Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
80/18.2 YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DE CONTENCIOSO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELIBERAÇÃO
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
REQUISITOS
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: INDEFERIDA A PROVIDÊNCIA REQUERIDA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO / MARCHA DO PROCEDIMENTO / DECISÃO E OUTRAS CAUSAS DE EXTINÇÃO.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTE DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / DANOS NÃO PATRIMONIAIS.
Doutrina:
- CABRAL DE MONCADA, Código de Procedimento Administrativo Anotado, p. 586;
- PAULO OTERO, Direito do Procedimento Administrativo;
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Edição, 2017, Almedina, p. 912 a 914;
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2010, Almedina, p. 477 e 975 ; Manual de Processo Administrativo, 2017, 3.ª Edição, Almedina, p. 457;
- VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, Almedina, 2017, 16.ª Edição, p. 317.
Legislação Nacional:
ESTATUTOS DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 110.º, N.º 1, 117.º, N.ºS 1 E 2, 167.º, 167.º-A, 168.º, N.º 1 E 170.º, N.ºS 1 E 3.
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 112.º, N.º 2, ALÍNEA A), 120.º, 162.º, 163.º E 164.º, N.º 5.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 496.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 15-11-2007, PROCESSO N.º 3883/07, ANOS 1980 A 2011, SUMÁRIOS DO CONTENCIOSO, IN WWW.STJ.PT;
- DE 12-11-2008, PROCESSO N.º 976/08, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-08-2011, PROCESSO N.º 82/11.0YFLSB, ANOS 1980 A 2011, SUMÁRIOS DO CONTENCIOSO, IN WWW.STJ.PT;
- DE 09-02-2012, PROCESSO N.º 8/12.3YFLSB, ANO 2012, SUMÁRIOS DO CONTENCIOSO, IN WWW.STJ.PT;
- DE 14-07-2017, PROCESSO N.º 34/17.6YFLSB, ANO 2017, SUMÁRIOS DO CONTENCIOSO, IN WWW.STJ.PT;
- DE 12-09-2017, PROCESSO N.º 62/17.1YFLSB, ANO 2017, SUMÁRIOS DO CONTENCIOSO, IN WWW.STJ.PT;
- DE 17-04-2018, PROCESSO N.º 14/18.4YFLSB;
- DE 12-06-2018, PROCESSO N.º 20/18.9YFLSB.


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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

- DE 04-05-2017, PROCESSO N.º 0163/17, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-06-2007, PROCESSO N.º 362/07, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 16-09-2009, IN CJ XXXIV, IV, P. 213.

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TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE:

- DE 06-03-2015, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :


1. O decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia do ato não depende apenas do preenchimento cumulativo dos requisitos do periculum in mora e da aparência do bom direito, exigindo um terceiro requisito, que funciona como factor impeditivo da pretensão, consistente na verificação de que, ponderados os interesses públicos e privados em causa, os danos resultantes da suspensão da eficácia da deliberação se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.
2. Em sede de tutela cautelar, a apreciação de cada um daqueles requisitos obedece a um mero juízo de verosimilhança que não se confunde nem prejudica o juízo que venha a ser feito no âmbito do processo principal.
3. Não existindo danos patrimoniais, nem danos não patrimoniais, susceptíveis de serem considerados, no caso, como prejuízos de difícil reparação, e não sendo configurável uma situação de facto consumado, falta a verificação de um dos requisitos (periculum in mora) de que depende a procedência da providência, o que prejudica a apreciação dos demais requisitos e determina o indeferimento da providência cautelar requerida, na medida em que não se encontram reunidos os requisitos legais indispensáveis ao respectivo decretamento.

Decisão Texto Integral:

           Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – Secção do Contencioso:

           

            I - RELATÓRIO

1. AA, Juíza ..., em exercício de funções na Instância Local – Secção criminal de ... – Comarca de ..., notificada da deliberação do Plenário do Conselho Superior de Magistratura (CSM), tomada na sessão de 11 de Julho de 2018, nos termos da qual foi ratificado o despacho do Ex.mo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura em que se determinou a instauração de processo disciplinar à mesma e conversão do inquérito na parte instrutória do mesmo, vem, nos termos previstos nos artigos 168.°, 169.°, 170.°, n.os 1 e 2, e 178.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), e artigos 112.°, n.° 2, alínea a), 114.°, n.os 1, alínea a), 2 e 3, e 128.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), requerer a suspensão de eficácia dessa deliberação.

            Fundamentando a sua pretensão, a Requerente alega que[1]:

1.º

Por despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM de 20/10/2017 (notificado à Requerente por ofício de 23/10/2017), foi instaurado à Requerente processo disciplinar que correu os seus termos sob o n.° 2017/380/PD.

2.°

Através do ofício 430/MA de 27/10/2017, a Requerente foi notificada do início da instrução nos autos de processo disciplinar supra devidamente identificados.

3.°

Nos termos do previsto no artigo 167.° do EMJ, a Requerente apresentou Reclamação para o Plenário do CSM dos despachos do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM e referidos no artigo 1.° deste requerimento.

4.°

Reclamação essa que veio a ser admitida e,

5.°

Parcialmente deferida em 24 de Abril de 2017, na medida em que foi o processo parcialmente declarado nulo, mantendo-se apenas o despacho de instauração de inquérito. Seguidamente,

6.°

A Requerente suscitou o incidente de recusa da Exma. Senhora Instrutora do Processo Disciplinar, que veio a ser deferido em 24 de Maio de 2017.

7.°

E no qual foi nomeado novo Instrutor do processo.

8.°

Por despacho de 2 de Julho de 2018, notificado à Requerente pelo ofício 1567 de 3 de Julho de 2018, o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM, determinou a instauração de processo disciplinar à Requerente, convertendo o inquérito na parte instrutória do mesmo e determinando a remessa ao Plenário para ratificação.

9.°

Decorridos 7 dias (dos quais apenas 5 são úteis), por ofício de 9 de Julho de 2018, a Requerente é notificada da dedução de acusação no âmbito do processo disciplinar (com o número 2018-275/PD), tendo sido fixado o prazo de apresentação de defesa em 20 dias úteis.

10.°

A Requerente no dia 12 de Julho de 2018, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 167.° do EMJ, apresentou reclamação do despacho de 2/07/2018 do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM que determinou a instauração de processo disciplinar.

11.°

Tendo esta reclamação sido admitida e suspenso o processo disciplinar que estava em curso e, consequentemente, ficando suspenso o prazo de defesa no referido processo. Finalmente,

12.°

Por ofício de 3 de Setembro de 2018, é a Requerente notificada da deliberação do Plenário do CSM, tomada na sessão de 11 de Julho de 2018, de que o despacho de instauração de procedimento disciplinar e conversão do inquérito tinha sido ratificado.

13.°

A presente providência cautelar - intentada, conforme o previsto no artigo 178.° do EMJ e na al. a) do n.° 1 do art. 114.° do CPTA, previamente ao recurso, entenda-se, acção principal, previsto no artigo 168.°, n.° 1 do EMJ - visa a suspensão da eficácia da deliberação de ratificação tomada pelo CSM na sessão de 11 de Julho, configurando este o acto em recurso (e impugnado) e o acto suspendendo.

14.°

A providência cautelar é tempestiva nos termos do preceituado no artigo 169.°, n.° 1 do EMJ e a Requerente tem interesse em agir, dado que é destinatária directa da deliberação em discussão, bem como dos seus efeitos lesivos e o Tribunal é o competente.

15.°

O pedido de suspensão da eficácia da deliberação impugnada (o acto suspendendo) é formulado nos termos do disposto nos artigos 170.°, n.°s 1 e 2 do EMJ e 112.°, n.° 2, alínea a), 114.°, n.°s 1, alínea a), 2 e 3, e 118.°, do CPTA. Porquanto,

16.°

O n.° 2 do artigo 112.° do CPTA refere que a providência cautelar a adoptar pode consistir, designadamente, na suspensão da eficácia de um acto administrativo [alínea a)],

17.°

A forma e o momento do pedido mostram-se regulados no artigo 114.°, n.°s 1 e 2, do CPTA

18.°

e o regime subsidiariamente aplicável aos recursos das deliberações do CSM é o previsto no CPTA, conforme a remissão feita no artigo 178.° (sob a epígrafe "Lei subsidiária") do EMJ.

19.°

Sendo certo que, a partir da citação do CSM, que se afigura, neste caso em concreto atento o procedimento consagrado no artigo 171.° e n.° 3 do artigo 170.° do EMJ, ocorrer na data de interposição da procedimento cautelar, opera a proibição de execução da deliberação, decorrendo uma automática suspensão, conforme disposto no artigo 128.° do CPTA. Pelo que,

20.°

A ratificação da decisão de instauração do procedimento disciplinar não pode ser executada e, consequentemente, não pode produzir qualquer efeito jurídico, mantendo-‑se, consequentemente, o actual status quo processual.

21.°

Os critérios gerais de que depende a concessão de providências cautelares estão definidos no n.° 1 do artigo 120.° do CPTA: o deferimento das providências cautelares depende da existência cumulativa dos dois requisitos positivos enunciados neste n° 1, que correspondem aos designados "periculum in mora' e "fumus boni iuris", pressupondo ainda a verificação do requisito negativo do n° 2 do mesmo artigo, que corresponde a uma ponderação subsequente (verificados aqueles requisitos do n° 1), "dos interesses públicos e privados" em presença. Assim,

a) Do preenchimento do requisito "fumus boni iuris"

22.°

"O fumus boni iuris é agora enquadrado no plano da probabilidade da existência do direito que se pretende fazer valer, pelo que para o deferimento da providência tem que ser "provável" que a acção principal "venha a ser julgada procedente"[[2]].

23.°

Afigura-se à Requerente que a deliberação do CSM de 11 de Julho de 2018 e apenas agora (por ofício de 3 de Setembro), depois da interposição de reclamação do acto ratificado, notificada, está inquinada de vícios de impõe a sua declaração de nulidade. Com efeito,

24.°

"III - O conceito de ratificação varia conforme os ramos jurídicos. No direito administrativo, a ratificação pode ter três significados: a ratificação - sanção, a ratificação - confirmação e ratificação - verificação.

No primeiro sentido, a ratificação é um acto administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um acto inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia. No segundo sentido, a ratificação é a mera confirmação de actos ou procedimentos anteriores, resolvida em atenção apenas à sua oportunidade e conveniência.

Finalmente, a ratificação - verificação acontece sempre que um órgão colegial torna certo e incontestável, do ponto de vista da competência, o acto praticado pelo seu presidente, por razões de urgência ou outras circunstâncias excepcionais, para o qual, e em princípio, apenas o órgão colegial era competente”.

25.°

No caso em concreto, o Plenário do CSM, na sua sessão ordinária de 11 de Julho de 2018, ratificou (e verificou?) o despacho do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-‑Presidente do CSM de 2 de Julho que determinou a instauração de procedimento disciplinar à Requerente e a conversão do inquérito, tornando-a certa e incontestável apenas no que à competência para a prática do acto concerne. Porquanto,

26.°

A competência para instauração de procedimento disciplinar a Magistrado (exercício da acção disciplinar) está legalmente cometida ao órgão CSM (artigo 149.°, alínea a) do EMJ). Porém,

27.°

A decisão ratificada estava - e está! - inquinada de vícios que determinam a sua anulação: aqueles que foram alegados em sede de reclamação apresentada nos termos do artigo 167.° do EMJ (com efeito suspensivo consagrado no artigo 167.°-A).

28.°

Relativamente aos quais o CSM não se pronunciou - eventualmente não poderia dos mesmos conhecer dado que a reclamação, ainda que tempestiva, deu entrada em momento posterior. Porém,

29.°

Ao ratificar "qua tale" - como ocorre no caso - a decisão do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM, a deliberação de ratificação do CSM fica inquinada dos mesmos vícios, ferindo-a da mesma invalidade. Vejamos:

30.°

Nos termos do art. 135.° do EMJ, a conversão do inquérito em processo disciplinar com determinação de que o mesmo constitua parte instrutória de tal processo depende do preenchimento de dois pressupostos cumulativos:

(d) que existam indícios da prática de infracção disciplinar e (ii) que o arguido tenha sido ouvido. Ora,

i) Da putativa existência de indícios da prática de infracção disciplinar

31.°

Cabe questionar: em que indícios da prática de infracção disciplinar se fundamentou o despacho reclamado e ratificado?

Apenas

32.°

A informação clínica prestada pelo Director Clínico do Centro Cirúrgico de ... quanto à data em que se realizou a cirurgia a que a Senhor Juíza, ora Requerente, foi submetida. Porém,

33.°

Conforme se demonstrará infra, este meio de prova consubstancia prova ilícita, porque obtida de forma ilegal e com violação dos direitos fundamentais da Exma. Senhora Juiz, ora Requerente

34.°

O que determina a impossibilidade de ser usado como meio de prova. Do que,

35.°

Inexistindo prova destes "indícios", forçosamente se deverá concluir pela inexistência de indícios da prática de infracção disciplinar e,

36.°

Consequentemente, pelo não preenchimento do primeiro requisito.

Com efeito,

37.°

 A informação prestada pelo Exmo. Director do Centro Cirúrgico de ... na sequência da denúncia é, mais uma vez, obtida ilegalmente, com violação do direito à reserva da intimidade da vida privada.

38.°

O direito à reserva da intimidade da vida privada, emanação do princípio da dignidade da pessoa humana, internacionalmente reconhecido, desde logo, no art. 12.° da CEDH e no 17.° do PIDCP, mostra-se constitucionalmente consagrado no art. 26.°, n.° 1 da CRP.

39.°

Este direito inclui o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada de outrem.

40.°

É apodíctico que toda a informação clínica de uma pessoa integra o núcleo duro da sua vida privada - mesmo aquela simples informação sobre a data em que a Senhora Juíza foi sujeita a intervenção cirúrgica.

41.°

Nos termos do ponto 9 da Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes «[t]odas as informações referentes ao estado de saúde do doente - situação clínica, diagnóstico, prognóstico, tratamento e dados de carácter pessoal - são confidenciais.  Contudo, se o doente der o seu consentimento e não houver prejuízos para terceiros, ou se a lei o determinar, podem estas informações ser utilizadas.

Este direito implica a obrigatoriedade do segredo profissional, a respeitar por todo o pessoal que desenvolve a sua actividade nos serviços de saúde» (no mesmo sentido, vide ponto 9. da Carta dos Direitos do Doente Internado).

Ora,

42.°

Nos termos do art. 67.° do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, «[o] segredo profissional impõe-se a todos os Médicos e constitui matéria de interesse moral e social».

43.°

E nos termos do art. 30.° do Código Deontológico da Ordem dos Médicos [[3]], «[o] segredo abrange todos os factos que tenham chegado ao conhecimento do médico no exercício da sua profissão ou por causa dela e compreende especialmente:

a)Os factos revelados directamente pela pessoa, por outrem a seu pedido ou por terceiro com quem tenha contactado durante a prestação de cuidados ou por causa dela;

b)Os factos apercebidos pelo médico, provenientes ou não da observação clínica do doente ou de terceiros;

c) Os factos resultantes do conhecimento dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica referentes ao doente;

d) Os factos comunicados por outro médico ou profissional de saúde, obrigado, quanto aos mesmos, a segredo.

44.°

Estando igualmente abrangidos, nos mesmos termos, conforme o n.° 1 do artigo 31,° do citado diploma, os médicos que trabalhem em unidades de saúde e quem mantém a obrigação, singular e colectivamente, de guardar segredo médico quanto às informações que constem do processo individual do doente.

45.°

O direito à reserva da intimidade da vida privada, onde se inclui o direito ao sigilo médico, beneficia do regime especial dos direitos, liberdades e garantias, previsto no art. 18.° da CRP: aplicação imediata, vinculação de todos os sujeitos de direito, públicos e privados, e restrições impostas apenas por lei e na medida do necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos.

46.°

Portanto, o direito à reserva da intimidade da vida privada só pode ceder na medida do necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos e nos exactos termos que se encontram previstos na lei.

47.°

É a lei que prevê, de forma precisa e restrita, os casos (artigo 180.° CPP) em que o direito à reserva da intimidade da vida privada pode ser restringido a fim de permitir a realização de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos [[4]].

48.°

Daí que o art. 126.°, n.° 3 do CPP estabeleça que, ressalvados os casos previstos na lei, são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante a intromissão na vida privada sem o consentimento do respectivo titular. Concretamente,

49.°

A informação prestada pelo Exmo. Director do Centro Cirúrgico de ... foi obtida fora dos pressupostos previstos na lei, com violação do direito à reserva da intimidade da vida privada, titulado pela Exma. Senhora Juíza, ora Requerente que não deu consentimento para tal. Muito pelo contrário,

Com efeito,

50.°

Não só a Requerente expressamente informou os autos que não consentia no acesso aos documentos do seu processo clínico, no que se inclui, naturalmente, a informação da data em que foi sujeita a acto médico. Como,

51.°

Expressamente, a Requerente informou o dito Centro que não consentia na divulgação de qualquer facto relativo ao tratamento a que foi sujeita nela referida Clínica. Pelo que,

52.°

Resulta evidente do exame da comunicação dirigida Centro Cirúrgico de ... que a informação (médica) sujeita a sigilo foi, mais uma vez, obtida de forma ilícita.

53.°

Não só a mesma informação não se destinava a instruir processo disciplinar (relembre-se que, na época tramitava processo de inquérito),

Como,

54.°

Não tem, salvo o devido respeito, competência judicial o Excelentíssimo Senhor Instrutor para obter prova, com violação do direito à reserva da intimidade da vida privada da Exma. Senhora Juíza, sem o seu consentimento e expressa oposição.

Assim,

55.°

Resulta claro que a informação prestada pelo Centro Cirúrgico de ... e junta aos autos foi obtida através de método proibido de prova e constitui prova nula, prova de utilização e valoração proibida.

Isto posto,

56.°

O conteúdo do inquérito convertido em processo disciplinar reconduz-se, pois, a informação obtida através de método proibido de prova, que não pode ser utilizada nem valorada, inexistindo, pois, quaisquer indícios ou princípios de prova da prática de infracção disciplinar. De resto,

57.°

Já em sede de anterior reclamação foi invocada a ilegalidade da informação obtida, sem consentimento, junto do Centro Cirúrgico de ..., tendo o CSM deliberado anular todo o processado, incluindo esta mesma informação.

58.°

Por conseguinte, não se mostram preenchidos os pressupostos previstos no art. 135.° do EMJ para a conversão do inquérito em processo disciplinar, impondo-se a declaração de nulidade do despacho do Vice-Presidente do CSM, o que expressamente se requer. Acresce ainda que,

59.°

A ratificação da decisão por parte do CSM ocorre escassos 9 dias (sete dias úteis) após a prolação da primeira e

60.°

Quando ainda decorria o prazo de reclamação (30 dias) reconhecido à Requerente pelo artigo 167.° n.° 1 do EMJ.

61.°

Determinaria a cautela que a ratificação não ocorresse antes de decorrido o prazo, sobretudo atento o efeito suspensivo que decorre da simples apresentação da reclamação. Mais,

62.°

Ocorre que, em momento posterior ao da ratificação por parte do CSM, a reclamação apresentada é aceite (13 de Julho) e os autos de processo disciplinar declarados suspensos até à decisão da reclamação. Sendo certo que,

63.°

Ao que é dado a saber à Requerente - através de contacto telefónico feito para os serviços do CSM - apenas recentemente foi distribuído o processo de reclamação,

64.°

Não se mostrando o mesmo, naturalmente, inscrito em tabela para decisão.

Ora,

65.°

Considerando que a reclamação tem efeito suspensivo e devolve ao Plenário a competência para decidir definitivamente a questão (artigo 167.°-A do EMJ),

66.°

Considerando que, por despacho do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro, Vice-presidente do CSM, os autos de processo disciplinar estão suspensos a aguardar a decisão da Reclamação e

67.°

Considerando que o Plenário já ratificou - diríamos, com todo o devido respeito -a destempo a decisão reclamada,

68.°

Criou-se uma "confusão" jurídica! Sendo certo que,

69.°

O exercício do direito de defesa da Requerente em sede de processo disciplinar está, naturalmente, condicionado à decisão que viesse (venha) a ser tomada sobre reclamação. Porquanto,

70.°

Se a mesma for deferida - atenta a manifesta ilegalidade do despacho reclamado e que agora foi ratificado - inexiste fundamento, de facto e de direito, para a instauração de processo disciplinar e conversão do inquérito em instrução do mesmo. Ora,

71.°

A situação de facto e de direito — de óbvia e manifesta insegurança jurídica criada com esta sucessão de decisões totalmente a destempo, reiterando-se o respeito que nos merecem os seus autores - equivale a coarctar o pleno exercício do direito de defesa por parte da Requerente. Dado que,

72.°

E na verdade, ratificar a decisão antes de decidida a reclamação, consubstancia a violação do direito fundamental de defesa da Requerente em processo sancionatório, direito esse que tem consagração constitucional no artigo 32.°, n.° 10 da CRP.

73.°

O que determina a nulidade da ratificação - o acto suspendendo e impugnado -por ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental (o de defesa e audiência em processo sancionatório), de acordo com o preceituado na alínea d) do n.° 2 do artigo 161.° do CPA.

74.°

Nulidade essa que, expressamente se invoca, com todas as legais consequências. Em suma

75.°

Afigura-se à Requerente que o acto suspendendo, ora impugnado, é inválido com os fundamentos supra alegados e que há elevado grau de probabilidade de a pretensão de declaração de nulidade da Requerente venha a ser declarada em sede de acção principal. Pelo que,

76.°

Resulta claro que o requisito de "fumus bonus iuris" se deve ter por preenchido.

b) Do preenchimento do requisito “periculum in mora"

77.°

A providência requerida deverá ser decretada quando se demonstre (segundo critério) o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação.

78.°

Igualmente parece à Requerente que a execução da ratificação ora suspendenda cria uma situação de facto consumado, produzindo prejuízos de difícil reparação. Atente-se:

79.°

A ratificação da decisão reclamada pode fundamentar uma decisão de inutilidade da reclamação, obstando assim a que se conheça do mérito da reclamação.

80.°

E, consequentemente, o imediato prosseguimento dos autos de processo disciplinar, sem que a Requerente, reitera-se, veja apreciado o mérito da questão suscitada no exercício de um direito de reclamação que lhe assiste.

81.°

Processo disciplinar no qual a Requerente se verá confrontada a defender relativamente a provas que, manifestamente, foram obtidas de forma ilegal. No entanto,

82.°

A demora no julgamento do presente recurso, cuja decisão apenas se acredita como sendo favorável à pretensão da Requerente, cria uma situação de facto consumado: a putativa inutilidade da reclamação por ter havido ratificação do acto! Acresce ainda que,

83.°

Será a Requerente forçada a ser arguida num processo disciplinar, de consequências imprevisíveis e no qual o seu direito de defesa foi condicionado pela intempestiva decisão de ratificação de um despacho ilegal.

84.°

Esta situação causa, como é fácil de compreender, prejuízos de difícil reparação.

85.°

Dado que não há como indemnizar danos provocados pela existência e tramitação de um processo disciplinar (infundamentado) a um magistrado.

86.°

E a mancha na honra e reputação que a simples existência do processo causa. Assim,

87.°

A única forma de evitar a criação de uma situação de facto consumado e a produção de prejuízos irreparáveis, é decretar a suspensão de eficácia da ratificação, até à decisão sobre a sua validade/invalidade. Pelo que,

88.°

Se entende como seguro que está preenchido o requisito do periculum in mora,, impondo-se assim o deferimento da requerida suspensão.

c) A ponderação do interesse privado e do interesse público

89.°

O interesse privado da Requerente - que se consubstancia em assegurar que os seus direitos fundamentais de reserva da vida privada e de defesa em processo sancionatório - deverão prevalecer sobre um qualquer interesse público que possa, no caso, ter lugar. Note-se,

90.°

Inexiste qualquer fundamento de interesse público que imponha o sacrifício dos direitos fundamentais da Requerente

91.°

E que os restrinja de forma totalmente insuportável.

Termina pedindo que seja decretada a suspensão da eficácia da deliberação do Conselho Superior de Magistratura de ratificação da decisão de instauração de procedimento disciplinar à Requerente, com conversão do inquérito em instrução, até à decisão que vier a ser proferida no recurso a intentar dessa decisão.

2. O Conselho Superior da Magistratura, notificado nos termos do n.º 3 do artigo 170.º do EMJ, respondeu, nos seguintes termos[5]:

II) Da manifesta falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal - fumus boni iuris

[…]

9) A deliberação sub judice não padece de qualquer invalidade, circunstância que será devidamente demonstrada, porquanto a legalidade de todo o procedimento disciplinar em questão foi adequadamente ponderada e tem sustentação legal, inexistindo, pois, qualquer invalidade do mesmo.

11) Contrariamente ao alegado pela Exm.a Requerente, os factos falam por si encontrado-se preenchidos os pressupostos que decorrem do artigo 135.° do EMJ, para a conversão do inquérito em processo disciplinar. Com efeito,

12) Na sequência de despacho do Exm.° Senhor Inspector Judicial, Juiz Desembargador Dr. BB, de 01.06.2018, foi a Exm.° Juíza de Direito, ora Requerente, notificada para declarar, por escrito, se pretendia prestar declarações, bem como para também por escrito manifestar o seu consentimento, ou não, para ser dirigido pedido de documentos respeitantes ao registo da cirurgia realizada no decurso do mês de maio de 2017.

13) Em resposta ao solicitado a ora Requerente declarou que "não pretende prestar declarações e que não dá o seu consentimento à requisição de documentos respeitantes ao registo da cirurgia em causa". Em acréscimo,

14) Tendo em conta o objecto do inquérito, as diligências realizadas, os factos apurados e a apreciação sumária dos mesmos, o RELATÓRIO FINAL elaborado nos termos do disposto no artigo 134.° do EMJ, pelo Exm.° Senhor Inspector Judicial instrutor, concluiu existirem indícios suficientes de que a Exm.a Senhora Juíza, ora Requerente, cometeu infracção disciplinar e, nessa medida, propôs a instauração de processo disciplinar, bem como que o inquérito constitua a parte instrutória do processo disciplinar.

15) Assim, e ainda que a Exm.a Requerente manifeste discordância com a apreciação dos factos efectuada pelo Exm.° Senhor Inspector Judicial à luz da lógica e das regras da experiência, bem como com a consequência da referida apreciação, tal discordância não pode jamais ser confundida com invalidade e não releva como vício do acto deliberativo em questão.

16) Mais uma vez, neste particular aspecto, os factos falam por si sem necessidade de considerações acrescidas.

17) A Exm.a Requerente entregou um atestado médico contendo informação que, quanto à data indicada, não correspondia à verdade, para justificar a sua ausência ao serviço.

18) Sendo certo que foi por sua iniciativa e no seu interesse exclusivo que foi entregue tal documento, o qual por sinal é um documento que faz prova e fé pública dos factos nele declarados.

19) Estando declarado em tal documento os seguintes factos do conhecimento pessoal da Exm.a Requerente: (i) realização de uma intervenção cirúrgica; (ii) data dessa intervenção (15 de maio de 2017); (iii) impossibilidade de comparência ao serviço por um prazo de 30 dias a contar daquela data (15.05.2017); (iv) por motivo de ter sido submetida a cirurgia maxilo-facial.

20) Ao entregar o atestado médico para justificação da sua ausência a Exm.a Requerente renunciou a qualquer reserva da vida privada no que respeita aos motivos de tal ausência tal como os declarou - realização de intervenção cirúrgica maxilo-facial.

21) Os referidos factos foram atestados pelo Exm.° cirurgião maxilo-facial CC, no interesse da Exm.a Requerente, que os trouxe voluntariamente aos autos, sem que aquele invocasse qualquer reserva ou sigilo médico.

22) Afigura-se, pois, totalmente desprovido de razoabilidade vir suscitar a violação da reserva da vida privada, a necessidade de consentimento (a requerente não se limitou a prestar consentimento a que outrem obtivesse informação, prestou as próprias informações), e a existência de matéria abrangida por sigilo médico. Com efeito,

23) Face a tal situação fáctica verificada, foi solicitada informação sobre a data em que a intervenção cirúrgica foi realizada, vindo a apurar-se que foi realizada em data diversa - posterior - à indicada pela Requerente.

24) Pretende a Exm.a Requerente que esta informação - data em que a intervenção foi realizada - está sujeita a sigilo médico e não pode ser obtida senão em violação do direito a reserva da vida privada.

25) Decididamente, não existe qualquer dado sob reserva da vida privada envolvido no conhecimento posterior da data de uma cirurgia, sem demonstração de excepcional factualidade em contrário, que não se supõe em situação de normalidade.

26) Mesmo quando assim se não entendesse, o caminho seguido pela Exma. Requerente não tem acolhimento no sistema jurídico, porquanto a realização da intervenção cirúrgica e a sua natureza estariam seguramente cobertos por tal protecção (e a Requerente trouxe tal informação ao conhecimento), já a data em que ocorreu tal facto seguramente o não está mas, ainda que estivesse, também a Requerente trouxe tal informação aos autos.

27) Defender que não pode ser obtida informação sobre a data efectiva da cirurgia, por assim se violar a privacidade da Requerente, é esquecer que por ela mesma foi revelada a data que se demonstrou fictícia, assim demonstrando que não considerava tal informação violadora da sua privacidade.

28) Ora, se a Requerente consente em que a data fictícia seja comunicada, seguramente aliena o facto data da esfera de protecção da privacidade, em que apenas por hipótese o consideramos inserido, consentindo, pois, na sua averiguação processual. Assim,

29) É inequívoca a inexistência de qualquer matéria de reserva da vida privada e de pretenso sigilo médico.

30) O que se pretende com tal invocação, salvo o devido respeito, é uma tentativa de obstaculizar ao apuramento da verdade material.

31) Sendo certo que a verdade é conhecida e foi obtida de forma irrepreensível do ponto de vista legal.

32) Donde, perante os factos apurados é por demais evidente que existem indícios sólidos quanto à violação dos deveres funcionais e estatutários a que a Exm.a Requerente está adstrita no exercício das funções como magistrada judicial.

33) Fica pois demonstrado, de forma inabalável, o preenchimento dos fundamentos que determinam a conversão do inquérito em processo disciplinar, não padecendo a deliberação ora impugnada de qualquer vício invalidante a tal respeito.

34) Em acréscimo, ainda no que respeita à pretensa invalidade da deliberação subjudice e à verificação do requisito fumus boni iuris do presente pedido de suspensão da mesma, a Exm.a Requerente vem invocar que a ratificação pelo Conselho Plenário do despacho do Exm.° Senhor Vice-Presidente de conversão do inquérito em processo disciplinar se verificou a destempo e que criou-se uma confusão jurídica. - cfr. artigos 59.° a 74.° do requerimento suspensivo.

35) Mais uma vez salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à Exm.a Requerente e a confusão jurídica a que alude - que apenas se admite exista subjectivamente – não encontra justificação na correta apreensão dos trâmites inerentes ao procedimento deliberativo.

36) Por despacho do Exm.° Senhor Vice-Presidente do CSM, de 02.07.2018, foi determinada a conversão do inquérito em processo disciplinar, a submeter a ulterior ratificação do Conselho Plenário.

37) Nessa sequência, o referido despacho foi objecto ratificação por deliberação do Conselho Plenário do CSM, tomada na sessão de 11.07.2018.

38) A ratificação do acto administrativo, prevista e regulada no artigo 164° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7 de Janeiro, bem como a reforma e conversão, são actos secundários ou de segundo grau que incidem sobre um ato primário ferido de ilegalidade e cujo objecto é a supressão desta mesma ilegalidade através de um novo acto praticado sem as ilegalidades daquele. (...) A ratificação e a reforma distinguem-se pela natureza do vício de que padece o acto primário, de incompetência, formal ou procedimental no caso da ratificação e de conteúdo no caso da reforma, citando Cabral de Moncada, in Código de Procedimento Administrativo Anotado, pg. 586).

39) Segundo Paulo Otero, in Direito do Procedimento Administrativo, A ratificação, tradicionalmente designada como ratificação-sanação, pressupondo uma manifestação de vontade de eliminar um determinado vício, falando-se em animus ratificandi, encontra-se circunscrita às condutas feridas de anulabilidade e pode visar reabilitar os efeitos jurídicos inválidos em duas diferentes situações, ii) Em casos de incompetência relativa, permitindo ao órgão competente sobre determinada matéria, anteriormente objecto de decisão por um órgão incompetente, confirmar e adoptar essa conduta como sua, perfilhando-a e, deste modo, assumindo a sua autoria, sanar a respectiva invalidade orgânica, iii) Em casos de vícios de forma que não se reconduzem a nulidade ou inexistência, a repetição do ato, num propósito convalidante de anterior ato, respeitando-se agora a formalidade preterida (v.g., não ter a deliberação sido tomada por escrutínio secreto, modificar ou aditar argumentos da fundamentação que tenham sido omitidos, incluindo em cenários de falta da própria fundamentação) ou invertendo-se a sequência da sua ordem procedimental fazendo o órgão cujo ato autorizativo preterido venha intervir a posterior, sana a conduta inválida.

40) A ratificação do despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente, por parte do Plenário do CSM, representa, pois, a confirmação, a adopção ou mesmo a perfilhação do teor do despacho, a assumpção da autoria do mesmo, pelo Plenário do CSM, sanando-se, dessa forma, a invalidade orgânica de que o mesmo padecia.

41) Logo e em consequência lógica, não fará sentido admitir a manutenção da reclamação apresentada contra o mesmo despacho, necessária e por força de Lei, dirigida à entidade que o ratificou entretanto.

42) Retroagindo a ratificação os seus efeitos à data do acto a que respeita - n° 5 do citado artigo 164° do CPA-, haverá que concluir-se que o acto em questão é da autoria do Plenário do CSM, sendo que, das deliberações do CSM recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 168°, n.º l do EMJ.

43) A este respeito, veja-se, ainda, o Ac. do TCAN, de 06/03/2015, disponível na base de dados www.dgsi.pt:

Tendo o acto impugnado sido ratificado foi o mesmo substituído por um novo acto, pelo que a presente acção administrativa especial perdeu o seu objecto. Na verdade, se o acto primário foi substituído não faz mais sentido falar-se nos vícios do acto primário uma vez que estes, por força da prática do novo acto, terão sido sanados. Se o novo acto acarreta novos vícios, ou se os vícios anteriores se mantêm, então deverá socorrer-se da impugnação do novo acto.

(...)

Se não houver impugnação do novo acto ocorrerá necessariamente inutilidade superveniente da lide, uma vez que ao acto primariamente impugnado já foi retirado da ordem jurídica, como acontece na situação dos autos. Ver neste sentido jurisprudência do STA, Pro. N.° 0367/03, de 29-05-2003 quando refere: I. A ratificação-sanação é um acto secundário pelo qual o órgão competente decide sanar, suprindo as suas ilegalidades em anterior acto inválido, substituindo-o, na ordem jurídica; II. A ratificação-sanação, tal como a revogação, conduz à perda do objecto do recurso contencioso interposto do acto ratificado, determinando a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, se o segundo acto não for impugnado contenciosamente;

Ver ainda proc. n.° 011128/05, de 14-02-2006 " Ocorre ratificação - sanação quando a Administração, confrontada com ilegalidade de um acto administrativo seu, pretendendo mantê-lo válido na ordem jurídica, pratica novo acto, com o mesmo sentido decisório, em que expurga o primeiro de vício formal gerador de invalidade.

II - O acto ratificante substituiu na ordem jurídica o acto ratificado, o que determina a perda do objecto do recurso contencioso interposto deste acto, acarretando a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 287°, ai e), do CP. Civil, aplicável por força do artigo 1.º da LPTA.

Proc. n° 011128/OS, de 23-01-2007 "I - A ratificação é o acto administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um acto inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia. II - O acto de ratificação-sanação substitui o acto sanado na ordem jurídica e determina a perda de objecto do recurso contencioso que contra ele tenha sido interposto. III-Por essa razão a instância do recurso contencioso extingue-se por impossibilidade superveniente da lide.

44) Para os efeitos em apreciação, o acto relevante e em causa nos presentes autos é a deliberação do Plenário do CSM de 11.07.2018, a qual é perfeitamente tempestiva e cumpre integralmente os requisitos formais e formalidades legais a que está vinculada, sendo irrepreensível nos exactos termos em que foi deliberada.

45) Em acréscimo não procede igualmente a suscitada nulidade da ratificação por ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa e de audiência no processo sancionatório.

46) Como os factos demonstram, foi promovida a audição da Exm.a Requerente, por escrito, no inquérito, tendo declarado que não pretendia prestar declarações e, em acréscimo, exerceu o seu direito de defesa mediante a apresentação de reclamação do despacho do Exm.° Senhor Vice-Presidente -a qual como demonstrado veio a revelar-se supervenientemente inútil -, bem como requereu a suspensão de eficácia - e presume-se que subsequentemente irá apresentar recurso - da Deliberação do Plenário do CSM que ratificou aquele despacho.

47) Não se vê, e a Exm.a Requerente também não esclarece, em que medida ficou prejudicado algum direito de defesa, audiência ou de contraditório no presente processo disciplinar.

48) Em consequência, em face do exposto, deverá considerar-se que não está verificada a aparência de sucesso da pretensão suscitada na acção principal, porquanto indiscutivelmente a deliberação sub judice, que ratificou o despacho do Exm.° Vice-Presidente de conversão do inquérito em processo disciplinar, não padece de nenhum vício invalidante.

III) Da inexistência de prejuízo irreparável ou de difícil reparação -periculum in mora

50) Nos termos do já citado artigo 170.°, n.° 1, do EMJ só será reconhecido efeito suspensivo quando se considere que a execução imediata do acto é susceptível de causar ao requerente prejuízo irreparável ou de difícil reparação.

51) Conforme já anteriormente decidido pelo STJ1 ao pedido de suspensão de eficácia previsto no artigo 170.°, n.° 1, do EMJ, é aplicável o disposto no CPTA relativamente à suspensão de eficácia de um acto administrativo - cfr. artigo 112°, n° 2, a) e 120° do CPTA (ex vi artigo 178.° do EMJ).

52) O pressuposto em causa é então de perigo de lesão irreparável que torne inútil o ulterior reconhecimento do direito, sendo concedida a tutela cautelar de suspensão sempre que os factos concretos (...) permitam perspectivar a criação de uma situação de impossibilidade da reintegração na sua esfera (do requerente), no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente [[6]].

53) Na apreciação acerca da verificação deste requisito, "o juiz (...) deve fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica” [[7]].

54) Acresce que, os prejuízos a que alude o artigo 170.°, n.° l, do EMJ, têm de ser necessários e não meramente eventuais.

56) Sucede, porém, que na presente situação os alegados prejuízos irreparáveis para os interesses da Requerente são de ordem abstracta e indeterminada.

57) Em acréscimo, conforme vem sendo unanimemente aceite, os prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação têm que estar devidamente alegados e indiciados, sendo certo que o Exm.a Requerente não logrou cumprir o ónus de alegação que sobre si impende a tal respeito.

58) Ora, na presente situação resulta por demais claro que não se verifica nenhuma lesão ou perigo de facto consumado, porquanto a mera conversão de inquérito em processo disciplinar não equivale a aplicação de pena disciplinar, nem é susceptível de provocar qualquer dano irreparável.

59) Aliás, a Exm.a Requerente a tal respeito invoca como situação de facto consumado a putativa inutilidade da reclamação por ter havido ratificação do acto.

60) Sendo certo que a concretização do pressuposto periculum in mora, como sobejamente assente na jurisprudência desse Supremo Tribunal, não se basta com circunstâncias meramente eventuais, hipotéticas ou putativas.

61) Ademais, tal pretenso argumento também não merece qualquer acolhimento porquanto, como anteriormente exposto, com a deliberação de ratificação do despacho do Senhor Vice-Presidente a referida inutilidade da reclamação apresentada é uma consequência jurídica actual e que produz os seus efeitos, inexistindo, pois, também por essa senda, o alegado periculum in mora invocado.

62) No que respeita à existência de pretensos danos resultantes da execução imediata da deliberação suspendenda, de forma vaga e apressada a Exm.° Requerente invoca que não há como indemnizar danos provocados pela existência e tramitação de um processo disciplinar (infundamentado) a um magistrado. (...) E a mancha na honra e reputação que a simples existência do processo causa.

63) Tal invocação não nos merece maiores considerações, apenas dizer que como vem sendo jurisprudencialmente assente, nem mesmo a aplicação de sanção disciplinar é considerado, por si só, como um prejuízo ou facto consumado de irreparável ou de difícil reparação, pelo que, naturalmente, o que dizer da mera tramitação de inquérito e processo disciplinar sem qualquer efectivação de responsabilidade disciplinar?

64) Pelo que, conclui-se, a Exm.a Requerente não alcança o desiderato de demonstrar que a não suspensão dos efeitos da deliberação em questão seria geradora de um prejuízo irreparável ou de difícil reparação.

IV) Da ponderação dos interesses em presença

66) Em acréscimo, a Exm.a Requerente sustenta de forma manifestamente vaga e totalmente infundamentada, que o seu interesse privado deverá sobrepor-se ao interesse público, considerando que este último, a seu ver, inexiste na situação em presença.

67) Tal entendimento não encontra, no entanto, qualquer sustentáculo.

68) Do ponto de vista da Exm.a Requerente, o interesse que visa salvaguardar com a requerida suspensão de eficácia da decisão sub judice é o seu interesse individual no não prosseguimento do processo disciplinar - cujo resultado se afigura certo- bem como os seus direitos fundamentais de reserva da vida privada e de defesa de um processo sancionatório.

69) Inversamente, o diferimento da execução da pretensa decisão suspendenda seria gravemente prejudicial para o interesse público e para o interesse colectivo dos demais magistrados judiciais, porquanto resultaria prejudicada a imagem e o rigor no respeito pelas regras prescritas nas leis e nas normas estatutárias, inerentes ao exercício do respectivo cargo e funções públicas de garante da legalidade.

70) Em suma, a suspensão de eficácia da deliberação em questão impediria a execução dos efeitos da conversão e a sequência do processo disciplinar, criando uma situação de tratamento desigual relativamente aos demais colegas cumpridores dos seus deveres, bem como daqueles que, desviando-se de tais deveres, assumem a responsabilidade por tais desvios.

71) Em face do exposto, é pois de interesse público prosseguir na execução da decisão suspendenda, sendo indiscutível a clara prevalência do interesse público sobre os interesses privados alegados e não concretizados nem demonstrados pela Exm.a Requerente.

Em função de tudo isto, entende o CSM que não se verificam os pressupostos legais para adoção da providência requerida, devendo o pedido de suspensão da eficácia ser julgado improcedente.

3. Cumpre apreciar e decidir.

            II. Fundamentação

           

            1. Dos factos

São os seguintes os factos que se têm por demonstrados com base na documentação junta aos autos, tendo em conta o alegado pela recorrente e pelo recorrido e que se afiguram relevantes para a decisão:

1 - Por despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM de 29-09-2017 foi determinada a instauração de inquérito à Requerente, tendo-lhe sido atribuído o n.º 2017-357/IN

2 - Por despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM de 20/10/2017 (notificado à Requerente por ofício de 23/10/2017), foi determinada a instauração de processo disciplinar à Requerente, constituindo o inquérito a parte instrutória do processo disciplinar, tendo-lhe sido atribuído o n.° 2017/380/PD e determinado a remessa ao Plenário para ratificação.

3 - Através do ofício 430/MA de 27/10/2017, a Requerente foi notificada do início da instrução nos autos de processo disciplinar supra devidamente identificados.

4 - Nos termos do previsto no artigo 167.° do EMJ, a Requerente apresentou Reclamação para o Plenário do CSM do despacho referido em 2. do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM.

5 - A Reclamação foi admitida.

6 - O Plenário do CSM de 24-04-2018 considerou improcedente a reclamação interposta pela requerente na parte que impugna o despacho proferido pelo Exmo. Conselheiro Vice-Presidente a 29-09-2017 que determinou a instauração de inquérito, mas procedente na medida em que determina a nulidade da audição da Exma. Juíza Reclamante, anulando-se todo o coevo (obtenção de dados clínicos) e subsequente processado e determinando a renovação dos actos de inquérito e, por último, em conformidade e relativamente ao segundo despacho do Exmo. Conselheiro Vice-Presidente, delibera-se que o mesmo se mostra prejudicado não havendo objecto de pronúncia sobre o seu mérito.

7 - A Requerente suscitou o incidente de recusa da Exma. Senhora Instrutora do Processo Disciplinar, que veio a ser deferido em 24 de Maio de 2017.

8 - E no qual foi nomeado novo Instrutor do processo.

9 - Por despacho de 2 de Julho de 2018 o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM determinou a instauração de processo disciplinar (atribuindo-lhe o n.º 2018-275/PD) à Requerente, convertendo o inquérito na parte instrutória do mesmo e determinou a remessa ao Plenário para ratificação.

10 – O despacho descrito em 9., bem como o relatório final (art. 134.º do EMJ) elaborado pelo Exmo. Inspector Judicial juiz Desembargador Dr. BB, foram notificados à Requerente pelo ofício 1567 de 3 de Julho de 2018,

11 - Por ofício de 9 de Julho de 2018, a Requerente foi notificada da dedução de acusação no âmbito do processo disciplinar (com o n.º 2018-275/PD), tendo sido fixado o prazo de apresentação de defesa em 20 dias úteis.

12 - No Plenário do CSM de 11 de Julho de 2018, foi deliberado ratificar o despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente do CSM de 02-07-2018, que concordou com o teor da proposta do Exmo. Sr. Inspector Judicial Juiz Desembargador Dr. BB, e determinou a conversão do processo de inquérito n.º 2017-357/IN em processo disciplinar à Exma. Sra. Juíza de Direito Dra. AA.

13 - A Requerente no dia 12 de Julho de 2018, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 167.° do EMJ, apresentou reclamação do despacho de 02-07-2018 do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM que determinou a conversão do inquérito em processo disciplinar.

14 – O Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM em 13-07-2018 proferiu o seguinte despacho nos autos de reclamação (n.º 2018-275/PD-A) “Suspende-se, para já o processo disciplinar, até a decisão a proferir nos autos de reclamação – arts. 167.º e 167-A do EMJ. Notifique-se”. Mais determinou que fossem os autos de reclamação à distribuição.

15 - Por ofício de 16 de Julho de 2018, a Requerente foi notificada do conteúdo do despacho de 13-07-2018 proferido pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM.

16- Por ofício de 03 de Setembro de 2018, a Requerente foi notificada da cópia da deliberação do Plenário do CSM de 11 de Julho de 2018, ou seja, de que o despacho de instauração de procedimento disciplinar e conversão do inquérito tinha sido ratificado.

17 - A presente providência cautelar de suspensão de eficácia deu entrada no dia 20-09-2018.

2. Do Direito

1. A Requerente pretende que se suspenda a eficácia da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 11 de Julho de 2018 que ratificou o despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente do CSM de 02-07-2018 que, concordando com o teor da proposta do Exmo. Sr. Inspector Judicial, determinou a conversão do processo de inquérito n.º 2017-357/IN em processo disciplinar à Exma. Sra. Juíza de Direito Dra. AA.

            Conforme jurisprudência sedimentada neste Supremo Tribunal, à providência requerida tem aplicação, para além do artigo 170.° do EMJ e por força do artigo 178.° do mesmo Estatuto, o disposto nos artigos 112.°, n. 2, al. a) e 120.º do CPTA[8]. Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do STJ de 17-04-2018, processo n.º 14/18.4YFLSB e de 12-06-2018, processo n.º 20/18.9YFLSB, ainda inéditos.

            E, de acordo com o disposto no n. º 1 do artigo 170.° do EMJ,

            «A interposição do recurso (das deliberações do Conselho Superior da Magistratura) não suspende a eficácia do acto recorrido, salvo quando, a requerimento do interessado, se considere que a execução imediata do acto é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação».

            Sendo subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo, conforme artigo 178.º do mesmo Estatuto.

            A suspensão de eficácia de um acto administrativo constitui uma providência cautelar, prevista no artigo 112.°, n.º 2, alínea a), do CPTA.

            Conforme prevê este preceito:

            «2 - As providências cautelares regem-se pela tramitação e são adoptadas segundo os critérios previstos no presente título, podendo consistir designadamente em:
a) Suspensão da eficácia de um ata administrativo ou de uma norma».

  As providências cautelares, referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, estabelecem, em princípio, uma regulação provisória para o litígio e, «[d]ependendo do seu conteúdo, a regulação pode determinar a pura manutenção do statu quo; a antecipação de efeitos a produzir pela sentença a proferir no processo sobre a questão de fundo e que alteram o statu quo; ou a constituição, a título provisório, de um terceiro tipo de situação, que nem corresponda a uma coisa, nem a outra, mas que, em qualquer caso, terá por escopo ou função assegurar a manutenção ou restabelecimento do statu quo (função conservatória) ou a obtenção de novas utilidades pretendidas no processo principal (função antecipatória). A regulação deve ser adequada para assegurar a justa composição dos interesses, evitando o chamado pericu1um in mora - isto é, o risco de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tomou a decisão totalmente inútil, seja menos, porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis»[9].

Acrescentam ainda os mesmos autores que as providências cautelares caracterizam-se pela provisoriedade «que consiste no facto de a regulação que elas estabelecem se destinar a vigorar apenas durante a pendência do processo, até ao momento em que a sentença a proferir nesse processo virá dizer em que termos fica definida a matéria controvertida», sendo que a provisoriedade da providência cautelar «impede que o tribunal adopte, como providência cautelar, uma regulação que dê resposta à questão de fundo sobre a qual versa o litígio»[10].

   O artigo 120.º do CPTA, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, enuncia os «critérios de decisão» na providência cautelar, estabelecendo:
    «1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
    2 - Nas situações previstas no número anterior, a adopção da rovidência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.
         […]».

Perante esta providência cautelar, é ao abrigo do disposto no artigo 170.° do EMJ e dos n.os 1 e 2 do citado artigo 120.° que o pedido de suspensão da eficácia da deliberação tem de ser apreciado e decidido.

2. A atribuição da providência requerida depende assim, nos termos do artigo 120.º do CPTA (na sua redacção de 2015), dos seguintes critérios:

a- O critério do periculum in mora, ou seja, «quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal», primeira parte do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, ou, na fórmula ainda vigente constante do artigo 170.º, n.º 1, do EMJ, quando a execução do acto é susceptível de causar «prejuízo irreparável ou de difícil reparação».

O periculum in mora deriva, por conseguinte, do receio fundado de que, quando o processo chegue ao fim, por força da demora inerente à resolução judicial de um litígio, a decisão já não se adeque à situação em causa e perca mesmo efeito útil ou que venham a surgir danos de difícil reparação, durante a pendência do processo.

b- O critério da aparência de bom direito - existência de um fumus boni iuris, ou por outras palavras, que «seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente», parte final do n.º 1 do citado artigo 120.º.

Como, a propósito deste requisito, salienta MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, «[a] atribuição das providências cautelares depende de um juízo, quinda que perfunctório, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo», devendo, portanto avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente nesse processo[11].

Tal requisito vem a traduzir-se num juízo sobre a probabilidade de sucesso da pretensão aduzida, ou seja, a aparência de direito de que a requerente se arroga. Desta forma, a aparência de bom direito depende de um juízo de probabilidade sobre a existência do direito invocado ou da ilegalidade que se alegou existir; um juízo, ainda que perfunctório, sobre a probabilidade da procedência da pretensão deduzida no processo principal - critério da aparência de bom direito, na sua formulação positiva.

c- O critério da ponderação de interesses – a proporcionalidade entre os danos que se pretendem evitar com a concessão da providência e os danos que resultariam para o interesse público dessa mesma concessão, como resulta da formulação legal do n.º 2 do artigo 120.°.           

A atribuição das providências cautelares não depende apenas do preenchimento cumulativo dos requisitos do periculum in mora e da aparência do bom direito. O artigo 120.º, n.º 2, impõe um terceiro requisito - requisito negativo -, que funciona como factor impeditivo da pretensão, consistente na verificação de que, ponderados os interesses públicos e privados em causa, os danos resultantes da suspensão da eficácia da deliberação se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

3. Como dão nota os autores que se citaram, «[a] concessão da providência não depende, pois, exclusivamente, da formulação de um juízo valor absoluto sobre a situação do requerente, como sucederia se apenas se atendesse aos critérios do periculum in mora e do fumus boni iuris, previsto no n.º 1, mas também depende da verificação de um requisito negativo: a atribuição da providência não pode causar danos desproporcionados, com o que se dá expressão, neste contexto, ao princípio da proporcionalidade».

O preenchimento dos requisitos do n.º 1 é fundamental, acrescentam os autores, «na medida em que constitui a conditio sine qua non e, nessa medida, o primeiro passo de que depende a concessão da tutela cautelar. A demonstração do periculum in mora e do fumus boni juris permite afirmar que a posição do requerente se apresenta, prima facie, como merecedora de protecção, colocando, assim, o requerente numa posição de partida favorável à obtenção da tutela cautelar».

No entanto, advertem:

«Se a posição do requerente da providência fosse a única a ter em conta neste domínio, bastaria, na verdade, o preenchimento do n.º 1 para que a tutela cautelar fosse concedida. Sucede, porém, que o n.º 2 vem acrescentar uma cláusula de salvaguarda neste domínio, permitindo que, no interesse dos demais envolvidos, a providência ainda seja recusada quando, pese embora o preenchimento, em favor do requerente, dos requisitos previstos no n.º 1, seja de entender que a sua adopção provocaria danos (ao interesse público e de eventuais terceiros) desproporcionados em relação àqueles que se pretenderia evitar que fossem causados (à esfera jurídica do requerente). O n.º 2 introduz, assim, um critério de ponderação de interesses, por força do qual a decisão sobre a atribuição da tutela cautelar fica dependente da formulação de um juízo de valor relativo, fundado na comparação da situação do requerente com a dos eventuais interessados contrapostos».[12]

  4. Em sede de tutela cautelar a apreciação de cada um dos referidos requisitos obedece naturalmente a um mero juízo de verosimilhança que não se confunde nem prejudica o juízo que venha a ser feito no âmbito do processo principal.

A sumariedade que caracteriza a generalidade dos procedimentos cautelares permite ainda que, em face da inverificação de algum dos requisitos cumulativos de que depende o decretamento da providência, se considere prejudicada a apreciação dos demais requisitos ou até dos demais argumentos apresentados[13].

            Feito este enquadramento, é chegado o momento de se apreciar a pretensão da Requerente.

     5. Previamente, porém, há que examinar uma questão que a Requerente suscita e que o CSM também referencia na resposta apresentada, invocando uma «inutilidade superveniente» da reclamação oportunamente apresentada perante o CSM.

            Essa questão tem que ver com a pendência dessa reclamação, apresentada pela agora Requerente do despacho do Ex.mo Vice-Presidente daquele Órgão, de 2 de Julho de 2018, que determinou a instauração de processo disciplinar à mesma e a remessa ao Plenário para ratificação.

          A reclamação foi admitida e, conforme elenco dos factos, os termos do processo disciplinar encontram-se suspensos a aguardar a decisão da reclamação.

            Diz a Requerente que o Plenário do CSM «já ratificou […] a destempo a decisão reclamada», com o que «[se] criou uma “confusão” jurídica».

            Ora, cumprirá referir que a deliberação do Plenário do CSM que ratificou a decisão do seu Vice-Presidente, no sentido da instauração do processo disciplinar à agora Requerente foi tomada na sessão de 11 de Julho de 2018 quando ainda não estava pendente qualquer reclamação. Aquele é exactamente o acto administrativo cuja suspensão se pretende e cuja anulação será objecto do adequado procedimento judicial do qual a presente providência é dependente.

            Tendo presente o objecto da presente providência e o sentido da decisão que se vai proferir, não há que assumir aqui um compromisso relativamente às consequências jurídico-processuais da pendência dos dois procedimentos referidos: reclamação e suspensão da eficácia de deliberação, sendo que, uma inutilidade superveniente da reclamação, por eventual desaparecimento do respectivo objecto, teria de ser ali apreciada e decidida e não aqui, no âmbito desta providência ou da acção/recurso contencioso de que é dependente.

            Considera-se, pois, que não impede o conhecimento e decisão da presente providência a pendência dessa dita reclamação e daí que se entenda que, não obstante a suspensão dos termos do processo disciplinar em consequência dessa mesma reclamação, se encontra verificado o interesse em agir da Requerente neste procedimento cautelar.

            Como bem refere o CSM na sua resposta, «[p]ara os efeitos em apreciação, o acto relevante e em causa nos presentes autos é a deliberação do Plenário do CSM de 11.07.2018, a qual é perfeitamente tempestiva e cumpre integralmente os requisitos formais e formalidades legais a que está vinculada, sendo irrepreensível nos exactos termos em que foi deliberada».

  Improcedendo a alegação da Requerente relativamente à pretensa violação do seu direito fundamental de defesa em processo sancionatório, já que o elenco dos factos que se registou demonstra que a mesma tem exercido neste procedimento, sem qualquer restrição, o direito de defesa, de audiência e do contraditório.

            Refira-se que os efeitos (suspensivos ou devolutivos) a atribuir à deliberação aqui em apreço em nada condicionam a posição a assumir pelo Plenário do CSM relativamente aos autos de reclamação. São efeitos autónomos.

            O Plenário do CSM apreciará e decidirá, em cumprimento do dever de decisão consagrado no artigo 13.º do Código do Procedimento Administrativo, no âmbito, pois, da sua actividade administrativa e da sua discricionariedade técnica, o destino da reclamação apresentada (podendo decidir pela eventual inutilidade superveniente da mesma, ou pelo conhecimento do respectivo mérito), e a requerente, se não se conformar com a mesma, poderá reagir contenciosamente.

  6. Retomando e, como acima se referiu, é pressuposto do decretamento da providência da suspensão de eficácia da deliberação recorrida o perigo de ocorrência de prejuízo irreparável ou de difícil reparação como efeito da execução da deliberação em causa – a deliberação que ratificou o despacho do Vice-Presidente do CSM que determinou a conversão do processo de inquérito em processo disciplinar.

6.1. O critério do periculum in mora deve ter-se por verificado numa situação em que a não concessão da providência redunde em irreversibilidade (situação de facto consumado) ou em que a reconstituição natural é possível mas muito difícil (prejuízo de difícil reparação).

Conforme se fez constar no acórdão deste Supremo Tribunal – Secção de Contencioso –, de 09-02-2012, proferido no Proc. nº 8/12.3YFLSB[14], o preenchimento do requisito do fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação deve obedecer a um maior rigor, visto que a qualificação legal do receio como fundado visa restringir as medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de protecção meramente cautelar com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e a ponderação garantidas pelas acções principais.

Ainda segundo o mesmo acórdão:

- A situação de facto consumado verifica-se sempre que, se recusada a providência, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade.

- A verificação da situação de produção de prejuízo de difícil reparação exige que a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não seja capaz de reparar, pelo menos, de reparar integralmente.

Acresce que os prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação têm que estar devidamente alegados e indiciados, cabendo esse ónus de alegação à Requerente.

Neste sentido, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-08-2011, proferido no Proc. n.º 82/11.0YFLSB[15]:

«I - A requerente, juiz de direito, apesar de pretender a suspensão da eficácia do acto recorrido [condenação na pena de 50 dias de multa], nada alegou de concreto quanto ao prejuízo irreparável resultante da execução da pena de multa aplicada, sendo verdade que a tanto estava onerada. II - Com efeito, importava alegar os factos concretos em face dos quais se pudesse concluir que a execução imediata da condenação é susceptível de lhe causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação – o que está em causa é a execução imediata do acto e não o facto de haver uma condenação».

Cabe à Requerente da providência alegar e provar a existência do periculum in mora, não bastando a mera invocação de considerações genéricas e conclusivas, de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação. Ou seja, impende sobre o Requerente o ónus de alegação de factos concretos que permitam ao Tribunal perspectivar a existência de prejuízos de difícil reparação ou de uma situação de facto consumado.

6.2. Alega a requerente, em suma, quanto ao preenchimento do requisito de periculum in mora da presente providência que:

- «A ratificação da decisão reclamada pode fundamentar uma decisão de inutilidade da reclamação. Obstando assim a que se conheça do mérito da reclamação e, consequentemente, o imediato prosseguimento dos autos de processo disciplinar, sem que a Requerente, veja apreciado o mérito da questão suscitada no exercício de um direito de reclamação que lhe assiste. A demora no julgamento do recurso cria uma situação de facto consumado: a putativa inutilidade da reclamação por ter havido ratificação do acto» - artigos 79.º a 82.º da petição;  e

 - «Será a requerente forçada a ser arguida num processo disciplinar, de consequências imprevisíveis e no qual o seu direito de defesa foi condicionado pela intempestiva decisão de ratificação de um despacho ilegal. Dado que não há como indemnizar danos provocados pela existência e tramitação de um processo disciplinar a um magistrado. E a mancha na honra e reputação que a simples existência do processo em causa» - artigos 83.º a 86.º da petição.

Porém, não vislumbramos em que medida a execução da deliberação do Plenário do CSM de 11-07-2018, que ratificou o despacho do Vice-Presidente do CSM que determinou a conversão do inquérito em processo disciplinar, se não for suspensa, redunde em irreversibilidade (situação de facto consumado) ou em que a reconstituição natural sendo possível seja muito difícil (prejuízo de difícil reparação).

Defende a requerente que a não suspensão de eficácia da deliberação do Plenário do CSM que ratificou o despacho do Vice-Presidente de conversão do inquérito em processo disciplinar, pode levar a fundamentar uma decisão de inutilidade da reclamação apresentada, obstando assim a que se conheça do mérito da reclamação, e consequentemente o imediato prosseguimento dos autos de processo disciplinar.

Como oportunamente foi dito, não cabe no objecto no objecto desta providência apurar em que medida uma execução imediata da deliberação suspendenda, permite fundamentar uma deliberação do Plenário do CSM de inutilidade da reclamação. As deliberações em causa são autónomas e têm objectos distintos. Enquanto a deliberação suspendenda foi de ratificação de conversão de um inquérito em processo disciplinar, a outra deliberação, se vier a ser adoptada, incidirá sobre a reclamação apresentada.

Reafirmando, os efeitos (suspensivos ou devolutivos) a atribuir à deliberação ora em crise, em nada condicionam a posição que for assumida pelo Plenário do CSM relativamente aos autos de reclamação. São efeitos autónomos. O Plenário do CSM apreciará e decidirá, no âmbito da sua actividade administrativa e da sua discricionariedade técnica, o destino da reclamação apresentada (podendo decidir pela eventual inutilidade superveniente da mesma, ou pelo conhecimento do mérito da mesma).

Assim, ao contrário do defendido pela Requerente, não vislumbramos qualquer situação de facto consumado na execução imediata da deliberação suspendenda. O facto da deliberação ora em crise não ser suspensa na sua execução, em nada contende com a eventual deliberação que o Plenário do CSM venha a adoptar quanto à reclamação apresentada pela Requerente (n.º 2018-275/PD-A).

Acresce que, já está decidido por despacho do Exmo Vice-Presidente do CSM (com data posterior à deliberação suspendenda) a suspensão do processo disciplinar até à decisão da reclamação.

Desta feita, pode dizer-se que o efeito pretendido pela Requerente de suspensão de eficácia da deliberação suspendenda – suspensão dos termos do processo disciplinar e necessidade de decisão nos autos de reclamação - já encontrou satisfação com o despacho do Vice-Presidente de 13-07-2018, até decisão dos autos de reclamação.

Uma providência de suspensão de eficácia de uma deliberação não visa abarcar efeitos indirectos ou eventuais da mesma, mas apenas os efeitos directos e concretos da execução dessa deliberação. Veja-se nesse sentido, entre outros, o acórdão do STJ de 14-07-2017, proferido no Proc. n.º 34/17.6YFLSB[16]: «Terão de consistir em danos ou prejuízos concretos, reais, efectivos, carecendo de relevância para o efeito os danos ou prejuízos indirectos, mediatos, meramente hipotéticos, conjecturais ou eventuais». Bem como o acórdão do STJ de de 12-09-2017, proferido no Proc. n.º 62/17.1YFLSB[17]: «a suspensão da eficácia do acto apenas abarca os efeitos directos da deliberação».

6.3. Alega a Requerente, também como fundamento do periculum in mora, que causa prejuízos de difícil reparação a existência e tramitação de um processo disciplinar a magistrado, na medida em que a simples existência de tal processo mancha e honra e reputação.

A alegação da Requerente quanto aos danos de natureza não patrimonial ou moral é constituída ou traduz-se em mera invocação de conclusões, genéricas e de direito, sem especificação de factos concretos que permitam concluir pela existência de prejuízos de difícil reparação, sendo certo que os referidos danos morais só poderão ser atendíveis se a sua gravidade for tal que justifique a suspensão de eficácia do acto.

Não vemos em que medida a simples existência de um processo disciplinar possa manchar a honra e reputação da Requerente, causando-lhe prejuízos de difícil reparação.

Admite-se como possível que a existência de um processo disciplinar possa causar desconforto à Requerente, porém não se pode ignorar que a abertura de um processo disciplinar é apenas e tão só, conforme dispõe o artigo 110.º, n.º 1, do EMJ, o meio de efectivar a responsabilidade disciplinar. No final da instrução o instrutor toma uma de duas posições: ou considera existirem indícios suficientes dos factos constitutivos da infracção disciplinar e deduz acusação ou considera não existirem indícios suficientes dos factos constitutivos da infracção e elabora um relatório com proposta de arquivamento do processo. – cfr artigo 117.º, n.os 1 e 2, do EMJ, submetendo o relatório a decisão do CSM.

O processo disciplinar, visa apenas apurar da eventual responsabilidade disciplinar do visado que, no exercício pleno do contraditório, se presume inocente até ao trânsito em julgado da decisão.

Todavia, este eventual prejuízo pela existência (alegadamente infundada) de um processo disciplinar nunca será irreparável, ou de difícil reparação, porque, constituindo um dano não patrimonial, será sempre ressarcível se, pela sua gravidade, merecer a tutela do direito (artigo 496.º do Código Civil). Ou dito de outra forma, os potenciais prejuízos – danos morais pela existência e tramitação de um processo disciplinar – que a Requerente venha a ter, são passíveis de reparação ou de reconstituição (compensação) se obtiver êxito na acção principal, pelo que é afastar o cariz irreparável ou dificilmente reparável de tais prejuízos.

Como, neste sentido, se considerou no acórdão da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça de 15-11-2007, proferido no Proc. n.º 3883/07[18], «justamente porque se trata de danos morais, não pode com propriedade afirmar-se que são irreparáveis ou de difícil reparação, no sentido visado pelo art. 170.º, n.º 1, do EMJ; a irreparabilidade que os caracteriza decorre em exclusivo da sua própria natureza, mas não afasta a possibilidade de compensação, que poderá existir se o recurso contencioso já interposto pelo requerente vier a ser julgado procedente».

6.4. Alega a requerente que não há como indemnizar danos provocados pela existência e tramitação de um processo disciplinar (infundado) a um magistrado e a mancha na honra e reputação que a simples existência do processo em causa.

Entendemos que não lhe assiste razão. Pela sua pertinência e ponderação, convocamos o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-11-2008, proferido no Proc n.º 976/08[19], onde se sustenta que «os danos morais que consistam na afecção da tranquilidade de um Magistrado do Ministério Público e na diminuição da sua “consideração pessoal e profissional”, resultantes da conversão de um inquérito em processo disciplinar não são qualificáveis como “de difícil reparação”».

Conforme aí se considera, inexiste periculum in mora na vertente de perigo de «constituição de facto consumado, porque “facto consumado”, para este efeito, tem a ver com a impossibilidade de reconstituição natural da situação criada pela actividade administrativa. No presente caso, tal não acontece. Na verdade e caso a requerente tenha razão, a posterior anulação do acto que converte o inquérito em procedimento disciplinar acarreta a invalidade de todos os actos procedimentais posteriores, eliminado da ordem jurídica todo o processo disciplinar».

Ou seja, a existência e prosseguimento de um processo disciplinar (que actualmente se encontra suspenso até a decisão a proferir na reclamação) não implica a constituição de uma situação de facto consumado, uma vez que a situação poderá ser revertida posteriormente se acaso lhe vier a ser reconhecida razão no processo principal (a anulação ou declaração da nulidade da deliberação ora em crise acarreta a eliminação da ordem jurídica todo o processo disciplinar (destruição dos efeitos jurídicos da conversão do inquérito em processo disciplinar, desde o seu início) – v. artigos 162.º e 163.º do Código do Procedimento Administrativo.

Também inexiste periculum in mora na vertente de prejuízos de difícil reparação (danos patrimoniais), porque conforme também se assumiu naquele acórdão do STA, «a transformação de um inquérito em processo disciplinar, não gera qualquer dano de natureza patrimonial e, portanto, nesta medida não causa qualquer prejuízo».

Conforme também se decidiu no acórdão do STA de 14-06-2007, proferido no processo 362/07[20], com o qual concordamos, onde estavam em causa lesões semelhantes às aqui invocadas (danos emergentes da pendência de um processo disciplinar contra um Magistrado do Ministério Público), «todos os danos morais invocados pelo requerente, mesmo que pudessem ou devessem ser filiados no acto suspendendo, são insusceptíveis de integrar o conceito de prejuízo “de difícil reparação”. Esta noção abrange todos os danos resultantes da imediata execução do acto e que não sejam facilmente reparáveis ex post – isto na hipótese de, nos autos principais, se concluir a final pela ilegalidade dele. Ora, não é exacto que qualquer dano moral integre, eo ipso, o mencionado conceito de “prejuízo de difícil reparação”; e antes se deve entender que tal noção legal apenas compreende os danos morais cuja especial intensidade desaconselhe que alguém os sofra, podendo ser deles livrado, bem como aqueles cuja indemnização só seja atingível por um processo de cálculo mais árduo, problemático e controverso do que é usual nos danos dessa espécie. In casu, nenhuma dúvida pode haver acerca da reduzida intensidade dos danos morais invocados pelo requerente em resultado do decurso do processo disciplinar; nem acerca da simplicidade em quantificar-se a seu favor uma indemnização pelas afecções decorrentes do prosseguimento daquele processo – isto na hipótese de o acto suspendendo vir a ser anulado e se verificarem os demais pressupostos da responsabilidade civil. Donde logo se conclui que os prejuízos em que o requerente funda a presente providência conservatória são facilmente reparáveis – independentemente de merecerem, ou não, ser reparados».

6.5. Não existindo danos patrimoniais, nem existindo danos morais susceptíveis de serem considerados, neste caso, como prejuízos de difícil reparação, e não sendo configurável uma situação de facto consumado falta a verificação de um dos requisitos – periculum in mora - de que depende a procedência da providência, devendo, em consequência, a mesma ser indeferida.

Sendo de verificação cumulativa os requisitos de que depende a concessão da requerida providência, a inexistência do requisito periculum in mora, prejudica a apreciação dos demais requisitos.

III – Decisão.

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem a secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência requerida de suspensão da eficácia apresentada pela Requerente AA.

Custas pela Requerente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça.

Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Outubro de 2018

             Manuel Augusto de Matos (Relator)

Alexandre Reis

Tomé Gomes

Ferreira Pinto

Helena Moniz

Graça Amaral

Sousa Lameira

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[1]              Os trechos destacados, em itálico e sublinhados constam do original.
[2]   Ac. do STA de 4/05/2017, processo n.º 0163/17, disponível em www.dgsi.pt
[3]              Aprovado pelo Regulamento n.º 707/2016 da Ordem dos Médico e, publicado no Diário da República, 2.ª série – n.º 139 – 21 de Julho de 2016.
[4]              Acórdão do TRPorto, de 16/09/2009, CJ XXXIV, IV, pág. 213.
[5]   Transcrevem-se igualmente os trechos destacados e em itálico no original.
[6] Mário Aroso de Almeida. Manual de Processo Administrativo, 2017, 3.ª edição, Almedina, pág. 457.
[7]  Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 2017, 16.ª edição, pág. 317.
[8]  Aprovado pela Lei n. ° 15/2002, de 22 de Fevereiro alterada pelas Leis n.os 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, 59/2008, de 11 de Setembro, 63/2011, de 14 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro (que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2015 e introduziu relevantes alterações).
[9]   Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, 2017, Almedina, pp. 912-913.       
[10]             Ob. cit., p. 914.
[11]   Manual de Processo Administrativo, 2010, Almedina, p. 477.
[12]   Ob. cit. p. 975.
[13] Neste sentido, entre outros, o acórdão (suspensão de eficácia) do STJ de 16-05-2018, proferido no processo n.º 26/18.4YFLSB, ainda inédito.
[14] Acessível in www.stj.pt/jurisprudencia/Contencioso/Sumários do Contencioso - Ano de 2012.
[15]             Acessível in www.stj.pt/jurisprudencia/Contencioso/Sumários do Contencioso - Anos de 1980 a 2011.
[16] Acessível in www.stj.pt/jurisprudencia/Contencioso/Sumários do Contencioso - Ano de 2017.
[17] Acessível in www.stj.pt/jurisprudencia/Contencioso/Sumários do Contencioso - Ano de 2017.
[18]             Acessível in www.stj.pt/jurisprudencia/Contencioso/Sumários do Contencioso - Anos de 1980 a 2011.
[19]             Disponível nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt.

[20]   Disponível nas Bases Jurídico-Documentais referidas na nota anterior.