Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2948/19.0T8PRT.P1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
RELEVÂNCIA JURÍDICA
INTERESSES DE PARTICULAR RELEVÂNCIA SOCIAL
Data do Acordão: 09/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: REJEITADA A REVISTA EXCECIONAL
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

É de rejeitar liminarmente o recurso de revista excecional quando não foram indicadas razões concretas e objetivas reveladoras de eventual complexidade ou controvérsia jurisprudencial ou doutrinária da questão, com a consequente necessidade de uma apreciação excecional com o objetivo de encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 2948/19.0T8PRT.P1. S2 (Revista excecional) - 4ª Secção

           

Acordam na formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA, patrocinado por mandatário judicial, intentou perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, “ação administrativa especial”, contra Águas De Gondomar, S.A, tendo formulado os seguintes pedidos:

a) Ser declarado nulo o ato praticado pela R., tácito ou expresso, que determinou o não pagamento das remunerações que lhe são devidas desde junho de 2013, inclusive, em diante, até a R. cessar a conduta ilegal relapsa;

b) Ser a R. condenada a pagar-lhe as remunerações que lhe são devidas desde junho de 2013, inclusive, em diante, com os eventuais acréscimos devidos, até a R. cessar a conduta ilegal relapsa.

Para o efeito, alegou em síntese, que é funcionário da Câmara Municipal de Gondomar desde 1986; Embora se encontre a exercer funções ……. na R., desde 30/10/2001, em regime de cedência de interesse público; O A. é também …. do STAL – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e afins, desde 27/02/1998; A sociedade R. é a concessionária responsável pela exploração do Sistema Municipal de Abastecimento de Água e Drenagem e Tratamento de Águas Residuais do concelho de Gondomar; A Ré sem dar qualquer explicação formal, deixou de lhe pagar as remunerações que lhe são devidas; o último recibo de vencimento emitido pela Ré que contempla a totalidade das remunerações que são devidas ao A. corresponde ao mês de maio de 2013; entenderá a R. que o A. não pode usar o crédito de horas que lhe assiste como ...........

2. A R. contestou invocando a exceção de incompetência material do Tribunal Administrativo e Fiscal, por se aplicarem as regras de direito laboral privado à relação entre a ré e o autor, invocando ainda a impropriedade do meio processual, em virtude de não ter praticado qualquer ato administrativo, bem como a caducidade do direito.

Mais alegou, em síntese, que o Autor integra o mapa de pessoal da Ré em regime de requisição à data de outorga do Contrato de Concessão e atualmente em regime de cedência de interesse público; É certo que é .......... do STAL – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional; A concessão teve o seu início de funcionamento em janeiro de 2002, tendo o Autor as funções de leitor-cobrador, atualmente com a categoria ..........; desde 2005, o Autor, tem o contrato de trabalho suspenso, sendo funcionário efetivo do STAL; Na sequência do procedimento que existia com a concedente – Câmara Municipal de Gondomar, Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Gondomar, as retribuições do Autor durante as ausências justificadas pelo exercício de atividade sindical que excedesse os créditos de horas, seriam adiantadas pela entidade empregadora e reembolsadas pelo STAL por acertos de contas trimestrais; A Ré sempre pagou e continua a pagar os créditos de horas que são conferidos legalmente ao Autor, na qualidade  .........., sendo que esse pagamento comporta todas as rubricas salariais como tempo de serviço efetivo; A Ré suspendeu no processamento salarial de junho de 2013, o adiantamento de pagamento da retribuição, por falta de cumprimento dos reembolsos que o STAL vinha efetuando; O regime excecional da cumulação de créditos de horas foi estabelecido para os serviços de administração pública, não sendo de aplicar a entidades comerciais privadas excluídas do setor de emprego público.

3. O autor respondeu pugnando pela improcedência das exceções invocadas.

4. Foi proferida decisão, em sede de recurso, julgando o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto materialmente incompetente para conhecer os pedidos formulados, tendo sido remetidos os autos para o Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz 1, passando os autos a seguir a forma de ação declarativa de condenação, com processo comum.

5. O autor veio requerer a ampliação do pedido, alegando ser a ampliação “consequência direta dos elementos probatórios fornecidos pela R. nos autos que demonstram que a conduta relapsa dela, R., não cessou em 2015”, solicitando que passem os pedidos a ser os seguintes:

a) Ser declarado nulo o ato praticado pela R., tácito ou expresso, que determinou o não pagamento ao A. das remunerações que lhe são devidas desde junho de 2013, inclusive, em diante, até a R. cessar a conduta ilegal relapsa;

b) Ser a R. condenada a pagar ao A. as remunerações que lhe são devidas desde junho de 2013, inclusive, em diante, com os eventuais acréscimos devidos, até a R. cessar a conduta ilegal relapsa.

6. A ré respondeu alegando que “reitera o teor dos articulados que constitui contestação do pedido original”.

7. Foi admitida a ampliação e ampliada a matéria de facto assente.

8. Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu julgar a ação totalmente improcedente e, consequentemente, absolveu a Ré do pedido.

9. O Autor interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido julgar improcedente a apelação.

10.  O Autor interpôs o presente recurso de revista excecional, invocando o disposto no art.º 672.º n.º 1 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – O Acórdão em crise é manifestamente ilegal e injusto;

2 – O Recorrente é funcionário da Câmara Municipal de Gondomar desde 1986, e encontra-se a exercer funções .......... na sociedade recorrida, desde 30/10/2001, em regime de cedência de interesse público;

3 – O Recorrente permanece simultaneamente vinculado à Câmara Municipal de Gondomar, através de vínculo de emprego público, e à Águas de Gondomar, S.A., através de um mecanismo de mobilidade;

4 – O Recorrente é .......... do STAL – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e afins, desde 27/02/1998;

5 – O recorrente desempenha a atividade .......... junto da Câmara Municipal de Gondomar e junto da sociedade recorrida, na defesa dos direitos dos funcionários da autarquia e dos trabalhadores da sociedade recorrida;

6 – No Contrato de Concessão a sociedade recorrida ficou obrigada a garantir todos os direitos, retribuições e regalias aos funcionários transferidos, como é o caso do Recorrente;

7 – Um dos direitos que assiste ao Recorrente é exercer livremente funções ..........;

8 – As funções  .......... que o Recorrente exerce junto dos trabalhadores da Recorrida não podem ser diferentes das que o Recorrente sempre exerceu junto dos funcionários da autarquia em que mantém o vínculo de origem;

9 – Caso fosse permitido diferenciar a forma de exercício das funções .........., a Recorrida e todas as empresas concessionárias de serviços públicos teriam encontrado uma forma de limitar o exercício das funções dos dirigentes sindicais junto dos trabalhadores;

10 – Caso fosse permitido diferenciar a forma de exercício das funções .........., os trabalhadores oriundos das autarquias e a prestar serviço em empresas concessionárias ficariam prejudicados na defesa dos seus direitos laborais simplesmente por estarem, agora, ao serviço de outras entidades em regime de mobilidade, quando comparados com os funcionários da autarquia;

11 – O Recorrente .......... de todos os trabalhadores da direção regional do STAL, sejam eles funcionários da autarquia, da Recorrida ou de qualquer outra empresa concessionária ou afim;

12 – O direito de exercer a atividade sindical na empresa, que assiste genericamente ao Recorrente, é forçosamente o mesmo, seja a empresa a autarquia local, a Recorrida ou qualquer outra empresa concessionária ou afim;

13 – A possibilidade de o Recorrente beneficiar da atribuição de créditos de horas por indicação da associação sindical, provenientes de outros membros da mesma, prevista expressamente no n.º 11 do artigo 345.º da LGTFP, não pode ser ao mesmo tempo admitida e negada;

14 – A liberdade sindical não foi, nem podia ser, limitada nos casos de mobilidade;

15 – O Código do Trabalho não impede a atribuição de créditos de horas por parte da associação sindical, provenientes de outros membros da mesma, em situações de mobilidade;

16 – Cabe à associação sindical, cujo objeto abrange os trabalhadores da autarquia local e de empresas concessionárias, atribuir créditos de horas aos seus dirigentes sindicais para o exercício de funções sindicais;

17 – O Recorrente não pode ser obrigado a exercer a liberdade sindical de um modo para os funcionários da autarquia e de outro para os da Recorrida ou de qualquer outra sociedade concessionária;

18 – A eleição do Recorrente para os órgãos do sindicato está colocada em causa com o entendimento perfilhado no Acórdão em crise, na medida em que não se apresenta para um qualquer ato eleitoral da associação sindical nas mesmas condições de igualdade dos colegas funcionários públicos, pelo facto de estes poderem beneficiar da possibilidade de a direção da associação sindical lhe atribuir créditos de horas de outros membros da mesma, nos termos definidos no artigo 345.º, n.º 11, da LGTFP;

19 – O Recorrente não pode ser tratado de forma desigual relativamente aos demais colegas funcionários públicos, pelo mero facto de se encontrar em regime de mobilidade numa sociedade concessionária;

20 – Decidindo como decidiu, o Acórdão ora em crise violou, designadamente, o disposto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril e no artigo 345.º, n.º 11, da LGTFP, pelo que deve ser revogado e substituído por outra que considere que o Recorrente, funcionário público a prestar serviço numa sociedade concessionária em regime de mobilidade, na qualidade .......... de um sindicato dos trabalhadores da administração local que abrange também os trabalhadores que se encontram ao serviço de empresas concessionárias, como é o caso da Recorrida, pode beneficiar da possibilidade de a direção da associação sindical lhe atribuir créditos de horas de outros membros da mesma, nos termos definidos no artigo 345.º, n.º 11, da LGTFP;

21 – A decisão ora em crise é também ilegal por violar o disposto no artigo 55.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa;

22 – O Recorrente não pode ver limitada a sua liberdade sindical, como se defende no Acórdão em crise, pois não existem duas liberdades sindicais;

23 – A liberdade sindical do Recorrente para a defesa dos direitos dos trabalhadores da autarquia local é a mesma que lhe garante também possibilidade de defesa dos direitos dos trabalhadores ao serviço de entidades concessionárias (mesmo que sejam oriundos da autarquia local e mantenham o vínculo de origem);

24 – O entendimento perfilhado no Acórdão ora em crise coloca ao dispor das sociedades concessionárias uma ferramenta que lhes permite limitar a atividade sindical dos dirigentes sindicais e dos sindicatos;

25 – O Acórdão em crise deverá ser revogado e substituído por outro que considere que o Recorrente, funcionário público, a prestar serviço numa sociedade concessionária em regime de mobilidade, mantendo o vínculo de origem como funcionário público, na qualidade de .......... de um sindicato dos trabalhadores da administração local que abrange também os trabalhadores que se encontram ao serviço de empresas concessionárias, como é o caso da Recorrida, pode beneficiar da possibilidade de a direção da associação sindical lhe atribuir créditos de horas de outros membros da mesma, nos termos definidos no artigo 345.º, n.º 11, da LGTFP, sob pena de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 55.º, n.º 6, da CRP. (Fim da transcrição das conclusões do recorrente)

6.  Para fundamentar a admissibilidade do recurso de revista excecional o Autor alegou o seguinte:

Nos autos supra referenciados foi proferido Acórdão que julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida, sendo extraído o seguinte sumário:

«I. A cedência de interesse público prevista pelos artigos 58º, nº 2, da LVCR e 241º, nº 3, da LTFP origina um novo vínculo jurídico transitório estabelecido com a entidade concessionária (coexistente com o vínculo originário) e, tendo em conta o efeito suspensivo, a sujeição ao regime jurídico-laboral aplicável à entidade concessionária, configurando assim um vínculo laboral de Direito privado, regulado pelo Código do Trabalho.

II. As faltas dadas por .......... acrescem ao crédito de horas, podendo assim ser dadas por este trabalhador quando aquele crédito já tenha sido esgotado, e consideram-se justificadas, desde que sejam motivadas por um ato necessário e inadiável ligado ao exercício das funções de representação, contando nesse caso como tempo de serviço efetivo, exceto para efeitos remuneratórios (art.º 409º nº 1 e 2, do Código do Trabalho).

III. No âmbito do direito civil laboral, a atribuição de crédito de horas, prevista no art.º 468º, nº 7, do Código do Trabalho, só é admissível em relação aos dirigentes sindicais que trabalhem na mesma empresa, e desde que se cumpra os limites previstos nos nº 1 e 2 do mesmo preceito.

IV. Não pode beneficiar do crédito de horas de outros dirigentes da mesma associal sindical para efeitos remuneratórios, o dirigente, funcionário municipal, que se encontra a vinculado a uma empresa privada, em regime de cedência de interesse público, sendo aqueles outros são funcionários de autarquias locais.

V. Este entendimento não é inconstitucional, uma vez que é lícito ao legislador ordinário compatibilizar as pretensões em conflito, estabelecendo uma solução compromissória: a entidade patronal não pode pôr termo ao contrato de trabalho invocando a ausência de serviço do trabalhador, quando este dê faltas por causa da sua atividade de .........., não podendo verificar se se justificam tais ausências; o trabalhador não tem o direito de exigir remuneração pelos períodos de ausência justificada ao serviço da organização sindical que dirige e que excedam um crédito máximo de dias atribuído pela lei.»

Não pode o Recorrente conformar-se com tal decisão manifestamente ilegal e injusta, conforme adiante se demonstrará.

I – DA EXCECIONALIDADE DA REVISTA

Conforme resulta do sumário supracitado, entenderam os Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto que: «não pode beneficiar do crédito de horas de outros dirigentes da mesma associal sindical para efeitos remuneratórios, o dirigente, funcionário municipal, que se encontra vinculado a uma empresa privada, em regime de cedência de interesse público, sendo aqueles outros são funcionários de autarquias locais».

Na situação em apreço, o Recorrente, presentemente, permanece simultaneamente vinculado à Câmara Municipal de Gondomar, através de vínculo de emprego público, e à Águas de Gondomar, S.A., através de um mecanismo de mobilidade.

Com efeito, o Recorrente é funcionário da Câmara Municipal de Gondomar desde 1986 (cfr. Doc. n.º 1 junto com a p.i. e aqui se dá por integralmente reproduzido), e encontra-se a exercer funções .......... na sociedade recorrida, desde 30/10/2001, em regime de cedência de interesse público, conforme resulta dos autos.

O Recorrente é também .......... do STAL – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e afins, desde 27/02/1998.

Portanto, na data em que ocorreu a cedência de interesse público à sociedade Recorrida, o Recorrente era .......... do STAL há mais de 3 (três) anos, na data.

Acresce que, a sociedade recorrida é a concessionária responsável pela exploração do Sistema Municipal de Abastecimento de Água e Drenagem e Tratamento de Águas Residuais do concelho de Gondomar – cfr. Regulamento n.º 197/2009, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 95, de 18 de maio de 2009.

Atendendo à especificidade da situação concreta, o Recorrente desempenha a atividade de .......... junto de ambas as entidades e na defesa dos direitos dos funcionários da autarquia e da sociedade recorrida.

Porém, de acordo com o Acórdão proferido, ora em crise, o desempenho da atividade .......... pelo Recorrente é coartado, na medida em que, na qualidade de funcionário da autarquia é-lhe aplicável o disposto no artigo 345.º, n.º 11, da LGTFP, podendo beneficiar de créditos de horas cedidos por outros membros (como, de resto, sucedeu também na sociedade Recorrida até 2013), sendo tal cedência rejeitada no Acórdão em crise para a defesa dos direitos dos funcionários da sociedade Recorrida.

Ou seja, Senhores Desembargadores, de acordo com o Acórdão ora em crise, ao transitar para a sociedade recorrida em regime de cedência de interesse público, o Recorrente seria impedido de desempenhar a atividade .......... nos mesmos moldes que o faria se tal cedência nunca tivesse ocorrido.

Na mesma linha, caso a cedência de interesse público cessasse, o Recorrente voltaria a beneficiar da cedência de créditos de horas aludida no artigo 345.º, n.º 11, da LGTFP.

Ora, conforme decerto se concederá, a apreciação da questão de saber se um .........., cujo vínculo de origem se mantém público em virtude de ser funcionário de uma autarquia, e que já desempenhava funções .......... na data da cedência de interesse público a uma sociedade concessionária de um serviço público, pode ser impedido de beneficiar da cedência de créditos de horas aludida, atualmente, no artigo 345.º, n.º 11, da LGTFP, como beneficiava enquanto funcionário público, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do CPC.

Do mesmo modo, a questão reveste também particular relevância social, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, alínea b), do CPC, na medida em que, a manter-se a posição defendida no Acórdão ora em crise, a liberdade sindical contemplada no artigo 55.º da CRP não é igual para todos os trabalhadores, sendo certo que o Recorrente parte em clara desvantagem para qualquer ato eleitoral a realizar pelo sindicato, pois, ao contrário dos colegas funcionários públicos, não poderá beneficiar da cedência de créditos prevista no artigo 345.º, n.º 11, da LGTFP.

O Recorrente será, portanto, tratado de forma desigual relativamente aos demais trabalhadores, pelo mero facto de ter sido cedido em mecanismo de mobilidade a uma sociedade concessionária de um serviço público.

Atento o exposto, entende o Recorrente que o recurso de revista excecional do Acórdão proferido nos autos supra referenciados se justifica, considerando, por um lado, estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e, por outro lado, por estarem em causa interesses de particular relevância social, relacionados com o exercício da liberdade sindical e com o desempenho da atividade  .......... que se querem iguais para realidades semelhantes.

Pelo que, requer-se a V. Exas., nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 672.º do CPC, seja proferida decisão que julgue verificados os pressupostos contemplados nos n.ºs 1, alíneas a) e b), e 2, alíneas a) e b), do mesmo artigo 672.º, com o consequente julgamento do recurso.

7. A Recorrida não contra-alegou.

8. Foi proferido despacho liminar, no qual se considerou: que o recurso é tempestivo; que o recorrente tem legitimidade; que estão preenchidas as demais condições gerais relativas à admissibilidade do recurso, bem como a existência de dupla conforme.

9. O processo distribuído a esta formação, para se indagar se estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da revista excecional referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

10. A matéria de facto, dada como provada, pertinente para a apreciação da questão é a seguinte:

A. O Autor é funcionário da Câmara Municipal de Gondomar desde 1986.

B. Passou a trabalhar para os Serviços Municipalizados de Eletricidade, Água e Saneamento de Gondomar desde o dia 1 de outubro de 1986.

C. Integra o mapa de pessoal da Ré Águas de Gondomar, S.A. em regime de requisição à data de outorga do Contrato de Concessão e atualmente em regime de cedência de interesse público.

D. O Autor .......... do S.T.A.L. – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional.

E. O Autor tem a categoria profissional ...........

F. A Ré pagou-lhe a totalidade da remuneração até ao mês de maio de 2013, e a partir dessa data passou a pagar-lhe apenas o correspondente ao crédito de quatro dias por mês de exercício por parte do Autor de funções ...........

N. Na sequência do procedimento que antes existia com a concedente – Câmara Municipal de Gondomar, Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Gondomar, as retribuições do Autor durante as ausências justificadas pelo exercício de atividade sindical que excedessem os créditos de horas, eram adiantadas pela entidade empregadora e depois reembolsadas pelo STAL por acertos de contas normalmente trimestrais.

O. Em janeiro de 2013, o STAL ainda não tinha procedido aos reembolsos, referentes ao ano de 2012, no montante de € 9.871,76.

P. A Ré enviou ao STAL uma carta datada de 10 de janeiro de 2013, na qual reclamava o pagamento com a maior brevidade possível da quantia de € 9.871,76.

Q. No dia 15 de fevereiro de 2013 a Ré enviou uma carta ao STAL a comunicar que ia proceder à suspensão do pagamento salarial do Autor.

R. O STAL no dia 20 de fevereiro de 2013 enviou um “FAX” à Ré no qual referia que o Autor estava abrangido pelos créditos de tempo e possibilidade de acumulação dos créditos cedidos por outros dirigentes, não havendo assim lugar ao acerto de contas pretendido pela “Águas de Gondomar, S.A.” e que manifestava a disponibilidade de expressar o seu ponto de vista, numa reunião com essa empresa.

S. No mês de março de 2013 existiu uma reunião entre a Ré e o STAL, na qual esteve presente o Autor, na qual foi discutida a continuação dos pagamentos dos vencimentos deste, por parte da Ré, tendo no decurso da mesma, o STAL procedido ao pagamento, através da entrega de um cheque, no valor titulado de € 2.723,09, considerando pelos motivos expostos no “FAX” enviado em 20 de fevereiro de 2013 que a restante quantia não tinha de ser reembolsada.

T. A Ré recebeu essa quantia, mas insistiu que o restante montante também tinha de ser reembolsado.

U. Motivo que a levou a suspender o processamento salarial do Autor e a passar a pagar-lhe a remuneração referente ao crédito de quatro dias mensais.

11. A revista excecional é um verdadeiro recurso de revista concebido para as situações em que ocorra uma situação de dupla conforme, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

A admissão do recurso de revista, pela via da revista excecional, não tem por fim a resolução do litígio entre as partes, visando antes salvaguardar a estabilidade do sistema jurídico globalmente considerado e a normalidade do processo de aplicação do Direito.

Assim, só é possível a admissão do recurso pela via da revista excecional se estiverem preenchidos os pressupostos gerais de admissão do recurso de revista e se esta não for possível pela existência da aludida situação de dupla conforme.

Nos presentes autos, como resulta do despacho liminar estão preenchidos os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso decorrentes do artigo 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, sendo certo que, como já se referiu, a decisão recorrida confirmou, sem mais, a decisão proferida pela 1.ª instância, pelo que estamos perante uma situação de dupla conforme, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil.

A recorrente invoca como fundamento da admissão do recurso o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, que referem o seguinte:

1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:
a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
b) Estejam em causa interesses de particular relevância social.

Relativamente à primeira exceção à regra da irrecorribilidade em situações de dupla conforme, prevista na referida alínea, a) pode ler-se em anotação ao art.º 672.º do CPC, anotado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. P. Sousa (Almedina Vol. I, 2018), «Para esta primeira exceção são elegíveis situações em que a questão jurídica suscitada apresente um carácter paradigmático e exemplar, transponível para outras situações, assumindo relevância autónoma e independente em relação aos interesses das partes envolvidas. Na verdade, a intervenção do Supremo apenas se justifica em face de uma questão cujo relevo jurídico seja indiscutível, embora a lei não distinga entre questões que emergem do direito substantivo ou do direito adjetivo. Não bastará, pois, o mero interesse subjetivo da parte.»

Com maior desenvolvimento, Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2020, 6.ª Edição, pág. 433) refere: «Outra linha de força aponta para a recusa da pretensão quando a decisão recorrida se enquadrar numa corrente jurisprudencial consolidada, denotando a interposição de recurso mero inconformismo perante a decisão recorrida.

As expressões adverbiais empregues na formulação normativa (“excecionalmente” e “claramente necessária”) não consentem que se invoque como fundamento da revista excecional a mera discordância quanto ao decidido pela Relação. Tão pouco bastará a verificação de uma qualquer divergência interpretativa, sob pena de vulgarização do referido recurso em situações que não estiveram no espectro do legislador.

Constituindo um instrumento processual em que fundamentalmente se pretendem tutelar interesses ligados à “melhor aplicação do direito”, a intervenção do Supremo apenas se justifica em face de questões cujo relevo jurídico seja indiscutível, o que pode decorrer, por exemplo, da existência de legislação nova cuja interpretação suscite sérias divergências, tendo em vista atalhar decisões contraditórias (efeito preventivo), ou do facto de as instâncias terem decidido a questão ao arrepio do entendimento uniforme da jurisprudência ou da doutrina (efeito reparador).»

O Autor citado refere que «A sua concretização no foro laboral pode verificar-se, designadamente, em face de questões submetidas a soluções diversas causadoras de forte perturbação ou insegurança, ou quando surja legislação nova geradora de dúvidas interpretativas que, afetando negativamente os destinatários diretos da decisão recorrida, sejam suscetíveis de se repercutir na resolução de casos semelhantes».

No que concerne à segunda exceção à regra da irrecorribilidade em situações de dupla conforme, prevista na referida alínea b), os autores já citados Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. P. Sousa (Almedina Vol. I, 2018), referem que «Na segunda exceção, por estarem em causa interesses de particular relevo social, serão de incluir ações cujo objeto respeite, designadamente, a interesses importantes da comunidade, à estrutura familiar, aos direitos dos consumidores, ao ambiente, à ecologia, à qualidade de vida, à saúde ou ao património histórico e cultural, valores que naturalmente se sobrepõem também ao mero interesse subjetivo da parte da admissibilidade do terceiro grau de jurisdição».

Abrantes Geraldes, na obra citada (Recursos…), no que se refere aos interesses de particular relevo social salienta que «…o direito do trabalho tem, por natureza, uma dimensão social mais saliente, tendo em conta a transversalidade das normas que regulam as relações jurídico-laborais. A interpretação que seja dada pelos tribunais a determinado preceito é passível de se refletir positiva ou negativamente em sujeitos que não são partes no processo, mas que se encontram em situação similar. Deste modo, pode justificar-se o recurso de revista quando se detete um interesse social que prevaleça sobre o interesse das partes no processo, no sentido de tornar conveniente a fixação de jurisprudência que, sem embargo da aplicação ao caso, seja suscetível de induzir a produção de efeitos externos».

Mais adiante, sublinha que «No quadro das relações jurídico-laborais, pode justificar-se, por exemplo, a intervenção excecional do Supremo, apesar da dupla conforme, quando se esteja perante questões cuja resolução implique operações exegéticas de assinalável dificuldade e em que, no plano prático, seja de prever o ressurgimento em casos futuros; questões que careçam de clarificação jurisdicional superior ou cuja decisão tenha sido afetada por erro grosseiro, prevenindo-se a possibilidade de repetição; questões que tenham surgido  ex novo  e cuja resolução se afigure difícil, tendo em vista evitar decisões contraditórias (efeito preventivo) ou cuja decisão venha ao arrepio do entendimento uniforme ou consolidado da jurisprudência ou da doutrina (efeito reparador); questões cuja resolução seja difícil ou sobre as quais exista divergência jurisprudencial ou doutrinal.»

No que diz respeito à invocação dos fundamentos da admissibilidade da revista excecional o Autor que temos vindo a citar sublinha que «Cumpre ao interessado na admissão do recurso convencer o Supremo, no âmbito da revista excecional, da necessidade da sua intervenção, como forma de zelar pela “melhor aplicação do direito”, acautelar “interesses de particular relevância social” ou sanar a “contradição”, tarefa que, em qualquer dos casos, mais do que proposições conclusivas, exige uma argumentação sólida que faça luz sobre situações suscetíveis de integrar cada um dos referidos pressupostos» (conferir a jurisprudência do STJ citada pelo Autor a pág. 443)

O recorrente, para justificar a admissão da revista excecional, alegou o que consta no ponto 6 deste acórdão, concluindo:

Ora, conforme decerto se concederá, a apreciação da questão de saber se um .........., cujo vínculo de origem se mantém público em virtude de ser funcionário de uma autarquia, e que já desempenhava funções .......... na data da cedência de interesse público a uma sociedade concessionária de um serviço público, pode ser impedido de beneficiar da cedência de créditos de horas aludida, atualmente, no artigo 345.º, n.º 11, da LGTFP, como beneficiava enquanto funcionário público, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do CPC. posição

Do mesmo modo, a questão reveste também particular relevância social, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, alínea b), do CPC, na medida em que, a manter-se a defendida no Acórdão ora em crise, a liberdade sindical contemplada no artigo 55.º da CRP não é igual para todos os trabalhadores, sendo certo que o Recorrente parte em clara desvantagem para qualquer ato eleitoral a realizar pelo sindicato, pois, ao contrário dos colegas funcionários públicos, não poderá beneficiar da cedência de créditos prevista no artigo 345.º, n.º 11, da LGTFP.

O Recorrente será, portanto, tratado de forma desigual relativamente aos demais trabalhadores, pelo mero facto de ter sido cedido em mecanismo de mobilidade a uma sociedade concessionária de um serviço público.

Atento o exposto, entende o Recorrente que o recurso de revista excecional do Acórdão proferido nos autos supra referenciados se justifica, considerando, por um lado, estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e, por outro lado, por estarem em causa interesses de particular relevância social, relacionados com o exercício da liberdade sindical e com o desempenho da atividade .......... que se querem iguais para realidades semelhantes.

Pelo que, requer-se a V. Exas., nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 672.º do CPC, seja proferida decisão que julgue verificados os pressupostos contemplados nos n.ºs 1, alíneas a) e b), e 2, alíneas a) e b), do mesmo artigo 672.º, com o consequente julgamento do recurso.

O recorrente na sua alegação e parte conclusiva não deduziu uma argumentação sólida de forma a convencer este STJ da necessidade da sua intervenção com vista à melhor aplicação do direito ou no sentido de acautelar interesses de particular relevância social.

A argumentação exigida tem de demonstrar que a resolução da questão exige uma operação exegética de certo grau de dificuldade, e que, por isso, seja de prever que possa ressurgir no futuro.

No caso concreto, não foram indicadas razões concretas e objetivas reveladoras de eventual complexidade ou controvérsia jurisprudencial ou doutrinária da questão, com a consequente necessidade de uma apreciação excecional com o objetivo de encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes.

Como resulta da doutrina e jurisprudência citadas, o recurso de revista excecional deve ser especificadamente fundamentado pelo recorrente, devendo ser desenvolvida uma argumentação que faça luz sobre situações suscetíveis de integrar os respetivos pressupostos.

Pelo exposto, acorda-se em rejeitar liminarmente o recurso de revista excecional interposto pelo recorrente do acórdão do Tribunal da Relação.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 29 de setembro de 2021.

Chambel Mourisco (Relator)

Maria Paula Moreira Sá Fernandes

Júlio Manuel Vieira Gomes