Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
23572/15.0T8LSB-C.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: AÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
LEGITIMIDADE PASSIVA
EXTEMPORANEIDADE
INCIDENTES DA INSTÂNCIA
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
REQUISITOS
REVISTA EXCECIONAL
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONFIRMADA
Sumário :
I – Não admite recurso de revista, a decisão que não conhece da exceção de ilegitimidade da ré, por extemporaneidade, proferida num incidente processual que correu por apenso a uma ação de divisão de coisa comum (artigos 925.º e seguintes do CPC), em que a ré foi considerada parte legítima.

II – Segundo jurisprudência sedimentada deste Supremo Tribunal de Justiça, a admissibilidade do recurso de revista excecional está condicionada pela verificação dos requisitos gerais do recurso de revista.

Decisão Texto Integral:  

            Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça:

 

I – Relatório

1. AA, não se conformando com o acórdão do Tribunal da Relação, datado de 30 de junho de 2020, veio interpor Recurso de Revista excecional com fundamento nos artigos 671º, nº 1 e 672º, nº 1, al. a), do CPC.

2. Notificada, ao abrigo do artigo 655.º, n.º 1, do CPC, para se pronunciar sobre a questão prévia da admissibilidade do recurso, veio a recorrente responder, pugnando para que o recurso de revista excecional fosse admitido.  

3. A Relatora proferiu decisão singular de não admissibilidade do recurso de revista normal, por não estarem reunidos os pressupostos gerais de recorribilidade, não podendo, por esse motivo, o processo ser remetido à formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, para indagação dos requisitos específicos da revista excecional.

4. Inconformada, veio a recorrente, agora reclamante, «ao abrigo do art. 652º nº 3 do CPC, requerer que sobre a decisão singular de não admissão do recurso de revista, e não conhecimento do seu objeto, recaia acórdão com a respetiva submissão do caso à conferência, dado que a recorrente se sente particularmente prejudicada com tal decisão singular, quando o que está em causa é o direito inalienável de a recorrente não poder estar por si só em juízo em venda judicial de casa de morada de família sob pena de ilegitimidade o que pôs termo ao processo com a desconsideração de que o indeferimento da ilegitimidade, permitiu uma violação de lei».

5. A reclamação apresentou os seguintes fundamentos, conforme se passa a transcrever:

«I – A QUESTÃO FORMAL DA PRESENTE RECLAMAÇÃO


1.


Dispõe o art. 652º nº 3 do CPC que, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho de relator que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria da decisão singular, recaia um acórdão com submissão do caso à conferência.

2.


Neste caso concreto, e uma vez que, sem prejuízo da dupla conforme, ter sido o presente recurso de revista deduzido como revista excecional relativamente a uma questão de grande relevância jurídica como é a ilegitimidade resultante da venda judicial de casa de morada de família sem a presença de ambos os cônjuges, o certo é que, a presente ação especial tem alçada mais que suficiente para a dedução do recurso de revista e também porque a decisão sobre a legitimidade da recorrente pôs termo ao processo consolidando a venda da casa de morada de família a terceiros sem intervenção de ambos os cônjuges.

3.


Era, por isso, sempre o presente processo suscetível de recurso para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça como revista excecional, o que foi negado pela decisão singular notificada.

4.


A douta decisão singular notificada não admitiu, no Tribunal ad quem, o recurso de revista interposto nem dele tomou conhecimento, fundamentando-se prática e unicamente na alegação de que:

a) Sem prejuízo da dupla conforme, que é afastada, para os termos da revista excecional pelo artigo 672º nº 1 do CPC, não julgava o conhecimento do objeto do recurso com o fundamento de que o recurso de revista não cabia, nem se enquadrava no disposto no art. 671º nº 1 do CPC, uma vez que a decisão sobre a legitimidade da recorrente não punha termo ao processo;

b) E por outro lado que também julgava o recurso inadmissível por não se integrar nas situações previstas no nº 2 do art. 671º do CPC.


5.


Em função deste enquadramento, e pelas razões expostas, deduz a recorrente desde já um pedido de acórdão pela admissão do presente recurso de revista e sua respetiva procedência com a revogação do acórdão recorrido.


II – INTRODUÇÃO E FUNDAMENTOS DO PRESENTE PEDIDO DE SUBMISSÃO À CONFERÊNCIA


6.


Deduziu a aqui recorrente e reclamante recurso de Revista, do acórdão do Tribunal da Relação de ….., com a referência ........ datado de 30.06.2020, o qual, confirmando a decisão recorrida de primeira instância que indeferiu a decisão de ilegitimidade da recorrente de estar por si só em diligencia judicial de venda de casa de morada de família desta, seu marido e de seus filhos, decidiu, manter a decisão de primeira instância, declarando improcedentes as alegações da recorrente.

7.


E foi tal recurso que não foi admitido e não tomado conhecimento do seu objeto pela douta decisão singular já identificada no cabeçalho, entendendo que, face aos fundamentos alegados pela recorrente, a revista não integrava as condições de admissibilidade.

8.


Contudo, no presente recurso, o que está em causa são os fundamentos de o acórdão recorrido não ter atendido:

a) Em primeiro lugar ao facto de tal acórdão recorrido ter julgado improcedente a dedução de exceção de ilegitimidade de a recorrente estar por si só em venda judicial de casa de morada de família;

b) Em segundo lugar ao facto de não ter considerado quer a invalidade processual decorrente do art. 34º do CPC, quer e principalmente por as ações terem de ser propostas contra ambos os cônjuges em razão do disposto nos arts. 1673º, 1682º- A do CC, bem como dos arts. 62º e 65º e 67º da CRP, com a consequente invalidade substantiva da decisão;

c) Em terceiro lugar pelo mesmo acórdão, ao julgar deduzida a ilegitimidade deduzida fora de prazo, e apesar de ser de conhecimento oficioso, ter escamoteado que é no ato da alienação do direito real que se coloca em causa o direito inerente à casa de morada de família dos cônjuges.


9.


Assim, não tendo sido admitido o recurso de revista por decisão singular do Supremo Tribunal de Justiça, objeto agora do pedido de conferência, e com a importância de no recurso se tratarem questões relativas à ilegitimidade que põe em causa o direito inalienável de a venda da casa de morada de familia só se poder efetuar com a representação processual e substantiva de ambos os cônjuges, são à presente revista totalmente aplicáveis o art. 671º, e 672º nº 1 a) do CPC relativamente à pertinência da preterição da exceção da ilegitimidade da parte, contrariando o princípio geral de direito do art. 3º do CPC, consagrado também no art. 20º da Constituição da República.

10.


Para além disso, tão pouco se está perante uma decisão interlocutória porquanto em termos da ilegitimidade arguida e ao não se pôr em causa a venda da casa de morada de família sem intervenção de ambos os cônjuges, teve lugar o termo do processo relativamente à superação da invalidade das decisões das instâncias.

11.


Cabe assim, e pedindo desde já o suprimento de V. Exas., fazer uma análise relativamente ao recurso não admitido.


III – OS ELEMENTOS ESSENCIAIS DO RECURSO


12.


É que, face ao bem jurídico que estava em causa, a alienação e a forma de alienação da casa de morada de família e o direito à habitação pelo agregado familiar foi a exceção de ilegitimidade corretamente deduzida como se demonstrará.

13.


Com efeito, a presente acção foi interposta e é tramitada como processo especial de divisão de coisa comum – artº 925º e seguintes do C.P.C, como a única instância de fase declarativa e executiva, relativa ao prédio sito na............., freguesia e concelho .........

14.


E de acordo com o artº 549º do C.P.C., a presente instância iniciou-se pela propositura da acção e tornou-se estável com o acto da citação – artº 259º e 260º do C.P.C.

15.


Ora, se no presente processo a recorrente foi efectivamente citada para contestar, neste especifico processo especial, dispõe o artº 927º do C.P.C. que, não havendo contestação e mesmo sendo a revelia operante, caberá ao Tribunal sempre determinar a peritagem no processo, o que, no caso concreto, sucedeu, não tendo a mesma peritagem ocorrido, contrariamente ao que diz a decisão recorrida, confirmada pelo acórdão recorrido, segundo o art. 926º do CPC porquanto a situação era de revelia, conforme é reconhecido no acórdão recorrido.

16.


E, como resultado dessa peritagem, o Sr. Perito, Eng. Agrónomo BB, concluiu que, muito embora o bem pudesse vir a ser dividido, não se mostrava prática, tal divisão não tendo qualquer viabilidade económica.

17.


Foi como consequência de tal relatório que a recorrente, por requerimento com a referência ........ datado de 19.06.2018 deduziu a sua ilegitimidade passiva de por si só estar em juízo uma vez que a recorrente AA, é casada e residente na referida morada, tendo a instância sido estabilizada unicamente e só em relação à recorrente pessoa individual, apesar de residente na indicada morada com o seu agregado familiar e como Casa de Morada de Família conforme prova feita nos autos.

18.


Porque também está provado nos autos, designadamente na caderneta predial urbana e na certidão da conservatória do Registo predial........ que a recorrente é moradora no imóvel em venda e casada com CC, o prédio da............ nº .. em ........, sobre que incide o objeto do presente processo de divisão de coisa comum, é casa de morada de família da recorrente e de seu marido.

19.


Vivendo nessa casa o casal em comum com os seus dois filhos menores DD e EE, o que é do perfeito conhecimento do comproprietário recorrido.


IV – O DIREITO


20.


Ora a abertura de propostas de venda incidiu sobre um imóvel em que a recorrente tem um direito de compropriedade a ¼ do prédio.

21.


Em consequência, começa a presente revista a ter como base de julgamento ter sido considerada improcedente a definição da exceção de ilegitimidade de a recorrente estar por si só em venda judicial de casa de morada de Família e também pelo facto de não se ter considerado a invalidade processual do art. 34º do CPC por as ações terem de ser propostas contra ambos os cônjuges, bem como por se entender que a legitimidade fora deduzida fora de prazo e apesar do regime legal amplo de dedução de ilegitimidade ser do conhecimento oficioso.

22.


Acresce ainda de forma fundamental que os arts. 1673º, 1682º-A do CC acabam por traduzir o que a Constituição da Républica Portuguesa dispõe não só no art. 62º mas principalmente no que dispõem os arts. 65º e 67º do mesmo diploma fundamental sobre o direito à casa de morada de Família e à proteção da Família pelo Estado.

23.


Como corolário destes princípios fundamentais, o direito substantivo é espelho quando legisla sobre a alienação da casa de morada de Família como residência legal dos cônjuges e o direito adjetivo quando normatiza que os cônjuges têm de estar representados no ato judicial em que esteja em causa a alienação da sua residência comum.

24.


Daqui resulta desde já que, ao ser decidido pelas instâncias que, apesar do regime de dedução da legitimidade e não obstante ser de conhecimento oficioso, a ilegitimidade fora mal deduzida, estas escamotearam que é no ato de alienação do direito real que se coloca em causa o direito inerente à casa de morada de família dos cônjuges.

25.


Foi por isso que também se alegou que na revista excecional requerida estavam em causa conceitos fundamentais da ordem jurídica, não só o direito à propriedade, mas principalmente os direitos constitucionais da habitação e proteção à família.

26.


Ora, o recurso de revista excecional deduzido teve por fundamento a apreciação de uma questão de relevância jurídica e constitucional claramente necessária a uma melhor aplicação de direitos – art. 672º nº 1, a) do CPC.

27.


Sucede que a questão em apreciação, ou seja, julgar inválida a dedução da ilegitimidade com o fundamento em que se trataria de um incidente processual, violou não só todo o sistema legal da dedução da exceção de ilegitimidade, como também não teve em atenção que era na fase executiva do processo de divisão de coisa comum que se colocava a questão da alienação a terceiros de um direito real inalienável como é o direito de habitação da casa de morada de família.

28.


É que a revista excecional foi requerida por estarem em causa dois conceitos fundamentais da ordem jurídica, como o direito à habitação pela família e a própria defesa da família, com a consequente preocupação legal de se encontrarem, em ato processual em que se verifique tal alienação, ambos os cônjuges, de acordo com o que estabelece a lei substantiva principalmente em relação à sua casa de morada de família da recorrente onde sempre viveu com o seu cônjuge e filhos do casal.

29.


Note-se que a eventual não admissão do recurso, acaba por ter como consequência a violação da norma substantiva do art. 1682º-A do CC, sobre a alienação de direitos pessoais de gozo sobre imóveis e do art. 34º do CPC sobre ações em que tenham que estar ambos os cônjuges como parte processual.

30.


O que também se reconduz ao conceito de questão de relevância jurídica, porquanto, em função da violação dos direitos dos cônjuges à alienação conjunta da casa de morada de família, está a admitir-se o termo do processo não só contra a recorrente mas também contra o seu cônjuge em razão de defesa de direitos próprios.

31.


Assim, pôs-se em causa o direito da recorrente e de seu cônjuge em relação à alienação da casa de morada de família, o que determinou, de acordo com a decisão recorrida, o termo do processo em relação à parte recorrente e seu cônjuge que nele deveriam intervir.

32


O que, a contrario sensu, corresponde à manutenção de uma instância, contra partes insuficientemente representadas, sendo tal legitimidade de conhecimento oficioso.

33.


Deste modo, estando em causa os direitos constitucionais, substantivos e adjetivos fundamentais da ordem jurídica, o presente recurso será sempre de admitir.

34.


E sê-lo-á quer porque, face à alçada e apesar da dupla conforme, preenche os requisitos formais, designadamente face aos direitos da recorrente e do seu cônjuge.

35.


Sendo o recurso suscetível de admissão pelo seu próprio enquadramento e arguição violação de princípios fundamentais da ordem jurídica, visa o presente apenso C repor a legalidade sobre a questão especifica da ilegitimidade de a recorrente estar por si só em venda judicial de casa de morada de família com o correspondente ato de escamotear a alienação de direito real inerente a tal situação que é de conhecimento oficioso.


V – O REGIME DA ARGUIÇÃO DA ILEGITIMIDADE


36.


Sobre esta matéria, é posto em causa na douta decisão singular notificada a dedução da ilegitimidade como incidente processual que versaria apenas sobre a relação processual e que não constituiria matéria substantiva a ser analisada pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça.

37.


Contudo, e com todo o devido respeito sem razão.

38.


Na verdade, a abertura de propostas de venda, ato judicial em que se colocou a alienação de direito pertencente a ambos os cônjuges, incidiu sobre um imóvel em que a recorrente tem um direito de compropriedade a ¼ do prédio.

39.


Acontece que, inequivocamente, dispõe o artigo 1682º -A nº 2 do Código Civil que a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada de família, carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges independentemente do regime de bens, o que só acontecia na fase processual de transmissão do bem, ou seja, na abertura de propostas.

40.


Por seu turno, determina o número 3 do art. 34º do CPC que devem ser propostas contra ambos os cônjuges as ações de que possa resultar a perda de bens ou direitos que só por ambos possam ser alienados ou exercidos.

41.


Deste modo, a recorrente na presente ação seria sempre parte ilegítima para, por si só e exclusivamente, ter sido demandada em juízo, nem tão pouco e principalmente a abertura de propostas para venda podia ter ocorrido sem a presença de seu cônjuge.

42.


E a questão é exatamente essa de nunca poder ter ocorrido a abertura de propostas e a transmissão da casa de morada de família a terceiro, sem a intervenção do cônjuge com ela residente desde sempre.

43.


A ilegitimidade é exceção dilatória estabelecida na alínea e) do art. 577º do CPC, e é igualmente de conhecimento oficioso, segundo o artigo 578º do mesmo código.

44.


Mas mais significativo é que, como exceção de conhecimento oficioso, a sua dedução pode ser feita em qualquer altura do processo, não estando sujeita ao princípio da plenitude da defesa na contestação – art. 573º nº 2 in fine do CPC, matéria alegada e entendida como incorreta pelo Acórdão recorrido.

45.


E ainda mais relevante é o facto de tal legitimidade poder ser deduzida até ao trânsito em julgado da sentença que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa – art. 261º do CPC.

46.


Ora, tal artigo 261º do CPC está integrado no título II do Código de Processo Civil “Da Instância”, sendo certo que, nos termos do art. 277º a instância extingue-se com o julgamento.

47.


Daqui resulta que só pode ser sistematicamente interpretado o art. 261º, ao falar em trânsito em julgado com o julgamento que ponha termo à instância do art. 277º como a questão da legitimidade poder ser colocada a qualquer momento, uma vez que não houve qualquer julgamento na instância sobre a questão da legitimidade.

48.


Nem tão pouco qualquer decisão que tenha posto termo à própria instância.

49.


Para além disso, é relevante ainda o nº 2 do art. 261º do CPC dizer que mesmo após decisão que ponha termo ao processo pode haver renovação de instância extinta sobre a questão da legitimidade, o que, aliás, se tramitaria sempre num apenso.

50.


Neste enquadramento não tem razão de ser o despacho impugnado e transcrito na douta decisão em pronuncia, quando refere que estando decidido na fase declarativa que a Ré era parte legitima, a legitimidade ficaria definida, o que é contrário ao regime do próprio art. 261º do CPC.

51.


Só que, a instância do presente processo mantém-se em pleno e com o desenvolvimento normal do processo de divisão de coisa comum, pelo que a exceção de ilegitimidade foi correta e rigorosamente deduzida incidentalmente e deveria ter sido apreciada no âmbito do conhecimento oficioso do tribunal, especialmente em relação à diligência processual em que uma casa de morada de família era transferida a terceiros sem intervenção do cônjuge.

52.


O que conduziria à verificação oficiosa da existência da exceção dilatória e à consequente absolvição da instância que obsta ao conhecimento do mérito da causa – art. 576º nº 2 do CPC e invalidade do ato de abertura de propostas e de adjudicação a terceiro.

53.


O que a recorrente não deixará de pôr em causa, se tal se tornar necessário, com a utilização do disposto no art. 261º do CPC já referido.


VI – A RAZÃO DO PRESENTE PEDIDO DE SUBMISSÃO À CONFERÊNCIA DA DECISÃO SINGULAR DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


54.


Foi neste enquadramento que a decisão singular aqui posta em crise confirmou a não admissão do recurso à revelia da natureza da decisão recorrida, da ofensa dos direitos constitucionais sobre a Família e a casa de morada de Família, dos direitos substantivos sobre a alienação da casa de morada de familia e dos pressupostos adjetivos da representação de ambos os cônjuges no ato de alienação, num processo que o objeto é constituído pela casa de morada de família da recorrente em consequência da sua falta de notificação pessoal.

55.


Por tudo quanto se alegou, a decisão singular não teve em conta os verdadeiros pressupostos processuais do recurso de revista e muito particularmente o carater definitivo do acórdão recorrido em relação à ilegitimidade decorrente de ambos os cônjuges não estarem presentes na instância relativamente ao ato de alienação da própria casa de morada de Família.

56.


E a decisão não é interlocutória exatamente porque constitui uma decisão final que põe termo à causa quanto à adjudicação de casa de morada de família sem intervenção da recorrente ou do seu cônjuge, a terceiro.

57.


Sendo todos estes aspetos que causam prejuízo irreparável à recorrente que ficará impossibilitada de deduzir o seu recurso de revista que lhe é conferido por lei, conforme se demonstrou, e que só através de prolação de douto acórdão poderá a questão ser ultrapassada.

Nestes termos e nos demais de direito, vem a recorrente requerer a V. Exas. que a decisão singular de não admissão de recurso de revista seja submetida à conferência e a douto julgamento de Tribunal Coletivo que permita a admissão do consequente recurso de revista, com o que se fará a costumada JUSTIÇA».


Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

1. O teor da decisão singular reclamada foi o seguinte:

«1. O presente recurso tem como objeto a decisão proferida num incidente processual que correu por apenso a uma ação de divisão de coisa comum tramitada nos termos dos artigos 925.º e seguintes do CPC. Nesse incidente a recorrente deduziu a irregularidade da instância por ilegitimidade passiva por se encontrar desacompanhada do cônjuge e a ação ter por objeto a casa de morada de família.

 

2. No processo principal, em 14.06.2018, procedeu-se à abertura de propostas sendo o bem adjudicado ao recorrido. Em 19.06.2018, a recorrente suscita a irregularidade da instância por ilegitimidade passiva.

3. Em 13.09.2018 é proferido despacho sobre o requerimento que suscitou a ilegitimidade passiva da recorrente por se encontrar em juízo desacompanhada do seu cônjuge.

4. O teor do despacho foi o seguinte:

“Veio a requerida alegar a sua ilegitimidade processual para estar, por si só, em juízo, desacompanhada do seu cônjuge, apesar do regime de separação de bens, uma vez que o objeto dos autos recai sobre a casa de morada de família. Em consequência, requer que a abertura de propostas efetuada seja julgada inválida e a requerida absolvida da instância.

Vejamos.

No processo comum, as exceções dilatórias podem ser conhecidas em quatro momentos processuais, a saber: no despacho judicial liminar (artigo 590°, n.°l), no despacho pré-saneador (artigo 590°, n.°2, al. a)), no despacho saneador (artigo 595°, n.°l, al. a)) ou na sentença (artigo 608°, n.°l), todos do Código de Processo Civil (doravante “CPC”). Na ação especial de divisão de coisa, prevista nos artigos 925° a 929°, todos do CPC, as exceções dilatórias podem ser conhecidas até à sentença proferida ao abrigo do artigo 926°, n.°2 do CPC.

Com efeito, e como a sentença, naqueles termos, já foi proferida a 06/03/2017, a alegação e apreciação da referida exceção dilatória encontra-se precludida por extemporaneidade.

Pelo exposto, indefiro o requerido.”

5. A apelante recorre deste despacho, em 10-10-2018 (Apenso C), tendo o Tribunal da Relação decidido confirmar o despacho impugnado com o seguinte fundamento sintetizado no sumário do acórdão:

«1. A fase declarativa da acção de divisão de coisa comum destina-se a decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão invocado.

2. Estando decidido nesta fase que a Ré é parte legítima e não tendo a mesma recorrido, a sua legitimidade fica definida».

6. O acórdão recorrido confirmou o despacho de 1.ª instância e indeferiu o conhecimento da exceção da ilegitimidade passiva, posta como incidente processual nos autos. 

7. A recorrente invoca agora na sua resposta que a questão processual que coloca tem incidência no direito à habitação e no direito à proteção da família consagrados respetivamente nos artigos 65.º e 67.º da Constituição, bem como no direito de propriedade protegido pelo artigo 62.º da Lei Fundamental, pelo que se reveste de relevância social justificativa da admissão da revista excecional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, al. a), do CPC.  Entende ainda que não se trata de uma questão de natureza meramente processual, pois que está conexionada com a lei substantiva que estipula nos artigos 1673º e 1682º-A do Código Civil que a casa de morada de família não pode ser alienada sem o consentimento de ambos os cônjuges,  

8. Contudo, a admissibilidade do recurso de revista excecional está a cargo da formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, competindo à agora Relatora apreciar apenas os requisitos do recurso da revista geral. Só depois dessa apreciação ser efetuada, e no caso de concluir que estão verificados os requisitos da revista normal, é que o processo será remetido à referida formação para análise da “relevância social” da questão suscitada.

9. Ora, no caso vertente verifica-se um impedimento geral à admissibilidade do recurso de revista, pois estamos perante uma decisão que se reporta à invocação de uma exceção dilatória – a ilegitimidade passiva – em incidente processual que correu por apenso ao processo principal. 

10. Como estamos perante uma decisão incidental, que não se refere ao mérito, nem põe termo ao processo, nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, não estão reunidos os pressupostos gerais de recorribilidade e o processo não pode ser remetido à formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, para indagação dos requisitos específicos da revista excecional. 

11. Em consequência, não se admite o recurso de revista».

  2. Entende a reclamante que a decisão que a considerou parte legítima na ação de divisão de coisa comum põe termo ao processo e que se projeta nos seus direitos fundamentais e do seu cônjuge e filhos, não se podendo, pois, afirmar, como fez a decisão singular, que faltem os pressupostos gerais do recurso de revista, nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC.

     Mas não tem razão.

A decisão em causa tem uma natureza incidental e incidiu sobre questão de natureza adjetiva, para o efeito de análise dos requisitos de recorribilidade fixados no artigo 671.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC.

Como se afirmou no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 29-06-2017 (proc. n.º 2487/07.1TBCBR-C.C1.S1), os parâmetros de admissibilidade da revista definidos no n.º 1 do art.º 671.º do mesmo diploma não contemplam as decisões finais dos incidentes da instância que versem unicamente sobre a relação processual.

No sumário deste acórdão fixou-se, para o que aqui releva, a seguinte orientação:

«I. Os incidentes da instância traduzem-se em relações processuais secundárias, intercorrentes no processo principal, de caráter episódico ou eventual, que se destinam a prover, em regra, sobre questões acessórias, nomeadamente respeitantes ao preenchimento ou à modificação de alguns dos elementos da instância em que se inserem, como sucede nos casos de substituição de alguma das partes - art.º 262.º, alínea a), do CPC.

II. Diferentemente do previsto no artigo 644.º, n.º 1, alínea a), do CPC, quanto ao cabimento do recurso de apelação autónoma de decisão da 1.ª instância que ponha termo a incidente processado autonomamente, os parâmetros de admissibilidade da revista definidos no n.º 1 do art.º 671.º do mesmo diploma não contemplam as decisões finais dos incidentes da instância que versem unicamente sobre a relação processual».

No mesmo sentido, entende Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, 2020, p. 397), que não admite recurso o acórdão da Relação que aprecia uma exceção dilatória ou qualquer outro aspeto de natureza formal ou adjetiva, sem que ponha termo ao processo. É o caso dos acórdãos da Relação que julguem improcedente uma exceção dilatória (v.g. ilegitimidade ou ineptidão da petição inicial) que tenha sido apreciada no despacho saneador, determinando o prosseguimento dos autos para apreciação das demais questões (Ibidem, p. 397).

 Improcede, assim, o entendimento da reclamante, segundo o qual a decisão que não conheceu da ilegitimidade invocada, por extemporaneidade, põe termo ao processo porque não admite que o seu marido seja parte na venda judicial da casa de morada de família, e não incide sobre questão adjetiva porque se repercute no direito fundamental à habitação e à proteção da casa de morada de família.

Na verdade, nos termos da lei processual, o que importa, para a categorização de uma decisão para efeitos de admissibilidade de recurso, é o seu efeito processual, que, no caso vertente, não extinguiu a instância, nem sequer em relação ao marido da reclamante, pois este não era parte no processo, e não apreciou o pedido formulado nem conheceu de exceção perentória. Por outro lado, a ligação entre questões adjetivas e questões substantivas está presente em todos os processos, mas tal não invalida que se proceda a uma separação entre questão de mérito e questão processual, para o efeito de admissibilidade do recurso de revista, como impõe a lei, significando o conhecimento do mérito que a Relação se envolveu na resolução material do litígio. Não tem razão, pois, a reclamante em pugnar para que um despacho que não incidiu sobre a resolução material do litígio, mas sobre uma exceção dilatória de ilegitimidade, seja tratado como uma decisão que incide sobre o mérito.

Assim, por ser esta a correta interpretação do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, não se admite o recurso de revista geral, não se enviando, em consequência, o processo à formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC para indagação dos pressupostos específicos da revista excecional.

Anexa-se sumário elaborado nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

I – Não admite recurso de revista, a decisão que não conhece da exceção de ilegitimidade da ré, por extemporaneidade, proferida num incidente processual que correu por apenso a uma ação de divisão de coisa comum (artigos 925.º e seguintes do CPC), em que a ré foi considerada parte legítima.

II – Segundo jurisprudência sedimentada deste Supremo Tribunal de Justiça, a admissibilidade do recurso de revista excecional está condicionada pela verificação dos requisitos gerais do recurso de revista.

III – Decisão

Pelo exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se a decisão singular impugnada.

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de junho de 2021

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Alexandre Reis (1.º Adjunto)

Pedro de Lima Gonçalves (2.º Adjunto)


Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, atesto o voto de conformidade dos Juízes Conselheiros Alexandre Reis (1.º Adjunto) e Pedro de Lima Gonçalves (2.º Adjunto). 

(Maria Clara Sottomayor – Relatora)