Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
484/13.7TBBRG.G2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE FORNECIMENTO
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
PUBLICIDADE
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
MORA
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO / RESOLUÇÃO DO CONTRATO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR / PERDA DE INTERESSE DO CREDOR OU RECUSA DO CUMPRIMENTO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Ana Taveira da Fonseca, Da recusa de cumprimento da obrigação para tutela do direito de crédito. Em especial, na excepção de não cumprimento, no direito de retenção e na compensação, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, p. 278-283;
- António Pinto Monteiro, Cláusula penal e indemnização, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, p. 274, 280 e 688;
- João Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, 2.ª ed., separata do vol. XXX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito [da Universidade de Coimbra], Coimbra, 1997, p. 329-337;
- José João Abrantes, A excepção de não cumprimento do contrato: conceito e fundamento, 2.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2012, p. 172-178;
- Júlio Gomes, Da excepção de não cumprimento parcial e da sua invocação de acordo com a boa fé — [anotação ao] acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Março de 2008, Cadernos de direito privado, n.º 25, Janeiro-Março de 2009, p. 51-67;
- Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 869-874 ; Cláusulas acessórias ao contrato — Cláusulas de exclusão e de limitação do dever de indemnizar e cláusulas penais, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2008, p. 120.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 428.º, 432.º, N.º 2, 433.º, 434.º E 808.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 4, 639.º, N.º 1 E 663.º, N.º 2.
CÓDIGO DE INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 81.º, N.ºS 1 E 4 E 90.º.
Sumário :
I - A excepção de não cumprimento, prevista nos arts. 428.º e ss. do CC, tem como fim último o cumprimento ou a execução total do contrato.

II - Num contrato em que as partes acordam que a ré se obriga a revender e a publicitar, em exclusivo, café da marca explorada pela autora, através da compra mínima mensal de uma determinada quantidade de café ao longo da duração do contrato, a suspensão do fornecimento por parte da autora mostra-se desadequada para fazer com que a contraparte cumpra as obrigações decorrentes do contrato.

III - Como tal, contendo esse contrato uma cláusula de exclusividade, tendo a autora deixado de fornecer café à ré, e sendo inexigível à ré a vinculação a esse contrato, podia tê-lo resolvido, como resolveu.

IV - Tendo sido ilícito o exercício pela autora do direito ou da excepção prevista no art. 428.º do CC, e sendo lícito o direito de resolução do contrato exercido pela ré, ainda assim deve esta ré restituir à autora as quantias recebidas a título de valor da comparticipação publicitária e de valor dos equipamentos, acrescidas de juros, o mesmo não sucedendo em relação à pena convencional correspondente à diferença entre a quantidade de café que a ré comprara e a que devia ter comprado até à data da resolução, por não se verificar uma situação de não cumprimento definitivo ou de mora qualificada imputável à ré, nos termos do art. 808.º do CC.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

          

    1. AA, SA, propôs acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, Lda., CC, DD e EE, pedindo a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de € 249.971,99 (duzentos e quarenta e nove mil euros, novecentos e setenta e um euros, e noventa e nove cêntimos), sendo € 233.173,89 a título de capital e € 16.303,01 de juros de mora vencidos, calculados à taxa supletiva fixada para os créditos de que são titulares empresas comerciais, sem prejuízo dos juros vincendos até integral pagamento.

     2. Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, ter celebrado com os Réus, um contrato no âmbito do qual a BB se obrigou a revender e publicitar, em exclusivo, café da marca FF, lote GG, num total de 18.000 Kg, através da compra mínima mensal de 300 Kg, durante os 60 meses do contrato, tendo a Autora entregue à 1ª Ré a quantia de 187.144,75 €, com IVA incluído.

            Face à falta de pagamento e compra de quantidades inferiores à contratada, a Autora suspendeu o fornecimento, tendo a BB enviado comunicação a resolver o contrato, sem causa justificativa, e sem cumprir o demais previsto no contrato em caso de resolução.

   3. Os Réus BB, CC e EE contestaram, alegando que a Autora deixou de fornecer café, sem qualquer tipo de pré-aviso ou justificação, tendo a BB procedido à resolução do contrato celebrado com a Autora por forma a poder adquirir café noutros fornecedores.

     4. O Réu DD contestou alegando que à data da resolução não exercia funções de gerência na 1ª Ré e nenhuma responsabilidade lhe poderá ser imputada como fiador, pois foi pressuposto da celebração desse contrato e acordo de fiança que esta apenas o vinculava enquanto mantivesse a sua qualidade de gerente.

     9. Replicou a Autora concluindo como na petição inicial.

  10. Foi proferido despacho saneador e fixaram-se os factos assentes e a base instrutória.

            Face à declaração de insolvência da Ré BB, Lda., foi declarada extinta a instância quanto a esta Ré.

    11. Realizada a audiência de julgamento, a 1.ª instância proferiu sentença em que julgou a acção procedente, condenando os Réus CC, DD e EE a pagarem solidariamente à Autora a quantia de € 233.173,89 (duzentos e trinta e três mil cento e setenta e três euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 17 de Julho de 2012 e até integral pagamento.

            A quantia de 233.173,89 euros correspondia à soma da quantia de 108 699,91 euros, devida a título de restituição do valor da comparticipação publicitária [deduzida do montante proporcional ao período contratual até então decorrido]; da quantia de 3 023,48 euros, devida a título de restituição do valor dos equipamentos; e da quantia de 121 450,50 euros, devida a título de pena convencional pela não aquisição de café até ao termo do contrato.

   12. Inconformado, o Réu DD interpôs recurso de apelação da sentença e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

IRessalta, inequivocamente, dos autos que o Tribunal a quo não apreciou e valorou a prova em consonância com os depoimentos prestados e gravados em audiência, como ressaltará, inquestionavelmente, da alegação e motivação da apelação dos restantes Réus, alegação essa que aqui se dá por inteiramente reproduzida, por manifesta economia processual, em tudo o que beneficie.

II – Como resulta dos autos, à data da resolução do contrato, o débito era diminuto – quantia de 23.368,88 € - e havia sido proposto o pagamento em prestações, em Julho de 2011, como ressalta dos factos assentes;

III – Da prova produzida, pelas próprias testemunhas da Autora, como ressalta da douta fundamentação onde expressamente se refere que “confirmaram que as dificuldades de pagamento da BB levaram à celebração do acordo de pagamento da quantia em dívida em prestações semanais, e que a partir deste acordo o fornecimento do café passou a ser a pronto pagamento”;

IV – Considerou o Tribunal assente que a Autora, ora recorrida, suspendeu os fornecimentos, por a empresa não ter cumprido o alegado acordo;

V – Está assente – prova produzida pelas testemunhas da Autora – que após a celebração do acordo de pagamento da quantia em dívida, em prestações semanais, o fornecimento do café passou a ser a pronto pagamento;

VI – Como se disse, o acordo foi em Julho de 2011 e o débito era de 23.368,88 € (débito manifestamente diminuto, considerando o valor dos produtos anualmente fornecidos pela recorrida e, sobretudo, os milhões de euros transaccionados, ao longo de mais de trinta anos de relações comerciais);

VII -  Não obstante tudo o que anteriormente se alegou e aqui se concluiu, no dia 01/06/2012 a Autora suspendeu os fornecimentos e, logo após, instaurou a presente acção, peticionando, além do mais, o reembolso do cumprimento integral de um contrato que a mesma, nas condições descritas, suspendeu;

VIII – Em nosso entender, atenta a matéria fáctica assente nos autos, não podia a Autora suspender os fornecimentos da matéria prima – café – para que a BB pudesse continuar a laboral nas quase duas dezenas de estabelecimentos comerciais que detinha em Braga, considerando que os fornecimentos efectuados nessa data já o eram a pronto;

IX – A Autora, ora recorrida, não corria qualquer risco de recebimento, considerando que os fornecimentos eram contra pagamento pronto;

X – Por isso, estava a Autora, ora recorrida, obrigada contratualmente a fornecer essa mercadoria - café – detendo-o, como é óbvio, em stock, por a tal estar obrigada contratualmente, para além de tratar-se de um débito diminuto, os interesses e valores contratados e o facto de ter reclamado esse montante na insolvência, como vem confessado e está assente;

XI – Na verdade, tendo a Autora, ora recorrida, já reclamado essa quantia de 23.368,88 €, no processo da insolvência e estando a BB a pagar a pronto, nada justificava que a mesma, por forma arbitrária, suspendesse os fornecimentos;

XII – Deste modo, não podia o Tribunal condenar os Réus pelo não cumprimento do contrato, naquela importância, diminuta para a Autora, mas abissal para os Réus, de 121.450,50 € (resposta-13, ascende a € 121.450,50 a quantia devida pelos quilos de café não adquiridos até ao termo do contrato);

XIII – Para além de tudo o que ficou dito, se alegou e concluiu, com o devido respeito, entendemos que, atentas as circunstâncias, para além do mais, sempre o Tribunal a quo teria o dever de aplicar ao presente caso o princípio da equidade, para que se fizesse prática da mais elementar justiça que o caso pressupõe e exige;

XIV - Acresce que a actuação da recorrida integra, atento tudo o que ficou plasmado nos autos, um inequívoco e manifesto abuso do direito;

XV – Na verdade, actua numa clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, com uma actuação para além dos limites de equidade e em total desarmonia com os princípios da boa fé, aos quais qualquer cidadão normal deve obediência, comportamento da recorrida que atentas as circunstâncias choca a consciência social e os bons costumes;

XVI – Deste modo, é iniludível que a recorrida pleiteia com manifesto abuso de direito, pressuposto que lhe assistisse o direito a que se arroga, relativamente ao ora recorrente, pois, como se referiu, a mesma suspendeu os fornecimentos à empresa, não obstante nessa data estar assegurado o pagamento dos fornecimentos, por serem a pronto pagamento;

XVII – Negou fornecer matéria prima, não obstante o fornecimentos ser contra pagamento;

XVIII – Direito assim, sempre a conduta da recorrida constituiria um manifesto abuso do direito, dado que a pretensão, a que se arroga, viola os mais elementares princípios da boa fé e bons costumes, tornando-se, inquestionavelmente, ilegítimo, por abusivo, o invocado exercício do direito a que se arroga, conforme disposto no art. 334º do C. Civil, que expressamente se invoca, devendo, por isso, ser tratada como se não tivesse esse direito».

 Concluiu pedindo a revogação da decisão recorrida e, consequentemente, absolvição do recorrente do pedido.

 13. Igualmente inconformados, os Réus CC e EE interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem):

i. Por sentença proferida em 01/03/2018, no âmbito do processo ordinário n. 484/13.7tbbrg, que se encontra a correr termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Cível de Braga, Juiz 4, (dos quais se consideram os réus notificados a 08/03/2018), decidiu o douto tribunal ad quo, condenar os réus nos presentes autos, entre os quais se contam os recorrentes, a pagar à autora “AA, S.A.” a quantia de € 233.173,89 (duzentos e trinta e três mil centro e trinta e sete euros e oitenta e nove cêntimos), acrescidos de juros de mora, à taxa legal contados desde 17.07.2012 e até integral pagamento, tendo tal condenação por base um suposto incumprimento contratual por parte da “BB, Lda.”, e de quem eram os réus, agora recorrentes, fiadores, para com a autora “AA, Lda.”.

ii. Discorda-se, contudo, com o decidido, desde logo, indo impugnada a matéria de facto que apresenta evidentes erros de facto e de direito, os quais, salvo diferente entendimento, sempre conduzirão à sua nulidade, pois que os elementos probatórios e factuais produzidos nos presentes autos, levariam sempre a tomada de decisão diversa da recorrida no que à fixação dos factos provados e não provados concerne.

iii. O facto provado constante no ponto 5), teria de ser considerado como não provado, na sua exata redação, pois que a prova documental, conjugada com a prova testemunhal e pericial apreciada pelo douto julgador ad quo, nesse sentido aponta.

iv. De acordo com a perícia realizada “…não é possível comprovar se o recebimento da importância de 120.000,00€, corresponde ao pagamento da fatura n.º 21, do valor de 100.000,00€ mais iva, através de transferência da autora”, pelo que embora o sr. perito tenha constatado da existência de meros indícios, os mesmos estão longe de permitir ao tribunal ad quo considerar como provado que tal pagamento se refere à comparticipação publicitária arguida pela recorrida.

v. A testemunha HH, ao longo do seu testemunho, não consegue esclarecer a que título terá sido recebida tal verba de € 100.000,00 (cem mil euros), paga pela AA, (a ter ser recebida de todo). (encontrando-se o seu depoimento gravado no sistema de audiodocumentação do tribunal através de sistema de gravação h@bilus media studio referente à parcela da audiência de discussão e julgamento decorrida em 11/01/2018, minutos 27:18 a 28:55, 32:07 a 32:54, 35:40 a 36:30).

vi. Não existe qualquer tipo prova, inequívoca, ou sequer convencível, aos olhos de um bónus pater familiae, de que a verba em crise tenha sido recebida, (a ter sido recebida sequer), a título de comparticipação publicitária, conforme propugnado pela recorrida, e, posteriormente dado como provado pelo douto tribunal ad quo.

vii. Existe assim um claro erro de julgamento quanto à matéria constante no facto provado n.º 5, com base em erro da apreciação da prova pericial, documental e testemunhal realizada, não tendo a recorrida AA logrado fazer prova acerca do efetivo pagamento da comparticipação publicitária reclamada.

viii. Há aplicação no caso concreto, da regra prevista no artigo 414º do cpc, nos termos da qual, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.

ix. A matéria exarada no facto provado n.º 5 deveria elencar o rol dos factos não provados, por imposição da prova produzida acerca do mesmo, devendo ser alterada a fundamentação de facto da sentença recorrida em conformidade.

x. Existe uma clara oposição entre a motivação do douto tribunal ad quo no que se refere ao facto provado n.º 5 e a decisão final, pois que se não é possível imputar a razão subjacente ao pagamento de € 100.000,00 (cem mil euros) pela AA à BB, ou conciliar os mesmos contabilisticamente, não poderia o douto tribunal condenar os recorrentes na restituição à recorrida, na quantia de € 108.699,91 (cento e oito mil seiscentos e noventa e nove euros e noventa e um cêntimo), paga por esta, à BB, a título de comparticipação publicitária, sendo assim a sentença de que se recorre nula, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea c) cpc.

xi. A matéria exarada no facto provado n.º 7 terá que ser dado como não provado, alterando-se a respetiva fundamentação, na medida em que se encontra na dependência direta do facto provado n.º 5.

xii. Para que se possa proceder ao cálculo aritmético que permite aferir o valor final e efetivamente devido a título de comparticipação publicitária, é preciso, desde logo, confirmar que esta foi paga, o que não é o caso.

xiii. O facto provado n.º 7 não se encontra fundamentado, quer de facto, quer de direito, pois que contrariamente ao alegado pelo tribunal ad quo, nem o perito nomeado, nem as testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento se pronunciaram em sede alguma, acerca do cálculo aritmético dado como provado pelo douto julgador ad quo.

xiv. Por força do facto provado n.º 7, padece a sentença em crise de vício de falta de fundamentação, por que por sua vez, a vota à nulidade, por força do disposto nos artigos 607º, n.º 3 e 4º, e 615º, n.º1, alínea b), ambos do cpc.

xv. O facto provado n.º 9 deveria ter sido considerado como não provado, pois que nenhuma prova foi feita nos autos recorridos acerca do mesmo.

xvi. Tal facto provado foi como tal considerado pelo douto tribunal ad quo, apenas e exclusivamente com base no depoimento das testemunhas arroladas pela recorrente AA, II e JJ, prova essa erradamente apreciada e de forma desconcertada com a demais prova testemunhal produzida.

xvii. Não podia o douto tribunal ad quo valorar, como valorou tais depoimentos, em claro prejuízo de toda as demais provas, quando foi a douta julgadora ad quo, que, em sede de audiência de discussão em julgamento, pôs em cheque o valor probatório das declarações proferidas pela testemunha JJ, considerando-o depoimento indireto, (encontrando-se o seu depoimento gravado no sistema de audiodocumentação do tribunal através de sistema de gravação h@bilus media studio referente à parcela da audiência de discussão e julgamento decorrida em 20/11/2017, minutos 26:44 a 29:15), o que a própria testemunha confirmou (encontrando-se o seu depoimento gravado no sistema de audiodocumentação do tribunal através de sistema de gravação H@bilus media studio referente à parcela da audiência de discussão e julgamento decorrida em 20/11/2017, minutos 29:21 a 29:58).

xviii. Face à natureza indireta do depoimento da testemunha JJ, não poderia o douto tribunal ad quo, por dar como provada a existência de um suposto acordo de pagamento entre a AA e a BB, nos exatos moldes dados como provados, pois que, do mesmo nem sequer resulta que a testemunha tenha observado os factos por si narrados em juízo, ou sequer, que as narrações lhe tenham sido feitas por quem diretamente observou ou praticou os factos a provar, in casu, da celebração do suposto acordo de pagamento semanal.

xix. As declarações da testemunha com conhecimento direto dos factos, designadamente, II, são diametralmente opostas ao facto provado n.º 9 (depoimento gravado no sistema de audiodocumentação do tribunal através de sistema de gravação h@bilus media studio referente à parcela da audiência de discussão e julgamento decorrida em 20/11/2017, minutos 36:46 a 49:12, cuja transcrição é realizada com a máxima fidelidade possível atenta à falta de qualidade da gravação realizada).

xx. Compulsadas as declarações da testemunha II, fica cabalmente demostrado que foi acordado entre a recorrida e a BB que o pagamento das quantias em dívida anteriores à declaração de insolvência seriam reclamadas nesse mesmo processo, e as facturas apresentadas depois seriam pagas de imediato, bem como que não estava em curso qualquer plano de pagamento semanal, cujo incumprimento, pudesse, de alguma forma, por em crise o fornecimento de café pela recorrida à BB, logo, o mesmo ocorreu somente porque terá chegado notícia à AA de uma suposta violação da clausula de exclusividade aposta no contrato em curso.

xxi. O facto provado constante no ponto 10), teria de ser considerado como não provado, na sua exata redação, pois que a prova documental, conjugada com a prova testemunhal apreciada pelo douto julgador ad quo, nesse sentido aponta, apenas se podendo considerar como provado que a recorrida cessou de forma definitiva o fornecimento de café à BB, incumprindo de forma definitiva o a contrato de fornecimento celebrado entre ambas, corte de fornecimento esse atestado por II (depoimento gravado no sistema de audiodocumentação do tribunal através de sistema de gravação h@bilus media studio referente à parcela da audiência de discussão e julgamento decorrida em 20/11/2017, minutos 36:46 a 49:12, cuja transcrição é realizada com a máxima fidelidade possível atenta à falta de qualidade da gravação realizada).

xxii. Facto provado n.º 14 deveria ter sido considerado como não provado, pois que não logrou a recorrida que realizar prova que permitisse provar o mesmo, pelo que, e à semelhança dos demais, vai expressamente impugnado, devendo ser considerado como não provado.

xxiii. Para decidir como decidiu fundamentou-se o douto tribunal no depoimento das testemunhas da recorrida II e JJ (depoimentos indiretos), em detrimento do depoimento da testemunha LL (depoimento direto), bem como, o documento fls. 198, do qual resultaria que a BB começou a fazer compras à Delta em data anterior ao corte de fornecimento por parte da recorrida.

xxiv. Não se consegue alcançar, nem tal explicação é feita na sentença recorrida, como pôde ser valorado um depoimento indireto, como aquele que foi prestado por II e JJ, em detrimento do depoimento prestado pela testemunha LL, que demonstrou ao tribunal ter conhecimento direto dos factos, incorrendo a sentença recorrida em violação do dever de fundamentação, previsto no artigo 607º do cpc, assim a tornando nula ao abrigo do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea b) do cpc.

xxv. A testemunha LL conseguiu explicar a origem do tal documento de fls. 198, que por sua vez, serviu como elemento probatório para o douto tribunal ter considerado que a BB efetuava já compras de café à delta, antes do corte de fornecimento da AA, não obstante tal documento não descrever produtos adquiridos, nem preconizar o recebimento de qualquer contrapartida, que por seu turno o douto tribunal ad quo também não concretiza de que terão consistido, (depoimento gravado no sistema de audiodocumentação do tribunal através de sistema de gravação h@bilus media studio referente à parcela da audiência de discussão e julgamento decorrida em 11/01/2018, minutos 18:15 a 19:45, 26:34 a 27:11, 29:03 a 29:36), logo, por força da prova realizada e produzida em sede de audiência de julgamento, sempre deveria o facto provado n.º 14 passar a elencar o rol dos factos não provados.

xxvi. No que à fundamentação dos factos não provados concerne, limita-se o douto tribunal ad quo, a justificar tal decisão com base nos factos por si dados por provados, arguindo que os mesmos demonstram realidade distinta.

xxvii. Tal justificação, não preenche o dever de fundamentação imposto ao douto julgador, nos termos do qual, o mesmo deverá não só declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, e como tal, sempre padecerá a douta sentença recorrida do vício previsto no artigo 615º, n.º 1, alínea a) do cpc, sendo assim nula.

xxviii. O facto não provado n.º 2 encontra-se em contradição direta com o facto provado n.º 11, pois que, se, o douto tribunal deu como provado que em julho de 2011, a dívida da BB à recorrida se cifrava em € 23.368,88 (vinte três mil trezentos e sessenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), valor esse que se manteve inalterado até à respetiva reclamação de créditos a 8 de junho de 2012, é claramente indiciado, se não cabalmente demonstrado, que foi apalavrado entre AA e BB que aquela iria reclamar os pagamentos das quantias em dívida, anteriores à insolvência, no respetivo processo, sendo que as demais faturas seriam pagas de imediato.

xxix. Tal contradição é suportada pelas declarações da testemunha com conhecimento direto dos factos, designadamente, II (depoimento gravado no sistema de audiodocumentação do tribunal através de sistema de gravação h@bilus media studio referente à parcela da audiência de discussão e julgamento decorrida em 20/11/2017, minutos 36:46 a 49:12, cuja transcrição é realizada com a máxima fidelidade possível atenta à falta de qualidade da gravação realizada), que vêm confirmar a realidade do facto n.º 2, dado como não provado pelo douto tribunal, demonstrando que, por um lado foi acordado entre a recorrida e a BB que o pagamento das quantias em dívida anteriores à declaração de insolvência seriam reclamadas nesse mesmo processo, e as facturas apresentadas depois seriam pagas de imediato, e por outro lado que não estava em curso qualquer plano de pagamento semanal, cujo incumprimento, pudesse, de alguma forma, por em crise o fornecimento de café pela recorrida à BB, logo, o mesmo ocorreu somente porque terá chegado notícia à AA de uma suposta violação da clausula de exclusividade aposta no contrato em curso.

Mais,

xxx. A testemunha MM, veio esclarecer e confirmar o pagamento imediato das facturas (depoimento gravado no sistema de audiodocumentação do tribunal através de sistema de gravação h@bilus media studio referente à parcela da audiência de discussão e julgamento decorrida em 11/01/2018, minutos 03:08 a 03:46, 07:37 a 07:54).

xxxi. À luz da prova produzida e supra enunciada, e sob pena de se manter um erro de julgamento, resultante de uma errada apreciação da prova produzida, deverá o facto não provado n.º 2 passar a elencar o rol dos factos provados, alterando-se a respetiva fundamentação.

xxxii. Deu o douto tribunal como não provado que face à suspensão dos fornecimentos de café pela autora, a BB remeteu a missiva referida em 3. e adquiriu café em grandes superfícies comerciais, de forma a dar seguimento à sua atividade comercial, bem como, servir os seus clientes. Para evitar o encerramento dos estabelecimentos de venda ao público, a BB socorreu-se de uma marca concorrente que disponibilizou o café após a missiva de 22/06/2012 (factos não provados n.º 3 e n.º 4) justificando tal decisão com a circunstância de se ter apurado que em data anterior à suspensão do contrato de fornecimento pela AA, já a BB havia contratado com outro fornecedor concorrente.

xxxiii. Tais factos deveriam ter sido considerados como provados, assim merecendo resposta positiva, à luz da prova produzida.

xxxiv. É confessado pela própria recorrida, em carta datada de 17/07/2012, a fls., que, em junho de 2012, a mesma suspendeu o fornecimento de café à BB, o que fez sem qualquer aviso prévio, e sem qualquer tipo de consideração sobre a forma como tal interrupção abrupta de fornecimento se repercutiria na laboração da BB.

xxxv. O comportamento da recorrida obrigou a que a BB tivesse que recorrer a terceiros, face ao incumprimento contratual daquela, sempre e após, a dita suspensão, sob pena de terem de encerrar os seus diferentes postos, circunstâncias essas atestadas em juízo por II, (depoimento gravado no sistema de audiodocumentação do tribunal através de sistema de gravação h@bilus media studio referente à parcela da audiência de discussão e julgamento decorrida em 20/11/2017, minutos 10:27 a 11:12 cuja transcrição é realizada com a máxima fidelidade possível atenta à falta de qualidade da gravação realizada), e MM (depoimento gravado no sistema de audiodocumentação do tribunal através de sistema de gravação h@bilus media studio referente à parcela da audiência de discussão e julgamento decorrida em 11/01/2018, minutos 01:57 a 03:07, 04:40 a 06:30, 15:27 a 17:15, 18:15 a 19:45, 26:34 a 27:11, 29:03 a 29:36 ).

xxxvi. Aa prova indicada, e que justifica a impugnação dos factos não provados n.º 3 e n.º 4, resulta, aos olhos de qualquer bónus pater familiae, e de acordo com uma lógica de senso comum que:

a) a recorrida cortou o fornecimento de café à BB, sem qualquer tipo de aviso prévio, e sem qualquer tipo de justificação;

b) a BB, que ao tempo detinha oito postos, ficou privada de café para venda;

c) a recorrida, que tinha conhecimento de tal facto, não se compadeceu com a situação da BB;

d) de modo a poder “manter as portas abertas”, e face à recusa da AA em fornecer café, viu-se a BB forçada a comprar café à Makro, onde adquiriu café da marca NN, por falta de café FF;

e) o contrato de fornecimento de café celebrado com a NN aconteceu depois de resolvido o contrato com a FF;

f) a exclusividade com a AA limitava-se ao fornecimento de café, sendo que a BB adquiria outros produtos à NN, como fossem os chás ..., também comercializados nos seus postos, dai ser apenas natural estar elencada como fornecedora da BB;

g) a BB não recebeu qualquer contrapartida da NN no período de tempo em discussão nos autos;

h) a BB não teve outra solução que não fosse resolver formalmente o contrato que mantinha com a recorrida, face ao corte de fornecimento operada pela mesma, e que, nos moldes como foi operada, se não pode deixar de qualificar como uma resolução contratual tácita.

xxxvi. Considerando-se os depoimentos de II e LL, a par do teor abstrato do documento a fls.198 dos presentes autos, a par da circunstância da perícia realizada não ter resultada comprovada o recebimento de qualquer contrapartida paga à BB pela NN, é inequívoco que o douto tribunal ad quo deveria ter dado como provados, os factos não provado n.º 2 e n. º3, alterando-se a respetiva fundamentação em conformidade.

xxxvii. Por referencia à matéria exarada no facto n.º 11 dos factos provados, entendeu o douto tribunal ad quo que: “11. a autora em 8 de junho de 2012 intentou ação de verificação ulterior de créditos por apenso ao processo de insolvência da BB ..., reclamando o valor de € 23.368,88, acrescido de juros, que veio a ser julgada procedente.”.

xxxviii. A sentença de tal reclamação de créditos que sustentou tal decisão transitou em julgado em 02/10/2012, fixando, como tal, que, nessa data, a dívida da BB à AA era de € 23.368,88 (vinte e três mil trezentos e sessenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), acrescido de juros.

xxxix. Ao dar como provado o facto n.º 11, como deu, à luz da sentença de reclamação de créditos, mas vindo depois condenar os recorrentes ao pagamento de outros montantes que não aquele, incorreu o douto tribunal ad quo em violação da autoridade de caso julgado, (que se não confunde com a exceção de caso julgado, pelo que não é exigível a verificação dos requisitos previstos no artigo 581º do cpc), afetando igualmente a eficácia reflexa ou indireta da exceção de caso julgado, nos termos da qual a decisão transitada em julgado vinculará terceiros, tratando-se de sentença formada sobre uma relação jurídica que surge como fundamento de pretensões em ação posterior, o que é manifestamente o caso ora em apreço.

xl. Existe uma conexão e interdependência entre o objeto da ação cuja decisão já transitou em julgado e o objeto da presente pelo que se impõe que essa questão comum não seja decidida de forma diferente, mas sim a decisão da presente ação acatar o que foi decidida na anterior, como pressuposto indiscutível.

xli. Uma vez que tal não acontece, não poderá a sentença recorrida deixar de ser nula, por força do disposto nos artigos 576º, n.º 2 e 615º do cpc, dando-se como válido o teor da sentença proferida em primeiro lugar – artigo 625º do cpc – ou seja, a sentença que fixa o crédito total da BB, por conta do contrato de fornecimento em escrutínio, em € 23.368,88 (vinte e três mil trezentos e sessenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), acrescido de juros.

xlii. Mais: fixando a sentença transitada em julgado em 02/10/2012 que nessa data, a dívida da BB à AA era de € 23.368,88 (vinte e três mil trezentos e sessenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), acrescido de juros, fixa esta também os limites da responsabilidade dos fiadores, sendo por esta via também nula a sentença da qual se recorre, por força disposto nos artigos 576º, n.º 2 e 615º do cpc e 634º e 635º do cc.

xliii. Existe abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.

xliv. O abuso de direito na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pressupõe que aquele em quem se confiou viole com a sua conduta os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio.

xlv. Existe abuso de direito por parte da recorrida, porquanto, tendo a recorrida, em instâncias próprias, reclamado e visto reconhecido o seu crédito, que a mesma cifrou em € 23.368,88 (vinte três mil trezentos e sessenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), numa altura, em que já lhes teria sido possível reclamar a totalidade dos valores que agora reclama como lhe sendo devidos pela BB e pelos fiadores, por força de um suposto incumprimento contratual, optou, contudo, por não o fazer, apenas reclamando o ressarcimento de valores correspondentes a faturas em aberto, vindo agora reclamar o valor dos autos.

xlvi. O pedido que deduz a recorrida nos presentes autos, contra os fiadores e recorrentes, no montante de € 249.971,99 (duzentos e quarenta e nove mil novecentos e setenta e um euros e noventa e nove cêntimos), trata-se de um manifesto abuso de direito manifestamente ofensivo do sentido de justiça e das expetativas legalmente e constitucionalmente protegidas dos recorrentes, pois em sede anterior defende em juízo um valor em dívida de apenas € 23.368,88 contra a devedora originária, optando agora por defender contra os fiadores o valor do pedido dos autos, cerca de dez vezes superior.

xlvii. Em autos de verificação ulteriores de créditos com sentença já proferida e transitada em julgado, a recorrida apenas se considerou credora no montante de € 23.368,88 (vinte três mil trezentos e sessenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), devendo manter tal posição perante os fiadores, apenas podendo exigir dos mesmos, e em abstrato, esse mesmo crédito, já reconhecido por conta do contrato de fornecimento, no valor de € 23.368,88 (vinte três mil trezentos e sessenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos).

xlviii. Nos termos do disposto na alínea d), n.º 1, do artigo 615º do cpc, a sentença será nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

xlix. In casu, foram submetidas à consideração do douto tribunal, não só pelos recorrentes, mas também, pelo co-réu prof. DD, duas questões pertinentes, designadamente, da falta de legitimidade ativa do subscritor da carta de resolução contratual enviada pela BB à AA, por não estar o signatário investido de poderes de representação que lhe permitisse a prática de tal ato, bem como, da violação do princípio da boa-fé e da legalidade contratual por parte da AA (artigo 762º, n.º 2 do cpc), sendo que não obstante tais arguições, optou o douto tribunal ad quo por não conhecer de tais questões, nem sequer fazendo um esforço para fundamentar a sua decisão, levando à nulidade da sentença recorrida, à luz do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC.

l. A decisão do douto julgador ad quo, de não conhecer de todas as questões que lhe foram apresentadas, sem justificar tal decisão, levará igualmente à nulidade da sentença em crise, porquanto, nos termos do disposto na alínea b), n.º 1, do artigo 615º do cpc, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem uma decisão.

li. O contrato celebrado entre a recorrida e a BB, é um contrato de fornecimento de café, em regime de exclusividade, de natureza sinalagmática, bilateral, tratando-se de uma convenção que gera obrigações recíprocas para os que assinam o acordo, in casu, a recorrida tinha a obrigação de fornecer café à BB, enquanto esta tinha a obrigação de comprar o café à recorrida, em regime de exclusividade, pagando o correspondente preço.

lii. A recorrida cortou o fornecimento de café à BB em início de junho de 2012, altura em que se encontrava em vigor o contrato de fornecimento celebrado a 22/04/2010 (sendo este, e apenas este, o contrato formal e materialmente em curso).

liii. A cláusula nona de tal contrato, epigrafada de “resolução”, dispõe que: “1) qualquer das partes pode por termo ao presente contrato, com efeitos imediatos, se a outra parte estiver em incumprimento contratual e não corrigir tal incumprimento no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis a contar da notificação por escrito feita pela parte lesada.”

liv. À luz do disposto na cláusula nona do contrato de fornecimento de café, mas também à luz do princípio da boa-fé e da legalidade contratual, previstas no artigo 762º do cc, caso a recorrida entende-se haver qualquer tipo de incumprimento por parte da BB, sempre deveria ter notificado a mesma para proceder à sua regularização, o que , não aconteceu, limitando-se a, sem qualquer tipo de aviso prévio, ou invocação de exceção de não cumprimento, e de má-fé (na medida em que não tinha como desconhecer das consequências do seu comportamento), cortar o fornecimento de café à BB.

lv. Foi por força do incumprimento da AA que a BB se viu forçada a adquirir café a terceiros, comportamento esse que à luz do disposto no artigo 790º do cc, jamais poderá ser considerado como qualquer incumprimento contratual pela BB.

lvi. Todas e quaisquer obrigações que sobre impendiam sobre a BB extinguiram-se, por causa imputável não a si, mas antes à AA, que se limitou a cortar o fornecimento de café à BB, sem qualquer tipo de notificação ou interpelação admonitória.

lvii. A AA manteve o seu incumprimento durante mais de vinte dias, sem qualquer tipo de justificação, forçando a BB a resolver o contrato, de forma imediata, atenta a urgência e os prejuízos por si resultantes da má fé negocial e contratual da AA.

lviii. A recorrida AA cortou o fornecimento de café à BB a 1 de junho de 2012, sem qualquer tipo de aviso prévio, sem qualquer tipo de justificação, sem qualquer contacto posterior que não fosse unicamente para responder à resolução operada pela BB por força das circunstâncias já narradas.

lix. A AA procedeu a uma revogação tácita do contrato de fornecimento que a vinculava à BB, nos termos do disposto no artigo 217º do cc, não havendo assim lugar ao pagamento àquela de qualquer tipo de valor indemnizatório ou a título de restituição do que quer que seja.

lx. À luz da lei, aquando da resolução operada pela BB, já nem sequer se poderia considerar que existisse qualquer contrato em curso, tendo esta, com a sua missiva, apenas materializado uma realidade já promovida, unilateralmente pela AA, não existindo assim, qualquer incumprimento contratual por parte da BB, que obrigue os seus fiadores, aqui recorrentes a indemnizar ou a ressarcir a recorrida, do que quer que seja.

lxi. Tendo assim ocorrido uma incorreta interpretação da lei, aplicável ao caso concreto, pelo douto tribunal ad quo, em violação do disposto nos artigos 762º, 790º, 217º, 236º e ss, todos do código civil.

lxii. Sem prejuízo de tudo mais que vai dito, a interpretação da cláusula nona do contrato de fornecimento realizada pelo douto tribunal ad quo é abusiva e teria mesmo que ser considerada nula, e inconstitucional, por desproporcional, não podendo nunca ter sido essa a intenção dos contratantes ao colocar no contrato tal cláusula.

lxiii. A cláusula nona consagra um modo de resolver o contrato pelo facto da parte contrária se encontrar em mora, o que não se verifica no caso, pois na data da resolução por parte da BB já a AA se encontrava em incumprimento definitivo, por ter cessado de forma definitiva os fornecimentos sem aviso prévio e sem invocação de qualquer fundamento.

lxiv. Havendo incumprimento definitivo por pate da recorrida, já não carece de ser efetuada qualquer interpelação para converter a mora num incumprimento definitivo que já existe, não se aplicando nesse caso o disposto na clausula nona do contrato, conforme já propalado pelo supremo tribunal de justiça: “o incumprimento definitivo ocorre sempre que, independentemente de interpelação, o contraente manifesta, de forma clara e definitiva a sua intenção de não cumprir o contrato (ou de cessar o cumprimento quando se trate de contrato de execução continuada).”

lxv. Entende ainda o douto tribunal ad quo que a BB não efetuou tal interpelação prevista na clausula nona, nem outra que configurasse uma interpelação admonitória para poder ver validamente resolvido o contrato, assim desvalorizando o facto de a AA ter cessado o fornecimento à BB, sem qualquer interpelação admonitória, e logo se não o fez, violou ela também a clausula nona e cessou de forma ilegal os fornecimentos, sendo assim o contrato passível resolução conforme carta remetida pela BB à AA, a invocar tal incumprimento, nos seus exatos termos.

lxvi. A carta de resolução remetida pela BB à AA, consubstancia uma objetiva resolução por incumprimento definitivo, com base no incumprimento contratual por parte da AA, que originou a perda de interesse na realização da prestação por parte da BB, atenta a impossibilidade da manutenção da relação contratual, manutenção esta que iria originar graves prejuízos para a BB, nomeadamente a obrigatoriedade de encerramento dos estabelecimentos de venda ao público por falta de café.

lxvii. Nos termos conjugados das normas atinentes à falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor, entre elas as dos arts. 798º, 801º, 804º e 808º do cc, verifica-se a legalidade da resolução do contrato efetuada pela BB por violação contratual por parte da AA, que originou a perda de interesse por parte da BB, apreciada esta em função do critério de um homem de bom senso e razoável que, numa ponderação global do caso, tendo também em linha de conta o comportamento da AA e o propósito subjetivo da BB.

lxviii. Verificado o incumprimento definitivo por parte da AA e a resolução por parte da BB, tem-se que, não carecia de ser efetuada qualquer interpelação admonitória por parte da BB, ao contrario do que defende o tribunal ad quo na sentença recorrida, por já se considerar incumprida a obrigação por parte da AA, logo, por força da verificação do incumprimento definitivo por parte da AA, a esta deve ser imputada a responsabilidade pela cessação do contrato não tendo por isso a mesma direito a receber as quantias peticionadas, e em cujo pagamento foram os recorrentes condenados”.

      Terminaram pedindo a alteração da matéria de facto e a declaração de nulidade da decisão recorrida, com a absolvição dos Réus.

  14. Contra-alegou a Autora, propugnando pela improcedência dos recursos.

  15. O Tribunal da Relação de Guimarães julgou procedente o recurso, absolvendo os Réus do pedido.

 16. A Autora, agora Recorrente, AA, SA, interpôs recurso de revista, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes conclusões:

 1. No acordo de Julho de 2011 entre a A. e a BB, o prosseguimento do fornecimento ficou sinalagmaticamente ligado, não só ao cumprimento do plano prestacional, como ao respeito do contrato de fornecimento no seu todo.

 2. A BB não só faltou ao pagamento das prestações, como incumpriu a obrigação de compra mínima de 300 Kg. de café por mês, apenas tendo adquirido à A., nos 25 meses compreendidos entre 22.04.2010 e 01.06.2012, 5.854,95 Kg. de café, em vez dos 7.500 Kg. contratualmente impostos.

 3. A A. alegou a quantidade de café adquirida pela BB e apontou o correspondente incumprimento nos artigos 18º da petição e 8º da réplica, o que conduziu ao ponto 12 da factualidade provada elencada na decisão.

 4. A obrigação de compra de café é uma das obrigações essenciais do contrato de fornecimento e a falta do seu cumprimento pontual justificaria por si só que a A. recusasse o fornecimento até receber encomendas da dimensão contratada.

 5. Em 01.06.2012, a BB estava em incumprimento grave do acordo de Julho de 2011 e tendo mantido, na insolvência, ao abrigo do artigo 224º do CIRE, a administração e disposição dos seus bens, e optado por cumprir o contrato com a A., estava obrigada a respeitá-lo ponto por ponto, pagando as dívidas pecuniárias dele resultantes e adquirindo as quantidades mínima estipuladas.

 6. Quebrado pela BB o sinalagma estabelecido pelo acordo de Julho de 2011 (em bom rigor pelo contrato original), a A. podia suspender o fornecimento de café, desde logo ao abrigo do princípio consagrado no artigo 428º do Código Civil.

 7. Apesar de não resultar dos factos provados que a A. tenha invocado expressamente perante a BB a excepção de não cumprimento, resulta que a suspensão dos fornecimentos decorreu do incumprimento de concretas obrigações.

 8. A A. estava em condições de invocar a exceptio e não há outra interpretação para o comportamento de quem que responde ao incumprimento da contraparte com a recusa da sua prestação, sem resolver o contrato.

 9. Resulta da cláusula nona do contrato que a obrigação de notificar a parte faltosa para corrigir o incumprimento só é exigida como preliminar de declaração que vise pôr termo ao contrato – uma declaração de resolução –, não sendo imposta para a simples recusa de cumprir em resposta ao incumprimento da parte contrária.

 10. Não resultou provada, nem foi invocada pelos RR. nas suas contestações, uma declaração de resolução ou sequer uma vontade de pôr termo do contrato por parte da A.; provou-se apenas que suspendeu os fornecimentos e porque o fez.

 11. A tese da revogação tácita do contrato pela A., através da suspensão dos fornecimentos, não se apoia em factos invocados no momento próprio e é contrariada pela posterior declaração de resolução da própria BB, que não teria sido emitida se a A. já tivesse posto termo ao contrato.

 12. A suspensão de fornecimentos pela A. foi legítima, tanto na sua substância – visto que se justifica pelo incumprimento da contraparte –, como na sua forma – uma vez que a A. não estava obrigada a interpelação prévia –, pelo que soçobra o fundamento invocado pela BB para resolver o contrato.

 13. Não se surpreende abuso de direito na exigência aos fiadores da BB, por via da acção, dos montantes devidos por incumprimento do contrato de fornecimento, mesmo que se coloquem entre parêntesis os argumentos já explanados.

 14. Tendo a BB incorrido num primeiro incumprimento, faltando aos pagamentos dos fornecimentos de Maio a Julho de 2011, a A., aceitou continuar a fornecê-la, concedendo-lhe um prazo dilatado para regularizar a dívida em prestações semanais, sob condição de um cumprimento pontual do contrato de 2010.

 15. Apesar disso, a BB, não solveu uma só dessas prestações, ao longo de mais de nove meses, acabando por se apresentar à insolvência, constatando-se, em Junho de 2012, que a dívida permanecia no mesmo valor, e que a BB não havia respeitado o volume de compras mensal estipulado.

 16. Mesmo que se considerasse a suspensão de fornecimentos com que a A. respondeu às faltas da BB, um incumprimento contratual, este estaria longe de sobrelevar à censurabilidade do comportamento da sua contraparte.

 17. Estando a BB muito mais em falta do que a A., a boa fé exigia-lhe que observasse a cláusula nona, respeitando a palavra dada e correspondendo à vontade de preservação do contrato que a A. mostrou entre Maio 2011 e Junho 2012.

 18. Tivesse ou não a A. fundamento para suspender os fornecimentos, a BB não podia, à luz das regras que decorrem do princípio da boa fé, tal como consagrado no artigo 762º, nº 2, do Código Civil, resolver imediatamente o contrato.

 19. Mesmo que se entendesse que a A. devia ter interpelado a BB antes de suspender os fornecimentos, nos termos da dita cláusula nona, a exigência de indemnização à BB e seus fiadores, por esta ter resolvido o contrato sem observar tal interpelação, nunca violaria o artigo 334º do Código Civil.

 20. Essa exigência de indemnização só se tornaria abusiva, no sentido em que a Relação aponta: se o comportamento da A., ao suspender os fornecimentos sem aviso prévio, pudesse ter feito a BB confiar em que não lhe viria a ser exi-gida indemnização por resolver o contrato sem observância da interpelação prévia contratualmente prevista; se se pudesse afirmar ser previsível para a A. que iria gerar essa confiança; e se a posição da BB fosse merecedora de protecção.

21. Nada disso se verifica, pois, por um lado, não existindo verdadeira equivalência entre o acto de suspender fornecimentos e o de declarar a resolução do contrato, aquele não podia gerar na BB uma confiança justificada e previsível para a A., e, por outro lado, nada se provou sobre a interpretação que a BB possa ter dado à suspensão de fornecimentos.

 22. O douto acórdão recorrido violou as normas contidas nos artigos 334º, 406º, nº 1, e 762º, nº 2, do Código Civil.

 TERMOS EM QUE DEVE SER REVOGADO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, CONDENANDO-SE OS RR. NOS TERMOS EXARADOS NA SENTENÇA PROFERIDA EM 1ª INSTÂNCIA.

         17. Os Réus, agora Recorridos, CC, DD e EE contra-alegaram.

       18. Os Recorridos CC, e EE finalizaram a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

i. O Supremo Tribunal de Justiça só poderá conhecer do juízo da prova sobre a matéria de facto, formado pela Relação, quando esta deu como provado um facto sem a produção da prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico, de origem interna ou de origem externa.

 ii. a Recorrente, a pretexto da existência de erros de direito, põe em causa os factos provados nos  quais   as   instâncias   fundaram   a   sua   convicção,   para    decidirem   como   decidiram,   a sindicância do juízo sobre tais factos está excluída da competência do Supremo Tribunal de Justiça.

iii. Razão pela qual, e desde logo, contrariamente à pretensão da Recorrida, está vedado aos Venerandos    Conselheiros   conhecer    de    uma    discordância    renitente    e    inconformada    da Recorrente face à matéria de facto dada  como provada na 1ª  Instância e já integralmente confirmada    pela    Relação,    e    da    qual    esta    se    socorreu    para    fundamentar    o    Acórdão recorrido.

 iv.  A existir qualquer omissão de pronuncia pelo Tribunal da Relação de Guimarães, estaríamos perante o vício previsto no artigo 615º, N.º 1, alínea d), cabendo à Recorrida o ónus de invocar tal nulidade, o que não faz, quer em sede de alegações, quer em sede de conclusões, obstando a que as mesmas possam a vir a ser conhecidas, pois que as conclusões têm, por objetivo, delimitar o objeto do recurso, fixando com exatidão quais as questões a decidir.

 v. Todos os factos foram efetivamente apreciados em sede de 2ª instância, pois que ressalta da mesma, que quer a 1ª instância, quer a 2ª instância, eram conhecedoras de todos os factos invocados pela Recorrente e Recorridos, tendo sido devidamente valorados e ponderados pelos respetivos julgadores, em concertação com a demais prova produzida, e com os dizeres apostos nos articulares das respetivas partes.

 vi. A Recorrente, nas suas aegações, visa apresentar uma nova motivação para a sua conduta negocial, que constitui uma inovação a tudo o que foi dito até ao presente momento: afinal a AA S.A. interrompeu o fornecimento de café à BB porque a mesma consumira quantidades de café inferiores às contratualizadas, e não por força de supostos valores em mora.

vii. constitui regra básica no recurso de revista, que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que não é o caso.

 viii. a sindicância do juízo sobre tais factos com base em tais elementos de prova está excluída da competência do Supremo Tribunal Justiça, razão pela qual, e sem mais considerações, se entende ser de negar provimento ao presente recurso.

 ix. O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO É PASSÍVEL DE QUALQUER REPARO OU CENSURA, POIS OS VENERANDOS DESEMBARDAGORES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES FIZERAM UMA EXIMIA APLICAÇÃO DO DIREITO EM FUNÇÃO DOS FACTOS ASSENTES.

 x. o contrato celebrado entre a recorrida e a BB, é um contrato de fornecimento de café, em regime de exclusividade, de natureza sinalagmática, bilateral, tratando-se de uma convenção que gera obrigações recíprocas para os que assinam o acordo, IN CASU, a recorrida tinha a obrigação de fornecer café à BB, enquanto esta tinha a obrigação de comprar o café à recorrida, em regime de exclusividade, pagando o correspondente preço - apesar da declaração de insolvência, e tendo a Recorrente conhecimento de a quem cabia a administração por força da mesma, continuo a fornecer café à BB, até 31/05/2012, mediante pronto pagamento.

 xi. A RECORRENTE CORTOU O FORNECIMENTO DE CAFÉ À BB EM INÍCIO DE JUNHO DE 2012, ALTURA EM QUE SE ENCONTRAVA EM VIGOR O CONTRATO DE FORNECIMENTO CELEBRADO A 22/04/201º, SENDO QUALQUER ENCOMENDA PAGA NO ATO DE ENTREGA, NÃO HAVENDO ASSIM QUALQUER RISCO PARA A RECORRENTE DE NÃO PAGAMENTO PELA BB, bem sabendo, que, ao tempo, esta tinha diversos estabelecimentos abertos, não podendo comprar café a terceiros, por força da exclusividade que tinha para com a AA, S.A.;

 xii. A CLÁUSULA NONA DE TAL CONTRATO, EPIGRAFADA DE “RESOLUÇÃO”, DISPÕE QUE: “1) QUALQUER DAS PARTES PODE POR TERMO AO PRESENTE CONTRATO, COM EFEITOS IMEDIATOS, SE A OUTRA PARTE ESTIVER EM INCUMPRIMENTO CONTRATUAL E NÃO CORRIGIR TAL INCUMPRIMENTO NO PRAZO MÁXIMO DE 10 (DEZ) DIAS ÚTEIS A CONTAR DA NOTIFICAÇÃO POR ESCRITO FEITA PELA PARTE LESADA.”

 xiii. À LUZ DO DISPOSTO NA CLÁUSULA NONA DO CONTRATO DE FORNECIMENTO DE CAFÉ, MAS TAMBÉM À LUZ DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E DA LEGALIDADE CONTRATUAL, PREVISTAS NO ARTIGO 762º DO CC, CASO A RECORRENTE CASO ENTENDESSE HAVER QUALQUER TIPO DE INCUMPRIMENTO POR PARTE DA BB, SEMPRE DEVERIA TER NOTIFICADO A MESMA PARA PROCEDER À SUA REGULARIZAÇÃO, O QUE , NÃO ACONTECEU, LIMITANDO-SE A, SEM QUALQUER TIPO DE AVISO PRÉVIO, OU INVOCAÇÃO DE EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO, E DE MÁ-FÉ (NA MEDIDA EM QUE NÃO TINHA COMO DESCONHECER DAS CONSEQUÊNCIAS DO SEU COMPORTAMENTO), CORTAR O FORNECIMENTO DE CAFÉ À BB.

 xiv. TODAS E QUAISQUER OBRIGAÇÕES QUE IMPENDIAM SOBRE A BB EXTINGUIRAM-SE, POR CAUSA IMPUTÁVEL NÃO A SI, MAS ANTES À AA, QUE SE LIMITOU A CORTAR O FORNECIMENTO DE CAFÉ À BB, SEM QUALQUER TIPO DE NOTIFICAÇÃO OU INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA, MANTENDO O SEU INCUMPRIMENTO DURANTE MAIS DE VINTE DIAS, SEM QUALQUER TIPO DE JUSTIFICAÇÃO, FORÇANDO A BB A RESOLVER O CONTRATO, DE FORMA IMEDIATA, ATENTA A URGÊNCIA E OS PREJUÍZOS POR SI RESULTANTES DA MÁ FÉ NEGOCIAL E CONTRATUAL DA AA.

 xv. A RECORRENTE AA CORTOU O FORNECIMENTO DE CAFÉ À BB A 1 DE JUNHO DE 2012, SEM QUALQUER TIPO DE AVISO PRÉVIO, INTERPELAÇÃO PAARA PAGAMENTO/REGULARIZAÇÃO DE INCUMPRIMENTO, SEM QUALQUER TIPO DE JUSTIFICAÇÃO, SEM QUALQUER CONTACTO POSTERIOR QUE NÃO FOSSE UNICAMENTE PARA RESPONDER À RESOLUÇÃO OPERADA PELA BB POR FORÇA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JÁ CONHECIDAS DOS AUTOS.

 xvi. O único motivo pela qual a Recorrida deixou de fornecer café à BB S.A., a 01/06/2012, foi por esta estar em incumprimento de um acordo de pagamento, e nenhum outro, nem qualquer outro motivo foi invocado pela recorrente para justificar a sua conduta;

xvii. Em 01/06/2012 a Recorrente pretendia que a BB, declarada insolvente em 16/03/2012, lhe pagasse uma dívida que remontava a Julho de 2011, bem sabendo que tal exigência era inexequível por força do principio de igualdade de credores, assim demonstrando a sua ma-fé;

 xviii. a conduta adotada e dada como provada pela Recorrente foi eivada de má-fé contratual, pois que, tudo fez, para instigar e promover uma violação contratual por parte da BB, sem pejo de incorrer ela mesma em flagrante violação contratual, com o objetivo último de poder demandar os fiadores, e aqui Recorrentes.

 xix. Num contrato de fornecimento de café em regime de exclusividade, constitui abuso do direito interromper o fornecimento, que estava a ser pago a pronto, sem aviso prévio ou justificação, em violação das cláusula que impunha a interpelação prévia das contraparte para corrigir em 10 (dez) dias um eventual incumprimento, e fazer-se prevalecer dessa mesma regra para considerar que a parte contrária, que reagiu à interrupção declarando resolvido o contrato, resolveu o contrato de forma infundada e sem respeitar a apontada cláusula.

 TERMOS EM QUE DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO APRESENTADO PELA RECORRENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, MANTER-SE A DECISÃO PROFERIDA PELO DOUTO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,

ASSIM SE FAZENDO A HABITUAL JUSTIÇA!!

 

    19. O Recorrido DD finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

 I. — VEM ASSENTE QUE A AUTORA. ORA RECORRENTE, SUSPENDEU OS FORNECIMENTOS DE CAFÉ;

 II, — À DATA DESSA SUSPENSÃO A RECORRENTE E A EMPRESA AVALIZADA HAVIAM ACORDADO QUE OS FORNECIMENTOS ERAM PAGOS A PRONTO;

 III. — O CONTRATO DE FORNECIMENTO POR PARTE DA RECORRENTE À EMPRESA ERA NO REGIME DE EXCLUSIVIDADE;

 IV: — À DATA DA SUSPENSÂPO, POR ACTO UNILATERAL DA RECORRENTE, OS FORNECIMENTOS JÁ ESTAVAM A OCORRER A PRONTO PAGAMENTO, EM CONSEQUÊNCIA DO ACORDO CELEBRADO, ENTRE AMBAS AS PARTES;

 V. — A RECORRENTE PROCEDEU À INTERRUPÇÃO DESSES FORNECIMENTOS, SEM TER DADO, PREVIAMENTE, CONHECIMENTO OU QUALQUER JUSTIFICAÇÃO À EMPRESA CONTRATANTE;

 VI. — A RECORRENTE ESTAVA OBRIGADA A INTERPELAR, PREVIAMENTE, A EMPRESA CONTRATANTE DESSA VONTADE DE INTERROMPER OS FORNECIMENTOS;

 VII. — ALIÁS, COM ESSA INFUNDADA E UNILATERAL POSIÇÂO QUE ASSUMIU, DETERMINOU A RECORRENTE QUE A EMPRESA TIVESSE FICADO, DURANTE UM PERÍODO DE TEMPO, SEM MATÉRIA PRIMA PARA EXERCER A SUA ACTIVIDADE, DADO QUE A SUA SITUAÇÃO ECONÓMICA NÃO LHE PERMITIA TER STOCKS.

 VIII. — ALIÁS, COMO RESULTA DOS AUTOS, À DATA DA RESOLUÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO, POR PARTE DA RECORRENTE, O DÉBITO ERA DIMINUTO E ESTAVA ASSEGURADO PELA RECLAMAÇÃO QUE AQUELA DEDUZIU, NA QUANTIA DE 23.368,88, PARA ALÉM DE TER SIDO PROPOSTO O PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES, EM JULHO DE 2011, COMO RESSALTA DOS FACTOS ASSENTES;

 IX. — NÃO OBSTANTE TUDO O QUE ANTERIORMENTE SE ALEGOU E AQUI SE CONCLUÍU, NO DIA 01/06/2012 A AUTORA SUSPENDEU OS FORNECIMENTOS E, LOGO, APÓS INSTAUROU A PRESENTE ACÇÃO, PETICIONANDO, ALÉM DO MAIS, O REEMBOLSO DO CUMPRIMENTO INTEGRAL DE UM CONTRATO QUE A MESMA, NAS CONDIÇÕES DESCRITAS, SUSPENDEU;

 X. — COMO BEM CONCLUIU O VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO, ATENTAS AS CIRCUNSTÂNCIAS, A RECORRENTE NÃO PODIA SUSPENDER OS FORNECIMENTOS DA MATÉRIA PRIMA CAFÉ, POR FORMA UNILETERAL;

 XI. — CONSIDERANDO QUE OS FORNECIMENTOS ESTAVAM A SER PAGOS A PRONTO, A RECORRENTE NÃO CORRIA QUALQUER RISCO DE RECEBIMENTO, CONSIDERANDO O ACORDO ENTRE ELAS, À DATA EM VIGÔR, QUE OS FORNECIMENTOS ERAM CONTRA PAGAMENTO PRONTO;

 XII. — DESTE MODO, RESULTA CLARO QUE A ACTUAÇÃO DA RECORRENTE INTEGRA, UM INEQUÍVOCO E MANIFESTO ABUSO DO DIREITO;

 XIII. — NA VERDADE, ACTUOU COM CLAMOROSA OFENSA DO SENTIMENTO JURÍDICO SOCIALMENTE DOMINANTE, COM UMA ACTUAÇÃO PARA ALÉM DOS LIMITES DE EQUIDADE E EM TOTAL DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DA BOA FÉ, AOS QUAIS QUALQUER CIDADÂO NORMAL DEVE OBEDIENCIA CHOCANDO A SUA ACTUAÇÃO, CLARAMENTE, A CONSCIÊNCIA SOCIAL E OS BONS COSTUMES, COMUNS AO HOMEMM MÉDIO;

 XIV. — ASSIM, É INILUDÍVEL QUE A RECORRIDA PLEITEIA COM MANIFESTO ABUSO DE DIREITO, PRESSUPOSTO QUE LHE ASSISTISSE O DIREITO A QUE SE ARROGA, RELATIVAMENTE AO ORA RECORRENTE, POIS COMO SE REFERIU, A MESMA SUSPENDEU OS FORNECIMENTOS À EMPRESA, NÃO OBSTANTE NESSA DATA ESTAR ASSEGURADO O PAGAMENTO DOS FORNECIMENTOS, POR SEREM A PRONTO PAGAMENTO;

XV. — DESTE MODO, A CONDUTA DA RECORRENTE CONSTITUÍ UM MANIFESTO ABUSO DO DIREITO, DADO QUE A PRETENSÃO, A QUE SE ARROGA, VIOLA OS MAIS ELEMENTARES PRINCÍPIOS DA BOA FÉ  E BONS COSTUMES, TORNANDO-SE, INQUESTIONAVELMENTE, ILEGÍTIMO, POR ABUSIVO, O INVOCADO EXERCÍCIO DO DIREITO A QUE SE ARROGA, CONFORME DISPOSTO NO ART. 334 DO C. CIVIL, QUE EXPRESSAMENTE SE INVOCA, DEVENDO, POR ISSO, SER TRATADA COMO SE NÂO TIVESSE ESSE DIREITO.

 XVI. — A FINALIZAR, DIR-SE-Á A QUE TÍTULO SE ARROGA A RECORRENTE, APÓS TER UNILATERAL E INFUNDADAMENTE INTERROMPIDO OS FORNRECIMENTOS, SEM MAIS, NO DIREITO DE RECEBER A TOTALIDADE DO VALOR DO CAFÉ CONTRATADO E NÃO FORNECIDO, POR ACTO SÓ A ELA IMPUTÁVEL;

 XVII. — A QUE TÍTULO SE ARROGA A RECORRENTE, APÓS TER UNILATERAL E INFUNDADAMENTE INTERROMPIDO OS FORNECIMENTOS, SEM MAIS, NO DIREITO DE RECEBER O VALOR DOS EQUIPAMENTOS, A PREÇO E CUSTO DE NOVOS, APÒS LONGOS ANOS DE USO;

 XVIII. — COMO É MANIFESTO, NENHUM REPARO MERECE O DOUTO ACORDÃO RECORRIDO, PELO QUE DEVERÁ SER MANTIDO, NA INTEGRA.

NESTES TERMOS, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o douto acórdão recorrido, conforme alegado e concluído, como é da mais ELEMENTAR JUSTIÇA.

  20. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    21. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

           1.º — se o alegado não cumprimento imputado à Ré BB concedia à Autora AA, SA, a faculdade de suspender o fornecimento (conclusões n.ºs 1-12);

           2.º — caso afirmativo, se o exercício da faculdade de suspender o fornecimento se conteve dentro dos limites da boa fé (conclusões n.ºs 13-22);

           3.º — caso afirmativo, se os Recorridos devem ser condenados à restituição do valor da comparticipação publicitária, à restituição do valor dos equipamentos e ao pagamento da pena convencional pela não aquisição de café até ao termo do contrato.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

            OS FACTOS

   1. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

 1. Autora e BB ..., Lda., celebraram, em 22.04.2010, o contrato que consta de fls. 12 a 20 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo os 2º, 3º e 4º Réus o celebrado na qualidade de fiadores e principais pagadores solidários, garantindo a satisfação de todas as obrigações da BB, ficando pessoalmente obrigados perante a Autora.

 2. No dia 01.06.2012 a Autora suspendeu os fornecimentos.

 3. A BB remeteu à Autora a missiva datada de 22.06.2012, comunicando-lhe a resolução do contrato e que consta de fls. 23 e 24 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

 4. A Autora remeteu as missivas datadas de 17.07.2012 que constam de fls. 26 a 30 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

 5. A Autora entregou à BB, a título de comparticipação publicitária, a quantia de € 120.000,00, com IVA incluído à taxa de 20%, nos termos da cláusula quarta do contrato.

 6. A Autora havia já entregue à BB, ao abrigo do contrato revogado, a quantia de € 55.953,96, acrescida de IVA à taxa legal então em vigor.

 7. A comparticipação publicitária, deduzida do montante proporcional ao período contratual decorrido, contado em meses, ascende a € 108.699,91.

 8. Os equipamentos colocados pela Autora no estabelecimento da BB têm o valor de € 3.023,48.

 9. Em Julho de 2011, a BB propôs-se pagar a quantia de 23.368,88 €, relativa a fornecimentos efectuados de Fevereiro a Maio de 2011, em 22 prestações semanais e sucessivas, as primeiras 21 de € 1.100,00 e a última de € 268,88 e a Autora anuiu a continuar a fornecer mediante pagamento a pronto desde que cumprisse as prestações semanais e respeitasse o contrato de 22.04.2010.

 10. A Autora suspendeu os fornecimentos à BB por esta não ter cumprido o acordado em 9.

 11. A Autora em 8 de Junho de 2012 intentou acção de verificação ulterior de créditos por apenso ao processo de insolvência da BB, reclamando o valor de € 23.368,88, acrescido de juros, que veio a ser julgada procedente.

 12. Em 22.06.2012, a BB consumira apenas 5.854,95 kg de café.

 13. Ascende a € 121.450,50 a quantia devida pelos quilos de café não adquiridos até ao termo do contrato.

 14. A BB celebrou contrato de fornecimento com a “NN” e dela recebeu contrapartidas.

 15. O Réu DD desempenhou funções de gerente até fins de 2010.

 16. À data da insolvência da BB esta devia à Autora € 23.368,88.

     2. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:

 1. Foi pressuposto da celebração do contrato e acordo de fiança, que esta apenas vinculava o Réu DD enquanto mantivesse a sua qualidade de gerente, o que foi aceite pela Autora.

 2. Desde o Junho de 2011, foi acordado entre Autora e BB que os pagamentos das quantias em dívida anteriores à declaração de insolvência seriam reclamados no processo de insolvência e as facturas apresentadas depois seriam pagas de imediato.

 3. Face à suspensão do fornecimento de café pela Autora, a BB remeteu a missiva referida em 3. e adquiriu café em grandes superfícies comerciais, de forma a dar seguimento à sua actividade comercial, bem como servir os seus clientes.

 4. Para evitar o encerramento dos estabelecimentos de venda ao público, a BB socorreu-se de uma marca concorrente que disponibilizou o café após a missiva de 22.06.2012.

            O DIREITO

      1. A Autora, agora Recorrente, alega que a Ré BB, de que os agora Reccoridos são fiadores, estava em Junho de 2012 em situação de não cumprimento do contrato por duas razões: por não ter cumprido as obrigações relacionadas com o plano de regularização da dívida de 23.368,88 euros (cf. factos provados sob os n.ºs 9, 10 e 11) e  por não ter cumprido as obrigações de compra mínima mensal de 300 kg. de café. Entre a data da conclusão do contrato, em Abril de 2010, e a data da suspensão do fornecimento, em Junho de 2012, a BB “consumira apenas 5.854,95 kg.” e devia ter comprado à Autora 7500 kg. (cf. factos provados sob o n.º 12).

     2. Começará por averiguar-se se o não cumprimento imputado à Ré BB atribuía à Autora AA, SA, a faculdade de suspender o fornecimento de café.

           I. — As instâncias apreciaram, como questão prévia, a aplicabilidade da cláusula nona do contrato, por que se determinava que “qualquer das partes pode pôr termo ao presente contrato, com efeitos imediatos, se a outra parte estiver em incumprimento contratual e não corrigir tal incumprimento no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis a contar da notificação por escrito feita pela parte lesada”. Os termos pôr termo ao presente contrato depõem fortemente no sentido que a cláusula nona pretendia aplicar-se às hipóteses de resolução do contrato e não pretendia aplicar-se às hipóteses de suspensão do contrato, designadamente às hipóteses em que a suspensão do contrato fosse determinada pela excepção de não cumprimento. Estando em causa, tão-só, uma suspensão do fornecimento, a cláusula nona não era directamente aplicável.

            II. — O problema está em que a suspensão do fornecimento de café, nas circunstâncias em que foi feita pela Autora AA, não era adequada ao fim último da excepção de não cumprimento, prevista nos arts. 428.º ss. do Código Civil — a excepção de não cumprimento tem como fim último o cumprimento ou a execução total do contrato [1] e a suspensão do fornecimento era de todo em todo desadequada para fazer com que a Ré BB cumprisse.

            Em relação às obrigações relacionadas com o plano de compras (com a compra mínima mensal de 300 kg. de café), a suspensão de fornecimento era desadequada por não ter sentido fazer pressão para que a Ré BB cumprisse a obrigação de comprar 300 kg. de café e simultaneamente recusar-se a fornecer o café que a BB tinha a obrigação de comprar.

           Em relação às obrigações relacionadas com o plano de regularização da dívida de 23 368,88 euros, a suspensão de fornecimento era desadequada, por não ter sentido fazer pressãopara que a Ré BB cumprisse uma obrigação que não podia cumprir.

            O acórdão recorrido di-lo de forma esclarecedora:

“… a Autora bem sabia que a BB não lhe podia pagar uma dívida que já se encontrava vencida antes da declaração de insolvência (o facto 16 é inequívoco sobre essa matéria: “à data da insolvência da BB esta devia à Autora € 23.368,88”). O primeiro efeito da declaração de insolvência é a privação dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (v. art. 81º, nºs 1 e 4, do CIRE). […] com a declaração de insolvência, passa a vigorar o princípio par conditio creditorum ou da igualdade dos credores, não sendo admissível que o insolvente liquide dívidas de um credor em detrimento dos outros. Finalmente, vencendo-se imediatamente todas as obrigações não subordinadas a condição suspensiva, verifica-se uma estabilização geral do passivo do devedor e os credores apenas poderão exercer os seus direitos de conformidade com os preceitos do CIRE (art. 90º)”.

     4. O facto de a suspensão do fornecimento, nas circunstâncias em que foi feita, não ser adequada ao fim último da excepção de não cumprimento, é agravado por duas coisas.

            Em primeiro lugar, o contrato concluído em 22 de Abril de 2010 tinha sido modificado em Julho de 2011, passando o pagamento do café a ser feito a pronto (cf. facto provado sob o n.º 9) e , em segundo lugar, ainda que o pagamento do café estivesse a ser feito a pronto, a Autora deixou de fornecer café à Ré BB sem fundamentar a sua decisão (factos provados sob os n.ºs 2 e 10). 

            Como não houvesse nenhum risco de o café fornecido não ser pago, há-de concordar-se com o acórdão recorrido em que “[a] ‘suspensão’ de fornecimentos é […] uma decisão incompreensível e injustificada para uma pessoa desinteressada que aprecie a situação” [2].

           A violação do dever de boa fé pela Autora AA, SA, deve coordenar-se com o conteúdo do contrato concluído entre a Autora e a Ré BB, para que se possa fazer um juízo sobre a licitude ou ilicitude da declaração de resolução da Ré, em 22 de Junho de 2012.

           O contrato de fornecimento continha uma cláusula de exclusividade e, desde que a Autora AA, SA, deixou de fornecer café à Ré BB, a vinculação a um contrato de fornecimento contendo uma cláusula de exclusividade era inexigível à Ré. A Ré BB podia ter resolvido, como resolveu, o contrato em 22 de Junho de 2012 [3].

      5. Ficando, como deve ficar, claro que o exercício do direito ou da excepção prevista no art. 428.º foi ilícita e que o exercício do direito de resolução do contrato foi lícito, põe-se a questão da procedência ou improcedência dos pedidos deduzidos pela Autora.

       As instâncias conformaram-se com uma lógica de tudo ou nada: a 1.ª instância condenou os Réus a pagarem a quantia correspondente à soma das quantias devidas a título de restituição do valor da comparticipação publicitária, do valor dos equipamentos e da pena convencional pela não aquisição de café até ao termo do contrato; a Relação absolveu-os, sem mais.

       O caso está em que cada um dos três pedidos tem um fundamento autónomo e distinto.

           I. — Em relação ao pedido de pagamento da pena convencional pela não aquisição das quantidades mínimas de café até ao termo do contrato, deve dizer-se duas coisas:

           O contrato foi resolvido por não cumprimento imputável à Autora AA, SA — e, como o contrato foi resolvido por não cumprimento imputável à Autora, só seria devida a pena correspondente à diferença entre a quantidade de café que a Ré BB tinha comprado e a quantidade de café que devia ter comprado até à data da resolução (22 de Junho de 2012). 

           Em todo o caso, a pena [4] correspondente à diferença entre a quantidade de café que a Ré BB tinha comprado e a quantidade de café que devia ter comprado até à data da resolução só seria devida desde que estivessem preenchidos dois requisitos:  Em primeiro lugar, desde que o não cumprimento da Ré BB fosse um não cumprimento definitivo ou uma mora qualificada pelo preenchimento dos pressupostos do art. 808.º do Código Civil [5]; em segundo lugar, desde que o não cumprimento definitivo ou mora qualificada fosse imputável à Ré BB, SA [6]. Os factos provados não são suficientes para qualificar o não cumprimento como definitivo ou como mora qualificada imputável á Ré, pelo que os Recorridos devem ser absolvidos do pedido.

           II. — Em relação aos pedidos de restituição do valor da comparticipação publicitária e de restituição do valor dos equipamentos, deve dizer-se que têm como fundamento o facto objectivo da cessação do contrato, designadamente da cessação do contrato por resolução.

           O art. 432.º, n.º 2, e os arts. 433.º e 434.º do Código Civil confirmam-no, ao constituírem cada uma das partes na obrigação de restituir, ainda que o contrato tenha sido resolvido por não cumprimento, e que o não cumprimento seja imputável à contraparte. Em contraste com o pagamento da pena, a restituição do dinheiro entregue como comparticipação publicitária “não tem”, nos precisos termos da sentença de 1.ª instância, “natureza indemnizatória”.

            Os Recorridos devem ser condenados a pagar à Recorrente as quantia de 108 699,91 euros, devida a título de restituição do valor da comparticipação publicitária (cf. factos provados sob os n.ºs 5 e 7) e a quantia de 3 023,48 euros, devida a título de restituição do valor dos equipamentos (cf. facto provado sob o n.º 8), em cada um dos casos acrescidas de juros.

III. — DECISÃO

            Pelo exposto,

   I. — revoga-se o acórdão recorrido na parte em que absolveu os Recorridos CC, DD e EE de pagar à Recorrente AA, SA, as quantias devidas a título de restituição do valor da comparticipação publicitária e do valor dos equipamentos e

  II. — repristina-se a sentença de 1.º instância, na parte em que condenou os Recorridos a pagar à Autora as quantias de 108 699,91 euros, devida a título de restituição do valor da comparticipação publicitária, e de de 3 023,48 euros, devida a título de restituição do valor dos equipamentos, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde 17 de Julho de 2012 e até integral pagamento.

      Em tudo o mais, confirma-se o acórdão recorrido.

       Custas em todas as instâncias pela Recorrente AA, SA, e pelos Recorridos CC, DD e EE, na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 14 de Março de 2019

Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relatora)

Maria dos Prazeres Beleza

Olindo Geraldes

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[1] Cf. desenvolvidamente José João Abrantes, A excepção de não cumprimento do contrato: conceito e fundamento, 2.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2012, págs. 172-178; João Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, 2.ª ed., separata do vol. XXX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito [da Universidade de Coimbra], Coimbra, 1997, págs. 329-337; ou Ana Taveira da Fonseca, Da recusa de cumprimento da obrigação para tutela do direito de crédito. Em especial, na excepção de não cumprimento, no direito de retenção e na compensação, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 278-283.

[2] Sobre o princípio da boa fé, como limite ao exercício da faculdade contida na excepção de não cumprimento do contrato, vide designadamente Júlio Gomes, “Da excepção de não cumprimento parcial e da sua invocação de acordo com a boa fé — [anotação ao] acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Março de 2008”, in: Cadernos de direito privado, n.º 25, Janeiro-Março de 2009, págs. 51-67.

[3] Sobre a resolução do contrato, por não ser exigível ao Réu a continuação da relação contratual, vide designadamente Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 869-874.

[4] Cuja função indemnizatória pode ser presumida [cf. António Pinto Monteiro, Cláusula penal e indemnização, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, pág. 688] e foi, de qualquer forma, assumida pela sentença da 1.ª instância.

[5] Cf. António Pinto Monteiro, Cláusula penal e indemnização, cit., págs. 634-638 e 689; ou Nuno Manuel Pinto Oliveira, Cláusulas acessórias ao contrato — Cláusulas de exclusão e de limitação do dever de indemnizar e cláusulas penais, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2008, pág. 120.

[6] Cf. desenvolvidadamente António Pinto Monteiro, Cláusula penal e indemnização, cit., págs. 274-280.