Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4363/04.0TBSTS.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: NEGÓCIO JURÍDICO
INVALIDADE
COMPRA E VENDA
DAÇÃO EM PAGAMENTO
BOA FÉ
TERCEIRO
TUTELA
REQUISITOS
BEM IMÓVEL
INABILITAÇÃO
PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL
CONTRATOS SUCESSIVOS
REGISTO PREDIAL
REGISTO DA ACÇÃO
REGISTO DA AÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
NEGÓCIO ONEROSO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO DOS REGISTOS E NOTARIADO - REGISTO PREDIAL.
Doutrina:
- Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 5.ª ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, 511.
- Maria Clara Sottomayor, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, anotação ao art. 291.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 291.º, 342.º, N.º 1, 497.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 615.º, N.º 1, AL.C).
CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL (CRGP): - ARTIGOS 5.º, N.º 4, E 17.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05/07/2007, PROC. Nº 07B1361, CONSULTÁVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 20/03/2014, PROC. N.º 207/2001.G1.S1, E DE 23/06/2016, PROC. N.º 5968/13, CONSULTÁVEL EM SUMÁRIOS DA JURISPRUDÊNCIA CÍVEL, IN WWW.STJ.PT .
Sumário :
I - O regime de tutela dos terceiros de boa fé, resultante do art. 291.º do CC, aplica-se às hipóteses em que o interveniente num negócio substantivamente inválido pretende a respectiva invalidação, mas se vê confrontado com terceiros (não intervenientes nesse negócio) que adquiriram, de boa fé e a título oneroso, direitos sobre os bens (imóveis ou móveis sujeitos a registo) cuja subsistência depende do primeiro negócio. Se esses terceiros registaram o correspondente acto aquisitivo, a invalidade não lhes é oponível, salvo se a acção de anulação ou de declaração de nulidade for instaurada e registada nos três anos posteriores à celebração do primeiro negócio, definindo, assim, a lei o equilíbrio entre a tutela da validade substancial do negócio e a confiança depositada no registo.

II - Por sua vez, o regime de tutela dos terceiros de boa fé, resultante dos arts. 5.º, n.º 4, e 17.º, n.º 2, do CRgP, supõe duas aquisições sucessivas de um mesmo transmitente, tendo sido registada a segunda transmissão, mas não a primeira, pretendendo o primeiro adquirente (que não registou) invocar a invalidade do negócio de que resultou a segunda aquisição (registada), porque, à data da sua celebração, já o direito transmitido não se encontrava na esfera jurídica do transmitente, mas antes na esfera jurídica do primeiro adquirente.

III - Se, no caso sub judice, não estão em causa duas aquisições sucessivas a partir da mesma transmitente e se a autora, na qualidade de curadora da legítima proprietária dos imóveis veio invocar a invalidade da procuração pela qual esta última concedeu ao réu poderes para os alienar, assim como a invalidade de todo e qualquer acto de disposição baseado na dita procuração, quer em relação aos adquirentes – intervenientes na acção – quer em relação ao sub-adquirente de dois dos imóveis, ora recorrente, apenas é de ponderar a aplicação do regime de tutela dos terceiros de boa fé, resultante do art. 291.º do CC.

IV - O terceiro sub-adquirente, ora recorrente, que adquiriu os imóveis através de dois negócios de dação em cumprimento, celebrados com terceiros adquirentes, que, por sua vez, os adquiriram mediante contratos de compra e venda celebrados com o representante da legítima proprietária, tendo, tanto a procuração como os contratos, sido anulados pelas instâncias com fundamento em incapacidade da representada, pode ser abrangido pelo regime tutelar da inoponibilidade da invalidade a terceiros de boa fé, previsto no art. 291.º do CC, desde que – nos termos gerais do art. 342.º, n.º 1, do CC – seja feita prova dos factos constitutivos do direito por aquele invocado.

V - Os efeitos da invalidade do negócio não são oponíveis a terceiro se se verificarem cumulativamente os seguintes requisitos: (i) ser o terceiro titular de um direito real; (ii) ter o direito como objecto coisa imóvel ou coisa móvel sujeita a registo; (iii) ter esse direito sido adquirido a título oneroso; (iv) estar o terceiro de boa fé; (v) ter o terceiro registado a aquisição do direito; (vi) ser o registo da aquisição anterior ao registo da acção (ou do acordo sobre a invalidade do negócio); (vii) a propositura da acção e o registo da acção sobre invalidade ocorrerem para além de 3 anos após a conclusão do negócio (exigência, formulada pela positiva, que decorre do n.º 2 do art. 291.º do CC).

VI - Resultando da factualidade provada que (i) o sub-adquirente adquiriu direitos reais através dos negócios de dação em pagamento; (ii) esses direitos têm como objecto coisas imóveis; (iii) a aquisição foi feita a título oneroso; (iv) o recorrente registou a aquisição dos imóveis em 20-02-2006 e 19-10-2006, respectivamente; (v) esses registos são anteriores ao registo da acção em 24-09-2007; e (vi) a propositura (em 29-11-2004) e o registo (em 24-09-2007) da acção de invalidade ocorreram para além de 3 anos após a conclusão (em 31-07-1999) dos primeiros negócios inválidos, apenas resta apurar se o recorrente, sub-adquirente, se encontrava de boa fé.

VII - De acordo com a definição legal do art. 291.º, n.º 3, do CC: “É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável”, sendo que a verificação da culpa ou da sua ausência – à luz do critério da diligência do bonus paterfamilias do art. 497º, nº 2, do CC, e não de critérios de conduta normativos – corresponde a uma questão de facto.

VIII - A lei exige a alegação e a prova pela positiva do desconhecimento, sem culpa, do vício de que padeciam os negócios jurídicos anulados. No caso, não tendo sido alegados nem provados factos bastantes para integrar o requisito da boa fé, tal como formulado no n.º 3 do art. 291.º do CC, conclui-se que o sub-adquirente, recorrente, não pode beneficiar da especial tutela dos terceiros adquirentes prevista no n.º 1 do mesmo artigo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA instaurou, em 29/11/2004, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra BB, formulando os pedidos de condenação do R. a reconhecer:

a) Que a mãe da A., CC, é pessoa incapaz de reger o seu património, pois sofre de atraso mental e de enfermidade psíquica congénita;

b) Que seja declarada nula e de nenhum efeito, face à incapacidade da mandante CC para entender o sentido e o alcance do acto praticado, a procuração que outorgou em 21 de Maio de 1998 no 2º Cartório Notarial de ..., pela qual constituiu procurador o R., bem como qualquer acto de disposição patrimonial que tenha sido outorgado com base na referida procuração ou em qualquer outra outorgada pela mãe da A., ordenando-se o cancelamento de quaisquer registos eventualmente realizados com base nela, tudo com as legais consequências.

Alega para tanto, em síntese, que a sua mãe, CC, que foi declarada inabilitada e de quem foi nomeada curadora, sofre de anomalia psíquica notória que a incapacita de reger o seu património, o que já sucedia em Maio de 1998, data em que outorgou uma procuração irrevogável a favor do R., através da qual lhe concedeu poderes para vender, por qualquer preço e condições, todos os imóveis de que era proprietária, tendo o R., com base nessa procuração, adquirido por compra e venda todos os aludidos imóveis, por preço bastante inferior ao seu valor real.

Contestou o R., que apresentou defesa por excepção, em que invoca a ineptidão da petição inicial, e por impugnação, aduzindo que a mãe da A., apesar de iletrada, entendeu perfeitamente o conteúdo e alcance das procurações que outorgou, quer a favor dele, quer da filha DD, e que a procuração que emitiu a seu favor se destinou a formalizar o contrato de compra e venda dos imóveis que com ela acordou, cujo preço, de Esc. 2.200.000$00, pagou, os quais posteriormente, no uso dos poderes que lhe foram conferidos na referida procuração, vendeu a terceiros.

Conclui pela procedência da excepção e pela improcedência da acção, com as legais consequências, deduzindo o incidente de intervenção principal de CC.

Tendo a A. respondido a reafirmar o inicialmente alegado e opondo-se ao incidente de intervenção deduzido pelo R., concluindo como na petição inicial, foi proferido despacho a admitir o incidente de intervenção principal provocada de CC e a convidar o R. a deduzir o incidente de intervenção principal provocada das pessoas a quem vendeu os imóveis, convite a que o R. acedeu, chamando aos autos EE e marido, FF, GG, HH, II e mulher, JJ, e KK e marido, LL.

Posteriormente, deduziu a A. o incidente de intervenção principal provocada de MM, com o fundamento de que o interveniente HH havia alienado a favor do chamado os imóveis que havia adquirido, que foi admitido.

Regularmente citados, contestaram, separadamente:

a) Os intervenientes EE e marido, FF, GG, HH, II e mulher, JJ, e KK, que apresentaram contestação idêntica à do R., mais invocando a ilegitimidade dos intervenientes HH e KK, com o fundamento de que os mesmos não eram os actuais proprietários dos imóveis que adquiriram ao R., em virtude de os terem dado em pagamento ao interveniente MM;

b) O interveniente MM, afirmando desconhecer as circunstâncias em que os imóveis haviam sido adquiridos pelas pessoas que lhos alienaram, pede a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido e deduz pedido reconvencional em que peticiona a condenação da A. a pagar-lhe os prejuízos que a impossibilidade de alienar os imóveis lhe acarreta, em montante a liquidar no respectivo incidente.

Tendo a A. respondido às excepções deduzidas pelos intervenientes e impugnado a factualidade alegada em sede de reconvenção pelo interveniente MM, pugnando pela sua improcedência, foi proferido despacho saneador, desatendendo as excepções invocadas pelo R. e intervenientes, admitindo o pedido reconvencional deduzido pelo interveniente MM, e fixando à causa o valor de € 44.866,97, em consequência do que a acção passou a seguir os termos do processo ordinário.

Instruída a causa, habilitados os herdeiros da entretanto falecida CC - a A. e a irmã DD - e junta certidão do registo da acção datado de 24/9/2007, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença, que julgou procedente a acção e improcedente a reconvenção, decidindo, a final, nos seguintes termos:

“Condeno o R. e os chamados a reconhecer que CC é pessoa incapaz de reger o seu património, pois sofre de notório atraso mental e de enfermidade psíquica congénita;

- Declaro anulada e de nenhum efeito, face à incapacidade da mandante CC para entender o sentido e o alcance do acto praticado, a procuração que outorgou em 21 de Maio de 1998, pela qual constituiu procurador o R., bem como qualquer acto de disposição patrimonial outorgado com base na referida procuração, ordenando-se o cancelamento de quaisquer registos realizados com base nela:

Julgo o pedido reconvencional improcedente e em consequência absolvo a Autora do pedido.”

Inconformados, o R., os intervenientes EE e outros, e o interveniente MM interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do …, pedindo a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 796 foi proferida a seguinte decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do … em julgar parcialmente procedentes as apelações interpostas pelo R. e pela interveniente EE e outros, e improcedente a interposta pelo interveniente MM, e, no mais a mantendo, em alterar a sentença recorrida, condenando as herdeiras habilitadas da falecida CC a restituir ao R. o contravalor em Euros de Esc. 2.200.000$00 (Dois milhões e duzentos mil escudos).

2. Vem o interveniente MM interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

A- A douta sentença não se fundamentou correctamente nos factos alegados e dados como provados estando arredada do melhor direito aplicável.

B- Dos autos resulta e para o que ora nos interessa o provado nos pontos 17 e 18, todos da matéria dada como provada, e que em resumo se pode concluir que o chamado celebrou as ditas escrituras de dação em cumprimento em 21/11/2005 e 19/10/2006 e que as mesmas foram registadas em 20-02-2006 e 19-10-2006, respectivamente.

C- Provado também que as escrituras públicas de compra e venda outorgadas pelo Réu, com base numa procuração, em representação de CC, foram outorgadas todas em 31 de Julho de 1999.

D- Não ficou provado nos autos que o chamado/recorrente BB, tinha pleno e perfeito conhecimento de tudo quanto se alega na petição inicial, e não consta da matéria provada que o mesmo tivesse conhecimento que à data das escrituras de dação em cumprimento, a presente acção já se encontrava proposta.

E- O aqui recorrente desconhecia e não estava obrigado a conhecer que a acção foi registada em 24/09-2007, por não foi notificado do mesmo, por outro lado só com o chamamento à acção é que teve conhecimento da acção de inabilitação, muito tempo depois das escrituras de aquisição dos Imóveis., e que foram registadas ames do registo da acção.

F- O recorrente é um adquirente a titulo oneroso e de boa fé, e beneficia da fé pública de um registo preexistente, tendo feito essa a sua aquisição confiando nesse registo.

G- Decorre do Artº 7º do CR Predial que "o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.

H- Face aos princípios gerais do C.C. podemos concluir que a presunção derivada do registo, nos termos do Artº 7º do CR. Predial é susceptível de admitir prova em contrário designadamente, nos casos de invalidade registral ou invalidade substantiva, e a invalidade registral pressupõe o seu reconhecimento por via da competente acção judicial transitada em julgado, não podendo todavia ser provada por força da lei, em relação a terceiros que reúnam as seguintes condições: estejam de boa fé, tenham adquirido o direito em causa a título oneroso, tenham registado o seu direito á data em que foi registada a acção de nulidade e tenham agido com base no registo prévio.

I- Essa e a situação do chamado BB, aqui recorrente, ou seja na data em que adquiriu de forma onerosa os referidos prédios, era um terceiro de boa fé e que agiu com base nos elementos existentes no registo ou seja não estava pendente qualquer ónus ou encargo sobre os aludidos prédios, tendo este convencido de que a sua aquisição voluntária estava livre de quaisquer tipo de ónus ou encargos, até porque a presente acção só foi registada depois do registo dos prédios.

J- A nulidade prevista no Artº 17º do C R.Predial, com a epígrafe declaração de nulidade estipula que " 1- A nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com transito em julgado. 2-A declaração de nulidade de registo não prejudica os direitos adquiridos a titulo oneroso por terceiros de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade.

K- Por outro lado o Artº 291º do C Civil prevê que "1-A declaração de nulidade ou de anulação do negocio jurídico que respeite a bens moveis ou a imóveis, ou a moveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiros de boa fé, se o registo da aquisição for anterior a registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade dos negócios 2- Os direitos de terceiros não são porem reconhecidos se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.

L- Este normativo tem o seu especifico âmbito de aplicação cingido às invalidades substantivas, precisamente quando o terceiro de boa fé não tenha agido com base no registo, ou seja quando o negocio jurídico nulo, anulável ou inválido não tenha sido ou esteja registado.

M- Assim é licito concluir que para as invalidades registrais se deve aplicar apenas o Artº 17° do C R. Predial porque tendo sido ou estando registado o direito temos que concluir serem de aplicar as regras do registo predial a fim de: " há que destruir esse registo substantivamente inválido ".

N- Estando assim o âmbito de aplicação do Artº 17º do C R. Predial estritamente delimitado às invalidades registrais porque se verifica o referido no parecer do Conselho Técnico da Direcção dos Registos e Notariado em Boletim dos Registos e Notariados, n° 8/2003, II, P.21, isto é: o nosso sistema jurídico é-ainda é marcado por uma prevalência muito forte da titularidade substantiva sobre os interesses do tráfego".

O- Logo a lei ao prever a nulidade do registo com recurso à interpretação extensiva deverá entender-se que o legislador pretendia igualmente referir-se á "nulidade e cancelamento, ou seja todas as pessoas que reúnam os pressupostos do nº 2 do citado normativo, em referência gozam de uma presunção de titularidade do direito, correspondente ao facto inscrito, inilidível, indestrutível por meio de prova, em contrário daqui se pode concluir que a aquisição efectuado pelo chamado BB tem que merecer a necessária protecção do ordenamento jurídico precisamente por estarem em causa interesses do tráfego na perspectiva que o que consta do registe têm de ser factos seguros e certos com correspondência na realidade- precisamente porque na actualidade a propriedade está inscritas seu favor.

P- No que respeita às dações em cumprimento efectuadas pelo chamado BB conforme aqui expusemos, tendo resultado demonstrado que na data da aquisição dos prédios, o mesmo estava e agiu de boa fé, que o negocio foi oneroso, com valor acordado pelas partes: o negócio rol real e que nessa decorrência registou as propriedades a seu favor outra conclusão não podemos da integração do direito aos factos que não seja a improcedência do pedido da Autora relativamente aos prédios adquiridos por aquele, porquanto o chamado tem a seu favor inscrita a denominada aquisição tabular

O- E ao contrário da douta sentença o direito de aquisição do chamado merece reconhecimento, e erradamente na sentença refere que os chamados não se encontravam de boa fé referindo na sua fundamentação que os mesmos eram filhos do Réu que interveio nas aquisições na qualidade de procurador da vendedora, vejamos:

R- O chamado BB não é filho do réu, e aquele nenhum prédio adquiriu a este, tal como se pode constatar das escritura de dação em cumprimento, e em parte alguma dos autos é referido que o chamado BB seja filho do reu, pelo contrários os autos revelam inequivocamente que o mesmo não é filho do R., e basta atentarmos na matéria dada como não provada da contestação da A. á reconvenção do aqui recorrente.

S- Nesta parte a sentença é contraditória munida de ambiguidade o que influenciou a decisão, pois serviu para fundamentar a ausência de boa fé do chamado e é nula nos termos do Artº 615º n° 1 do C.P.C.

R- Depois não se provou que o BB tinha perfeito conhecimento de tudo quanto se alega na petição, ou seja este desconhecia a inabilitada, muito menos a existência da acção de inabilitação á data da celebração das escrituras, e desconhecia também o negocio celebrado pelo reu com base numa procuração.

U- Sabe é que realizou o negócio de aquisição dos prédios por dação em cumprimento: que o mesmo corresponde a realidade, e que foi oneroso, que é terceiro e encontrava-se de boa fé, pelo que mal andou o Tribunal nesta parte no não considerar a sua boa fé, apesar de a matéria factual provada apontar nesse sentido.

V-A douta sentença ora posta em crise argumenta a dado passo, invocando o Artº 291° do C.Civil já atrás referido que sendo a acção proposta e registada nos 3 anos posteriores á conclusão do negócio não são reconhecidos os direitos de terceiro, logo dizendo que nos termos do n°2 daquele artigo o direito de aquisição do chamado BB não merece reconhecimento pois a acção proposta foi registada dentro dos 3 anos posteriores á conclusão do negócio.

X- Ora a referida disposição legal refere-se sempre á anulação do primeiro negócio anulável o que foi celebrado com base na referida procuração, ou seja os negócios anuláveis outorgados com base na procuração passada pela mãe da A foram celebrados pelo R. em 31 de Julho de 1999, quer dizer que os negócios foram concluídos nessa data , com base na procuração que o tribunal recorrido anulou pela decisão ora posta em crise

Y- A acção de anulação dos negócios jurídicos foi proposta em 29 de Novembro de 2004 e registada em 24 de Setembro de 2007, e as escrituras de dação em cumprimento foram celebradas em 21-11-2005 e 19-10-2006, sendo os registos da aquisição cie 20-02-2006 e 19-10-2006, respectivamente.

Z Ou seja a acção para efeitos do Artº 291° do C Civil foi proposta muito para além dos 3 anos, pois o que releva é que os VÍCIOS do negócio anterior - a primeira transmissão com base na procuração anulada - não afectam os direitos adquiridos por terceiro sobre determinado bem, decorrido que estivesse um prazo de três anos sobre aquele primeiro negocio sem ter registada uma acção de anulação.

AA- Ora a dita norma visa claro dar protecção ao terceiro, e dá um prazo ao contraente para descobrir e actuar sobre qualquer malformação contratual, mas desde que o faça dentro de três anos e aí o negócio será com êxito anulado, por outro lado findo os três anos os terceiros saberão que não poderão ser importunados por vícios de negócio antes celebrados.

AB- Posto que o chamado BB era um terceiro subadquirente de boa fé e no momento da aquisição dos imóveis, sem culpa, desconhecia o vicio do negocio anulável, pode fazer prevalecer o seu direito real referendo aos imóveis que sujeitou a registo sobre o direito do beneficiário da anulação tem assim c chamado também protecção pela citada norma e merece o seu direito reconhecido como proprietário pleno dos prédios, repita-se uma vez que o negocio viciado ocorreu em 1999, tendo a presente acção sido proposta muito para além dos três anos.

AC-Por último imporia trazer á colação um argumento senão o mais importante para a tutela do direito do recorrente a acção prevista no Artº 291° do C.C., e que deve ser proposta e registada dentro dos três anos posteriores á conclusão do negócio é a acção de nulidade ou anulação do negócio originário, no caso o negócio das compras e vendas celebradas em 1999 e aquele prazo de três anos, são os três anos posteriores á conclusão do negócio e começa a contar a partir da data da celebração do primeiro negócio inválido ou nulo que dá origem á cadeia .

AD- Entendemos que a decisão é mesmo ambígua o que a torna nula nos termos do Art° 615°., n° 1, alínea c) do C.C., para além de terem sido violados os Art°s 291° do C.C. e Art° 17° do CR. Predial.

A Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Cumpre decidir.

3. Vem provado o seguinte:

1. AA nasceu em 00 de … de 1954 e é filha de CC, conforme teor de fls. 61.

2. No assento de nascimento referente a CC encontra-se averbado sob o nº 1 a inabilitação, por sentença de 17 de Maio de 2000, proferida pelo 3º juízo cível do Tribunal Judicial de ... e nomeada curadora AA, conforme teor de fls. 62.

3. No dia 21 de Maio de 1998, no Segundo Cartório Notarial de ..., CC declarou “Que constitui seu bastante procurador, o Sr. BB, casado, natural da dita freguesia de ..., onde também reside no lugar de ..., a quem confere poderes para prometer vender ou vender, pelo preço e condições que entender, todos ou parte dos prédios sitos na aludida freguesia de ..., inscritos na matriz rústica sob os artigos 173, 427, 429, 431, 448, 502, 544, podendo outorgar e assinar os respectivos contrato e escritura, inclusive de rectificação e/ou ratificação, receber o preço e dar quitação, representá-la perante Repartições Públicas em geral e, nomeadamente, junto de Câmaras Municipais, Conservatórias do Registo Predial e Repartições de Finanças, podendo requerer e assinar tudo o que necessário seja para os indicados fins. Esta procuração é irrevogável e conferida no interesse do Mandatário, o qual poderá celebrar negócio consigo mesmo, não podendo ser revogada sem o acordo deste (…)”, conforme teor de fls. 64, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

4. Pela inscrição G-2 encontra-se registada a aquisição do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1367 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 273 a favor de HH, conforme teor de fls. 68 e 69.

5. Pela inscrição G-2 encontra-se registada a aquisição do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1368 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 508 a favor de HH, conforme teor de fls. 70 e 71.

6. Pela inscrição G-2 encontra-se registada a aquisição do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1369 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 448 a favor de II, conforme teor de fls. 72 e 73.

7. Pela inscrição G-2 encontra-se registada a aquisição do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1370 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 544 a favor de KK, conforme teor de fls. 74 e 75.

8. Pela inscrição G-2 encontra-se registada a aquisição do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 1371 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 427 a favor de GG, conforme teor de fls. 76 e 77.

9. Pela inscrição G-2 encontra-se registada a aquisição do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 1372 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 429 a favor de EE, conforme teor de fls. 78 e 79.

10. Pela inscrição G-2 encontra-se registada a aquisição do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 1373 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 431 a favor de EE, conforme teor de fls. 80 e 81.

11. No dia 31 de Julho de 1999, no 1º Cartório Notarial de ... foi outorgada escritura pública de compra e venda, pela qual, BB, em representação de CC declarou vender, pelo preço global de Esc. 500.000$00, a HH, que declarou comprar, os prédios rústicos inscritos na matrizes sob os artigos 273 e 502, conforme teor de fls. 119 a 123, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

12. No dia 31 de Julho de 1999, no 1º Cartório Notarial de ... foi outorgada escritura pública de compra e venda, pela qual, BB, em representação de CC declarou vender, pelo preço global de Esc. 500.000$00, a II, representado por HH, que declarou comprar, o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 448, conforme teor de fls. 124 a 128, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

13. No dia 31 de Julho de 1999, no 1º Cartório Notarial de ... foi outorgada escritura pública de compra e venda, pela qual BB, em representação de CC declarou vender, pelo preço global de Esc. 200.000$00, a EE, que declarou comprar, os prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos 429 e 431, conforme teor de fls. 129 a 133, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

14. No dia 31 de Julho de 1999, no 1º Cartório Notarial de ... foi outorgada escritura pública de compra e venda, pela qual, BB, em representação de CC declarou vender, pelo preço global de Esc. 200.000$00, a GG, que declarou comprar, o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 427, conforme teor de fls. 152 a 155, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

15. No dia 31 de Julho de 1999, no 1º Cartório Notarial de ... foi outorgada escritura pública de compra e venda, pela qual, BB, em representação de CC declarou vender, pelo preço global de Esc. 800.000$00, a KK, que declarou comprar, o prédio rústico inscrito na matriz sob os artigos 544, conforme teor de fls. 139 a 143, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

16. Correu termos sob o n.º 639/1999, no 3º juízo cível deste Tribunal acção especial de inabilitação que AA intentou contra CC, na qual foi proferida sentença de inabilitação da Requerida em 17.05.2000, já transitada em julgado, conforme teor de fls. 100 a 116, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

17. Por escritura pública de dação em cumprimento, outorgada em 21 de Novembro de 2005, HH declarou dar em pagamento a MM, pelo valor de dez mil euros, o prédio inscrito na matriz sob o artigo 502, conforme teor de fls. 336 a 340, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

18. Por escritura pública de dação em cumprimento, outorgada em 19 de Outubro de 2006, KK declarou dar em pagamento a MM, pelo valor de quatro mil euros, o prédio inscrito na matriz sob o artigo 544, conforme teor de fls. 342 a 346, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

19. CC não sabe ler, escrever e contar.

20. Também não conhece o valor do dinheiro.

21. Não se consegue situar no tempo e no espaço.

22. Não consegue sozinha cuidar da sua higiene e saúde.

23. CC sofre de enfermidade psíquica de natureza congénita, de forma permanente e actual que a torna incapaz para o exercício da sua inteligência e vontade.

24. O que é do conhecimento de todas as pessoas que privam ou contactam com a CC.

25. Os prédios referidos em 3 constituíam todo o património de CC.

26. A CC nunca pretendeu constituir procurador BB.

27. Nem nunca pretendeu vender os referidos bens.

28. O Réu tinha conhecimento do referido em 23.

29. CC encontrava-se incapaz de compreender o conteúdo e alcance do acto referido em 3 em virtude do referido em 23.

30. O referido em 23 é notório para qualquer pessoa que contacte com a dita CC.

31. Os bens objecto do negócio referido em 3 valem, pelo menos, 3 ou 4 vezes mais do valor que neles consta.

32. O Réu HH pagou a CC a quantia de Esc. 2.200.000$00 (dois milhões e duzentos mil escudos) através do cheque nº 00000071, do BANCO NN, agência de ... que aquela recebeu através de depósito na sua conta no BANCO OO.

33. MM realizou investimentos e suportou despesas nos prédios por si adquiridos.

34. Correu termos pelo extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ..., sob o nº 340/98, os autos de arrolamento dos referidos bens, que a veio a ser deferido.

35. A mãe da Autora durante muitos anos viveu na companhia de um seu irmão, de nome PP.

36. A mesma vivia de trabalhos de jornaleira que fazia para as pessoas da terra.

37. Ia à missa, ia à feira e quando se organizava na freguesia algum passeio colectivo participava.

38. Às vezes vendia alguns produtos provenientes dos prédios que tinha, como lenha.

Foram dados como não provados os seguintes factos (mantendo a identificação da sentença que a Relação não alterou):

1. Foi a Autora quem sempre cuidou da sua mãe CC e dos bens que a mesma possuía.

2. MM realizou investimentos e suportou despesas nos prédios por si adquiridos no pressuposto de que rapidamente iria proceder à sua venda.

Da Contestação do Réu BB:

3. A mãe da Autora apesar de iletrada sabe contar e conhece bem o valor do dinheiro.

4. É perfeitamente capaz de cuidar da sua higiene e saúde pessoal, bem como dos seus bens, como é do conhecimento público.

5. Sobre a capacidade de manifestar a sua vontade nunca tiveram dúvidas as pessoas da aldeia e freguesia com quem conviveu.

6. Bem como os serviços do Segundo Cartório Notarial de ... e do Consulado Geral de Portugal em Lion, em França, conforme expressamente se colhe da procuração outorgada em 14.08.1990, conferindo mandato ao Réu, de outra procuração outorgada em 13.02.1991 e daqueloutra outorgada cm 10.08.1993 conferindo mandato a sua filha DD e ainda em 21.05.1998 conferindo mandato também ao Réu BB.

7. CC compreendeu e aceitou, por ser a sua vontade real e inequívoca, o conteúdo dos referidos documentos.

Da Contestação dos Chamados EE e outros:

8. Era a mãe da Autora quem cozinhava para ambos, cuidava da casa e realizava as tarefas mínimas indispensáveis à vida diária.

9. A mãe da Autora geria a sua vida com normalidade, sem a ajuda de ninguém, e ajudava o irmão.

10. A outorga da procuração a favor do Réu, bem corno o pagamento do preço acordado, resultou de conversas e do acordo entre as partes envolvidas.

Da Contestação da Autora à Reconvenção de BB:

11. O contestante vive maritalmente com uma das filhas de BB precisamente KK e tinha pleno e perfeito conhecimento de tudo quanto se alega na petição inicial.

12. As confissões de dívida, constituição de hipotecas e dações em cumprimento foram celebradas apenas com o intuito de impedir a Autora de obter ganho de causa.

13. Jamais BB emprestou qualquer quantia aos Réus LL e KK.

4. Tendo a acção sido proposta em 29 de Novembro de 2004, e a decisão da Relação sido proferida em 26 de Janeiro de 2017, o regime recursório aplicável é o regime instituído pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, com ressalva do obstáculo da dupla conforme do nº 3, do art. 671º, do Código de Processo Civil. Não se verifica, assim, impedimento à admissibilidade do presente recurso.

5. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, estão em causa neste recurso as seguintes questões:

- Nulidade do acórdão recorrido, ao abrigo do art. 615º, nº 1, alínea c), do CPC;

- Inoponibilidade da invalidade dos negócios dos autos ao sub-adquirente, aqui Recorrente.

6. Relativamente à questão da nulidade do acórdão recorrido, ao abrigo do art. 615º, nº 1, alínea c), do CPC, alega o Recorrente o seguinte: “E ao contrário da douta sentença o direito de aquisição do chamado merece reconhecimento, e erradamente na sentença refere que os chamados não se encontravam de boa fé referindo na sua fundamentação que os mesmos eram filhos do Réu que interveio nas aquisições na qualidade de procurador da vendedora, vejamos: O chamado BB não é filho do réu, e aquele nenhum prédio adquiriu a este, tal como se pode constatar das escrituras de dação em cumprimento, e em parte alguma dos autos é referido que o chamado BB seja filho do réu, pelo contrário os autos revelam inequivocamente que o mesmo não é filho do R., e basta atentarmos na matéria dada como não provada da contestação da A. à reconvenção do aqui recorrente. Nesta parte a sentença é contraditória munida de ambiguidade o que influenciou a decisão, pois serviu para fundamentar a ausência de boa fé do chamado e é nula nos termos do Artº 615º nº 1 do C.P.C.”

Considerando que, ao referir-se a sentença, o Recorrente se reporta à ao acórdão da Relação, vejamos o teor deste, na parte que aqui releva:

Ora, os intervenientes EE e outros que outorgaram as escrituras públicas de compra e venda com o R. são filhos do R. (cfr. artº 1º da sua contestação, junta a fls. 331 e seguintes e artº 607º, nº 4, do CPC) e eram, como resulta das referidas escrituras, juntas aos autos a fls. 119 e seguintes, residentes no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., lugar onde residia também a falecida CC.

E mostra-se provado que CC sofre de enfermidade psíquica de natureza congénita, de forma permanente e actual, que a torna incapaz para o exercício da sua inteligência e vontade, facto que era do conhecimento de todas as pessoas que privam ou contactam com ela, do conhecimento do R. e era notório para qualquer pessoa que com ela contacte (factos provados de 23., 24., 29. e 30.).

Acresce que os bens objecto do negócio referido em 3. valem, pelo menos, 3 ou 4 vezes mais do valor que deles consta (factos provados de 31.) e que a acção em que CC foi declarada inabilitada em 17/5/2000, havia publicitada através de editais em 13/7/1998 e de anúncio no jornal de ... em 24/7/1998, conforme certidão de fls. 100 e seguintes, ou seja mais de um ano antes da outorga das escrituras de compra e venda.

Perante esta factualidade, concluímos, à semelhança do tribunal recorrido, que os intervenientes EE e outros, à data em que outorgaram, na qualidade de compradores, as escrituras públicas de compra e venda, não podiam desconhecer, sem culpa, os vícios do negócio anulável, consubstanciados na incapacidade da mandante em compreender o conteúdo e alcance da procuração que emitiu a favor do R. e com base na qual ele procedeu à venda aos intervenientes EE e outros dos imóveis da primeira.

Daí que não beneficiem da excepção ao princípio da retroactividade da declaração de anulação do negócio prevista no nº 1 do artº 291º, sendo-lhes oponível a declaração de anulação.

Improcede, deste modo, a apelação interposta pelos intervenientes EE e outros.

Mas beneficiará o interveniente MM da referida excepção?

Por fundamentação diversa da decisão recorrida, entendemos que não, apesar de, quanto a ele, se encontrarem reunidos todos os referidos requisitos de que a lei - citado artº 291º do CC - faz depender a inoponibilidade a terceiros da declaração de anulação do negócio jurídico relativo a imóveis.

Efectivamente, como se viu, a acção não foi proposta nem registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio anulado, e o interveniente MM adquiriu os imóveis inscritos na matriz predial sob os artºs 502º e 544º, a título oneroso, dos intervenientes HH e de KK, e registou a aquisição anteriormente ao registo da acção de anulação.

Por outro lado, não resulta dos factos provados que, no momento da aquisição, conhecesse o vício do negócio anulado, ou seja que não se encontrasse de boa fé, pois que, ao contrário do que sucede quanto aos restantes intervenientes, não se mostra provada qualquer relação de parentesco com o R. e não resultaram provados os factos alegados pela A. em resposta à contestação por ele oferecida de que ele vivesse maritalmente com a interveniente KK, que tivesse perfeito conhecimento do alegado na petição inicial, que as confissões de dívida, constituição de hipotecas e dações em cumprimento foram celebradas apenas com o intuito de impedir a A. de obter ganho de causa e que jamais tenha emprestado qualquer quantia aos referidos LL e KK (cfr. os factos não provados na sentença recorrida, a fls. 742).

Resulta evidente que o acórdão recorrido considerou separadamente a posição dos intervenientes EE e outros (seu marido, FF, GG, HH, II e mulher, JJ, e KK e marido, LL) e a posição do interveniente MM, aqui Recorrente, declarando expressamente não se ter provado qualquer relação de parentesco deste com o R. Diversamente do que alega o Recorrente, no acórdão recorrido as duas categorias de intervenientes são tratadas distintamente, de forma bem clara, sendo a procedência da respectiva apelação apreciada autonomamente. Além disso, e contrariamente ao alegado nas conclusões recursórias, o acórdão recorrido não concluiu pela “ausência de boa fé do chamado”, mas inversamente que “não resulta dos factos provados que, no momento da aquisição, conhecesse o vício do negócio anulado, ou seja que não se encontrasse de boa fé”, conclusão que é favorável ao sub-adquirente, aqui Recorrente, ainda que, como veremos, possa ser incorrecta.

Conclui-se pela inexistência de contradição entre os fundamentos e a decisão do acórdão recorrido, assim como pela inexistência de ambiguidade do mesmo acórdão que torne a decisão ininteligível.

Não se verifica, assim, nulidade do acórdão recorrido.

7. Quanto à questão substantiva – Inoponibilidade da invalidade dos negócios dos autos ao recorrente, sub-adquirente de boa fé – invoca o Recorrente: por um lado, que se verificam os pressupostos do art. 291º do Código Civil, e, consequentemente, lhe é inoponível a invalidade tanto da procuração como dos contratos de compra e venda dos prédios rústicos que posteriormente adquiriu (inscritos na matriz sob os artigos 502 e 544); e, por outro lado, a necessidade de se ponderarem as regras do Código de Registo Predial, que tutelam os terceiros de boa fé.

Antes de mais, torna-se necessário ter presente um e outro regime de tutela de terceiros de boa fé, com o intuito de apurar da sua aplicabilidade à situação do Recorrente. Vejamos o teor das normas legais em causa:

Código Civil

Artigo 291º

1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.

2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.

3. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.

Código de Registo Predial

Artigo 5º

(…)

4 - Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.

(…)

Artigo 17º

1 - A nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado.

2 - A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da ação de nulidade.

3 - A ação judicial de declaração de nulidade do registo pode ser interposta por qualquer interessado e pelo Ministério Público, logo que tome conhecimento do vício.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça esclareceu já os termos em que se conjugam os regimes de tutela de terceiros de boa fé do Código Civil e do Código de Registo Predial. Acompanha-se aqui a fundamentação do acórdão de 05/07/2007 (proc. nº 07B1361), consultável em www.dgsi.pt:

“Como se sabe, o problema da delimitação de ambos os preceitos [artigo 291º, do Código Civil e artigo 5º do Código de Registo Predial] foi já longamente analisado pela jurisprudência e pela doutrina, desde logo porque se punha a questão de saber se o artigo 291º não teria sido revogado pelo Código do Registo Predial. Assim, por exemplo, os acórdãos de 14 de Novembro de 1996 deste Tribunal (cujo sumário se encontra em www.dgsi.pt) e o […] acórdão de 11 de Maio de 2006 afirmaram que não tinha ocorrido tal revogação, fazendo a delimitação entre os campos de aplicação dos dois preceitos.

E neste mesmo sentido, também apenas a título de exemplo, podem citar-se Oliveira Ascensão (Direitos Reais, 5ª ed., Coimbra, pág. 368 e segs.), Menezes Cordeiro (Direitos Reais, Lisboa, 1993, reimp. da 2ª ed., de 1979, pág.277 e segs.) ou Carvalho Fernandes (Direitos Reais, 4ª ed., Lisboa, pág. 143 e segs.), embora não totalmente coincidentes quanto à forma concreta da delimitação.

Entende-se, na linha da jurisprudência deste Tribunal, que o artigo 291º do Código Civil não foi revogado pelo Código do Registo Predial, porque são diferentes as previsões dos respectivos preceitos – hoje, daquele artigo 291º e do artigo 5º do Código do Registo Predial;

(…)

O artigo 291º do Código Civil aplica-se […] às hipóteses em que o interveniente num negócio substantivamente inválido pretende a respectiva invalidação, mas se vê confrontado com terceiros (não intervenientes nesse negócio) que adquiriram, de boa fé e a título oneroso, direitos sobre os bens (imóveis ou móveis sujeitos a registo) cuja subsistência depende do primeiro negócio. Se esses terceiros registaram o correspondente acto aquisitivo, a invalidade não lhes é oponível, salvo se a acção de anulação ou de declaração de nulidade for instaurada e registada nos três anos posteriores à celebração do primeiro negócio. Entre a tutela da validade substancial do negócio e da confiança depositada no registo, o equilíbrio encontrado pela lei foi assim definido.”

Diversamente, e continuando a acompanhar de perto a fundamentação do mesmo acórdão, entende-se que, para efeitos do Código de Registo Predial, terceiros de boa fé “são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si” (art. 5º, nº 4, do CRP). Norma que foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 533/99, de 11 de Dezembro, na sequência do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 3/99 (publicado no Diário da República, I Série A, de 10 de Julho de 1999), que veio substituir o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 15/97 (publicado no Diário da República, I Série A, de 4 de Julho de 1997). Estão em causa duas aquisições sucessivas de um mesmo transmitente, tendo sido registada a segunda transmissão, mas não a primeira. É o primeiro adquirente (que não registou) que pretende invocar a invalidade do negócio de que resultou a segunda aquisição (que registou), porque, à data da sua celebração, já o direito transmitido não se encontrava na esfera jurídica do transmitente, mas antes na esfera jurídica do primeiro adquirente.

Nesta situação, o segundo adquirente, tendo registado a aquisição, encontra-se protegido nos termos do nº 2, do art. 17, do Código do Registo Predial: “A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da ação de nulidade”.

Esclarecido o âmbito de aplicação, tanto do regime de tutela dos terceiros de boa fé do art. 291º do CC como do regime de tutela dos terceiros de boa fé dos arts. 5º, nº 4, e 17º, nº 2, do CRP, torna-se evidente que, no caso dos autos, apenas é de ponderar a aplicação do primeiro.

 Com efeito, no caso sub judice, não estão em causa duas aquisições sucessivas a partir da mesma transmitente. Veio sim a A., na qualidade de curadora da legítima proprietária dos imóveis, invocar a invalidade da procuração pela qual esta última concedeu ao R. poderes para os alienar, assim como a invalidade de todo e qualquer acto de disposição baseado na dita procuração. Tanto em relação aos adquirentes, aqui intervenientes EE e outros, como em relação ao sub-adquirente de dois dos imóveis, aqui Recorrente.

Conclui-se que o acórdão recorrido não merece censura ao afastar liminarmente a aplicação do regime de tutela dos terceiros de boa fé, consagrado no Código de Registo Predial.

 Passa-se de seguida a considerar a questão da eventual tutela do Recorrente, enquanto terceiro de boa fé, à luz do regime do art. 291º, do Código Civil.

8. O acórdão recorrido fundou a decisão no sentido da oponibilidade da invalidade dos negócios ao sub-adquirente MM, aqui Recorrente, no paralelismo que entende existir entre o caso dos autos e o caso decidido pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 19/4/2016 (proc. nº 5800/12.6TBOER.L1-A.S1), consultável em www.dgsi.pt. Fê-lo através da reprodução da detalhada explanação teórica constante daquele acórdão acerca das origens e da natureza do regime do art. 291º do Código Civil, explanação que conclui da seguinte forma:
[A protecção do art. 291º do CC ]“opera apenas quando o verdadeiro titular do direito dá origem à cadeia de negócios que vai culminar com a aquisição onerosa de terceiro adquirente de boa fé.
A aquisição a non domino prevista no art. 291.º, n.º 1 do Código Civil não permite que, através da intervenção de um terceiro que obtenha um registo falso ou baseado em títulos falsos, fique sanada a nulidade negocial derivada da cadeia transmissiva assim gerada, pois tal solução seria equivalente a admitir a expropriação do verdadeiro titular que não terá meios para se aperceber da fraude por não ter praticado qualquer negócio jurídico que desse origem à cadeia de negócios inválidos (Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo…ob. cit., p. 481).
Sendo assim, dentro da lógica de um registo meramente declarativo, o art. 291.º do Código Civil não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do n.º 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido.
Para funcionar a proteção conferida pelo art. 291.º, a cadeia de negócios inválidos tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando abrangida no seu âmbito de aplicação a situação em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro

O acórdão recorrido passou, em seguida, a aplicar esta orientação ao caso dos autos:

“Transpondo a transcrita fundamentação para o caso em apreço, não tendo a incapacitada CC, que era a primitiva proprietária, intervindo no negócio declarado nulo, não beneficia o interveniente MM da protecção (inoponibilidade da declaração de anulação) prevista no artº 291º do CC, não obstante beneficiar dos requisitos constantes do seu nº 1, entre os quais se inclui o registo dos imóveis que adquiriu, por dação em pagamento, a seu favor.”

Porém, e com o devido respeito pelo entendimento da Relação, afigura-se não existir correspondência entre a situação subjacente ao citado acórdão deste Supremo Tribunal, de 19/4/2016, e o caso dos autos. Naquele estava em causa a tutela de um terceiro, último sub-adquirente do imóvel numa sucessão de transmissões, que teve o seu início em negócio jurídico, que o autor alegara não ter sido celebrado por si, mas antes por intervenção de um terceiro que obteve um registo falso ou baseado em títulos falsos. Enquanto no caso dos autos está em causa a tutela de um terceiro sub-adquirente, que adquiriu os imóveis através de dois negócios de dação em cumprimento, celebrados com terceiros adquirentes, que, por sua vez, os adquiriram mediante contratos de compra e venda celebrados com o representante da legítima proprietária, tendo, tanto a procuração como os contratos, sido anulados pelas instâncias com fundamento em incapacidade da representada.

Considera-se assim que o sub-adquirente dos autos, aqui Recorrente, poderá ser abrangido pelo regime tutelar da inoponibilidade da invalidade a terceiros de boa fé, previsto no art. 291º do CC, desde que – nos termos gerais do art. 342º, nº 1, do CC – seja feita prova dos factos constitutivos do direito por aquele invocado.

9. Vejamos se efectivamente se verificam, em relação ao Recorrente, todos os pressupostos do art. 291º do CC. Conjugando a enumeração de Carvalho Fernandes (Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 5ª ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, pág. 511) com a enumeração de Maria Clara Sottomayor (Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, anotação ao art. 291º), resulta que os efeitos da invalidade do negócio não são oponíveis a terceiro se se verificarem cumulativamente os seguintes requisitos cuja prova cabe ao sub-adquirente, aqui Recorrente:
- Ser o terceiro titular de um direito real;
- Ter o direito como objecto coisa imóvel ou coisa móvel sujeita a registo;
- Ter esse direito sido adquirido a título oneroso;
- Estar o terceiro de boa fé;
- Ter o terceiro registado a aquisição do direito;
- Ser o registo da aquisição anterior ao registo da acção (ou do acordo sobre a invalidade do negócio);
- A propositura da acção e o registo da acção sobre invalidade ocorrerem para além de 3 anos após a conclusão do negócio (exigência, formulada pela positiva, que decorre do regime do nº 2 do art. 291º, do CC).

Apreciando a matéria de facto dada como provada, verifica-se:
- Que o Recorrente adquiriu direitos reais através dos negócios descritos nos factos 17 e 18;
- Que esses direitos têm com objecto coisas imóveis;
- Que a aquisição foi feita a título oneroso, concretamente por negócios de dação em pagamento;
- Que o Recorrente registou a aquisição das coisas imóveis (prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos 502 e 544) em 20/02/2006 e 19/10/2006, respectivamente;
- Que esses registos são anteriores ao registo da acção (com data de 24/09/2007).

Falta confirmar se o Recorrente se encontrava de boa fé de acordo com a definição legal, e, ainda, se se verifica o requisito de que a propositura da acção e o registo da acção de invalidade ocorreram para além de 3 anos após a conclusão do negócio.
Vejamos.
A acção foi proposta em 29/11/2004 e, como se referiu, o registo da acção data de 24/09/2007. O negócio a partir de cuja conclusão se conta o prazo de 3 anos é o primeiro negócio inválido que esteve na origem da cadeia transmissiva, no caso dos autos os negócios descritos nos factos 11 e 15 pelos quais os prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos 502 e 544 foram vendidos pelo R., em representação da CC, aos intervenientes HH e KK, respectivamente. Tais negócios foram celebrados em 31/07/1999, pelo que a propositura da acção e o registo da acção de invalidade ocorreram para além de 3 anos após a conclusão do negócio.
Quanto ao requisito da boa fé do sub-adquirente, aqui Recorrente, há que ter presente que, segundo o nº 3, do art. 291º, do CC, “É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.” Ora, da matéria de facto dada como provada nada consta quanto ao estado subjectivo do sub-adquirente, aqui Recorrente. Ficou tão só provado que “MM realizou investimentos e suportou despesas nos prédios por si adquiridos”, o que não tem qualquer relevância para a questão objecto do recurso. E foi dado como não provado que “O contestante vive maritalmente com uma das filhas de BB precisamente KK e tinha pleno e perfeito conhecimento de tudo quanto se alega na petição inicial.” O que, naturalmente, não corresponde a dar como provado o desconhecimento do vício da procuração e dos contratos de compra e venda celebrados entre o R. e os intervenientes HH e KK.

           

Compulsada a sentença, verifica-se que, no que aqui importa, esta se limita a afirmar (a fls. 747) genericamente o seguinte:

“Da prova produzida nada resultou quanto ao destino que BB pretendia dar aos prédios, bem assim nada resultou quanto aos negócios que estiveram por trás da dação em cumprimento ou das relações pessoais entre os intervenientes”.

Recorde-se o teor do acórdão recorrido (que já foi supra transcrito):

“Mas beneficiará o interveniente MM da referida excepção?

Por fundamentação diversa da decisão recorrida, entendemos que não, apesar de, quanto a ele, se encontrarem reunidos todos os referidos requisitos de que a lei - citado artº 291º do CC - faz depender a inoponibilidade a terceiros da declaração de anulação do negócio jurídico relativo a imóveis.

Efectivamente, como se viu, a acção não foi proposta nem registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio anulado, e o interveniente MM adquiriu os imóveis inscritos na matriz predial sob os artºs 502º e 544º, a título oneroso, dos intervenientes HH e de KK, e registou a aquisição anteriormente ao registo da acção de anulação.

Por outro lado, não resulta dos factos provados que, no momento da aquisição, conhecesse o vício do negócio anulado, ou seja que não se encontrasse de boa fé, pois que, ao contrário do que sucede quanto aos restantes intervenientes, não se mostra provada qualquer relação de parentesco com o R. e não resultaram provados os factos alegados pela A. em resposta à contestação por ele oferecida de que ele vivesse maritalmente com a interveniente KK, que tivesse perfeito conhecimento do alegado na petição inicial, que as confissões de dívida, constituição de hipotecas e dações em cumprimento foram celebradas apenas com o intuito de impedir a A. de obter ganho de causa e que jamais tenha emprestado qualquer quantia aos referidos LL e KK (cfr. os factos não provados na sentença recorrida, a fls. 742).”

A formulação utilizada pela Relação – “não resulta dos factos provados que, no momento da aquisição, conhecesse o vício do negócio anulado, ou seja que não se encontrasse de boa fé” – não respeita o critério normativo do nº 3 do art. 291º, do CC, segundo o qual a boa fé consiste na prova de que, no momento da aquisição por dação em cumprimento dos prédios rústicos inscritos nas matrizes sob os artigos 502 e 544, o sub-adquirente desconhecia, sem culpa, o vício que feria a procuração e os contratos de compra e venda daqueles prédios (descritos nos factos 11 e 12), negócios que as instâncias anularam.

Por outras palavras, não tendo sido provado nem que o sub-adquirente conhecia nem que desconhecia o vício de que padeciam os negócios jurídicos anulados, não pode dar-se como provado o requisito da boa fé, uma vez que a lei exige a prova, pela positiva, do desconhecimento, sem culpa, do referido vício.

Chegados a este ponto, impõe-se determinar se foram ou não alegados factos que integrem o conceito de desconhecimento e de desconhecimento não culposo do vício dos negócios anulados, por parte do interveniente sub-adquirente, aqui Recorrente, tendo em conta que, segundo a jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal (ver por exemplo os acórdãos de 20/03/2014, proc. nº 207/2001.G1.S1, e de 23/06/2016, proc. nº 5968/13, consultável em sumários da jurisprudência cível, in www.stj.pt), a verificação da culpa ou da sua ausência corresponde – à luz do critério do bonus paterfamilias do art. 497º, nº 2, do CC, e não de critérios de conduta normativos – a uma questão de facto.

Compulsado o processo, verifica-se que o interveniente/sub-adquirente aqui Recorrente – tendo-se limitado a alegar na contestação, a fls. 372, que “desconhece a forma como o BB adquiriu o prédio, e quando, muito menos o uso de procuração de uma pessoa notoriamente incapaz” não alegou factos bastantes que permitam fazer prova quer do desconhecimento do vício subjacente à procuração e aos contratos de compra e venda celebrados entre o R. e os intervenientes HH e KK quer da ausência de culpa nesse hipotético desconhecimento. Na verdade, a dificuldade da prova dos factos negativos não afasta a regra geral relativa à distribuição do ónus da prova, segundo a qual àquele que invoca um direito – aqui o sub-adquirente/Recorrente que invoca o regime tutelar do art. 291º, nº 1, do CC – cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (art. 342º, nº 1, do CC).

Não tendo sido alegados nem provados factos suficientes para integrar o requisito da boa fé, tal como formulado no nº 3 do art. 291º do CC, conclui-se não poder o Recorrente beneficiar da especial tutela dos terceiros adquirentes prevista no nº 1 do mesmo artigo.

10. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se, com fundamentação parcialmente diferente, a decisão do acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 07 de setembro de 2017

Maria da Graça Trigo - Relatora

João Bernardo

Oliveira Vasconcelos