventual prorrogação.

6.5. Fixado o regime legal que subjaz à questão, nos termos colocados pelos peticionantes, importa decidir, em primeiro lugar, se a medida provisória de acolhimento residencial é equiparável à prisão ou detenção ilegal e, assim, se o regime de habeas corpus lhe é aplicável.

Para efeitos de aplicação da garantia constitucional de habeas corpus, os ora peticionantes procedem a uma equiparação entre a medida provisória de acolhimento residencial aplicada ao filho menor e “a prisão”, ao afirmarem que o mesmo se encontra “…privado da sua liberdade, “mutatis mutantis”, “preso” na Casa de Acolhimento supra indicada” (ponto nº 12 da Petição) e, invocam o princípio da igualdade que tem levado o Supremo Tribunal a aplicar o regime do habeas corpus à medida de acolhimento residencial.

A aplicação do regime penal de habeas corpus a situações não expressamente previstas na lei, como à medida coativa de obrigação de permanência na habitação, a internamento em centro educativo na sequência de medida tutelar, a colocação de estrangeiros em centro de instalação temporária do SEF ou à medida de internamento de inimputável por anomalia psíquica, não é nova na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

Com o acórdão do S.T.J. de 18-01-2017 (proc. nº 3/17.6YFLSB, in www.dgsi.pt), passou a admitir-se, também, a aplicação do regime penal de habeas corpus à medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, podendo ler-se, nos primeiros pontos do sumário desta decisão:

I - Não obstante a medida de promoção e proteção prevista no art. 35º, nº 1, al. f), da LPCJP, ter por finalidade o afastamento do perigo em que a criança se encontra e proporcionar-lhe as condições favoráveis ao seu bem-estar e desenvolvimento integral, ela não deixa de traduzir uma restrição de liberdade e, nessa medida, mesmo que não caiba nos conceitos de “detenção” e de “prisão” a que aludem os arts. 220º e 222º do CPP, configura uma privação da liberdade merecedora da proteção legal concedida pela providência extraordinária de “habeas corpus”, sob pena das ilegais situações de excesso da sua duração, por decurso do seu prazo máximo de duração (6 meses) ou por omissão de revisão (findos os 3 meses), ficarem desigualmente protegidas em relação aos casos de detenção ou prisão ilegais.

II - Daí que, embora o CPP, nos seus arts. 220º e 222º, nº 1, preveja apenas a medida de habeas corpus para a detenção e prisão ilegais, atenta a filosofia subjacente a estas normas, tem-se por adequado aplicar, ao abrigo do disposto no art. 4º do CPP e por analogia, o regime do “habeas corpus” previsto no citado art. 222º ao caso dos autos, ou seja, à medida de provisória de acolhimento residencial do menor, sob pena de situações análogas gozarem de tratamento injustificadamente dissemelhante, com a consequente violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP.”.

Admitindo que embora a finalidade da medida de acolhimento residencial constitui uma realidade distinta das situações específicas a que se reporta o instituto do habeas corpus, considerou o STJ que a medida é equiparável a um caso de limitação ou restrição da garantia de liberdade, socorrendo-se de entre outros textos legais do citados artigos 27º, nº 3 da C.R.P., que admite a privação da liberdade através da “sujeição do menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente”, do art.5.°, nº 1 da CEDH , que dispõe que “ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal», incluindo o caso de «Se se tratar da detenção legal de um menor, feita com o propósito de o educar sob vigilância, ou da sua detenção legal com o fim de o fazer comparecer perante a autoridade competente” (alínea d)).

No mesmo sentido, pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09-06-2021 (proc. nº 6/21.6T1PTG.S1) e de 23-07-2021 (proc. nº 2943/20.6T8CBR-A.S1)[7], acrescentando como argumentos, designadamente, a definição ampla de privação da liberdade que  resulta do ponto 11 do Anexo, relativo às Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade, adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 45/113, de 14.12.1990 - «privação de liberdade significa qualquer forma de detenção, de prisão ou a colocação de uma pessoa, por decisão de qualquer autoridade judicial, administrativa ou outra autoridade pública, num estabelecimento público ou privado do qual essa pessoa não pode sair pela sua própria vontade» - e o art. 37º, alínea d) da art. 37º da Convenção Sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21.9.1990, enquanto dispõe que «A criança privada de liberdade tem o direito de aceder rapidamente à assistência jurídica ou a outra assistência adequada e o direito de impugnar a legalidade da sua privação de liberdade perante um tribunal ou outra autoridade competente, independente e imparcial, bem como o direito a uma rápida decisão sobre a matéria.».   

Invoca-se mesmo uma intolerável violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa, não admitir o regime de habeas corpus em situações de     

sujeição do menor a medidas de proteção, como a de acolhimento residencial, mesmo que a título cautelar.

Pese embora a força destes argumentos, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça não se tem mostrado uniforme a respeito da aplicação da garantia constitucional de habeas corpus, à medida de «acolhimento residencial».

Como bem se afirma no acórdão do S.T.J, de 2-6-2021 (proc. nº 2840/20.5T8STR-B.S1, in www.dgsi.pt.):

«Alguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça [1] tem alargado a providência de habeas corpus a situações que aparentemente parecem idênticas, como as relativas à aplicação de medidas de proteção, assistência ou educação de menor em estabelecimento, ou as de internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento — o que pode ser visto como entendendo a  providência de habeas corpus como um meio expedito para reagir contra um abuso de poder numa decisão limitativa de direitos fundamentais[2].

Outra parte da jurisprudência tem considerado não ser admissível, nomeadamente quando estejam em causa medidas de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo dada as razões subjacentes à aplicação destas medidas serem distintas das que presidem à aplicação de uma prisão por cometimento da prática de um crime [3]”.

Sintetizando o sentido da jurisprudência deste Supremo Tribunal de inadmissibilidade de aplicação da providência de habeas corpus à medida de acolhimento residencial, pode ler-se no sumário do acórdão de 14-1-2021 (proc. nº 161/11.3TMCBR-D.S1, in www.dgsi.pt):

“I - Entende este STJ que uma medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, mesmo aplicada a título provisório, não tem correspondência a uma pena de prisão ou a medida de coação restritiva da liberdade, aplicadas em processo crime.

II - Na jurisdição de menores, e concretamente no âmbito da LPCJP, as medidas de promoção e protecção, não visam penalizar quem quer que seja, mas, outrossim, beneficiar as crianças e jovens que estão em perigo, sendo os pressupostos de aplicação diferentes dos da aplicação de uma pena de prisão ou de uma medida de coação restritiva da liberdade. Por isso, os princípios orientadores da intervenção, são os definidos expressamente no art. 4º da LPCJP, não se prevendo aí nenhum princípio orientador de penalização ou de restrição da liberdade pela prática de qualquer facto ilícito.

III - Ao processo de promoção e proteção são aplicáveis subsidiariamente, as normas relativas ao processo civil declarativo comum, nos termos do disposto no art. 126º, da LPCJP. Ainda que se conceda que esta norma se refere à fase de debate judicial e de recurso, ela não deixa de indicar claramente natureza não penal do regime jurídico de promoção e proteção de crianças e jovens. A que acresce, no presente caso, estarmos perante um regime jurídico que se quis demarcar, propositadamente, do regime relativo a crianças agentes de factos qualificáveis pela lei penal como crime.

IV - É de indeferir a providência de habeas corpus, nos termos do disposto no art. 223º, nº 4, al. a), do CPP.”.

Também Ana Rita Gil, em comentário ao acórdão do STJ de 18/01/2017, sob a epigrafe “A garantia de Habeas Corpus no contexto de aplicação de medida de promoção e proteção de acolhimento residencial” (Julgar Online, outubro de 2017) não concorda com a solução alcançada, porquanto e em síntese, no espírito dessa medida está, não a imposição de restrições à liberdade da criança, mas, muito pelo contrário, a promoção plena de todos os seus direitos fundamentais, incluindo a liberdade pessoal, a ligação à comunidade e o desenvolvimento da sua autonomia.

Ainda assim, não deixa de reconhecer que “De facto, pode eventualmente conter algumas limitações à plena liberdade de movimentos da criança – o que no presente caso poderia decorrer da própria idade da mesma, mas que em crianças de idade mais avançada pode ser mais notório. Pense-se em visitas ao exterior mediante autorização ou acompanhamento obrigatório. Tudo dependerá, em suma, do regime concreto de execução da medida – que, repete-se, não deve ser primacialmente caracterizado como importando uma privação da liberdade. Reconhecer, pois, a existência de limitações a uma liberdade de movimentos plena não implica que se qualifique tal medida como uma medida detentiva.”.

Pese embora a natureza e finalidades da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, entendemos, como cremos ser o entendimento da maioria da jurisprudência do STJ,

que originando esta medida uma compressão do direito da criança à unidade familiar, é equiparável, de algum modo à prisão e detenção ilegal para efeitos de aplicação do regime do “habeas corpus”.

6.6. Decidida a questão da possibilidade de aplicação do regime de habeas corpus à medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, impõe-se agora decidir se o filho dos peticionantes, AA, sujeito à medida provisória de acolhimento em residência na Casa de Acolhimento, se encontra ilegalmente “preso”.

Começam os peticionantes por afirmar que os factos sinalizados pela escola, só de per si, não são suscetíveis de enquadrar e/ou preencher o conceito de perigo que exigisse a intervenção e aplicação da medida de promoção e proteção aplicada pelo Tribunal de Família e Menores e que a decisão se fundou na violação de um acordo que já tinha cessado.

Embora sem o afirmarem expressamente, acabam por invocar o pressuposto de habeas corpus a que alude a alínea b), nº 2 do art. 222º do Código de Processo Penal, ou seja, em fundar a ilegalidade da medida provisória de acolhimento residência em facto pelo qual a lei a não permite.  

Expressamente, como pressuposto de habeas corpus invocam apenas a alínea c), nº 2 do art. 222º do Código de Processo Penal, por a medida provisória de acolhimento em residência ter sido aplicada “sem que na respetiva decisão fosse fixado qualquer prazo quanto à duração daquela medida provisória”.

6.6.1. Apreciemos, pois, os pressupostos de habeas corpus pela ordem apresentada pelos peticionantes.

Assim:

- Quanto ao fundamento do menor se encontrar ilegalmente em acolhimento residencial “por facto pelo qual a lei o não permite».

Importa lembrar que o menor AA está sujeito à medida cautelar de acolhimento familiar, ou seja, à medida provisória e não há medida “definitiva” de acolhimento familiar, o que nos remete para o art.37º, nº 1 da LPCJP, que dispõe:

«A título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do nº 1 do artigo 35º, nos termos previstos no nº 1 do artigo 92º, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente.».

O “facto” que permite a aplicação da medida cautelar de acolhimento familiar é o conjunto de circunstâncias de ordem legal que estão enunciados neste nº 1 do art. 37º, da LPCJP.

Essas circunstâncias traduzem-se em casos de urgência para proteção da criança nos termos previstos no nº 1 do artigo 92º da LPCJP ou de necessidade de realização de diagnóstico da situação da criança, com vista à definição do seu encaminhamento subsequente.

No caso concreto, resulta do despacho proferido em 31-5-2022, pela Ex.ma Juíza no Juízo de Família e Menores de Coimbra - Juiz ..., designadamente, que  em 2/9/2021 foi aplicada, por acordo, ao AA, a medida de apoio junto dos pais pelo período de 4 meses, comprometendo-se estes a fazer comparecer o AA no estabelecimento de ensino frequentado pelo filho e a acompanhar o seu percurso escolar, a não justificar as faltas do filho às aulas, excepto por motivos clínicos devidamente documentados; o jovem comprometeu-se a frequentar as aulas com assiduidade e pontualidade, esforçando-se por obter aproveitamento escolar; o pai comprometeu-se a executar as tarefas laborais com empenho, mantendo-se laboralmente activo e a mãe comprometeu-se a procurar activamente trabalho ou formação profissional, e que o Ministério Público  promoveu a substituição desta medida de apoio junto dos pais pela medida, a título cautelar, de acolhimento residencial. 

Seguidamente, descreve um largo conjunto de factos concretos, dos quais resulta, no entender da Ex.ma Juíza, que aquele acordo não foi cumprido, e que o menor AA se encontra numa grave situação de perigo, sinal do insucesso da medida de promoção e proteção em vigor, pois continua em absentismo escolar, sem demonstrar qualquer empenho na obtenção de sucesso e     os seus pais não se revelam capazes, de providenciar pela educação e bom desenvolvimento do filho. Perante os princípios orientadores previstos no art.4º as medidas tipificadas no art.35º e os pressupostos de aplicação de medidas cautelares previstos no art.37º, todos da e as nefastas consequências para o bem-estar do menor AA, determinou aplicar-lhe, ao abrigo do disposto nos artigos 3º, nºs 1 e 2, als. c) e g)), 35º, nº 1, al. f) e 37º todos da LPCJP, a título provisório, uma medida de promoção e proteção que afaste este jovem da situação de perigo por ele vivida, traduzida no acolhimento residencial do mesmo na ..., em ..., que deverá zelar pela saúde, formação e segurança deste jovem.

A situação urgente, grave e crítica de perigo do menor, é um dos requisitos para aplicação de medidas cautelares de proteção da criança, indicada na lei e mencionada na decisão de aplicação da medida cautelar e, como já atrás se deixou consignado, não cabe apreciar na providência de habeas corpus, nem erros de direito, nem formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade.

Não compete nesta providência, designadamente, apreciar se a medida de apoio junto aos pais cessou ou não ao fim dos 4 meses, a janeiro de 2022 e se os factos indicados no despacho de aplicação da medida cautelar estão ou não a ser corretamente interpretados pela Ex.ma Juíza do Tribunal de Família e de Menores, pois essa é matéria passível de recurso ordinário, em sede própria.

Que o comportamento do menor AA em termos de percurso escolar, descrito nos factos indicados na decisão, demonstra uma deficiente personalidade em formação - que advém  de um elevado absentismo escolar, um grave desrespeito pelos professores e pelos seus colegas quando comparece na escola, não trabalhando nem permitindo aos outros trabalhar adequadamente, apesar das chamadas de atenção de quem de direito -, é uma evidência manifesta, a necessitar de urgente intervenção da sociedade que não podemos deixar de realçar.      

Perante todo o exposto, o Supremo Tribunal de Justiça não vislumbra razões para deferir a providência de habeas corpus com fundamento, implícito na petição, de o menor AA se encontrar em acolhimento residencial a título cautelar “por facto pelo qual a lei o não permite”.   

- Quanto ao fundamento do menor se encontrar ilegalmente em acolhimento residencial por a decisão não ter fixado qualquer prazo quanto à duração da medida provisória.

As medidas de promoção e proteção de crianças e jovens, enunciadas no art. 35º da LPCJP podem ser aplicadas em termos “definitivos”, com o regime de duração, revisão e cessação constante da Secção VI, Capítulo III, e em termos “provisórios”, ou seja, cautelares, ao abrigo do disposto no art.37 da mesma Lei.

O art. 61º da LPCJP, integrado na Secção VI, que, repetimos, disciplina o regime de duração, revisão e cessação a título “definitivo” das medidas de promoção e proteção de crianças e jovens, designadamente das medidas de colocação, dispõe que «As medidas previstas nas alíneas e) e f) as alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 35º têm a duração estabelecida no acordo ou na decisão judicial.».

Como medida “definitiva” obtida por acordo ou fixada em decisão judicial, tem de ter um prazo de duração fixado naquelas peças processuais.

O mesmo já não se tem de passar estando-se perante medidas cautelares, aplicadas ao abrigo do disposto no art. 37º da LPCJP.

Nos termos do disposto nº 3 do art. 37 da LPCJP – a que os peticionantes não fazem referência – «As medidas aplicadas nos termos dos números anteriores têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses.».

O legislador fixou um limite temporal de duração das medidas cautelares, no caso, de seis meses. E isto porque considerou suficiente o prazo de seis meses para proceder ao estudo da situação da criança ou do jovem e aplicar a medida definitiva adequada, tudo sem prejuízo da revisão trimestral.

Do exposto resulta que a Ex.ma Juíza não tinha de fixar um prazo na decisão “quanto à duração daquela medida provisória”, como defendem os peticionantes.

A medida cautelar de acolhimento residencial fixada ao menor AA em 31 de maio de 2022, foi objeto de execução em 15 de junho de 2022, com a sua entrada na Casa de Acolhimento ...”, pelo que está ainda longe de ter decorrido o prazo máximo de 6 meses fixado no art. 37º, nº 3 da LPCJP ou mesmo o prazo máximo de revisão trimestral da mesma medida .

Aliás, se fosse obrigatório estabelecer um prazo máximo de duração da medida cautelar – e não é –, não se vê como na ausência da sua fixação se poderia invocar o pressuposto da alínea c), nº 2 do art. 222º do Código de Processo Penal, quando este pressupõe estar o cidadão “preso” para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial.

Ainda, e a título obiter dictum, diremos que nunca a concessão de habeas corpus passaria pela entrega imediata da criança aos seus progenitores, quando face à mesma decisão estão em causa os interesses do menor e os progenitores não cumprem adequadamente as suas responsabilidades parentais relativamente à educação do AA; mais apropriado seria determinar ao Tribunal de Família e Menores onde o processo corre termos, que fixasse de imediato esse prazo.

Em suma, a medida cautelar de acolhimento residencial do menor AA mostra-se ordenada por entidade competente; é motivada por facto pelo qual a lei o permite; e não se mantém para além dos prazos fixados na lei, pelo que não se verificam os pressupostos para deferir o habeas corpus fixados nos artigos 31º da Constituição da República Portuguesa e 222º do Código de Processo Penal.

Inexistindo um quadro de abuso de poder, por virtude dos fundamentos de habeas corpus invocados pelo peticionante/arguido, mais não resta que indeferir a sua petição.

III - Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decidem os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em:

a) Indeferir o pedido de habeas corpus peticionado por AA e BB, nos termos do art. 223º, nº 4, alínea a), do C.P.P., por falta de fundamento bastante; e

b) Condenar os mesmos peticionantes nas custas do processo, fixando em 3 (três) UCs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art. 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

*

(Certifica-se que o acórdão foi  processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos seus signatários, nos termos do art.94º, nº 2 do C.P.P.). 

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Lisboa, 30 de junho de 2022

Orlando Gonçalves (Relator)

Adelaide Sequeira (Adjunta)

Eduardo Loureiro (Presidente da Secção)  

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[1] Assim, Diário da Assembleia da República, de 12-9-1996, II série –RC, n.º 20, pág. 523 e Cons. Maia Costa, in “Julgar”, n.º29, “ Habeas corpus: passado, presente, futuro, pág.238.
[2] Cf. “Constituição Portuguesa anotada”, Coimbra ed., 2005, tomo I, págs. 342/343.
[3] Cf. acórdão do STJ de 9/08/2017, in www.dgsi.pt.
[4] Cf. acórdãos do STJ de 19-05-2010, CJ (STJ), 2010, T2, pág.196, e de 03-03-2021, proc. n.º 744/17.8PAESP-A.S1, in www.dgsi.pt.

[5]Cf. por todos, o acórdão do S.T.J. de 4-1-2017, proc. n.º 109/16.9GBMDR-B. S1, e jurisprudência nele citada, in www. dgsi.pt.
[6] Cf., também, entre muitos outros, o acórdão de 8-11-2013, proc. n.º 115/13.3JAPRT-B. S1, in www. dgsi.pt.
[7] In www.dgsi.pt