Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11291/10.9TBVNG.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
BEM IMÓVEL
DEFEITOS
COMUNICAÇÃO AO SENHORIO
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
CRISE ECONÓMICA
BOA FÉ
Data do Acordão: 10/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL / DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS/CONTRATOS EM ESPECIAL/ ARRENDAMENTO
DOUTRINA:
Doutrina:
- Alberto dos Reis, «Comentário ao CPC», Vol. I, pp. 288;
- Alberto dos Reis, «CPC Anotado», Vol. III, p.25;
- Almeida Costa, «Direito das Obrigações», 10.ª ed., pp. 323, 336 e ss, 337, 341;
- Antunes Varela «Manuel de Processo Civil», p. 508 e 509;
- Antunes Varela «Das Obrigações em Geral», Vol. I, 10.ª edição, pp. 576;
- Antunes Varela «Das Obrigações em Geral», Vol. II, 7.ª edição, pp. 98, 275-276;
- Brandão Proença, «Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações», pp. 223, 230, 231;
- Carneiro da Frada, «Crise mundial e alteração das circunstâncias», ROA, Ano 69.º, pp. 683 e 684;
- Galvão Telles, «Manual dos Contratos em Geral», 4.ª ed., pp. 343 e ss;
- Januário C. Gomes, «Arrendamentos para Habitação», 2.ª ed., pp. 78;
- Lebre de Freitas, «A Falsidade no Direito Probatório», pp. 35, 39,40, 56;
- Lebre de Freitas, «CPC Anotado», Vol. 1.º, 2.ª ed., pp. 185;
- Manuel de Andrade, «Noções elementares de processo civil”, pp. 128, 231;
- Menezes Cordeiro, «Leis do Arrendamento Urbano Anotadas», p. 66;
- Pires de Lima e Antunes Varela, «CC Anotado», Vol. I, 4.ª ed., pp. 319, 413;
- Romano Martínez, «Cessação do contrato», pp. 154 e 155;
- Vaz Serra, RLJ, 110-85;
- Vaz Serra, «Resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias», BMJ 68, p. 340.
Legislação Nacional:
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): ARTIGOS 217.º, N.º 1, 224.º, 352.º, 358.º, N.º 2, 359.º, 371.º, N.º 1, 374.º, N.º 1, 376.º, N.º 1, N.º 2, 406.º, 432.º, 437.º, 438.º, 487.º, N.º 2, 762.º, 798.º, 799.º, N.º 1, N.º 2, 801.º, N.º 2, 802.º, N.º 1, 1033.º, ALÍNEA A), 1038.º, ALÍNEA H), 1083.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): ARTIGOS 97.º, 487.º, N.º 2, 490.º, N.º 2, 505.º
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): ARTIGOS 412.º, N.º 1, 572.º, ALÍNEA C), 684.º, N.º 2
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): ARTIGOS 20.º
DECRETO-LEI N.º 555/99, DE 16-12: - ARTIGOS 62.º E SS, 74.º E SS
LEI N.º 6/2006, DE 27-2;
Legislação Comunitária:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): ARTIGOS 6.º
Jurisprudência Nacional:
- ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: DE 13-3-2007, 27-11-2007, 13-12-2007, 19-2-2008, 28-5-2009, 29-9-2009, 3-12-2009, 6-7-2011, 10-1-2013, 10-10-2013, 23-1-2014, 10-4-2014, EM WWW.DGSI.PT;
Sumário :
I - Declarando a arrendatária no contrato de arrendamento que conhecia o estado de manutenção e conservação do imóvel locado e, assim, as deficiências que este apresentava, a existência destas não traduz incumprimento do contrato por parte da locadora, constituindo um dos casos de irresponsabilidade desta.

II - Se essas deficiências se revelaram depois, incumbia à arrendatária comunicá-las imediatamente, sob pena de a locadora não poder por elas ser responsabilizada.

III - O direito de resolução por falta de licença de utilização, de que beneficia o arrendatário, não é consequência automática dessa falta; esta tem de ficar a dever-se a causa imputável ao senhorio, assentando na culpa deste.

IV - A crise económica e financeira que se vive desde 2007/2008, pelo seu carácter anormal, estrutural e grave, pode representar uma alteração profunda, imprevista e anormal das circunstâncias em que as partes decidiram contratar.

V - Efeito dessa crise, foi a provada retracção do mercado imobiliário e a quebra do investimento, com interferência directa no objectivo prosseguido com o contrato de arrendamento celebrado entre as partes.

VI - No caso, essa interferência não frustrou, porém, esse fim contratual, traduzindo-se apenas numa previsível maior dificuldade em conseguir esse objectivo.

VII - Para tal concorria também a dificuldade em subarrendar o imóvel, que era inerente ao próprio contrato celebrado e que a arrendatária teria de suportar, estando, nesta medida, compreendida nas flutuações normais do contrato.

VIII - Neste condicionalismo e perante as demais circunstâncias do caso, a resolução do contrato, transferindo de modo injustificado o risco e o prejuízo apenas para a locadora, não seria uma solução razoável e equilibrada, nem justificada pela boa fé.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA, SA, na qualidade de representante e administradora da BB – …, intentou a presente acção com processo ordinário contra CC, SA.

Pediu que se reconheça a ilicitude da resolução contratual promovida pela ré e que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 6.157.368,40, relativa a rendas devidas desde 1 de Julho de 2010 até ao termo do prazo contratual inicial e a quantia de € 491.279,40, a título indemnizatório pela mora no pagamento das rendas vencidas relativas aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2010, acrescidas de juros de mora à taxa aplicável aos créditos das empresas comerciais desde a citação.

Como fundamento, alegou que celebrou com a ré um contrato de arrendamento para fins não habitacionais e que esta não pagou as rendas acordadas, entendendo que a resolução comunicada pela Ré não tem sustentação factual, sendo ilegal.

Contestou a Ré, defendendo-se por impugnação motivada, sustentando que o imóvel em causa foi propriedade da DD, Portugal – …, Lda e que esta, no âmbito de operação financeira, alienou à ora A. o imóvel em causa no dia 07.04.2008; a A. e R. celebraram contrato de arrendamento do imóvel em 01.06.2008; a R. subarrendou o imóvel à DD; desde sempre a DD esteve a ocupar e a laborar no dito imóvel, até 29.09.2010, data em que cessou a sua laboração no local. A A. era sabedora desta operação financeira e que a DD tinha cessado a sua actividade no local; por comportamento posterior da A., a R. viu-se impedida de subarrendar total ou parcialmente o imóvel a terceiros; após cessação da DD, a R. constatou que o local não tem licença de utilização, padecendo o imóvel de vários defeitos; a razão de ser e o fundamento da operação financeira alteraram-se substancialmente por força da crise internacional, mormente, no sector imobiliário.

Concluiu que a resolução do contrato de arrendamento que comunicou à Autora é perfeitamente lícita.

A Autora apresentou resposta, concluindo como na petição inicial.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 524.031,36, acrescida de juros de mora à taxa legal. No mais, foi a R. absolvida.

Discordando desta decisão, interpuseram recurso a A. e a R., tendo a Relação decidido:

1. Julgar improcedente o recurso de apelação deduzido pela R.;

2. Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação deduzido pela A., revogando, em consequência, a sentença recorrida na parte em que, na parcial procedência da acção, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 524.031,36, acrescida de juros de mora à taxa legal.

Em resultado da procedência parcial da apelação da A., condena-se a R. a pagar à A., a quantia de global de €1.080.814,68 (correspondente a €65.503,92 x 12 rendas + €65.503,92 x 3 rendas + 50% de €65.503,92 x 3 rendas), acrescida de juros de mora à taxa legal, calculados sobre a quantia de €786.047,04, correspondente ao valor das 12 rendas em divida, vencidos desde a citação, conforme reclamado, até efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré do remanescente do pedido.

Ainda inconformada, a R. vem pedir revista, tendo apresentado as seguintes conclusões:

 
1. Os factos constantes dos factos assentes sob as alíneas I) e J) estão em contradição com os factos assentes sob as alíneas O) e P).
2. Porque está provado que não existe qualquer acto administrativo a ordenar a emissão da licença de utilização esta licença inexiste.
3. O licenciamento é consubstanciado pelo acto administrativo que defere e reconhece o respectivo pedido (arts. 74º e 75º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - DL 555/99).
4. Deve ser emitida de acordo com o procedimento administrativo regulado nos arts. 62º a 65º do RJUE (DL 555/99).
5. O alvará de licença de utilização é o título que documenta essa licença e acto administrativo – cfr. art. 74º do RJUE.
6. Ora, não existindo acto administrativo de deferimento ou concessão de licença, não pode existir alvará.
7. É uma decorrência lógica que, se não existe acto a deferir a licença de utilização, não pode existir o alvará de licença de utilização.
8. Quando o Notário, oficial público, atestou como tendo sido objecto da sua percepção um facto, isso é verídico.
9. Todavia, e sem ele o saber, o documento que lhe foi exibido com a aparência de alvará de utilização, não tinha a virtualidade de atestar que existia licenciamento da utilização do edifício.
10. Como, aliás, o atesta o documento autêntico - certificado da Câmara Municipal de V. N. Gaia de 2010/12/17, junto aos autos.
11. Na contestação a R. contesta a existência do alvará de utilização, pelo que os factos constantes das referidas alíneas I) e J) são factos controvertidos que nunca poderiam ser considerados assentes.
12. A existência dessa licença de utilização só pode ser comprovada por documento – cfr. art. 364º nº 1 CC.
13. Razão pela qual esses factos devem ser eliminados do elenco dos factos provados.
14. Resulta dos factos provados (e a própria Autora o alega na p.i.) que a R. enviou à Autora carta registada a proceder à resolução do contrato.
15. O acórdão recorrido fez incorrectas interpretação e violação dos arts. 74º e 75º do RJUE e do art. 372º nº 1 CC.
16. A Ré não cumpriu, na sua contestação, o ónus da especificação separada e individualizada das excepções, conforme prevenido no nº 1, alínea c) do art. 264º nº 1 e 488º do CPC, na redacção vigente à data da sua apresentação em juízo.
17. A redacção do CPC anterior à publicação dessa Lei não impunha qualquer sanção para o eventual incumprimento desse "ónus",
18. A interpretação e aplicação que o acórdão recorrido fez dessa norma de direito processual viola o princípio do contraditório e o direito de defesa da R. ínsita no artº 6º da CEDH e do artº 20º da CRP (tutela jurisdicional efectiva), pois desconsidera o teor da defesa apresentada.
19. A R. tinha fundamento válido para proceder á resolução do contrato de arrendamento comercial.
20. Não existe qualquer facto provado que demonstre que a R. tinha conhecimento do estado do locado quando celebrou o contrato de arrendamento.
21. Resulta dos artºs 44º a 56º da contestação que a R. não tinha conhecimento do estado do locado quando celebrou o contrato de arrendamento.
22. A A. não impugnou, na réplica, os factos alegados nos artºs 44º a 55º da contestação, que constituem matéria de excepção.
23. Assim sendo, na elaboração da decisão (acórdão), nos termos do disposto no artº 607º nº 4 (anterior 659º nº 3) Cod Proc. Civil, devem ter-se como assentes tais factos.
24. Mediante o elenco destes sobreditos factos, é patente que a R. não poderia saber do estado em que se encontrava o imóvel e, designadamente, das suas eventuais deficiências.
25. Com efeito, se só em 29/09/2010 é que a R. recebeu, por correio, as chaves do identificado imóvel por porte dessa sociedade DD Ovar e se só nessa data a R. teve acesso ao imóvel, não poderia esta saber do estado do imóvel.
26. O imóvel não está licenciado, nem tem licença de utilização, o que é demonstrado pelos factos assentes sob as alíneas O), P), Q), R), S), T), U), V), X), Y), Z), AA), CC), SS), TT), UU), VV), WW), XX), YY) e reconhecido pelo certificado da Câmara Municipal de V.N.Gaia de 2010/12/17, junto aos autos.
27. Os factos assentes sob as alíneas I) e J) só podem ser provados por documento, o qual não existe.
28. Com efeito, do processo e dos autos não consta, nem o alvará de licença de utilização, nem o original nem cópia do alvará.
29. A única menção que se faz desse alvará ocorre na escritura pública de compra e venda do imóvel junto com a réplica, sendo esta uma simples menção da respectiva existência.
30. Mas de qualquer modo, mesmo que existisse esse alvará - que não está nos autos - a verdade é que ele seria o título representativo de uma licença.
31. Ora, esta licença não existe, logo não pode existir alvará, e se existisse esse alvará seria falso e obtido por fraude á lei.
32. A licença de utilização é requisito essencial e indispensável de celebração de contrato de arrendamento (artigo 1070º do código civil e artigo 2.º, alínea d) do decreto-lei nº 160/2006, de 8 de agosto).
33. A R. tem o direito de resolver o ajuizado contrato, uma vez que a ausência da existência deste formalismo acarreta a respectiva nulidade (artº 219º Cod. Civil).
34. Uma vez que ficou provado que o imóvel objecto do contrato de arrendamento ajuizado não tem licença de utilização, nem o correspondente alvará de utilização, que titula licença.
35. Tendo ficado provado que o imóvel objecto do contrato de arrendamento em crise carece de licença de utilização, bem como de alvará de licença de utilização.
36. A Ré tem o direito de resolver o contrato de arrendamento celebrado, nos termos do artigo 5º, nºs 5 e 7 do Decreto-Lei n.º 160/2006.
37. A Ré não tem o gozo nem a fruição do imóvel para os fins a que se destina, como está provado nos factos V), Z), AA), CC), RR), SS), TT), UU), VV), WW), XX), YY).
38. Mediante essa sobredita factualidade é patente que a R., inquilina, está impedida de gozar e fruir o imóvel para o fim a que se destina, de acordo com o fim contratual.
39. Sendo certo que, como consta dos factos provados nas alíneas II) e NN) era a finalidade do arrendamento o subarrendamento.
40. E se o edifício não está licenciado e se é necessário proceder à execução de obras de vulto para a respectiva legalização e iniciar, depois, disso, um procedimento administrativo para licenciamento do edifício, é patente que a R. não pode fruir e gozar o imóvel em causa para o fim a que contratualmente as partes o destinaram o contrato de arrendamento.
41. Assim existe, nesta parte, motivo e fundamento para a resolução do contrato, por violação dos deveres de prestação por parte da A.
42. Finalmente a resolução do contrato, decorrente de alteração anormal das circunstâncias, também é uma evidência, tal como decorre dos factos assentes nas alíneas II), JJ), KK), LL), MM), NN), 00), PP),
43. Estes factos determinam a ocorrência de uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes celebraram o contrato - artº 437º CC.
44. O douto acórdão recorrido violou os arts. 219º, 364º nº 1, 372º 1, 437º Cód. Civil, 607º nº 4 (anterior 659º nº 3) Cod Proc. Civil, artigo 5.º, n.ºs 5 e 7 do Decreto-Lei n.º 160/2006, artigo 1070.º do código civil e artigo 2.º, alínea d) do decreto-lei n.º 160/2006, de 8 de agosto), artº 74º e 75º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - Dec Lei nº 555/99, artºs 62º a 65 e 74º do RJUE (Dec Lei 555/99).

Termos em que deve merecer provimento o presente recurso de revista e ser revogado o douto acórdão, julgando-se totalmente improcedente a acção.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

- Contradição entre factos provados;

- Ampliação da decisão sobre a matéria de facto;

- Fundamentos da resolução:
- Estado (defeitos) do locado;
- Falta de licenciamento do imóvel;
- Alteração anormal das circunstâncias em que foi celebrado o contrato.

III.

Vêm provados os seguintes factos:

A) A A. celebrou com a R, em 1 de Junho de 2008, um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, relativo ao edifício sito na Estrada …, nº…, freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo …, pelo prazo de 10 anos, renovável por períodos de 3 anos, com início no dia 1 de Junho de 2008 e a renda mensal de 65.503,92 € – alínea A) da Matéria de Facto Assente.

B) A R pagou somente as rendas relativas ao período com início em 1 de Junho de 2008 e termo em 30 de Junho de 2009 – alínea B) da Matéria de Facto Assente.

C) Não tendo procedido ao pagamento da renda de Julho de 2009, vencida em 1 de Junho de 2009 – alínea C) da Matéria de Facto Assente.

D) Nem das que se lhe seguiram – alínea D) da Matéria de Facto Assente.

E) Face à mora da R, a A accionou a garantia prevista no nº 2 da cláusula 2ª do contrato de arrendamento – alínea E) da Matéria de Facto Assente.

F) Tendo recebido em 7 de Outubro de 2010 o valor correspondente a um ano de rendas, o que significa que por esta via ficaram pagas as rendas relativas ao período com início em 1 de Julho de 2009 e termo em 30 de Junho de 2010 – alínea F) da Matéria de Facto Assente.

G) Por carta com data de 27 de Outubro de 2010, a R comunicou à A a decisão de resolução do referido contrato de arrendamento, com efeitos a partir de 31 de Outubro de 2010, alegando a alteração superveniente das circunstâncias em que fundou a decisão de contratar bem como a existência de deficiências estruturais e de irregularidades no processo de licenciamento, impeditivas da utilização do imóvel para o fim industrial a que se destina, nos termos que constam da referida carta, junta e para a qual se remete. Alegou a R que se verificou uma alteração radical da economia nacional e internacional a partir de Maio de 2008, tendo a mesma provocado no mercado imobiliário uma crise irreversível, e, ainda, que se revelaram infrutíferas as tentativas de subarrendamento do locado feitas desde o início do contrato. Alega também a R, na carta remetida à A em 27 de Outubro de 2010, a existência de deficiências estruturais e de desconformidade entre o edifício existente e o projecto aprovado, impeditivas da afectação do prédio ao fim a que se destina – alínea G) da Matéria de Facto Assente.

H) A A respondeu à referida missiva por carta de 17 de Novembro de 2010, manifestando então a opinião de que não existiam fundamentos válidos para a resolução e que as invocadas deficiências eram características próprias do locado, sobejamente conhecidas da R à data da contratação, afirmando ainda desconhecer qualquer desconformidade entre o edifício existente e o projecto aprovado, conforme melhor consta da referida carta, que aqui se encontra junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido – alínea H) da Matéria de Facto Assente.

I) O competente Alvará de Licença de Utilização (com o nº …) foi emitido em nome da sociedade “DD” em 3 de Fevereiro de 2004 – alínea I) da Matéria de Facto Assente.

J) O que era também do perfeito conhecimento da R à data de celebração do contrato de arrendamento – alínea J) da Matéria de Facto Assente.

K) O prazo de duração, juntamente com o montante da renda são, por regra, questões essenciais a tratar na negociação que precede a celebração de um contrato de arrendamento – alínea K) da Matéria de Facto Assente.

L) Como se verificou no presente caso, tendo a fixação de um prazo de duração mínimo de 10 anos sido determinante na vontade de contratar por parte da A. – alínea L) da Matéria de Facto Assente.

M) A “crise” a que se alude em G) agravou-se a partir de 2008 – artigo 1.º) da Base Instrutória.

N) A crise afectou os sectores imobiliário e de construção civil – artigo 3.º) da Base Instrutória.

O) Não existe qualquer acto administrativo que tivesse aprovado o licenciamento do imóvel – artigo 6.º) da Base Instrutória.

P) Não existe qualquer acto administrativo a ordenar a emissão da licença de utilização do imóvel – artigo 7.º) da Base Instrutória.

Q) O processo de licenciamento do edifício do imóvel teve início por requerimento da “ DD, Portugal – …, Ldª ” em 1989 – artigo 8.º) da Base Instrutória.

R) Em 22/06/89 foi ordenada a fiscalização do processo nº … para futura legalização – artigo 9.º) da Base Instrutória.

S) Em 31/08/89 o Ministério da Saúde, Administração Regional de Saúde do Porto, emitiu parecer com menção ”NÃO SATISFAZ” – artigo 10.º) da Base Instrutória.

T) Em 28/01/92 o projecto de arquitectura foi aprovado por despacho do presidente da Câmara Municipal de V N Gaia, condicionando essa aprovação à necessária apresentação dos projectos das diversas especialidades – artigo 11.º) da Base Instrutória.

U) Em 13/02/92, a Direcção Geral de Industria declarou o projecto aprovado condicionado a vistoria – artigo 12.º) da Base Instrutória.

V) A Direcção Geral de Indústria efectuou vistoria em 06/06/2002 –artigo 13.º) da Base Instrutória.

W) A Direcção Geral de Indústria efectuou vistoria em 06/10/2003 – artigo 14.º) da Base Instrutória.

X) A DD Portugal apresentou um requerimento a solicitar a licença de autorização de utilização, com pedido de utilização de Alvará – artigo 15.º) da Base Instrutória.

Y) Ocorreram diversas VISTORIAS realizadas pela Direcção Geral De Indústria, sem que tivesse existido prolação de qualquer despacho legal deste organismo a validar a última vistoria ou a aprovar a mesma – artigo 16.º) da Base Instrutória.

Z) O requerente DD Portugal pediu a licença de utilização, sem previamente solicitar a VISTORIA do edifício ou a isenção dessa vistoria – artigo 17.º) da Base Instrutória.

AA) Sendo certo que a obra edificada (o edifício construído) viola o projecto de arquitectura aprovado tendo muita mais área construída do que a que consta do projecto de arquitectura – artigo 18.º) da Base Instrutória.

BB) A Ré não poderia exercer qualquer actividade industrial ou comercial no locado – artigo 19.º) da Base Instrutória.

CC) Foi neste contexto, que a Ré comunicou à A. a resolução do contrato de arrendamento, por carta datada de 27/10/2010, enviando-lhe as chaves do imóvel – artigo 20.º) da Base Instrutória.

DD) Ao celebrar o contrato de arrendamento, a R. actuou na plena convicção de que não haveria crise económica em Portugal – artigo 21.º) da Base Instrutória.

EE) Nem essa crise, surgida em Outubro de 2008, com a crise do sub-prime, nos Estados Unidos era expectável, e, muito menos, previsível – artigo 22.º) da Base Instrutória.

FF) Se a R. soubesse que iria eclodir essa crise económica, nunca teria celebrado o contrato de arrendamento – artigo 23.º) da Base Instrutória.

GG) Era condição essencial do negócio que a Ré pudesse subarrendar o imóvel – artigo 24.º) da Base Instrutória.

HH) O que, aliás, era do conhecimento da A. – artigo 25.º) da Base Instrutória.

II) A R., indicou, logo, no contrato de arrendamento, a identificação de dois potenciais subarrendatários para aí se poderem instalar. Sendo um deles a DD Portugal – artigo 26.º) da Base Instrutória.

JJ) Após 2008, os bancos fecharam, na prática, o crédito à actividade de construção – artigo 27.º) da Base Instrutória.

KK) Por este motivo, a R. que, desde sempre, teve crédito na banca, de um momento para o outro deixou de o ter – artigo 28.º) da Base Instrutória.

LL) Por outro lado os investimentos de construção e instalação de indústria deixaram de ter qualquer aplicação por parte das empresas – artigo 29.º) da Base Instrutória.

MM) Assim, desde o início do contrato de arrendamento, que a Ré vinha tentando obter uma solução para o subarrendamento das instalações, em referência, mas sem qualquer sucesso – artigo 30.º) da Base Instrutória.

NN) O subarrendamento era o intuito do negócio da Ré e do contrato (e escopo último do negócio) – artigo 31.º) da Base Instrutória.

OO) O mercado imobiliário actualmente e no último ano, teve um retrocesso catastrófico – artigo 32.º) da Base Instrutória.

PP) Aliás, em Maio de 2010, ocorreu o colapso financeiro na Grécia e o consequente arrastamento de Portugal – artigo 33.º) da Base Instrutória.

QQ) Deste modo, quando a Autora assinou o contrato (promessa[2]) em Maio de 2008 com a R., esta situação económica internacional, e a irreversível crise de mercado imobiliário que o país atravessa não existiam – artigo 34.º) da Base Instrutória.

RR) Além disso, a R., em momento posterior à entrega das chaves do imóvel por parte da DD em 30 de Setembro de 2010, detectou deficiências no imóvel que impedem que seja concretizado o fim a que se destina o contrato de arrendamento e o locado (quer o subarrendamento a outras empresas, quer a ocupação do edifício) – artigo 36.º) da Base Instrutória.

SS) Com efeito, o edifício apresenta as seguintes deficiências: – Tem falta de aparelhos de ar condicionado; – Tem falta de pavimentos técnicos e reparação de outros; – Tem tectos falsos danificados e a necessitar de reparação; – Tem instalações eléctricas danificadas e necessidade de confirmação das instalações eléctricas; - Falta o grupo electro-gerador; – Tem falta de equipamentos de cantina; – Tem cedência estrutural da laje de pavimento no primeiro piso com uma área de mais ou menos 800,00 m2, devidamente assinalada e vedada; - Existem várias telhas em fibrocimento danificadas, permitindo a infiltração de águas no edifício – artigo 37.º) da Base Instrutória.

TT) O telhado do imóvel é feito em amianto. Este material é altamente cancerígeno e o seu manuseamento está regulamentado restritivamente e a título excepcional – artigo 38.º) da Base Instrutória.

UU) Em virtude disso, as reparações ao telhado são extremamente dispendiosas e efectuadas por empresas credenciadas – artigo 39.º) da Base Instrutória.

VV) Não é possível à R., proceder à execução das obras, para rectificar as deficiências estruturais do edifício – artigo 40.º) da Base Instrutória.

WW) E a reparação de tais deficiências implica a execução de obras, objecto de licenciamento – artigo 41.º) da Base Instrutória.

XX) Por isso, é necessário legalizar o edifício, com rectificação do projecto de arquitectura, com elaboração e aprovação dos projectos e da especialidade de engenharia (cálculo), Incêndios, SMAES, Águas de Gaia, Saúde, Indústria, Economia, Ambiente, electricidade, estabilidade, RSECE, acústica, gás, abastecimento de água, drenagem de águas residuais domésticas, drenagem de águas residuais pluviais, segurança contra risco de incêndio, electricidade, ITED, climatização, etc. – artigo 42.º) da Base Instrutória.

YY) E todo esse tempo e o processo de licenciamento demorará, cerca de 1 ano a efectuar e a aprovar – artigo 43.º) da Base Instrutória.

IV.

Cumpre apreciar as questões acima indicadas.

1. Defende a Recorrente que os factos constantes dos factos assentes sob as alíneas I) e J) estão em contradição com os factos assentes sob as alíneas O) e P), porque está provado que não existe qualquer acto administrativo a ordenar a emissão da licença de utilização; esta licença inexiste.

Esses factos são os seguintes:

I) O competente Alvará de Licença de Utilização (com o nº …) foi emitido em nome da sociedade “DD” em 3 de Fevereiro de 2004.

J) O que era também do perfeito conhecimento da Ré à data de celebração do contrato de arrendamento.

O) Não existe qualquer acto administrativo que tivesse aprovado o licenciamento do imóvel.

P) Não existe qualquer acto administrativo a ordenar a emissão da licença de utilização do imóvel.

A este respeito, afirmou-se no acórdão recorrido:
"Consignada a facticidade, e, numa primeira análise, podemos desde já afirmar que a menção ao Alvará de Licença de Utilização decorre não só da escritura de compra e venda do imóvel ajuizado, mas também está consignado nas clªs. 1ª e 5ª do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, documentos cujo conteúdo foi adquirido processualmente (…), não impugnados, e aceites pela Ré, sobre os quais as partes, pacificamente, estruturam a respectiva argumentação esgrimida na presente demanda.
Ademais, pese embora reconheçamos que o Alvará de Licença de Utilização deva necessariamente integrar uma multiplicidade de actos administrativos, resulta dos autos, por forma inequívoca, aliás, aceite pelos pleiteantes, a concreta identificação daquele Alvará de Licença de Utilização, com o nº. 66/04, mencionado em documentos, particular e autêntico, com a força probatória que dos mesmos decorre.
A este propósito, sempre diremos que atento o disposto no artº. 371º nº. 1 do Código Civil os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que nele são atestados com base na percepção da entidade documentadora.
Na verdade, a entidade documentadora percepciona, nomeadamente, as declarações que perante ela foram proferidas, a par da exibição de quaisquer documentos, fazendo tais documentos, neste particular, prova plena dessas mesmas declarações/exibição, admitindo, porém, ser coisa diferente o que respeita à realidade, à exactidão das afirmações, não sendo estas susceptíveis de serem percepcionadas nos termos acima aludidos.
Como decorre do nº. 1 do artº. 372º do Código Civil, a força probatória dos documentos autênticos só pode ser elidida com base na sua falsidade, sendo que, nos termos do nº. 2 do mencionado preceito legal, o documento é falso quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi.
Deste modo, cremos ser elementar concluir que o Tribunal recorrido valorou correctamente o documento autêntico apresentado nos termos que acabou por consignar, uma vez que as partes tão pouco questionarem a exibição da Licença de utilização nº. … emitida em 03/02/2004 pela Camara Municipal de Vila Nova de Gaia para o prédio objecto da escritura, qual seja, o prédio objecto do articulado contrato de arrendamento, exibição esta levada a cabo diante da autoridade pública.
Outrossim, o documento particular que consubstancia o ajuizado contrato de arrendamento, enquanto documento nº. 1, oferecido aquando da apresentação da petição inicial, ao não ter sido impugnado pela Ré, torna pacifica a respectiva aquisição processual, nos termos do direito adjectivo civil que estatui no artº. 574º, nº. 2, 1ª parte, do Novo Código Processo Civil, condizente com o nº. 2, do artº. 490º, do anterior Código Processo Civil, que se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, o que, de resto, não é o caso, dado que também a Ré sustenta toda a sua defesa na realidade que o contrato de arrendamento junto aos autos com a petição inicial, enforma.
Aportado este entendimento quanto à valoração da prova produzida, queremos anotar, ser questão diversa, aqueloutra que parece resulta da facticidade dada como provada, vertida nos artºs. 6º e 7º da elaborada Base Instrutória, atinente aos actos administrativos relativos à aprovação do licenciamento do imóvel e aqueloutro que consubstancia o Alvará de Licença de Utilização, com o nº. …, pois, a indiciada ausência dos procedimentos administrativos, poderá/deverá ser apreciada em sede que não a presente (nomeadamente, em sede própria, qual seja, no Tribunal Administrativo, como defende a Apelada/Autora), onde poderá/deverá ser questionada a existência dos actos prévios necessários e/ou aqueloutros que conduziram à emissão do exibido e reconhecido Alvará de Licença de Utilização, com o nº. ….
Concluímos, pois, que os factos vertidos nas alíneas O) e P) da Matéria de Facto apurada em 1ª Instância, não excluem, necessariamente, aqueloutros que decorrem das alíneas I) e J) da Matéria de Facto assente, inexistindo qualquer contradição, decorrendo do exposto, com meridiana clareza, a existência do Alvará de Licença de Utilização, com o nº. …, conforme divisamos das consignadas alíneas I) e J) da Matéria de facto, mantendo-se, assim, no elenco dos factos provados.
Soçobram, pois, as conclusões aduzidas pela Ré/Recorrente/CC SA., neste particular, mantendo-se inalterada a apreciada facticidade".

Crê-se que se ajuizou bem, no que respeita à invocada contradição.

É inquestionável que o alvará existe, como o reconhece a ré e como decorre de vários documentos juntos aos autos, desde logo, da certidão da escritura de compra e venda de fls. 60 e segs, onde se atesta (parte final – fls. 63) a exibição da licença de utilização nº … e, para além desta, da certidão passada pela C. M. de Gaia de que foi emitida essa licença. Essa mesma licença nº … é referida na clª 1ª nº 1 e 5ª nº 1 do contrato de arrendamento celebrado entre as partes.

Segundo informação camarária, as edificações existentes no imóvel foram repartidas por vários processos administrativos (fls. 109), constando do proc. nº … cópia do alvará da licença de utilização, acrescentando-se que existe também registo informático desse alvará (doc. de fls. 48, junto pela ré). A existência dessa cópia é confirmada no documento de fls. 135, junto também pela ré.

É certo que essa demonstrada existência de alvará não significa que o mesmo tenha sido regularmente emitido. Do mesmo modo que o documento autêntico (aludida escritura) apenas faz prova plena do facto praticado pelo notário ou que seja objecto da sua percepção directa (art. 371º nº 1 do CC), isto é, no caso, tão só a exibição do alvará, não da regularidade deste[3]. O mesmo se diga da menção à referida licença no contrato de arrendamento, que não foi impugnado (cfr. art. 490º nº 2 do CPC então em vigor).

A questão que poderá pôr-se não tem, pois, a ver com a existência de alvará, mas apenas com a regularidade deste, ou seja, sobre se o mesmo foi emitido depois de cumpridos todos os atinentes procedimentos previstos na lei.

Isso mesmo decorre do que foi referido pela ré na carta de resolução: "o processo de licenciamento apresenta graves irregularidades, não tendo a licença de utilização sido obtida (…) de acordo com os imprescindíveis requisitos legais". Por isso, alegou que deveria ser efectuada a cassação do alvará (art. 117º da contestação).

Refere-se no acórdão recorrido que esta questão respeitante à ausência dos actos administrativos necessários à aprovação do licenciamento do imóvel deveria ser apreciada em sede própria, que seria o tribunal administrativo.

Neste sentido se manifestara também a autora (cfr. réplica e contra-alegações da apelação).

Essa afirmação merece-nos reservas, tendo em consideração o regime previsto no art. 97º do CPC (com redacção idêntica à do actual art. 92º): o prosseguimento do processo, sem a suspensão aí prevista, tem implícito o reconhecimento de que a referida questão suscitada pela ré poderia ser aqui decidida, com o âmbito restrito aí indicado – de caso julgado formal apenas[4].

No acórdão recorrido não foi, pois, apreciada essa questão.

Adiante, veremos que efeitos substanciais se podem daí retirar, no âmbito da apreciação dos fundamentos da resolução do contrato de arrendamento operada pela ré.

Por ora, no contexto desta primeira questão suscitada no recurso, respeitante à matéria de facto, pode concluir-se que o alvará da licença de utilização nº … existe, como consta do respectivo processo camarário e do registo informático da Câmara Municipal, e decorre da sua exibição, atestada na escritura de compra e venda, e do reconhecimento pelas partes no contrato de arrendamento.

Assim, nesta perspectiva, os factos das als. I) e J) não eram controvertidos e, apesar do que aparentemente resulta do seu teor, não são incompatíveis, nem estão em contradição com os factos das als. O) e P).

2. Sustenta-se também no recurso que não existe qualquer facto provado que demonstre que a ré tinha conhecimento do estado do locado à data da celebração do contrato de arrendamento.

Pelo contrário, acrescenta-se, só em 29.09.2010 a ré teve acesso ao imóvel e passou a conhecer as deficiências do mesmo, como foi alegado nos arts. 44º a 56º da contestação, factos que não foram impugnados pela autora e que, constituindo matéria de excepção, devem considerar-se assentes.

No acórdão recorrido entendeu-se, em síntese, que a ré não cumpriu o ónus de especificação separada e individualizada das excepções, o que tem por consequência não se considerarem admitidos por acordo, por falta de impugnação, os respectivos factos, conforme resulta do disposto no art. 572º c) do NCPC e se entendia já no domínio da versão anterior desse Código (art. 505º).

Admitiu-se assim, implicitamente, que a matéria de facto alegada pela ré possa constituir excepção, mas não será difícil concluir que essa fundamentação não resolveria inteiramente a questão, mormente na perspectiva de saber se esses factos alegados pela ré, apesar de não se considerarem assentes, assumem relevância para a apreciação do mérito; é que, se a tiverem, deveria explicar-se a razão para o seu não aditamento aos factos controvertidos (e ampliação da decisão de facto).

Para melhor enquadramento da questão, importa relembrar, em breve síntese, que:

- a ré resolveu o contrato de arrendamento, invocando como fundamento, designadamente, a existência de deficiências no locado, que impediam o gozo e fruição do imóvel de acordo com o fim contratual;

- a autora, na p.i., defendeu que não existia fundamento para a resolução do contrato, rebatendo aquela concreta razão invocada, afirmando que a ré, no contrato (clª 5ª, nº 2), "expressamente declara conhecer e aceitar" o estado de manutenção e conservação do imóvel, "reconhecendo ainda as aptidões do locado ao fim a que se destina", assim como se obrigou a suportar as despesas com a reparação e conservação, ressalvadas as obras de carácter estrutural (clª 6ª) que deveria comunicar (art. 1038º h) do CC).

- na contestação a ré defende-se, alegando designadamente os aludidos factos dos arts. 44º a 56º.

Estes factos são os seguintes:
44.    Só em 29/09/2010 é que a R. recebeu, por correio, as chaves do identificado imóvel por parte dessa sociedade DD Ovar.
45. E só nessa data a R. teve acesso ao imóvel.
46. Foi neste contexto que foi celebrado o contrato de arrendamento entre A e R.
47. A R. nunca chegou a deter efectivamente, a posse do imóvel.
48.    A DD Portugal é que, desde sempre e ininterruptamente, esteve na posse e detenção do imóvel referido.
49.    O que sucedeu desde antes da compra, que essa DD Portugal efectuou à Autora do imóvel.
50. E até 29/09/2010, ininterruptamente e sem quaisquer hiatos temporais.
51.    A R. só chegou a entrar nas instalações do imóvel no dia 29/09/2010, quando aquela DD Ovar procedeu à entrega das chaves do edifício.
52.    Como a A bem sabia, aquando da celebração do ajuizado arrendamento, era previsível que a DD Portugal iria encerrar a actividade no fim de 2 anos.
53. Após esse encerramento, a DD entregaria a posse do imóvel à Ré.
54.    Na sequência desse encerramento da actividade, a Ré podia tentar angariar empresa ou grupos de empresa, que se quisessem instalar no imóvel.
55.    Sucede que, a A teve conhecimento de todas estas as circunstâncias dos negócios e contratos celebrados.
56. Foi neste sobredito circunstancialismo, que, em 30 de Maio de 2008 foi celebrado entre a BB, como senhorio e a A, como arrendatária, o Contrato de Arrendamento tendo por objecto o referido imóvel.

Nos termos do art. 487º nº 2 do CPC (na versão em vigor à data da apresentação dos articulados desta acção), o réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição (impugnação de facto) ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor (impugnação de direito); defende-se por excepção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da acção (dilatória) ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido (peremptória).

A impugnação, como é sabido, pode ser directa, se se limita a negar os factos alegados pelo autor. E pode ser indirecta ou motivada, se o réu apresenta uma versão dos factos parcialmente diversa e com outro significado jurídico; traduz-se "numa versão diferente do facto visado – aceitando-se porém algum elemento dele – e tal que daí não pode ter resultado o efeito jurídico pretendido pelo autor".

A excepção constitui uma defesa indirecta, que "não se traduz num ataque frontal à pretensão do autor (na negação da realidade ou da concludência dos factos por ele invocados como constitutivos do seu direito), mas tão-somente num ataque lateral ou de flanco"[5]. O réu "serve-se de um facto novo que, ou inutiliza a instância (excepção dilatória), ou inutiliza o pedido (excepção peremptória). Quer dizer, o réu, para se defender, desloca-se para campo diverso daquele em que se encontra o autor e procura, por via transversal, obter o fracasso da acção"[6].

Pois bem, face a esta breve caracterização, não parece que a referida alegação da ré constitua defesa por excepção.

Está em causa um dos fundamentos da resolução operada pela ré (as deficiências do imóvel que impediam o gozo do locado, de acordo com o fim contratual e que a esta incumbia naturalmente alegar e provar, nos termos do art. 342º nº 1 do CC).

Na p.i., a autora alegou que a resolução carecia de fundamento, uma vez que, no que respeita às deficiências do imóvel, a ré declarou no contrato conhecer e aceitar o estado de conservação do imóvel e reconheceu as aptidões do locado para o fim a que se destinava.

Ora, o que a ré pretende com os aludidos factos é contrariar esta alegação da autora, afirmando que só conheceu as mencionadas deficiências do imóvel mais tarde, em 27.09.2010, daí decorrendo também que não podia tê-las aceitado antes.

Esta defesa da ré mais não é, parece-nos, do que impugnação motivada: à alegação da autora de que a ré, na data da celebração do contrato, conhecia e aceitou o estado de conservação do imóvel (e as suas deficiências) esta respondeu que não, que só as conheceu mais tarde, nas circunstâncias alegadas.

Excepção, nesse caso antecipada, seria mais a alegação da autora em relação ao fundamento de resolução invocado, na medida em que ela aceitou a realidade do facto (existência de deficiências), mas procurou, servindo-se de um facto novo (conhecimento e aceitação das deficiências pela ré na data da celebração do contrato), inutilizar aquele facto e a pretensão resolutória com esse fundamento.

Constituindo a referida alegação da ré mera impugnação, não tinha a autora, por esse motivo, de apresentar réplica e de contestar tal alegação (art. 502º nº 1 do CPC então em vigor), não podendo os referidos factos ter-se por assentes.

Aliás, no caso, analisando a réplica apresentada, constata-se que a autora se limitou a corrigir o que apelidou de "imprecisões" da contestação e a responder a uma única questão, que admitiu poder configurar excepção, relacionada com a "pretensa nulidade do contrato de arrendamento", derivada do processo de licenciamento do imóvel.

A conclusão a que se chegou assenta em fundamentação diferente da do acórdão recorrido, ficando prejudicada a questão do incumprimento da especificação separada e individualizada das excepções (prevista no art. 572º c) do NCPC) e da alegada violação, daí decorrente, do princípio do contraditório e do direito de defesa da ré (arts. 6º da CEDH e 20º da CRP).

Ainda neste âmbito, da decisão de facto, será de acrescentar o seguinte:

A afirmação feita no contrato de arrendamento pela ré – sobre o estado de manutenção e conservação em que se encontra o imóvel, que expressamente declara conhecer o (clª 5ª nº 2) – constitui declaração de ciência, de reconhecimento da realidade de um facto que lhe é desfavorável, ou seja, sobre o conhecimento pela ré do estado de manutenção e conservação em que se encontrava o imóvel arrendado.

Traduz assim confissão desse facto, feita à parte contrária, a autora.

Nesta medida, o mencionado documento, não impugnado formalmente (art. 374º do CC), faz prova plena do facto declarado – arts. 376º nº 2, 352º e 358º nº 2 do CC.

Assentando a prova desse facto em confissão, não basta para o impugnar a mera alegação de o mesmo não ser verdadeiro ou a simples desconformidade entre o que é afirmado e a realidade. Para tal seria necessário que o declarante alegasse e provasse que a sua declaração "não correspondeu à sua vontade ou que foi afectada de algum vício de consentimento"[7] – art. 359º do CC.

Do que vem de dizer-se decorre que, no que respeita ao conhecimento das deficiências do imóvel, os factos alegados pela ré, aqui em questão, não teriam, salvo o devido respeito, qualquer utilidade na apreciação do mérito da acção, uma vez que não poderiam contrariar nem sobrepor-se ao que foi declarado e confessado pela ré.

Assim, se atrás se concluiu que esses factos não tinham de considerar-se provados por falta de impugnação (por esta não ter lugar, nem ser exigível à autora), verifica-se agora que esses factos não teriam também de ser considerados como controvertidos, por não serem idóneos a que, através deles, se questione a realidade confessada pela ré.

Como foi referido, no contrato, a ré não se limitou a reconhecer as deficiências existentes no locado; também as aceitou.

Adiante, será analisada a questão, no âmbito da relevância de tais deficiências como fundamento da resolução operada pela ré.

3. Vejamos agora os fundamentos invocados para a resolução do contrato de arrendamento.

A resolução deste contrato encontra-se prevista no art. 1083º do CC (na versão da Lei 6/2006, de 27/2), nestes termos:

1. Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte;

2. É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento (…).

A resolução consiste na "destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato".

Constitui um direito potestativo extintivo que "assenta num poder vinculado, obrigando-se o autor a alegar e provar o fundamento, previsto na convenção das partes ou na lei, que justifica a destruição unilateral do contrato"[8].

No caso, foram três os fundamentos de resolução invocados pela ré:
- Estado (defeitos) do locado;
- Falta de licenciamento do imóvel;
- Alteração anormal das circunstâncias em que foi celebrado o contrato.

3.1. Na sentença, sobre os dois primeiros fundamentos, escreveu-se o seguinte:
"Por outro lado, a R. alega que o locado, após a DD ter cessado a sua actividade no local, não tem licença de utilização, sendo que o locado padece de vários defeitos.
De novo, os factos provados comprovam tal alegação. Mas, s.d.r., a dar razão ou fundamento à resolução que a R. pretende fazer operar, estaria a fazer tábua rasa do que foi efectivamente acertado entre A. e R., ie, que a R. tinha perfeito conhecimento do estado do local, aqui incluindo, existência de licença de utilização e do estado do locado".

Esta fundamentação, patentemente sucinta, foi corroborada, dessa mesma forma, no acórdão recorrido nestes termos:
"Outrossim, aprovamos a posição acolhida na sentença recorrida no que respeita aqueloutros fundamentos (o locado não tem licença de utilização, a par de que o locado padece de vários defeitos) com vista ao reconhecimento judicial da resolução do contrato ajuizado, pois, ao não ter resultado apurado os alegados factos, bem pelo contrário, apurado ficou que a Ré tinha conhecimento da existência do Alvará de Licença de Utilização nº. …, bem como, do estado do locado (clª 5ª do contrato de arrendamento), entendemos ser ponderado, sufragar o que a este propósito também se consignou no aresto recorrido, sendo despiciendo quaisquer outros desenvolvimentos, uma vez que as circunstâncias em que assenta a possibilidade de resolução do contrato devem ser demonstradas, por quem se quer prevalecer da resolução, no caso a Ré/arrendatária/CC SA., o que de resto não foi o caso, como reconhecemos sem quaisquer reservas".

Dissemos atrás que, no contrato de arrendamento celebrado entre as partes, a ré não se limitou a declarar expressamente que conhecia o estado de manutenção e conservação do imóvel arrendado; mais declarou que o aceitava, reconhecendo ainda as aptidões do locado ao fim a que se destina.

Não está já em causa a prova, plena, desta declaração, nos termos dos arts. 374º nº 1 e 376º nº 1 do CC, como acima se referiu; a questão, agora, é a de saber a eficácia que a lei atribui a tal declaração.

Trata-se de uma declaração de vontade ou declaração negocial que produz os efeitos que lhe são próprios e que a lei lhe atribui (cfr. arts. 217º nº 1 e 224º do CC), a não ser que se demonstre a existência de vício que afecte a formação ou manifestação dessa vontade. Ou seja: "a vontade através dela expressa será presumida até que se prove a divergência relevante entre a vontade e a declaração ou um vício relevante da vontade"[9].

Deve, pois, reconhecer-se que, face ao que a ré declarou no contrato, esta conhecia o estado de manutenção e conservação do imóvel locado e, assim, as deficiências que este apresentava, tendo-as aceitado, reconhecendo a aptidão do locado para o fim a que se destinava contratualmente.

Daí decorre que o contrato de arrendamento não pode ter-se por incumprido pela autora, por virtude da existência de tais deficiências. Trata-se de um dos casos de irresponsabilidade do locador, nos termos do art. 1033º a) do CC.

Acresce que, como foi convencionado no contrato de arrendamento (clªa 6ª nº 2), a ré obrigou-se a "fazer, à sua custa, todas as reparações que se mostrem necessárias ou convenientes à reparação, recuperação e conservação do locado (…), ressalvadas que sejam obras de carácter estrutural do locado (…)".

Assim, se sobrevieram deficiências na manutenção e conservação do locado durante a execução do contrato, deveria a ré tê-las reparado, a expensas suas, como se obrigou. E se essas deficiências são de carácter estrutural – como acontecerá com a provada cedência estrutural da laje de pavimento do 1º piso –, deveria a ré tê-las comunicado imediatamente à autora, nos termos do art. 1038º h) do CC.

Na falta desta comunicação (falta que, no caso, decorre da posição que a ré veio a assumir apenas na carta de resolução), não poderia a autora ser responsabilizada por esses vícios[10].

Pode, pois, concluir-se que, apesar das deficiências provadas que afectam o imóvel locado, estas não revelam incumprimento do contrato de arrendamento por parte da autora.

Daí que a existência de tais deficiências não pudesse constituir fundamento da resolução do contrato de arrendamento operada pela ré (cfr. citado art. 1083º nº 1 do CC).

3.2. O segundo fundamento de resolução respeita à invocada falta de licenciamento do imóvel.

Dispõe o art. 1070º do CC:

1. O arrendamento urbano só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível.

2. Diploma próprio regula o requisito previsto no número anterior e define os elementos que o contrato de arrendamento urbano deve conter.

Somos assim remetidos, por via desta norma, para o regime do DL 160/2006, de 8/8, onde se prevê, como conteúdo necessário do contrato de arrendamento, a existência de licença de utilização – art. 2º d) – dispondo-se ainda no art. 5º:

1. Só podem ser objecto de arrendamento urbano os edifícios ou suas fracções cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização. (…)

5. A inobservância do disposto nos nºs 1 a 4 por causa imputável ao senhorio determina a sujeição do mesmo a uma coima não inferior a um ano de renda (…).

7. Na situação prevista no nº 5, o arrendatário pode resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos gerais.

8. O arrendamento para fim diverso do licenciado é nulo (…).

Resulta desta disposição legal que o direito de resolução a que o arrendatário pode recorrer não é consequência automática da falta de licença de utilização: a resolução deve ser exercida nos termos gerais (cfr. art. 801º nº 2 e 798º do CC) e a falta de licença deve ficar a dever-se a causa imputável ao senhorio.

Nos termos do art. 798º do CC, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que cause ao credor. Para esse efeito, conforme dispõe o art. 799º do mesmo diploma, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (nº 1), esclarecendo-se que a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (nº 2).

Perante estas normas, é inequívoco que o incumprimento, para ser imputável ao devedor, tem de assentar na culpa: "só se compreende a responsabilização do devedor desde que seja possível concluir que, nas circunstâncias concretas de cada caso, o devedor podia e devia ter cumprido"[11].

Fora dos casos de dolo (em que o devedor quer e aceita o resultado que sabe ser ilícito), a censura do devedor "funda-se em ele não ter agido com a diligência ou com o discernimento exigíveis para ter evitado a falta de cumprimento da obrigação, ou para a ter previsto e evitado, quando porventura nem sequer dela se tenha apercebido"[12].

O que se procura saber é se a conduta do devedor merece a censura e reprovabilidade do direito: se, perante as circunstâncias concretas do caso, o devedor devia e podia agir de outro modo.

O critério de aferição, por via da remissão para o art. 487º nº 2 do CC, é o da culpa em abstracto, sendo apreciada pela diligência típica de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso; "a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal (um bom pai de família) teria em face do circunstancialismo próprio de cada caso"[13].

Na responsabilidade contratual presume-se a culpa do devedor, entendendo-se que, em regra, para a elidir, será suficiente a mera prova genérica da falta de culpa, alegando o devedor factos que demonstrem a sua diligência ou a adopção de medidas suficientes para afastar a falta de cumprimento da obrigação[14].

Como acima se referiu, no acórdão recorrido nada se decidiu sobre a regularidade do licenciamento do imóvel arrendado, apesar de ter ficado provado que não existe qualquer acto administrativo que tivesse aprovado o licenciamento do imóvel (al. O) e que não existe qualquer acto administrativo a ordenar a emissão da licença de utilização do imóvel (al. P), para além dos demais factos das als. Q) a AA).

Face a estes factos, não pode deixar de causar estranheza a emissão da licença de utilização nº …: é que não terão sido cumpridos minimamente os procedimentos legais que seriam necessários para o efeito - cfr. designadamente os arts. 62º e segs. e 74º e segs. do DL 555/99, de 16/12.

Não é este o lugar próprio para a procura de explicação para tal situação, nem o é igualmente para apreciar a questão da possível irregularidade do respectivo procedimento administrativo (uma vez que as instâncias declinaram a competência para sobre ela se pronunciarem – cfr. art. 684º nº 2 do NCPC).

De qualquer modo, não parece que essa apreciação seja indispensável, no caso, para uma correcta decisão da causa.

Vamos admitir que inexiste, de facto, a licença de utilização do imóvel locado[15].

Importa considerar que, segundo alegou a ré, no âmbito de uma "operação financeira" (assim mesmo designada e com contornos não inteiramente revelados), foram celebrados, por via desse acordo e por indicação da "DD", com aparente autonomia, três negócios jurídicos distintos, todos eles na mesma data: a compra e venda do imóvel em questão, entre a autora (compradora) e a referida "DD" (vendedora); o contrato de arrendamento do mesmo imóvel entre a autora e a ré; e um contrato de subarrendamento entre a ré e a mesma "DD".

Acrescentou a ré que esta empresa nunca deixou de ocupar o imóvel (até fins de Setembro de 2010).

Note-se que o referido arrendamento foi, como a compra e venda, celebrado em 30.05.2008, para ter início em 01.06.2008, como o terá sido também o contrato de subarrendamento.

No acto da escritura de compra e venda foi exibido o alvará da licença de utilização nº … e certidão passada pela Câmara Municipal de que foi emitida essa licença de utilização nº ….

Foi a "DD" que requereu o licenciamento do referido imóvel, já em 1989 (al. Q), tendo sido em nome dessa requerente que foi emitido o alvará da aludida licença de utilização nº … (al. I), que permitiu a celebração dos aludidos contratos.

A licença de utilização tem por "finalidade específica compelir os proprietários ao cumprimento das regras legais relativamente a obras de construção ou que condicionam a utilização das novas edificações, regras essas de carácter predominantemente administrativo e que se destinam fundamentalmente à observância de requisitos de salubridade, segurança e estética dos edifícios"[16].

Diferentemente do que sucede com a licença de utilização específica para o exercício de uma determinada actividade no locado, cuja obtenção incumbe, por regra, ao arrendatário, a obtenção daquela licença de utilização para actividade genérica constitui obrigação do proprietário do imóvel[17].

Pois bem, pode afirmar-se que, no referido circunstancialismo concreto, a (acima admitida) falta de licença de utilização do imóvel é imputável à autora?

Tendo sido exibida à autora, no acto da escritura – naturalmente, pela razão referida, pela então proprietária e vendedora DD – o alvará da licença de utilização e uma certidão passada pela Câmara Municipal de que foi emitida essa licença de utilização, seria exigível à autora a realização de uma qualquer diligência no sentido de confirmar a regularidade de tais documentos?

A resposta só pode ser negativa, como parece evidente.

A autora, como decorre dos autos, não foi construtora do imóvel, não era proprietária, nem foi a requerente do licenciamento desse imóvel. Tendo apenas a qualidade de adquirente, é perfeitamente plausível e não censurável que desconhecesse a existência de qualquer irregularidade no licenciamento camarário do imóvel. Para mais, podendo confiar na aparência de uma já longa utilização do mesmo pela anterior proprietária (uma vez que o processo de licenciamento foi iniciado pela "DD" em 1989).

Não ficou provado que a autora tivesse conhecimento de alguma eventual irregularidade do licenciamento, não lhe sendo exigível também, no referido condicionalismo, que a tivesse sequer previsto. Não havia, com efeito, nenhum motivo para a autora questionar a licença camarária e o documento autêntico a certificar a emissão dessa licença, documentos que foram exibidos e que nenhuma objecção ou reserva suscitaram ao Notário que lavrou a escritura de compra e venda.

Pode, por isso, concluir-se que a autora actuou, nesse circunstancialismo, com a diligência que lhe era exigível – isto é, como o faria uma pessoa normal, medianamente prudente e sagaz – e que a situação com que deparou não lhe impunha a adopção de qualquer medida adequada a evitar a falta de licença, que não terá sequer previsto (de modo não censurável).

Em suma, a acima admitida falta de licença não seria imputável à autora, não podendo constituir fundamento para a responsabilidade desta e, assim, para a resolução do contrato de arrendamento.

3.3. Passemos ao último fundamento da resolução invocado pela ré: a alteração anormal das circunstâncias em que as partes celebraram o contrato.

Na fundamentação da sentença, em que o acórdão recorrido se apoiou, escreveu-se a este respeito:


"Vejamos, então, se porventura terá a Ré fundamento para a sua declaração de resolução, quanto ao contrato aqui em discussão.
Nos contratos vigora o princípio do cumprimento pontual dos contratos – artigo 406.º, do Código Civil –, o qual só é afastado em caso de impossibilidade absoluta de atingir o seu fim. Esse princípio parece que imporia à parte lesada a necessidade de cumprir a obrigação mesmo que tivesse ocorrido uma profunda alteração das circunstâncias (teoria da base do negócio – artigo 437.º e seguintes Código Civil.
É necessário que tenha havido uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes basearam a decisão de contratar (alteração anormal, quando dela resulte um agravamento da obrigação de uma das partes que não esteja coberto pelo risco anormal do negócio e que tome o agravamento, a exigência dessa obrigação contrária à boa fé). À parte lesada é reconhecido o direito de resolver o contrato, ou modificação sob juízos de equidade.
O direito de resolução, se não for convencionado e, enquanto destruição da relação contratual depende da verificação dum fundamento legal e caracteriza-se por ser um direito potestativo – artigo 432.º do Código Civil.
A parte que invoca o direito à resolução fica obrigada a demonstrar a impossibilidade de cumprimento da prestação, geradora do incumprimento definitivo – artigos 801.º n.º2 e 802.º n.º1 do Código Civil.
Ora, dos autos, resulta que a situação económica do mundo e do país sofreu alteração.
Crise constituiu ou não uma alteração anormal das circunstâncias?
Os factos dados como provados, demonstram inequivocamente que tal crise económica/financeira do mundo e do país foi (é) de tal modo que teve manifesta interferência no prosseguimento normal da relação contratual, continuando ou não em Portugal a DD (verdadeira arrendatária do locado e interessada no negócio aqui em causa, sucessivas vendas, arrendamentos e sub-arrendamentos).
Sopesando tal factualidade e a Lei – artigo 437.º do Código Civil – entendo que tal alteração da situação económica cai no risco do próprio negócio.
É dos manuais, quase do sendo comum, que a economia tem ciclos, tal qual a sucessão das estações do ano. As partes quando celebram um contrato tendo em visto um vasto período de tempo, têm necessariamente que se precaver para as contingências normais dos ciclos económicos, os altos e os baixos. Não fosse assim, a manutenção das obrigações contratuais estaria sujeita aleatoriamente às contingências da vida (…).
Assim, e pelo exposto, ter-se-á que concluir por a R. não haver demonstrado ter fundamento para resolver o contrato de arrendamento".

Dispõe o artigo 437º, nº 1 do CC:

1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.

Estabelecem-se nesta disposição legal os termos em que a alteração das circunstâncias vigentes na data da celebração do contrato pode influenciar a eficácia deste.

Como refere Almeida Costa, "a segurança das relações jurídicas induz à estabilidade dos contratos. Pode acontecer, porém, que uma mudança profunda das circunstâncias em que as partes se vincularam torne excessivamente oneroso ou difícil para uma delas o cumprimento daquilo a que se encontre obrigada, ou provoque um desequilíbrio acentuado entre as prestações correspectivas, quando se trate de contratos de execução diferida ou de longa duração. Nestas situações, às vantagens da segurança, aconselhando a rigorosa aplicação do princípio da estabilidade, opõe-se um imperativo de justiça, que reclama a resolução ou modificação do contrato"[18].

Para que a alteração das circunstâncias conduza à resolução do contrato ou à modificação do seu conteúdo, exige-se que:

- Essa alteração diga respeito a "circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar". Circunstâncias que têm de "apresentar-se evidentes, segundo o fim típico do contrato"; "devem encontrar-se na base do negócio, com consciência de ambos os contraentes ou razoável notoriedade;

- "Essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal", que se caracteriza pela "excepcionalidade";

- "A estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes", com "perturbação do originário equilíbrio contratual";

- A "manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa fé"; "será sempre decisivo que o direito de resolução seja exigência imperiosa da boa fé. Segundo a situação em conjunto, tida em conta a finalidade do contrato";

- Não haja mora do devedor (art. 438º)[19].

Circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar são, segundo Galvão Telles, "as circunstâncias que determinaram as partes a contratar, de tal modo que, se fossem outras, não teriam contratado ou tê-lo-iam feito ou pretendido fazer, em termos diferentes. Trata-se de realidades concretas de que as partes não tiveram consciência, pois nem sequer pensaram nelas, dando-as como pressupostas (…); ou de realidades concretas de que tiveram consciência, mas convencendo-se de que não sofreriam alteração significativa, frustradora do seu intento negocial (…). Aquela pressuposição ou esta convicção inexacta tem de ser comum às duas partes, porque, se não se deu em relação a uma e ela se calou, deixa de merecer protecção".

Acrescenta o mesmo Autor:

"Que a alteração deve ser significativa, que deve assumir apreciável vulto ou proporções extraordinárias, põe-no em relevo a lei ao falar de alteração anormal (artigo 437º, nº 1).

As aludidas circunstâncias constituem a base do negócio. Mas a base do negócio apresenta-se aqui, quanto à configuração e ao regime, como algo de diverso da base do negócio em matéria de erro. A base do negócio no domínio do erro tem carácter subjectivo, porque se traduz na falsa representação psicológica da realidade. A base do negócio no domínio da alteração das circunstâncias tem carácter objectivo, visto não se reconduzir a uma imaginária falsa representação psicológica da manutenção de tais circunstâncias.

A base do negócio no erro é unilateral: respeita exclusivamente ao errante. A base do negócio na alteração das circunstâncias é bilateral: respeita simultaneamente aos dois contraentes. A lei (artigo 437º, nº 1) fala, acentuadamente, das circunstâncias em que as partes (plural) fundaram a decisão de contratar; não refere as circunstâncias em que o lesado com a superveniente modificação teria fundado a sua decisão de contratar, proposição destituída de todo o sentido"[20].

No caso, a alteração das circunstâncias invocada pela ré tem a ver com a situação económica e financeira vivida depois da data da celebração do contrato, com reflexos numa "irreversível crise do mercado imobiliário".

Invoca estes factos provados:
II) A R., indicou, logo, no contrato de arrendamento, a identificação de dois potenciais sub-arrendatários para aí se poderem instalar. Sendo um deles a DD Portugal.
JJ) Após 2008, os bancos fecharam, na prática, o crédito à actividade de construção.
KK) Por este motivo, a R. que, desde sempre, teve crédito na banca, de um momento para o outro deixou de o ter.
LL) Por outro lado os investimentos de construção e instalação de indústria deixaram de ter qualquer aplicação por parte das empresas.
MM) Assim, desde o início do contrato de arrendamento, que a Ré vinha tentando obter uma solução para o subarrendamento das instalações, em referência, mas sem qualquer sucesso.
NN) O subarrendamento era o intuito do negócio da Ré e do contrato (e escopo último do negócio).
OO) O mercado imobiliário actualmente e no último ano, teve um retrocesso catastrófico.
PP) Aliás, em Maio de 2010, ocorreu o colapso financeiro na Grécia e o consequente arrastamento de Portugal.

Respondendo à questão de saber se a actual crise financeira representa uma "grande" alteração das circunstâncias, afirma Carneiro da Frada[21] que "a forma inopinada e profunda, como a actual crise eclodiu, com a surpresa de muitos ou de quase todos, mesmo especialistas, parece apontar nesse sentido. Entre os factores a ponderar, há que considerar a dimensão da sua ocorrência, a sua não antecipabilidade generalizada e o facto de radicar em causas interdependentes múltiplas que ultrapassam o poder de actuação e influência dos actores económicos singulares (…).

É já opinião comum que a crise económica e financeira que actualmente se vive constitui um acidente anormal, estrutural e grave na evolução que a economia mundial vinha experimentando (…) A sua dimensão tem trazido recorrentemente à ribalta a comparação com a "grande depressão" de 1929 (…).

A natureza, a dimensão, as causas e os efeitos globais da actual crise financeira, ao transcenderem em muito a esfera de actuação e de controlo dos agentes económicos, pode perfeitamente representar uma alteração anormal das circunstâncias presentes ao tempo da conclusão dos diversos contratos celebrados pelos sujeitos".

Não há, assim, qualquer dúvida de que vivemos, a partir de 2007/2008, uma crise económica e financeira grave e estrutural, de dimensão e efeitos globais, que, a nível interno, mais se acentuaram nos anos subsequentes, como é por todos conhecido e pode considerar-se notório (cfr. art. 412º nº 1 do NCPC), o que ocasionou, designadamente, o abrandamento do ritmo económico, com períodos de recessão, a retracção do consumo, a quebra do investimento e a insolvência de milhares de empresas.

Sendo isto certo, também será de reconhecer que a factualidade provada permite correlacionar os efeitos dessa crise e o interesse e escopo prosseguidos com o contrato de arrendamento celebrado entre as partes[22]: era condição essencial do negócio que o imóvel pudesse ser subarrendado, o que se tornou mais difícil no quadro da referida crise, com a retracção do mercado imobiliário e a queda do investimento.

Importa, porém, ponderar que o contrato de arrendamento foi celebrado por um prazo de 10 anos, sabendo a ré, como ela alegou, que havia assegurado o subarrendamento à "DD" por apenas 2 anos.

Vinculou-se assim a ré por um longo período de tempo, não podendo desconhecer que, nesse período tão alargado, poderiam suceder ciclicamente fases de menor fulgor e crescimento, de estagnação económica e até de recessão, como é próprio do sistema capitalista em que vivemos.

E não poderia desconhecer também que, independentemente de qualquer factor externo, assumia sempre um risco contratual, que consistia na possibilidade de, nesse período de 10 anos, virem a ocorrer hiatos temporais entre os subarrendamentos que viesse a celebrar. Não poderia a ré pretender ou pressupor que conseguiria ter o imóvel permanentemente subarrendado, ou seja, que a um subarrendamento se sucedesse de imediato um outro sem qualquer interrupção e quebra no rendimento que poderia auferir.

Com efeito, independentemente de factores externos e da crise, não será todos os dias que se celebram contratos de arrendamento deste tipo, de imóveis com esta dimensão e para a utilização que lhe é própria (como a ré reconhece na contestação – arts. 65º e 66º).

Ora, o que vemos no caso é que a ré, aparentemente – e dizemos aparentemente por se admitir que possa haver outra explicação[23], no âmbito da "operação financeira" que alega ter sido realizada –, não ponderou devidamente esse risco contratual, celebrando o contrato por 10 anos e tendo assegurado o subarrendamento apenas por 2 anos.

Reconhece-se que a perspectiva era aliciante, pois, segundo alegou, a renda mensal a pagar pela "DD" seria de € 159.333,85 (art. 17º da contestação), mais do dobro da renda que a ré pagaria ou deveria pagar à autora (€ 65.503,92).

Mas, o que não parece razoável é que a ré pretenda pôr termo ao contrato praticamente em termos imediatos, logo que a "DD" entregou as chaves do locado [o que ocorreu em 30.09.2010 – supra al RR) –, tendo a carta de resolução do contrato sido enviada a 27.10.2010 – al. G)].

Repare-se também que a ré deixou de pagar rendas a partir de Junho de 2009 – als. C) e D) – apesar de, tudo o indica (perante o que alegou), ter continuado a receber a renda da subarrendatária. A autora, para receber, em parte, essas rendas não pagas, teve de accionar a garantia acordada, que se exauriu nesse pagamento (ficando ainda por pagar três rendas vencidas até à data da resolução).

Esta actuação da ré não terá sido inocente e não parece conforme com o princípio da boa fé, que deve estar sempre presente no cumprimento dos contratos (art. 762º do CC). Destruindo, de imediato, o contrato, a ré afastava qualquer risco, que era inerente ao contrato como se referiu, e sem qualquer prejuízo, uma vez que a garantia accionada apenas cobria, em parte, rendas vencidas que não haviam sido pagas (e com valor mais que compensado pelas rendas auferidas no subarrendamento).

Em síntese, reconhece-se que a crise económica e financeira que (como ficou provado) se passou a viver após a data da celebração do contrato de arrendamento constitui uma alteração profunda, imprevista e anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar[24].

Efeito dessa crise foi a provada retracção do mercado imobiliário e a quebra do investimento, com interferência directa no objectivo prosseguido com o contrato de arrendamento celebrado, pretendido pela ré e do conhecimento da autora[25], que era o de subarrendar o imóvel.

Essa interferência não frustrou esse fim contratual, traduzindo-se apenas numa previsível maior dificuldade em conseguir esse objectivo.

Esta dificuldade não resultava, porém, somente do referido circunstancialismo, decorrente da crise. Para tal concorria também a dificuldade em subarrendar o imóvel que era inerente ao próprio contrato celebrado entre as partes e que a ré, como é evidente, teria de suportar.

Com efeito, como é reconhecido, "o contrato não pode ser resolvido (ou modificado) quando a onerosidade verificada estiver compreendida nas flutuações normais do contrato ou abrangida pela finalidade dele"[26].

Ora, não é razoável nem equilibrado que, neste quadro, à primeira "contrariedade" – isto é, perante a desocupação do imóvel pela primeira subarrendatária –, depois de durante 2 anos ter percebido um rendimento que mais do que duplicava o que tinha de pagar, de ter liquidado, nos termos referidos, a garantia convencionada e ante uma previsível maior dificuldade em conseguir subarrendar o imóvel, a ré queira destruir de imediato, unilateralmente, o contrato, alijando deste modo o risco que também assumiu – ao contratar por um prazo longo de 10 anos e tendo por objecto um imóvel com as características referidas –, e evitando assim ter de suportar qualquer prejuízo.

Transferiria, deste modo, injustificado, esse risco e esse prejuízo apenas para a autora, sem considerar minimamente o interesse e a expectativa desta na manutenção do contrato, o que não seria aceitável.

Assim, considerando as circunstâncias referidas, no seu conjunto, não pode dizer-se que, no caso, a resolução do contrato seja exigência imperiosa da boa fé ou que seja justificada por esta.

Entende-se, por conseguinte, que não procede também este fundamento da resolução do contrato de arrendamento operada pela ré, que não deve, por isso, ser admitida.

V.

Em face do exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

                                                 Lisboa, 14 de Outubro de 2014

Pinto de Almeida (Relator)

Nuno Cameira

Salreta Pereira

________________
[1] Proc. nº 11291/10.9TBVNG.P1.S1
F. Pinto de Almeida (R. 42)
Cons. Nuno Cameira; Cons. Salreta Pereira
[2] A utilização deste termo – promessa – deve-se a evidente lapso, já existente, aliás, no correspondente facto alegado pela ré (art. 141 da contestação).
[3] Cfr. Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, 35 e 40: "os factos que sejam objecto de declaração constante de documento cuja apresentação e teor tenham sido atestados são abrangidos pela força probatória que tiver esse outro documento".
[4] Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. I, 288, Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 1º, 2ª ed., 185.
[5] Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, 128.
[6] Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. III, 25.
[7] Vaz Serra, RLJ 110-85; No mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4ª ed., 319; Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 508 e 509; Lebre de Freitas, A Falsidade cit, 39 e 40; Manuel de Andrade, Ob. Cit., 231.
[8] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., 275 e 276.
[9] Lebre de Freitas, Ob. Cit., 40 e 56; no mesmo sentido, Antunes Varela, Manual cit., 509.
[10] Neste sentido o Acórdão deste Tribunal de 03.12.2009, em www.dgsi.pt. Cfr. também Menezes Cordeiro, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, 66.
[11] Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, 223.
[12] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed. 98.
[13] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., 576.
[14] Neste sentido, Brandão Proença, Ob. Cit., 230 e 231.
[15] Falta que não determinaria a nulidade do contrato de arrendamento, como foi decidido nos Acórdãos deste Tribunal de 13.03.2007, de 27.11.2007, de 19.02.2008 e de 29.09.2009, acessíveis em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Januário C. Gomes, Arrendamentos para Habitação, 2ª ed., 78.
[16] Acórdão do STJ de 29.09.2009, em www.dgsi.pt.
[17] Neste sentido, os Acórdãos do STJ de 13.12.2007, de 19.02.2008 e de 06.07.2011, acessíveis também em www.dgsi.pt.
[18] Direito das Obrigações, 10ª ed., 323.
[19] Almeida Costa, Ob. Cit., 336 e segs. Cfr. também, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4ª ed., 413; Romano Martinez, Cessação do Contrato, 154 e 155; Acórdãos deste Tribunal de 28.05. 2009, de 10.01.2013; de 10.10.2013; de 23.'1.2014 e de 10.04.2014, em www.dgsi.pt.
[20] Manual dos Contratos em Geral, 4ª ed., 343 e ss.
[21] Crise mundial e alteração das circunstâncias, ROA - Ano 69º- 683 e 684.
[22] Cfr. o citado Acórdão deste Tribunal de 13.01.2013.
[23] Uma possível explicação para a "intermediação" da ré é o prazo de 10 anos ter sido determinante na vontade de contratar por parte da autora, prazo que a "DD" não teria por aceitável (por prever que permaneceria em Portugal apenas por mais 2 anos).
[24] No caso, "condicionalismo objectivo implícito" "essencial ao sentido e aos resultados do contrato celebrado" – Almeida Costa, Ob. Cit., 337.
[25] Como se provou – al. HH) – e foi admitido expressamente no contrato de arrendamento – clª 12ª Nº 1.
[26] Vaz Serra, Resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, BMJ 68-340. Sobre a referida concorrência de causas, cfr. Almeida Costa, Ob. Cit., 341.