Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1420/19.2T8BRR-C.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
INSOLVÊNCIA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
REGIME APLICÁVEL
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
REJEIÇÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 05/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NÃO SE CONHECE DO OBJECTO DO RECURSO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I – Versando a revista sobre a impugnação de uma decisão proferida nos autos de liquidação de activo, que corre por apenso ao processo de insolvência, concretamente a invocação pelo cônjuge da insolvente, da falta da sua citação e, num segundo momento, da sua nulidade, nos termos do artigo 786º e 787º do Código de Processo Civil, o presente recurso obedece aos requisitos de recorribilidade no âmbito próprio do recurso de revista, genericamente estabelecidos nos artigos 671º a 677º do Código de Processo Civil.
II - Tratando-se da impugnação de uma decisão interlocutória, a situação sub judice não se integra, todavia, na previsão das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 671º do Código de Processo Civil, não se verificando ainda qualquer das situações enunciadas no artigo 629º, nº 2, do Código de Processo Civil, não havendo sequer sido referenciado, em circunstância alguma, um caso de oposição de julgados, limitando-se o recorrente a insistir na tese da invalidade da sua citação, tal como foi efectuada nos autos, acrescentado que será, na sua perspectiva, permitido ao cônjuge do insolvente invocar a eventual ilegalidade de actos de apreensão de bens, pelo que a presente revista, incidente sobre uma decisão interlocutória, não é admissível.
III – A ulterior invocação do artigo 671º, nº 4, do Código de Processo Civil, não é manifestamente aplicável na situação sub judice, por não se tratar da impugnação de qualquer acórdão proferido na pendência dos autos no Tribunal da Relação (artigo 673º do Código de Processo Civil), mas - e apenas - de uma questão de natureza processual ou adjectiva, devidamente apreciada e decidida em 1ª instância, que foi inteiramente confirmada no acórdão do Tribunal da Relação, que constitui agora o acórdão recorrido.
Decisão Texto Integral:


 
Revista nº 1420/19.2T8BRR.C.L1.S1.


Acórdão, em conferência, dos Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão).

Apresentada a presente revista ao relator, foi então proferida decisão singular nos seguintes termos:
“Veio AA interpor recurso de revista contra o acórdão do Tribunal da Relação ……….. de 17 de Dezembro de 2020 que julgou improcedente o seu recurso de apelação, constando do respectivo sumário elaborado pelo respectivo relator, em obediência ao disposto no artigo 633º, nº 7, do Código de Processo Civil:
“I -Nos termos do processo civil, não se verificando qualquer uma das alíneas do n.º 1 do art.º 188º do Código de Processo Civil, e não alegando nem demonstrado o Recorrente que não chegou a ter conhecimento do acto por facto que não lhe fosse imputável, não se verifica a falta de citação.
III – O prazo para invocação de nulidades é aquele que for previsto para a dedução de contestação ou oposição, ao qual acresce a dilação que ao caso couber, conf. art.º 191º, nº 2 e 245º do Código de Processo Civil.
IV – Se na citação não foi utilizado o modelo de A/R previsto pela Portaria n.º 953/2003, de 9 de Setembro, na redacção da Portaria n.º 275/2013, de 21/08, onde deveria constar expresso que, em caso de assinatura por terceiro, esta foi por pessoa a quem foi entregue a carta e que se compromete após a devida advertência a entrega-la pessoalmente ao destinatário; se não consta qualquer referência à dilação prevista pelo art.º 245º do Código de Processo Civil e se não foi cumprido o disposto pelo art.º 233º do Código de Processo Civil, a citação é nula nos termos previstos pelo art.º 191º do Código de Processo Civil.
V – A arguição da nulidade porém apenas pode ser atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado, o que deve ser analisado à luz do que vem previsto para o processo de insolvência.
VI- No caso dos autos, tendo sido a insolvente quem se apresentou à insolvência, a esta não é lícito deduzir qualquer oposição à declaração de insolvência nem opôr-se à apreensão dos seus bens, e deste modo, igualmente está vedado ao cônjuge da insolvente o exercício destes direitos, equivalentes a oposição à execução ou oposição à penhora, pelo que neste processo de insolvência o regime previsto pelos artigos 786º e 787º do Código de Processo Civil não tem aplicação.
VII - A única situação prevista pelo Código de Processo Civil para o cônjuge do executado e que tem aplicação ao processo de insolvência é a citação para separação de meações sob pena de prosseguimento da liquidação sobre os bens comuns, nos termos do art.º 740º do Código de Processo Civil.
VIII - Sucede que esta pressupõe que o regime de bens em vigor no casamento seja o da comunhão, o que não é o caso, vigorando entre a insolvente e o Recorrente o regime da separação de bens, e o bem apreendido é bem próprio da insolvente.
IX - Conclui-se assim que a nulidade da citação em nada afecta a defesa do citado, pelo que, em conformidade, a arguição da mesma não pode ser atendida pelo Tribunal”.
Apresentou o recorrente AA as seguintes conclusões:
1 - No caso de citação de pessoa singular, através de carta registada com aviso de recepção, esta pode ser entregue a qualquer pessoa (terceiro) que se encontre na residência ou no local de trabalho do citando;
2 - Mas esse terceiro, nos termos do artigo 228º, nº 2, do CPC, tem de declarar encontrar-se em condições de entregar a carta prontamente ao citando, devendo ser advertido expressamente nesse sentido (artigo 228º, nºs 1 e 4, do CPC). Só nestes termos é que opera a presunção dos artigos 225º, nº 4, e 230º, nº 1, do CPC;
3 - A presunção de entrega ao destinatário, de natureza ilidível, apenas funciona caso se cumpra o pressuposto de tal entrega, concretamente cumprir-se com a advertência legalmente preceituada (Ver Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06-06-2019, Proc. 1235/11.6TBCTX-B.L1-2, in www.dgsi.pt);
4 - Não sendo cumprida a advertência legalmente preceituada no artigo 228º, nºs 1 e 4, do CPC, a prática do acto fica inquinada. Este facto permite desonerar o Recorrente de qualquer ónus probatório, nomeadamente quanto ao conhecimento ou desconhecimento do acto, assim como isentá-lo de qualquer juízo de censura;
5 - A Veneranda Juíza Desembargadora, na sua fundamentação, mesmo perante a falta da advertência preceituada no artigo 228º, nºs 1 e 4, do CPC, considera que deve funcionar aqui a presunção decorrente do art.º 230º, n.º 1, do Código de Processo Civil;
6 - Tal posição consubstancia uma violação da lei de processo, nomeadamente do estipulado no artigo 228º, nºs 1 e 4, do CPC;
7 - Para haver citação na pessoa de terceiro, tem de haver advertência expressa, nos termos do artigo 228º, nºs 1 e 4, do CPC, sob pena de falta de citação, nos termos do disposto nos artigos 187º, alínea a), e 188º, nº 1, alínea a), do CPC, o que aqui se invoca;
8 - Caso assim não se entenda, sempre deverá ser decretada a nulidade da citação, nos termos do artigo 191º, do CPC;
9 – Não foram observadas as formalidades prescritas na lei, nomeadamente, e entre outras, a não utilização do modelo oficialmente aprovado para sobrescritos e avisos de recepção para citação pessoal, nos termos do artigo 228, nº 1, do CPC, e da Portaria n.º 953/2003, de 09 de conforme consta, aliás, do ponto IV do douto Sumário;
10 - Ao contrário do que consta no ponto VI, do douto Sumário, não obstante, no caso dos autos, ter sido a insolvente quem se apresentou à insolvência, a esta é sempre lícito invocar, fundamentadamente e em sede de oposição à apreensão dos seus bens, a eventual ilegalidade do acto de apreensão;
11 - Deste modo, igualmente será permitido ao cônjuge da insolvente o exercício desse direito, equivalente à oposição à penhora (Ver Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17-02-2009, Proc. 21695/06-1, in www.dgsi.pt);
12 - Neste processo de insolvência, o regime previsto pelos artigos 786º e 787º, do Código de Processo Civil, tem sempre aplicação nos termos supra expostos;
13 - Ao considerar que a Insolvente não pode deduzir qualquer oposição à apreensão, tout court, e que, consequentemente, o regime previsto nos artigos 786º e 787º, do CPC, também não é aplicável, verifica-se uma errada aplicação da lei de processo, já que se esquece que a eventual ilegalidade do acto de apreensão pode ser invocada precisamente em sede de oposição à apreensão;
14 - Dado o constante do ponto IV do douto Sumário, dada a aplicação do regime previsto pelos artigos 786º e 787º, do Código de Processo Civil, nos termos supra expostos e tendo em conta que, tendo sido já junta procuração aos autos, a Mandatária do Recorrente não foi notificada do acto de citação, nos termos do artigo 248º, nº 1, do CPC, e do artigo 3º, nº 3, da Portaria nº 246/2016, de 07 de Setembro, o que foi invocado no Recurso de Apelação e não foi apreciado, as faltas cometidas prejudicam, efectivamente, a defesa do citado, aqui Recorrente;
15 - A arguição da nulidade deve ser atendida, com todas as consequências legais.
Vejamos:
Este recurso versa sobre a impugnação de uma decisão proferida nos autos de liquidação de activo, que corre por apenso ao processo de insolvência de Rosário Maria de Castro Fernandes, cônjuge do recorrente AA.
A respectiva decisão recorrida teve por objecto a invocação pelo cônjuge da insolvente, AA, da falta da sua citação e, num segundo momento, da sua nulidade, nos termos do artigo 786º e 787º do Código de Processo Civil.
Nos termos do artigo 14º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, (vulgo CIRE):
“No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma diversa a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos do artigo 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ela conforme”.
Dispõe, por sua vez, o artigo 17º, nº 1, do CIRE:
“Os processos regulados no presente diploma regem-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código”.
Tal significa que o presente recurso de revista obedece aos requisitos de recorribilidade no âmbito próprio do recurso de revista, genericamente estabelecidos nos artigos 671º a 677º do Código de Processo Civil.
Ora, o requerimento apresentado pelo cônjuge da insolvente foi indeferido em 1ª instância, prosseguindo os autos os seus termos.
Interposto recurso de apelação, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Dezembro de 2020, julgou-a improcedente, não atendendo por conseguinte à pedida de invalidade da citação do cônjuge da insolvente, embora com fundamento diverso do sufragado em 1ª instância.
Esta decisão (em 2ª instância) de confirmação do indeferimento da arguição da nulidade de citação, suscitada em requerimento apresentado durante a tramitação dos autos, não conheceu naturalmente do mérito da causa (por referência ao apenso da liquidação do activo que prosseguiu os seus termos), não colocando fim ao respectivo processo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Tratando-se, assim, da impugnação de uma decisão interlocutória, a situação sub judice não se integra, todavia, na previsão das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 671º do Código de Processo Civil, a saber:
“Nos casos em que o recurso seja sempre admissível” (alínea a));
“Quando esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão uniformizador de jurisprudência com ele conforme”.
Não se verifica ainda qualquer das situações enunciadas no artigo 629º, nº 2, do Código de Processo Civil, não havendo sido referenciado, em circunstância alguma, um caso de oposição de julgados.
(O recorrente limita-se simplesmente a insistir na tese da invalidade da sua citação, tal como foi efectuada nos autos, acrescentado que será, na sua perspectiva, permitido ao cônjuge do insolvente invocar a eventual ilegalidade de actos de apreensão de bens).
Pelo que a presente revista, incidente sobre uma decisão interlocutória, não é admissível.
Em cumprimento do disposto no artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, notifique as partes para, querendo, pronunciarem-se em dez dias sobre a inadmissibilidade da revista”.
Notificado nos termos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, o recorrente manifestou-se inequivocamente no sentido de que a revista é, a seu ver, admissível, não concordando com a posição assumida pelo relator.
Argumentou essencialmente:
“Do destino da não admissão de revista de decisão interlocutória da Relação por ausência de recurso da decisão final continuam a ser ressalvados, ao abrigo do n.º 4 do art.º 671º do Código de Processo Civil, os acórdãos que tenham interesse direto e efetivo para o recorrente, independentemente da decisão final, exigência que deve ser interpretada objetivamente, de modo a afastar o confronto do Supremo Tribunal de Justiça com pretensões cuja resolução não determina qualquer benefício direto e efectivo para os recorrentes.” (Acórdão do STJ, Proc. nº 2214/14,7T8LSB.L1-AS1, datado de 18-02-2021, in www.dgsi.pt).
Nos presentes autos, a decisão de liquidação/venda já está assente.
“Do destino da não admissão de revista de decisão interlocutória da Relação por ausência de recurso da decisão final continuam a ser ressalvados, ao abrigo do n.º 4 do art.º 671º do Código de Processo Civil, os acórdãos que tenham interesse direto e efetivo para o recorrente, independentemente da decisão final…”(douto Acórdão supra citado)
No caso sub judice, havendo decisão final, que é a decisão final do processo de liquidação com a respectiva decisão de venda, corolário do processo de insolvência, verificando-se ausência de recurso da decisão final e tendo sido cumpridos todos os prazos relativamente à matéria em causa, aplica-se o nº 4, do artigo 671º, do Código de Processo Civil.
Tudo até no âmbito do princípio da economia processual.
O presente recurso é do interesse directo e efectivo do aqui Recorrente, não só pelo direito que tem ao contraditório, assim como pelo interesse na aplicação e interpretação correcta do Direito, bem como por estar em causa a casa de morada de família”.
Apreciando:
Não assiste razão ao recorrente quando pugna pela admissibilidade da revista, agora com fundamento totalmente diverso daquele que invocou no seu requerimento de interposição de recurso.
Com o efeito, o artigo 671º, nº 4, do Código de Processo Civil – de que o ora reclamante nem se lembrou anteriormente -, não é manifestamente aplicável na situação sub judice.
Não se trata aqui da impugnação de qualquer acórdão proferido na pendência dos autos no Tribunal da Relação (artigo 673º do Código de Processo Civil), mas - e apenas - de uma questão de natureza processual ou adjectiva, devidamente apreciada e decidida em 1ª instância, que foi inteiramente confirmada no acórdão do Tribunal da Relação, que constitui agora o acórdão recorrido.
Logo, a revista não é admissível nos precisos termos e com os exactos fundamentos constantes do despacho reclamado, para os quais se remete.
O que se decide.

 
Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em considerar findo o recurso, por não legalmente admissível, o que obsta ao seu conhecimento (artigo 652º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil).
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 26 de Maio de 2021.

Luís Espírito Santo (Relator).

Ana Paula Boularot.

Pinto de Almeida.
(Tem o voto de conformidade dos Exmºs Adjuntos Conselheiros Ana Paula Boularot e Fernando Pinto de Almeida, que compõem este colectivo, nos termos do artigo 15º A, aditado ao Decreto-lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, pelo Decreto-lei nº 20/2020, de 14 de Março).

Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.