Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
291/12.4TTLRA.C1.S2
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: ARGUIÇÃO DE NULIDADES DO ACÓRDÃO
ALTERAÇÃO DO HORÁRIO DE TRABALHO
SANÇÃO ABUSIVA
QUESTÕES NOVAS
Data do Acordão: 09/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DO TRABALHO / DURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO / HORÁRIO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DE TRABALHO / PODER DISCIPLINAR / SANÇÕES ABUSIVAS.
DIREITO PROCCESSUAL LABORAL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª ed., 111.
- António Monteiro Fernandes, “Código do Trabalho” Anotado, 10.ª edição, 559; Direito do Trabalho, 17.ª edição, 314.
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 637.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 77.º, N.ºS 1 E 3, 81.º, N.º1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 217.º, N.º4, 331.º, N.º1, AL. B), N.º2, AL. A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 12-03-2008;
-DE 12-01-2000 – PROC. N.º 129/99 - 4.ª SECÇÃO;
-DE 16-01-2008 - PROC. N.º 1937/07 - 4.ª SECÇÃO;
-DE 16-01-2008 - PROC. N.º 2912/07 - 4.ª SECÇÃO;
-DE 17-12-2009 – PROC. N.º 343/05.7TTCSC ( WWW.DGSI.PT );
-DE 13-01-2010 – PROC. N.º 768/07.3TTLSB-C.L1.S1 ( WWW.DGSI.PT );
-DE 03-02-2010 – PROC. N.º 538/07.9TTMTS.P1.S1 ( WWW.DGSI.PT );
-DE 24-02-2010 – PROC. N.º 1936/03.2TTLSB.S1 ( WWW.DGSI.PT ).
*
-DE 15-10-2014, PROC. N.º 1037/12.2TTLSB.L1.S1;
-DE 30-04-2014, PROC. N.º 363/05.1TTVSC.L1.S1;
-DE 22-03-2007, PROC. N.º 06S3536 ( WWW.DGSI.PT );
-DE 01-03-2007, PROC. N.º 3542/06 ( WWW.DGSI.PT );
-DE 17-09-2009, PROC. N.º 08S3844 ( WWW.DGSI.PT ).
*
-DE 05-04-1989, IN B.M.J. 386/446, DE 23/3/90, IN A.J., 7.º/90, 20, DE 12-12-1995, IN C.J., 1995, III/156, DE 18-06-1996, C.J., 1996, II/143, DE 31-01-1991, IN B.M.J. 403.º/382.
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-DE 06-06-2000, CJ STJ, II, 2000/101; DE 15-09-2010, PROC. N.º 322/05.4TAEVR.E1.S1; DE 06-06-2001, PROC. N.º 1874/02; DE 27-05-1998, BMJ, 447º-362, E DE 14-01-2015, PROC. N.º 2881/07.8TTLSB.L1.S1.
*
-DE 28-01-1998, IN ACÓRDÃOS DOUTRINAIS, 436.º, 558; DE 12-01-2000, PROC. N.º 129/99; DE 28-05-1997, IN B.M.J. 467, 412; DE 08-02-2001 E DE 24-06-2003, EM WWW.DGSI.PT .
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-DE 15-09-2010, PROC. N.º 322/05.4TAEVR.E1.S1, 3.ª SECÇÃO.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
-DE 7/3/85, IN BMJ, 347º/477.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 304/2005, PROCESSO N.º 413/2004, DE 8 DE JUNHO DE 2005 (PUBLICADO NO DR, II SÉRIE, Nº 150, DE 5.08.2005).
-N.º 403/2000 (DIÁRIO DA REPÚBLICA, 2.A SÉRIE, DE 13 DE DEZEMBRO DE 2000) E N.º 439/2003.
-Nº 266/93, DE 30 DE MARÇO DE 1993, PROC. N.º 63/92.
( TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT ).
Sumário :
1 – Sendo o requerimento de interposição do recurso de apelação omisso quanto às nulidades da sentença, constando apenas a sua invocação e fundamentação na atinente alegação de recurso, ainda que como questão prévia, a arguição não é atendível, por incumprimento do disposto no artigo 77.º, n.º 1, do CPT.

2 – Tendo a Ré entidade empregadora alterado unilateralmente o horário de trabalho do A. para deixar de trabalhar por turnos, determinação a que não obedeceu e por cuja desobediência foi disciplinarmente sancionado, tendo continuado a trabalhar por turnos, sem que a entidade empregadora tomasse outras medidas no sentido de fazer cumprir o novo horário, é devido o subsídio de turno. 

3 – Insere-se nos poderes de direção e organização do trabalho da entidade empregadora a faculdade de alterar unilateralmente e mesmo sem a anuência do trabalhador, o respetivo horário de trabalho, só o não podendo fazer se tiver sido expressamente acordado com o trabalhador, se tiver sido acordada a submissão da alteração a consentimento do trabalhador, se este tiver sido expressamente contratado para determinado tipo de horário ou se demonstre que foi só devido a certo horário que celebrou o contrato de trabalho, bem como nos casos em que o horário de trabalho seja fixado por regulamentação coletiva.

4 – Cabe ao trabalhador alegar e provar a verificação de qualquer uma das situações de exceção referidas no número anterior, impeditivas da alteração do horário de trabalho, pela entidade empregadora, sem o acordo do trabalhador.

5 - Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se estas forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente modificar as decisões do tribunal recorrido sobre pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu”.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1])

1 – RELATÓRIO

AA instaurou, no (extinto) Tribunal do Trabalho da Leiria, contra BB, LDA, a presente ação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, peticionando a condenação desta:

- a reconhecer que o Autor pratica um horário de trabalho por turnos, sendo-lhe devido subsídio de turno e, em consequência, condenada a pagar-lhe o valor de € 18.148,50, a título de subsídios de turno devidos desde maio de 2004 até 9 de março de 2012, bem como todas as quantias vincendas devidas a este título;

- a reconhecer que a sanção aplicada ao Autor foi abusiva e, em consequência, condenada a pagar-lhe a correspondente indemnização, no valor de € 11.100,00 ou, a não se entender assim, a repor no salário do Autor a quantia que foi ilicitamente descontada, no valor de € 1.100,00.

Como fundamento, alegou que a partir de maio de 2004, inclusive, a Ré, unilateralmente, deixou de lhe pagar o subsídio de turno, contrariamente ao estipulado pelo CCT aplicável. A Ré alterou-lhe o horário de trabalho e, porque se recusou a cumpri-lo, aplicou-lhe a sanção disciplinar de suspensão do trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, pelo período de 30 dias, sanção que deve ser considerada como abusiva.

A Ré contestou, excecionando a prescrição dos créditos laborais eventualmente existentes referentes ao contrato iniciado em 15 de setembro e findo em 20 de Dezembro de 2000, por ter decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho inicial. No mais, impugnou os factos, alegando que o Autor, a partir de Junho de 2004, passou a trabalhar num regime de horário flexível e que, para além do mais, passou a pagar-lhe um prémio que acrescia ao salário base, o que deve ser tido em conta para o caso de se entender que prestou trabalho sob o regime de turnos. O Autor desobedeceu, não cumprindo o horário que então lhe foi estipulado, pelo que lhe foi instaurado processo disciplinar com aplicação de sanção que não se pode considerar abusiva.

Instruída e julgada a causa foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto o Tribunal decide o seguinte:

a) condenar a ré a reconhecer que o autor pratica um horário de trabalho por turnos, sendo-lhe devido subsídio de turno;

b) e, em consequência, condenada a pagar ao autor, a esse título, o montante relativo à proporção de 15% sobre a remuneração base devida em cada ano desde Maio de 2004 até efetivo cumprimento, devido 14 vezes ao ano;

c) condenar a ré a reconhecer que a sanção aplicada ao autor foi abusiva e, em consequência, condenada a pagar-lhe a correspondente indemnização, no valor de € 11.100,00;

d) tudo acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Custas pela ré.

Valor da ação: € 30.000,01».

Inconformada, a R. interpôs recurso de apelação, nos 10 dias suplementares estabelecidos no art. 80º, nº 3 do CPT, no qual, para além do mais, requereu a alteração da decisão sobre a matéria de facto.

Tendo a Relação entendido que a apelante não cumprira os ónus do art. 640º do CPC e que, por isso, não poderia beneficiar do aludido prazo suplementar, proferiu a seguinte deliberação:

«Nos termos expostos, acorda-se em rejeitar o requerimento de interposição de recurso da apelação, por extemporâneo.

Custas pela apelante.»

Não se conformando, recorreu a R. de revista tendo neste Supremo Tribunal sido deliberado:

«Em face do exposto, acorda-se em conceder a revista e em revogar a decisão recorrida pelo que se determina a baixa do processo ao Tribunal da Relação para que conheça do recurso de apelação interposto pela Ré BB, LDA.

Custas da revista pelo Autor.»

Em cumprimento deste acórdão foi pela Relação proferida a seguinte decisão:

«Nos termos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e em conformidade:

- alterar a sentença, consignando-se que o subsídio de turno apenas é devido até 5 de Maio de 2011, devendo liquidar-se o respectivo montante em fase de posterior execução;

- revogar a mesma sentença na parte que condenou a Ré a reconhecer que a sanção aplicada ao autor foi abusiva e, em consequência, a condenou a pagar-lhe a correspondente indemnização, no valor de € 11.100,00.

Custas, em ambas as instâncias, na proporção de vencidos.»

Do assim decidido, recorre agora o A. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do “Acórdão recorrido e confirmando-se… a sentença proferida em 1ª instância, consignando-se que o subsídio de turno é devido também a partir de 06 de Maio de 2011, a liquidar o respectivo montante em fase de posterior execução e que a sanção aplicada ao Autor foi abusiva e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar-lhe a correspondente indemnização, no valor de € 11.100,00 e juros respectivos”, formulando as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

“A - O âmbito do recurso é limitado pelas "conclusões" do recurso interposto pela Ré.

B - Nas "conclusões" desse recurso, a Ré não suscitou, não incluiu qualquer "conclusão" que tenha a ver com o não pagamento do subsídio de turno a partir de 06 de Maio de 2011.

C - O Acórdão ora recorrido, ao analisar essa questão, conheceu de uma questão não suscitada naquelas "conclusões" e de que não podia tomar conhecimento.

D - Em consequência, nos termos do artº 615.º, nº 1, alínea d) do CPC, é NULO.

E - Não está provado que, a pretensão da Ré de o Autor passar a exercer as funções de programador, apesar de este a ter aceite desde que o horário de trabalho por turnos não fosse alterado, não implique uma alteração substancial da posição do trabalhador.

F - Tal "declaração de aceitação" ficou condicionada à não alteração do seu horário de trabalho por turnos pelo que, não se tendo verificado esta condição, tem de haver-se por revogada e de nenhum efeito, tal como a correspondente pretensão da Ré.

G - Perdurando, para além de 06 de Maio de 2011, a situação em que assenta o direito ao subsídio de turno (a efectiva prestação de trabalho por turnos), não pode a Ré deixar de pagar tal subsídio e isto independentemente da "ordem" de alteração do horário ser ou não legítima.

H) - O horário de trabalho por turnos, em vigor à data daquela "ordem" (para vigorar, o novo horário, a partir de 06 de Maio de 2011), foi individualmente acordado entre Autor e Ré através do "acordo entre partes", firmado em 01 de Maio de 2004 e junto aos autos a fls. 101.

I) Pelo que não podia ser unilateralmente alterado pela Ré (artº 217.º, nº 4 do CT).

J) A "ordem" dada pela Ré no sentido da alteração do horário de trabalho do Autor a partir de 06 de Maio de 2011, não é legítima.

L) A sanção disciplinar aplicada ao Autor é abusiva por ter sido motivada pelo facto de o Autor se ter recusado a cumprir a referida ordem ilegítima, a que não devia obediência, nos termos do artº 331.º, nº 1, alínea b) do CT.

M) Por tal facto e por a sanção disciplinar aplicada ao Autor em 29 de Julho de 2011, ter tido lugar até seis meses após o facto ocorrido em 24 de Maio de 2011, também por isso se presume abusiva.

N) Presunção legal esta que não foi ilidida.

O) A punição aplicada ao Autor é de natureza persecutória em virtude de, subjacente ao exercício do poder disciplinar, se encontrar uma medida de retaliação da Ré face ao exercício de direitos por parte do Autor.

P) O Autor não estava obrigado a cumprir a "ordem" que lhe tinha sido dada (passar do "horário do trabalho por turnos" para o horário normal, "ao dia"), pelo que o seu não acatamento é legítimo, verificando-se ainda o carácter abusivo da sanção disciplinar que lhe foi aplicada.

Q) Além do mais, em qualquer caso, tendo o Autor continuado a trabalhar por turnos, mesmo para além de 06 de Maio de 2011, o não pagamento do correspondente subsídio de turno consubstancia um locupletamento/enriquecimento injusto da Ré à custa do trabalho por turnos (mais penoso e produtivo) do Autor.

R) Bem como, se direito tivesse, um "abuso de direito" por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, ao consentir que o Autor continuasse a trabalhar por turnos e não lhe pagar o respectivo subsídio de turno, quando tinha "mil e uma" maneiras de pôr termo a essa prestação de trabalho por turnos, "maxime" instaurando novo processo disciplinar ao Autor e despedindo-o com invocação de justa causa por desobedecer a uma ordem que entendia ser legítima...

S) É "abuso de direito" aproveitar-se e beneficiar do "trabalho por turnos" do Autor e não lhe pagar o correspondente subsídio de turno, mesmo que legítima fosse (e já vimos que não é...) a "ordem" para passar a trabalhar no horário normal, "ao dia"...

T) Salvo o devido respeito, sufragamos terem sido violadas as seguintes normas jurídicas: do Código do Trabalho – artºs 126.º, 127º, nº 1, alíneas a) e b), 129.º, nº 1, al. a), 217.º, nº 4, 220.º, 258.º, nº 1, 260.º e 331.º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a); do Código Civil - artºs 342.º, nº1, 334.º 344.º nº1, 350.º, nº 2, 473.º e 478.º; do Código de Processo Civil –art.º 615.º nº 1, al. d).

U) As normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de considerar não ser legítima a "ordem" dada pela Ré ao Autor no sentido de, a partir de 06 de Maio de 2011, deixar de trabalhar por turnos e passar a trabalhar no horário normal por, tal "ordem", constituir uma flagrante violação do "acordo entre partes", firmado em 01 de Maio de 2004, conforme documento não impugnado (vide fls. 101 dos autos) - configurando, assim, uma alteração unilateral do horário de trabalho individualmente acordado, em clara violação do nº 4 do artº 217.º do CT (sendo, aliás, esta a questão central a dirimir no presente recurso de revista).

V) E, bem assim, no sentido de considerar abusiva a sanção disciplinar aplicada ao Autor, motivada pelo facto de o Autor se ter recusado a cumprir aquela "ordem" a que, por ilegítima, não devia obediência - sanção essa que até se presume abusiva por ter sido aplicada alegadamente para punir infracção e que teve lugar "até seis meses" após o facto ("o facto" ocorreu em 24.05.2011, na sequência da ordem transmitida em 28.04.2011 e para ter efeitos a partir de 06.05.2011 e "a punição" em 29.07.2011).

X) As normas jurídicas que o recorrente considera terem sido violadas, deverão ser interpretadas e aplicadas neste mesmo sentido.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Relação, em despacho do relator, considerou que a «…nulidade invocada do acórdão não foi arguida expressa e separadamente no requerimento de recurso – artº 77º, nº 1 do CPT…» e, por isso, «…sobre ela não [se] pronunci[ou].»

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-‑Adjunto emitiu parecer no sentido do não conhecimento da arguição da nulidade por inobservância do estatuído no art. 77º, nº 1 do CPT e da negação da revista e consequente confirmação do acórdão recorrido.

Apenas o A. recorrente se pronunciou e no sentido de que se mostra cumprido o formalismo do art. 77º, nº 1 do CPT, devendo este tribunal conhecer da arguida nulidade.

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Os presentes autos respeitam a ação de processo comum e foram instaurados em 21 de março de 2012.

Embora no processo se reporte a atos de execução do contrato de trabalho referentes ao período de abril de 2004, na revista apenas estão em causa os subsídios de turno posteriores a maio de 2011 e a sanção disciplinar aplicada em julho de 2011.

O acórdão recorrido foi proferido em 28 de janeiro de 2016.

Nessa medida, é aplicável:

         O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

         O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-‑Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou, e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto;

         Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se o acórdão é nulo por excesso de pronúncia;

2 – Se é devido o subsídio de turno a partir de 6 de Maio de 2011;

3 – Se a sanção disciplinar aplicada ao A. é abusiva.

4 - FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

A matéria de facto julgada provada pelas instâncias é a seguinte:

«A) O autor foi admitido ao serviço da empresa ré em 15 de Setembro de 1993, para trabalhar sob as suas ordens, direção e fiscalização.

  B) A ré é uma empresa que se dedica à conceção de moldes metálicos para fabricação de peças em aço.

  C) A categoria profissional do autor é fresador de 1ª.

  D) O autor aufere de vencimento-base o montante de € 1.100,00.

  E) O autor vem praticando o seguinte horário, de 2ª a 6ª feira com alternância semanal com outros trabalhadores da equipa de CNC: a) entrada às 7 horas e saída às 15 horas; b) entrada às 15 horas e saída às 23 horas.

  F) Até Abril de 2004, inclusive, a ré pagou ao autor o respetivo subsídio de turno.

  G) A partir de Maio de 2004, inclusive, a ré deixou de pagar ao autor o subsídio de turno.

  H) Acresce que, em Junho de 2011, foi instaurado ao autor um processo disciplinar, o qual se iniciou com inquérito prévio no âmbito do qual foi o autor inquirido em 16 de Junho de 2011.

  I) No dia 26 de Abril de 2011 havia sido proposto ao autor pelo seu superior hierárquico – CC –, por ordens da gerência, que passasse a exercer as funções de programador e que, no caso de aceitar, teria de passar a cumprir o horário das 8h15m às 12h45m e das 13h45m às 17h15m.

  J) Tal proposta foi-lhe apresentada em reunião onde também estiveram presentes o DD e o EE.

  K) As funções de programador consistem em fazer programas no computador para a máquina onde os trabalhadores estão a operar, numa sala autónoma.

  L) O autor respondeu que ia pensar.

  M) Passados dois dias, o autor respondeu ao seu superior hierárquico, referindo que aceitaria ser programador, desde que o seu horário de trabalho não fosse alterado e se mantivesse o que até então praticava.

  N) Nesse dia foi-lhe apresentado um papel para assinar no qual declarava que não tinha aceite a alteração de horário de trabalho, o que não assinou.

  O) Passado algum tempo, o diretor financeiro da ré, Dr FF, entregou um outro papel ao autor para assinar, nomeadamente uma carta datada de 28 de Abril de 2011, na qual a ré o informava que a partir de 6 de Maio de 2011 deveria passar a exercer o horário das 08h15m às 17h15m, com intervalo para almoço das 12h45m às 13h45m.

  P) A entidade patronal deu ordens expressas ao autor para a partir daquela data exercer este horário e pretendeu que o autor assinasse a carta que lhe foi apresentada, o que este recusou porque não concordava integralmente com o seu conteúdo.

  Q) No dia seguinte entrou de férias que terminavam no dia 4 de Maio.

  R) Durante as férias ficou de baixa por problemas de coluna, o que durou até ao dia 23 de Maio, apresentando-se ao serviço no dia 24 de Maio, no horário de trabalho que sempre havia praticado: das 15.00 horas às 23.00 horas nessa semana, horário esse que cumpriu.

  S) No dia 25 de Maio foi-lhe entregue um documento que determinava a sua suspensão preventiva.

  T) Por escrito, carta datada de 9 de Maio de 2011, através da sua advogada, o autor havia dado conhecimento à sua entidade patronal que iria fazer denúncia à ACT, o que fez.

  U) Em 12 de Julho de 2011, foi-lhe enviada a nota de culpa.

  V) Foi proferida, em sequência, decisão que aplicou ao autor a sanção disciplinar de suspensão do trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, pelo período de 30 dias.

  W) Quando confrontado com a possibilidade de passar a exercer as funções de programador o autor referiu logo que, embora concordasse com a alteração de categoria profissional e, consequentemente, com uma alteração de funções, não concordava com a alteração do seu horário de trabalho.

  X) O autor é sócio do Sindicato das Indústrias Transformadoras, Energia e Atividades do Ambiente (SITE) sob o nº 0002.

  Y) Entre a data de setembro de 1993 até 19 de dezembro de 1999, o autor cumpriu sempre o horário das 08.15h às 17.15h.

  Z) Desde finais de 1999 até 22 de fevereiro de 2011 o autor cumpriu os seguintes horários com alternância semanal e rotativa com os outros trabalhadores da equipa de CNC: das 6.00h às 14.00h ou das 14.00h às 22.00h.

  AA) Auferindo subsídio de turno.

  BB) Em Maio de 2004, durante cerca de 15 dias, por alegada falta de trabalho, o autor e os seus colegas começaram a praticar o horário das 8.15h às 17.15h

  CC) Em Junho de 2004 a ré passou a pagar ao autor um prémio que acrescia ao salário base e que correspondia ao pagamento de horas extra, inicialmente variável e que depois passou a ser fixo para garantir a disponibilidade dos trabalhadores aos fins-de-‑semana.

DD) - Enquanto operador de máquinas CNC o Autor também programa, sendo o trabalhador mais experiente na programação (aditado pela Relação)».

4.2 – O DIREITO

Debrucemo-nos então sobre as referidas questões que constituem o objeto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([3]).

4.2.1 – Nulidade do acórdão

Estabelece o art. 77º, nº 1 do CPT:

1 – A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.

Dispõe o art. 637º, nº 1, do CPC:

“1. Os recursos interpõem-se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida, no qual se indica a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto.”

E o art. 81º, nº 1 do CPT determina:

“O requerimento de interposição de recurso deve conter a alegação do recorrente, além da identificação da decisão recorrida, especificando, se for caso disso, a parte dela a que o recurso se restringe.”

Não oferece dúvidas de que o requerimento de interposição de recurso e as alegações constituem peças processuais diferentes, mesmo que constem do mesmo suporte físico.

Se dúvidas houvesse, bastaria lembrar o regime vigente em processo civil até às alterações introduzidas pelo DL 303/2007 de 24.08 em que o requerimento de interposição de recurso e as alegações eram apresentados em momentos processuais bem diferenciados.

Como claramente se estabelece no transcrito art. 77º, nº 1 do CPT, é no requerimento de interposição de recurso e não no corpo das alegações que a arguição das nulidades deve ser feita.

A ratio desta imposição legal prende-se com o facto do juiz que proferiu a decisão em causa poder “sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso” (art. 77º, nº 3 do CPT). É por isso que deve constar no requerimento de interposição do recurso, o qual é dirigido ao juiz que proferiu a decisão (os recursos interpõem-se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida… art. 637º, nº 1, do CPC), enquanto que as alegações são dirigidas ao tribunal superior.

Sendo o requerimento omisso quanto a essa arguição, a sua exclusiva inclusão nas alegações não é atendível ([4]).

Tem sido entendimento uniforme desta 4ª secção que a aludida omissão impede o tribunal superior de conhecer das nulidades invocadas.

Vejam-se, entre muitos outros, os seguintes acórdãos, desta secção:

De 12-03-2008

“I -Por força do estatuído no art. 77.º do Código de Processo de Trabalho, aprovado pelo DL n.º 480/99, de 9 de Novembro, a arguição de nulidades da sentença deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, sob pena de delas se não conhecer.

II - Tal normativo legal pressupõe que o anúncio da arguição e a corresponde motivação das nulidades devem constar do requerimento de interposição do recurso – que é dirigido ao órgão judicial “a quo”, permitindo ao juiz recorrido aperceber-se, de forma mais rápida e clara, da censura produzida, permitindo-lhe o eventual suprimento das nulidades invocadas.”

De 12-01-2000 - Revista n.º 129/99 - 4.ª Secção

“II - Tendo a recorrente invocado nulidades do acórdão da Relação apenas nas alegações de recurso, há que considerar a respectiva arguição extemporânea e, como tal, dela se não poderá tomar conhecimento.”

De 16-01-2008 - Recurso n.º 1937/07 - 4.ª Secção

“I - O n.º 1 do art. 77.º do CPT, ex vi do art. 716.º do CPC, impõe que a arguição das nulidades dos acórdãos da Relação seja feita, de forma expressa e separada, no requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao tribunal recorrido.

II - Tal exigência legal tem por fim habilitar o tribunal recorrido a pronunciar-se sobre as nulidades invocadas no dito requerimento e proceder, eventualmente, ao seu suprimento.”

De 16-01-2008 - Recurso n.º 2912/07 - 4.ª Secção

“I - O art. 77.º, n.º 1, do CPT, impõe que a arguição de nulidades dos acórdãos dos Tribunais da Relação (ex vi do art. 716.º do CPC) seja feita de forma expressa e separada no requerimento da interposição do recurso que é dirigido ao tribunal recorrido.

II - Tal exigência legal tem por fim habilitar o tribunal recorrido a pronunciar-se sobre as nulidades invocadas no requerimento que lhe é dirigido e proceder eventualmente ao seu suprimento.”

De 17-12-2009 – Proc. 343/05.7TTCSC (www.dgsi.pt)

“I - Tal como decorre do art. 77.º, n.º 1, do CPT, a arguição de nulidade da sentença, em contencioso laboral, deve ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso – assim se permitindo que o tribunal recorrido se pronuncie e, eventualmente, supra os vícios convocados – sendo entendimento jurisprudencial pacífico que a sobredita norma é aplicável à arguição de nulidade apontadas ao Acórdão da Relação (arts. 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT, e 716.º, n.º 1, do CPC) e sendo, também, entendimento pacífico deste Supremo Tribunal que a arguição de nulidades, circunscrita ao texto alegatório, é inatendível por intempestividade.”

De 13-01-2010 – Proc. 768/07.3TTLSB-C.L1.S1 (www.dgsi.pt)

“II - O comando inserto no n.º 1 do art. 74.º do Código de Processo do Trabalho exige que no requerimento de interposição do recurso em processo laboral seja, expressa e separadamente, efectuada a arguição de nulidades da decisão que se visa impugnar, sob pena de, assim se não procedendo, de uma tal problemática não poder conhecer o Tribunal superior.

III - E é compreensível a razão de ser do citado preceito: somente dessa forma, num processo que se deseja célere, poderá o Juiz do Tribunal a quo aperceber-se que a questão atinente à nulidade foi colocada (ou também colocada) no recurso dirigido ao Tribunal.”

De 3-02-2010 – Proc. 538/07.9TTMTS.P1.S1 (www.dgsi.pt)

“De acordo com o disposto no art. 77.º do CPT, a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso (n.º 1), sendo que, quando da sentença não caiba recurso ou não se pretenda recorrer, a arguição de nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu (n.º 2), pertencendo ao tribunal superior ou ao juiz, conforme o caso, a competência para decidir sobre a arguição, mas podendo sempre o juiz suprir a nulidade antes da subida do recurso (n. 3).”

De 24-02-2010 – Proc. 1936/03.2TTLSB.S1 (www.dgsi.pt)

“De acordo com o preceituado no art. 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, justificando-se a exigência contida na referida norma por razões de celeridade e economia processual, visando possibilitar ao tribunal recorrido a rápida e clara detecção das nulidades arguidas e respectivo suprimento.”

O Tribunal Constitucional pronunciando-se sobre as especialidades recursivas inerentes ao processo laboral, referiu: “é evidente que essa especialidade [do regime do direito processual laboral, face ao civil] não coarcta ou elimina, ou sequer dificulta de modo particularmente oneroso, o direito ao recurso que o CPT reconhece, não violando o art. 20º, nº 2, da Constituição, pois que, se o recorrente cumprir a obrigação que a lei lhe impõe de fazer a sua alegação de recurso no requerimento de interposição, o processo seguirá os seus termos" ([5]).

É do seguinte teor o requerimento de interposição do recurso:

AA, recorrido nos autos, não se conformando com o Acórdão ora proferido vem, com o benefício do apoio judiciário, nos termos e ao abrigo dos artºs 80.º, nº 1, 81.º, nºs 1 e 5, 82.º, nº 1 e 87.º, todos do CPT e 671.º e segs. do CPC, estes “ex vi” do nº 5 daquele artº 81.º e do nº 1 daquele artº 87.º, interpor o presente

RECURSO DE REVISTA

Exmºs Senhores Juízes Conselheiros

I – QUESTÃO PRÉVIA

Da nulidade do Acórdão

(…)”.

Como claramente se vê, o requerimento de interposição do recurso, dirigido ao tribunal que proferiu o acórdão recorrido, é omisso quanto à pretensa nulidade, cuja invocação apenas surge no corpo das alegações, embora como questão prévia, mas dirigida a este Supremo Tribunal e não àquele que proferiu o acórdão.

Sendo tal requerimento omisso quanto à questão da arguida nulidade, mostra-se incumprido o estabelecido do art. 77º, nº 1 do CPT, circunstância que, no seguimento da jurisprudência consolidada desta secção, impede o seu conhecimento por este tribunal de recurso.

Na resposta ao parecer do Ministério Público, refere o recorrente que a interpretação do preceito em causa, nos termos consignados, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade.

Não indica, porém, quais as normas constitucionais violadas nem em que consiste tal violação, limitando-se a remeter para o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 304/2005, Processo nº 413/2004, de 8 de junho de 2005 (publicado no DR, II Série, nº 150, de 5.08.2005), referido pelo Ministério Público no seu parecer, no qual se julgou “inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.ºs 2 e 3), com referência aos n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior”.

Mas é patente a diferença entre o caso ali visado e o destes autos.

Naquele, o recorrente no requerimento de interposição de recurso, consignou expressamente que vinha interpor recurso da sentença e que, para tanto, apresentava ‘arguição de nulidades da sentença e alegações’. No caso sub judice o requerimento de interposição de recurso é omisso quanto à questão da nulidade.

Importa ainda que se diga que o Tribunal Constitucional no acórdão em causa, reafirmou o que dissera nos Acórdãos nº 403/2000 (Diário da República, 2.a série, de 13 de Dezembro de 2000) ([6]) e  n.º 439/2003 (www.tribunalconstitucional.pt) ([7])([8]).

Face à diferença de situações, a declaração de inconstitucionalidade ditada no transcrito Acórdão nº 304/2005 não é transponível para o caso dos autos.

Concluímos assim que a interpretação que adotámos não é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade.

Pelo exposto, não se conhece da invocada nulidade.

4.2.2 – Se é devido o subsídio de turno a partir de 6 de Maio de 2011

O acórdão revidendo, sufragando o entendimento vertido na sentença da 1ª instância, considerou que o A., ao cumprir o horário das 6.00h às 14.00h ou das 14.00h às 22.00h com alternância semanal e rotativa com os outros trabalhadores da equipa de CNC, trabalhava por turnos rotativos sendo-lhe devido o respetivo subsídio tendo mantido a condenação da Ré, ditada na 1ª instância, no respetivo pagamento, mas apenas até 5 de maio de 2011, já que nesta data a Ré alterou o horário de trabalho do A., pese embora com oposição deste.

Estamos assim perante uma situação de dupla conforme quanto à questão de ser devido o pagamento do subsídio de turno cumprindo o A. o referido horário.

Pretende agora o A. que se repristine, nesta parte, a sentença da 1ª instância e se condene a Ré a pagar o referido subsídio no período posterior a 5 de maio de 2011, porquanto, apesar da referida alteração do horário, continuou a praticar o mesmo horário que até aí vinha praticando.

Está efetivamente provado que “o autor vem praticando o seguinte horário, de 2ª a 6ª feira com alternância semanal com outros trabalhadores da equipa de CNC: a) entrada às 7 horas e saída às 15 horas; b) entrada às 15 horas e saída às 23 horas”.

É certo que a Ré alterou o horário de trabalho nos termos do qual o A. deixaria de trabalhar por turnos.

Porém, o A. não aceitou tal alteração e foi por essa desobediência sancionado, tendo continuado a praticar o horário anterior, ou seja, continuou a trabalhar por turnos.

Uma vez que a Ré, enquanto entidade empregadora, tinha à sua disposição os meios necessários para impor e fazer cumprir o novo horário, mas apenas se limitou a sancionar a desobediência, conclui-se que acabou por consentir, ainda que tacitamente, que o A. continuasse a trabalhar por turnos. Em face desta situação de facto, dúvidas não subsistem de que o A. tem direito ao pagamento do subsídio de turno respetivo no período posterior a 5 de maio de 2011, tal como foi decidido na 1ª instância.

4.2.3 – Se a sanção disciplinar aplicada ao A. é abusiva.

Foi entendido pela Relação ser lícita a alteração unilateral do horário de trabalho.

É referido no acórdão revidendo: «Como corolário do seu poder de direcção, ínsito à celebração do contrato de trabalho, cabe à entidade empregadora, dentro dos limites legais e da regulamentação colectiva em vigor, estabelecer o horário de trabalho, como um dos instrumentos ao seu alcance com vista a uma correcta organização técnico-produtiva. Objectivo este que só numa análise muito simplista pode ser encarado como sendo do interesse exclusivo da entidade empregadora: é que um correcta gestão terá como uma das facetas decisivas a manutenção do emprego dos seus trabalhadores e a optimização das suas condições de trabalho.

O próprio estabelecimento de um horário de trabalho acarreta inegáveis vantagens do ponto de vista do trabalhador: para além de tal determinação ser uma exigência da protecção da vida e da integridade física e psíquica do trabalhador, definindo os espaços de repouso e lazer necessários à salvaguarda da sua integração familiar e social, permite-lhe, conhecendo-o antecipadamente, orientar a sua própria vida pessoal e familiar de harmonia com o mesmo.

A lei confere ao empregador o poder de estabelecer o horário de trabalho, dentro dos limites legais - artº 212º, nº 1, do CT), e com observância na sua elaboração de determinados deveres, expressos na lei - nº 2 do mesmo artigo.

Como se disse, a atribuição deste direito ao empregador inscreve-se no quadro dos poderes de direcção e organização do trabalho que a lei lhe reconhece - artº 97º do CT).

O artigo 217º do CT regula as situações em que um trabalhador tem um determinado horário de trabalho, que configura no tempo a sua prestação de trabalho e em função do qual este organiza a sua vida, pretendendo o empregador alterar essa situação por necessidades organizativas da empresa.

Como decorre do nº 1, o empregador pode alterar unilateralmente o horário de trabalho, salvo se este tiver resultado de acordo expresso em sede do contrato individual de trabalho (nº 4).

Conforme resulta do disposto nesse artº 217º, nº 4, do CT, não ”pode ser unilateralmente alterado o horário individualmente acordado”. Ao tempo normal de trabalho e ao horário de trabalho estão normalmente associadas as características da previsibilidade e da estabilidade que visam garantir ao trabalhador a sua auto-‑disponibilidade, permitindo-lhe ajustar a sua vida pessoal e familiar com a respectiva profissão, constituindo, por isso, um limite importante à situação de dependência em que se encontra perante a entidade empregadora.

Como afirma Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 18ª edição, pág. 289, “Por um lado, a faculdade de definir o horário de trabalho releva do poder de organização do trabalho que, em geral, pertence à entidade empregadora, e que é um instrumento fundamental de gestão da empresa. Mas, por outro lado, o horário de trabalho é uma referência fundamental da organização de vida do trabalhador; alterá-lo sem acordo pode afectar seriamente interesses e conveniências pessoais respeitáveis.”

Está vedado ao empregador alterar unilateralmente o horário ainda que com comunicação escrita ao trabalhador se aquele horário constar expressamente do contrato de trabalho, ou seja, se o trabalhador foi contratado expressamente para determinado horário de trabalho: Em consonância escreveu-se no Ac. do STJ de 05/02/2009 (www.dgsi.pt) que “A entidade empregadora não pode alterar unilateralmente o horário de trabalho que, em sede de contrato de trabalho, foi expressamente acordado com o trabalhador”.»

Concordamos com estas considerações.

“Sempre que a fixação de horário tenha sido contratualizada entre empregador e trabalhador, a sua alteração carece do acordo de ambos.

 O mesmo sucede quando empregador e trabalhador acordem em submeter a alteração do horário de trabalho a consentimento do trabalhador, quando este tenha sido expressamente contratado para determinado tipo de horário ou se demonstre que foi só devido a certo horário que celebrou o contrato de trabalho, bem como nos casos em que o horário de trabalho seja fixado por regulamentação coletiva, caso em que a sua modificação segue os termos próprios da revisão daquela.

A indicação do horário no contrato de trabalho, designadamente no texto do acordo reduzido a escrito, não significa necessariamente que tenha sido negociado pelas partes no momento da celebração do contrato, o que obrigaria a novo acordo para a sua alteração. A inscrição do horário no contrato pode cumprir objetivo de informação do trabalhador, caso em que o empregador mantém intacto o poder de o modificar unilateralmente, apesar de ele constar do contrato e mesmo sem necessidade de atualizar o texto contratual.

 Também da circunstância do trabalhador desempenhar funções no mesmo horário, durante longo período de tempo, não se pode inferir a existência de acordo quanto à fixação do horário, nem de direito do trabalhador a manter o horário que pratica” ([9]).

Como refere António Monteiro Fernandes ([10]), «alterar o horário de trabalho é, afinal, fixar um novo horário. Nesta situação, o trabalhador pode ser forçado a ajustamentos na sua organização de vida – como o terá sido relativamente ao horário inicial… A alterabilidade dos horários de trabalho, por decisão unilateral da entidade empregadora… só está afastada nos casos em que o horário de trabalho conste (expressamente) do contrato individual, ou tenha sido posteriormente acordado entre as partes (art. 217º/4), e ainda naqueles em que haja regra da convenção colectiva aplicável, no sentido de que a alteração de horário só pode operar-se por acordo».

E assim vem sendo decidido por este Supremo Tribunal, como se vê pelos seguintes arestos, entre outros:

Acórdão de 15.10.2014, proc. 1037/12.2TTLSB.L1.S1 (Gonçalves Rocha):

“II - É ao empregador que cabe estabelecer o horário de trabalho, inscrevendo-se a atribuição deste direito no quadro dos poderes de direcção e organização do trabalho que a lei lhe reconhece no artigo 97.º, do Código do Trabalho.             

III - A lei reconhece ao empregador o poder de alterar, unilateralmente, o horário de trabalho dum seu trabalhador por necessidades organizativas da empresa, conforme decorre do n.º 1 do artigo 217.º do Código do Trabalho, apenas não o podendo fazer se este tiver resultado de acordo expresso em sede do contrato individual de trabalho (n.º 4)”.

Acórdão de 30.04.2014, proc. 363/05.1TTVSC.L1.S1 (Fernandes da Silva):

I - O empregador pode, por regra, alterar, unilateralmente, os horários de trabalho dos seus subordinados, dentro dos parâmetros legalmente estabelecidos; só assim não será nos casos em que o horário de trabalho foi individualmente acordado, em que o horário foi posteriormente estabelecido entre as partes e expressamente para o trabalhador ou quando resulte de IRCT aplicável que o horário apenas pode ser alterado por acordo.”

Acórdão de 22.03.2007, proc. 06S3536 (Maria Laura Leonardo):

“I - Compete à entidade patronal, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem, estabelecer o horário de trabalho.

II - A entidade patronal tem a faculdade de alterar o período normal de trabalho de um trabalhador de 36 horas para 40 horas semanais se foi este o período inicialmente contratado, ainda que posteriormente o trabalhador tenha passado a trabalhar em regime especial de 4 turnos, com duração semanal da sua prestação de trabalho limitada a 36 horas, situação que mais tarde veio a cessar, por se ter alterado a situação específica que esteve na base da redução do período normal de trabalho de 40 para 36 horas.”

Acórdão de 1.03.2007, proc. 3542/06 (Mário Pereira):

“III - O empregador pode, em princípio, alterar o horário do trabalhador, só não o podendo fazer sem o acordo do trabalhador quando este tenha sido contratado expressamente para um determinado horário ou quando este tenha sido posteriormente acordado pelas partes ou, ainda, quando o instrumento de regulamentação colectiva o proíba.”

Acórdão de 17.09.2009, proc. 08S3844 (Sousa Peixoto):

“6. Na falta disposição legal ou convencional em contrário, o direito que ao empregador assiste de fixar o horário de trabalho dos seus trabalhadores não se restringe à sua fixação inicial, mas abrange as posteriores alterações do mesmo, salvo se o trabalhador tiver sido contratado especificamente para trabalhar mediante determinado horário.

Como se consignou no acórdão de 22.03.2007, proc. 06S3536, acima referenciado, “segundo as regras de repartição do ónus da prova, cabe ao trabalhador, cuja pretensão decorre do facto de o empregador ter alterado indevidamente o horário de trabalho inicialmente fixado, alegar e demonstrar que foi contratado para exercer funções num específico horário de trabalho (artº 342º-1 do CC)”.

Ora, não vem provado que o horário que o A. vinha praticando, com entrada às 7 horas e saída às 15 horas e com entrada às 15 horas e saída às 23 horas, de 2ª a 6ª feira, com alternância semanal com outros trabalhadores da equipa de CNC, foi expressamente acordado com o A. ([11]).

Tendo o horário inicial sido das 08.15h às 17.15h ([12]), o qual foi  alterado em finais de 1999 e em maio de 2004, o A. não foi expressamente contratado para o horário com entrada às 7 horas e saída às 15 horas e com entrada às 15 horas e saída às 23 horas, de 2ª a 6ª feira, com alternância semanal com outros trabalhadores da equipa de CNC, cuja alteração não aceitou, nem foi só devido a [este] horário que celebrou o contrato de trabalho, certo como é que também não foi fixado por regulamentação coletiva.

Pelo referido, a alteração do horário decidida pela Ré em 5 de maio de 2011 foi lícita. E não tendo o A. cumprido tal determinação, desobedeceu a uma ordem legítima da entidade empregadora, incorrendo em infração disciplinar pela qual foi sancionado, e cuja adequação não vem questionada.

Não se mostra, por conseguinte, preenchido o invocado requisito do art. 331.°, nº 1, alínea b) do CT .

Alega também o A. que a sanção se presume abusiva por se enquadrar na previsão do art. 331.º, nº 2, alínea a) do CT.

Todavia, apenas nesta revista o A. suscita tal questão.

Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se estas forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” ([13]). Dito de outra forma, não pode o tribunal de recurso “conhecer de questões que não tenham sido objeto da decisão recorrida ou que as partes não suscitaram perante o tribunal recorrido” (arts. 627º, n.º 1 e 635º, n.º 2 e 4 do CPC) (cfr. neste sentido os acs. STJ de 6.06.2000, CJ STJ, II, 2000/101; de 15.09.2010, proc. 322/05.4TAEVR.E1.S1; de 6.06.2001, proc. n.º 1874/02 ([14]); de 27.05.1998, BMJ, 447º-362 e ainda o desta secção de 14.01.2015, proc. 2881/07.8TTLSB.L1.S1, entre muitos outros).

A questão da invocada presunção não foi colocada perante a Relação, nem esse tribunal se pronunciou sobre a mesma, sendo ainda certo que nem mesmo fora colocada perante a 1ª instância.

Por conseguinte, não pode este tribunal pronunciar-se sobre esta questão.

Do referido se conclui que a sanção aplicada ao A. não foi abusiva, assim se avalizando a decisão da Relação.

Termos em que, a revista é concedida parcialmente.

5 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Conceder parcialmente a revista;

2 – Repristinar a sentença da 1ª instância no que tange à condenação da Ré no pagamento do subsídio de turno e juros de mora respetivos, a liquidar posteriormente;

3 – Confirmar, no mais, o acórdão recorrido.

4 – Condenar o A. e a Ré nas custas das instâncias e da revista na proporção do vencido e que se fixa em 1/5 para o A. e 4/5 para a Ré.

(Anexa-se o sumário do acórdão).

Lisboa, 29.09.2016

Ribeiro Cardoso (Relator)

João Fernando Ferreira Pinto

Pinto Hespanhol



_______________________________________________________
[1] No texto é adotado o acordo ortográfico, exceto nas transcrições (texto em itálico) em que é mantida a versão original.
[2] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[3] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2 e 608º, n. 2, do CPC.
[4] Cfr. acórdãos do STJ de 28/1/98, in Acórdãos Doutrinais, 436, 558; de 12/01/2000, Revista n.º 129/99;de 28/5/97, in BMJ 467, 412; de 8/02/2001 e 24/06/2003, in www.dgsi.pt.
[5] Acórdão do TC nº 266/93, de 30 de Março de 1993, proc. 63/92, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19930266.html
[6]Pelo Acórdão n.º 403/2000 (Diário da República, 2.a série, de 13 de Dezembro de 2000) foi decidido não julgar inconstitucional, face ao disposto nos artigos 2.º, 20.º, 205.º e 207.º da Constituição e ao princípio da proporcionalidade, a norma constante do n.º 1 do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho de 1981, na interpretação segundo a qual, devendo o requerimento de interposição do recurso de apelação ser logo acompanhado das alegações numa única peça processual, as nulidades da sentença recorrida não podem ser conhecidas pelo tribunal superior, caso tenham sido apenas arguidas na parte das alegações, e não na parte do requerimento de interposição de recurso”.
[7]Pelo Acórdão n.º 439/2003 (www.tribunalconstitucional.pt) foi decidido não julgar inconstitucional, face aos mesmos preceitos, a norma constante do n.º 1 do artigo 77.º do actual Código de Processo do Trabalho, na interpretação segundo a qual, devendo o requerimento de interposição do recurso de agravo ser logo acompanhado das respectivas alegações, numa única peça processual, as nulidades da sentença recorrida não podem ser conhecidas pelo tribunal superior, caso tenham sido apenas arguidas, expressa e separadamente, na parte das alegações e não na parte do requerimento de interposição do recurso”.
[8] “Reafirma-se, no essencial, esta doutrina.”
[9] CÓDIGO DO TRABALHO ANOTADO, 10ª edição, pág. 559, Pedro Romano Martinez e outros, anotação de Luís Miguel Monteiro.
[10] DIREITO DO TRABALHO, 17ª edição, pág. 314.
[11] A valoração do documento particular constante de fls. 101, como pretende o recorrente, não pode ser objeto da revista por a tanto obstar o disposto no art. 674º, nº 3 do CPC.
[12] “Y) Entre a data de setembro de 1993 até 19 de dezembro de 1999, o autor cumpriu sempre o horário das 08.15h às 17.15h.”
[13] Ac. do STJ de 15.09.2010, proc. 322/05.4TAEVR.E1.S1, 3ª secção.
[14] Não pode o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de questões não colocadas perante a Relação, mesmo que resolvidas na decisão da primeira instância.