Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
773/07.0TBALR.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PRINCÍPIO DA DIFERENÇA
EQUIDADE
INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DE OUTRA PROFISSÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA
REFORMA
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
PERDA DE CAPACIDADE DE GANHO
DANOS PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
Data do Acordão: 03/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DA RÉ E PARCIALMENTE CONCEDIDA A DO AUTOR
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
-Maria da Graça Trigo, Adopção do Conceito de Dano Biológico pelo Direito Português, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, I, p. 148 e 149.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.º 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS: - ARTIGO 566.º, N.ºS 2 E 3.
TABELA NACIONAL DE INCAPACIDADES POR ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADA PELO DL N.º 352/2007, DE 23-10, REVOGANDO O DL N.º 341/93 DE 30 DE SETEMBRO, E APROVA A TABELA INDICATIVA PARA A AVALIAÇÃO DA INCAPACIDADE EM DIREITO CIVIL.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-07-2007;
- DE 29-10-2008;
- DE 05-11-2009, PROCESSO N.º 381/2002.S1;
- DE 14-09-2010;
- DE 28-10-2010, PROCESSO N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1;
- DE 20-10-2011, PROCESSO N.º 428/07.5TBFAF.G1.S1;
- DE 31-01-2012, PROCESSO N.º 875/05.7TBILH.C1.S1;
- DE 10-10-2012, PROCESSO N.º 632/2001.G1.S1;
- DE 07-05-2014, PROCESSO N.º 436/11.1TBRGR.L1.S1;
- DE 19-02-2015, PROCESSO N.º 99/12.7TCGMR.G1.S1;
- DE 04-06-2015, PROCESSO N.º1166/10.7TBVCD.P1.S1;
- DE 28-01-2016, PROCESSO N.º 7793/09.8T2SNT.L1.S1;
- DE 07-04-2016, PROCESSO N.º 237/13.2TCGMR.G1.S1;
- DE 14-12-2016, PROCESSO N.º 37/13.0TBMTR.G1.S1;
- DE 09-11-2017, PROCESSO N.º 2035/11.9TJVNF.G1.S1;
- DE 25-05-2017, PROCESSO N.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1;
- DE 09-11-2017, PROCESSO N.º 2035/11.9TJVNF.G1.S1,TODOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


- DE 15/9/2014, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Não existe o obstáculo da dupla conforme, quanto à ré, quando a Relação, apesar de ter reduzido a indemnização fixada pela 1.ª instância, a título de “dano patrimonial futuro por perda da capacidade de ganho”, de € 550 000 para € 280 000, adoptou fundamentação essencialmente diferente no que respeita aos critérios seguidos para fixar essa indemnização, sendo, como tal, o recurso de revista admissível (art. 671.º, n.º 3, do CPC).

II - A afectação da integridade físico-psíquica (que tem vindo a ser denominada “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial, compreendendo-se na primeira categoria a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais.

III - Os índices de incapacidade geral permanente não se confundem com os índices de incapacidade profissional, correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo DL n.º 352/2007, de 23-10: na incapacidade geral avalia-se a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, a qual pode ter reflexos ao nível da incapacidade profissional, mas que com esta não se confunde.

IV - A fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do “dano biológico” não pode seguir a teoria da diferença (art. 566.º, n.º 2, do CC) como se tais danos fossem determináveis, devendo antes fazer-se segundo juízos de equidade (art. 566.º, n.º 3, do CC).

V - Para tanto, relevam: (i) a idade do lesado à data do sinistro (39 anos); (ii) a sua esperança média de vida que, para homens nascidos em 1964, se situará, no ano de 2004 – ano do acidente – entre 64 e 75 anos (e não a sua previsível idade da reforma, já que a perda da capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado); (iii) a percentagem de incapacidade geral permanente (53%); e (iv) a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com a formação/preparação técnica do lesado (sendo que, no caso, este deixou de poder caminhar, levantar-se ou baixar-se normalmente, só o podendo fazer com canadianas e a sua formação/preparação técnico-profissional corresponde à de um electricista de redes de distribuição, assentando as suas competências na destreza, mobilidade e força).

VI - É, por isso, de concluir que a afectação dos referidos parâmetros terá consequências extremamente negativas na possibilidade efectiva de o lesado vir a exercer actividade profissional alternativa, aproximando-se a sua situação de uma incapacidade total permanente para o trabalho, pelo que, ponderando os enunciados factores e comparando o caso com outras decisões do STJ, afigura-se justa e adequada a fixação da indemnização, a título de dano patrimonial futuro por perda da capacidade de ganho desde a data do sinistro, em € 400 000 (ao qual se deduzirá o valor já pago) e não em € 280 000 como fez a Relação.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA instaurou, em 30/07/2007, a presente acção declarativa, com processo comum ordinário, contra BB Seguros, S.A. (actual CC, S.A.), pedindo a condenação desta a pagar-lhe uma indemnização no montante global de € 593.337,48.

Alegou, em síntese, que foi vítima de acidente de viação, ocorrido em 18/07/2004, quando o seu motociclo com a matrícula ...-...-LM se encontrava parado na berma, fora da faixa de rodagem, tendo sido embatido pelo veículo automóvel de mercadorias com a matrícula RS-...-..., conduzido por DD, veículo seguro na R. O acidente ocorreu exclusivamente por causa e por culpa do condutor do veículo automóvel, tendo o A. sofrido lesões e ficado com sequelas, com os consequentes danos patrimoniais e não patrimoniais, cuja indemnização pretende.

A final formulou os seguintes pedidos:

“A) - Deve a R. ser condenada a pagar ao A. a quantia de 98 337,48 Euros, a título de indemnização pelos danos patrimoniais por este sofridos, desde o acidente e até à data do intentar da presente acção (30 de Julho de 2007);

B) - Deve a R. ser condenada a pagar ao A. a quantia de 450 000,00 Euros, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, decorrentes da incapacidade total para o trabalho de que passou a padecer em consequência do acidente;

C) - Deve a R. ser condenada a pagar ao A. a quantia de 45 000,00 Euros, a título de indemnização por danos não-patrimoniais sofridos pelo A. e resultantes do acidente;

D) - Deve a R. ser condenada, genericamente, no pagamento ao A. dos danos patrimoniais emergentes do acidente e que ocorram entre o intentar da presente acção (30 de Julho de 2007) e a audiência de discussão e julgamento em lª instância, os quais liquidará em incidente oportuno;

E) - Deve a R. ser condenada no pagamento ao A.de juros de mora vincendos, à taxa legal, contados desde a citação até integral e completo pagamento, juros esses a incidir sobre as quantias supra referidas em A), B), C) e D)”.

        A R. contestou, admitindo a culpa do segurado na produção do acidente, mas impugnando quer a natureza quer a dimensão dos danos invocados pelo A., alegando que, não só já procedeu ao pagamento de diversos valores a título de princípio de indemnização, como ainda que o total indemnizatório não pode exceder o montante do capital garantido pela apólice de seguro, que era, à data do acidente, de € 625.000,00.

       Por requerimento de fls. 510 veio o A. ampliar dois dos pedidos formulados na petição inicial, passando a peticionar a condenação da R. no pagamento da quantia de € 348.337,48, a título de danos patrimoniais sofridos até à data em que apresentou o requerimento, e de € 200.000, a título de danos patrimoniais futuros resultantes da incapacidade total para o trabalho de que ficou a padecer.

       A fls. 597 foi proferida sentença, fixando a seguinte indemnização: € 550.000 pelo “dano patrimonial futuro pela perda de capacidade de ganho” (montante a que se tinha de deduzir a quantia já paga de € 25.531,02); € 363,38, € 1.238 e € 840 por despesas diversas; € 4.000 por perda total de veículo; € 45.000 por danos não patrimoniais, o que ascende ao valor global de € 575.910,36, aos quais deve ser deduzida a quantia também já liquidada de € 88.000.

A final decidiu-se o seguinte:

«- condeno a ré a pagar ao autor a quantia global de €428.234,84 (quatrocentos e vinte e oito mil duzentos e trinta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal;

- condeno a ré a pagar ao autor a quantia em que este seja condenado no âmbito da ação n.º 425/14.4tbabt, que corre termos pelo Tribunal Judicial do …;

- condeno a ré a pagar ao autor as despesas inerentes à intervenção cirúrgica realizada no dia 8 de Janeiro de 2016, cuja liquidação se relega para execução de sentença.»


Inconformada, a R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de …, pedindo a redução da indemnização por danos patrimoniais futuros sofridos pelo A. para valor não superior a € 150.000, descontados os valores já liquidados; ou, assim não se entendendo, fixando-se em € 261.820, descontados os valores já pagos, sem prejuízo de se ter em conta o limite do capital seguro (€ 625.000,00).

A fls. 676, e ao abrigo do art. 614º do Código de Processo Civil, foi proferido despacho rectificativo da sentença:

“Pelo exposto e de harmonia com tal dispositivo legal, corrijo a sentença de fls. 537 e ss., passando-se a ler o seguinte (fls. 546):

"Em suma, atribui-se ao autor uma indemnização global de €575.910,36, à qual será abatido o valor de €147.675,52 correspondente ao somatório das seguintes parcelas: a) valores já recebidos ao abrigo da transacção exarada nos autos de providência cautelar de arbitramento de reparação provisória (€800/mês desde Maio de 2007), que ascendem ao montante de €88.000 (€800 x 110 meses: Maio de 2007 a Junho do corrente ano); b) quantia de €59.675,52 (cfr. resposta dada ao art. 33.º da base instrutória). O valor indemnizatório final será assim de €428.234,84 (€524.468,98 + €363,38 + €1238 + €840 + €4.000 + €45.000 - €147.675,52).


*


Decisão.

Nestes termos e de harmonia com a fundamentação que antecede julgo esta acção parcialmente procedente e em consequência:

- condeno a ré a pagar ao autor a quantia global de €428.234,84 (quatrocentos e vinte e oito mil duzentos e trinta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal”


Esclareça-se que a quantia de € 524.468,98 (assinalada a negrito) corresponde ao valor indemnizatório de € 550.000 pelo “dano patrimonial futuro pela perda de capacidade de ganho”, deduzida da quantia já liquidada de € 25.531,02.


     Apreciado o recurso de apelação, por acórdão de fls. 693, foi proferida a seguinte decisão:

“Nestes termos, decide-se pela parcial procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida no que concerne ao montante indemnizatório atinente ao dano patrimonial futuro, na vertente de perda de capacidade de ganho decorrente do défice funcional de integridade físico-psíquica de que o Recorrido ficou afetado, que se fixa em €280.000 (duzentos e oitenta mil euros).”


2. Desta decisão vêm o A. e a R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

O A. formula as seguintes conclusões:

1ª:-A idade do A./recorrente (53 anos em novembro de 2017), as lesões por si sofridas e discriminadas nos arts.2°,6°, 11° a 16°,27° e 28° das respostas à base instrutória e o facto de ainda não estar curado das sequelas do acidente, tendo ainda sido operado à perna e pé direitos em janeiro de 2016 (resposta à matéria do articulado superveniente),tornam verosímel e muitíssimo provável que a incapacidade permanente geral de 53% e a incapacidade total e permanente para o trabalho habitual de que padece se tornem numa incapacidade total e permanente para o trabalho em geral, sendo que o mesmo nenhum subsídio ou ajuda recebe de qualquer instituição (Segurança Social ou outras);

2ª:-Nos presentes autos o valor da remuneração mensal de referência para o cálculo da indemnização de danos patrimoniais por perda de ganho do A/recorrente deve ser a remuneração habitual auferida por este e que é a indicada na al."P"dos factos assentes e consiste em € 800,57 de remuneração-base, acrescida de € 79,81 de diuturnidades e de € 1 500,00 de remuneração variável abarcando as ajudas de custo, horas extraordinárias e trabalho aos fins-de-semana e não a indicada no douto acórdão recorrido;

3ª:-Tal valor nos termos indicados na conclusão anterior determinam a fixação de uma remuneração de referência anual arredondada de € 28 500,00, tal como fez a douta sentença primeira instância e não a referenciada no douto acórdão recorrido;

4ª:-A indemnização global de danos patrimoniais por perda de ganho do A/recorrente deve

fixar-se no montante de € 550 000,00 (valor este antes do desconto das quantias que a R./recorrida já pagou ao A./recorrente ),montante esse fixado pela douta sentença de primeira instância e não o fixado pelo douto acórdão recorrido, condenando-se a R./recorrida no seu pagamento ao A/recorrente;

5ª:-Do montante global de € 550 000,00 de indemnização por danos patrimoniais por perda de ganho do A/recorrente deverá discriminar-se o referente a danos pretéritos ou atuais (com referência à decisão de primeira instância) e os danos futuros propriamente ditos

(posteriores à decisão de primeira instância);

6ª:-Na sequência da conclusão anterior indica-se que do montante global de € 550 000,00 relativo à indemnização por danos patrimoniais por perda de ganho do A/recorrente, € 339 625,00 diga respeito a danos pretéritos ou atuais (à data da prolação da sentença  de primeira instância) e € 210 375,00 a danos futuros "strictu senso"(posteriores àquela sentença);

7ª:-Ao decidir como decidiu interpretou e aplicou erroneamente o douto acórdão recorrido

 

     A R. Recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso do A.


Em sede de recurso de revista formula a R. as seguintes conclusões:

1) A única questão que se submete a douta sindicância deste Venerando Tribunal e que constitui o objecto do presente recurso de revista, contende com a indemnização fixada ao A/lesado, a título de dano patrimonial futuro, na vertente de perda da capacidade de ganho decorrente do défice funcional de integridade físico psíquica de que o mesmo ficou afectado por virtude das lesões e sequelas causadas no acidente de viação ocorrido com veiculo automóvel seguro na Apelante, e da responsabilidade deste.

2) Não se conforma a Apelante com o critério seguido na fixação da referida indemnização, nem com o quantum indemnizatur a que chegou o Mmo. Tribunal "a quo", por considerar, além do mais, que os mesmos se mostram desfasados do que vem sendo seguido pela nossa doutrina e jurisprudência, seno manifestamente excessivos face ao dano a ressarcir, criando mesmo uma situação de enriquecimento injustificado do lesado.

3) Salvo o devido respeito por diverso entendimento, não pode, uma vez mais, a recorrente Seguradora conformar-se com os critérios seguidos pelo Mmo. Tribunal "a quo" para o apuramento deste valor indemnizatório, nem com o quantum a que o mesmo chegou.

4) É que, desde logo, verificamos que apesar do Venerando Tribunal da Relação - e bem - apontar criticas à decisão proferida na 1ª instância quanto ao facto desta não ter levado em linha de conta o concreto défice funcional de 53 pontos atribuído ao lesado, certo é que acaba - tal como na 1ª instância - por fixar um valor indemnizatório global que, quanto a nós, continuou a não ter em devida nota que o défice funcional em concreto não é total, nem impeditivo da prática pelo lesado de qualquer actividade profissional remunerada.

5) A indemnização deverá, pois, obedecer ao disposto nos art.º 562.º e seguintes do Código Civil.

6) A dificuldade na sua determinação concreta acha-se no facto de se tratarem de danos futuros, razão pela qual não há um entendimento uniforme junto da nossa doutrina e jurisprudência.

7) Refere-se, contudo, no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto. de 05.07.2007. in www.dgsi.pt: "Tal vai traduzir-se na perda efectiva de rendimentos resultante da diminuição da capacidade para os angariar. Esse corte no orçamento pessoal não pode transformar-se numa quantia correspondente à mensalmente perdida multiplicada pelo número de anos de vida (activa) do lesado. Tal seria irrealista já que a quantia encontrada iria assegurar a percepção de um rendimento muitíssimo superior ao efectivamente perdido. É muito diferente receber uma quantia mensal do que receber um quantum total, pois este traduz-se numa antecipação de rendimentos que só seriam acumulados ao fim de anos. Ora, somando o juro que seria susceptível de produzir, o capital poderia exceder em muito o dano efectivo."

8) Ainda, nesta esteira, pronunciou-se este Venerando Tribunal, no acórdão de 07.10.2004, mencionando "Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito dos valores resultantes de cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental.

9) No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder á quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção ou omissão lesiva em causa".

10) Estes juízos lógicos de probabilidade carecem de ser temperados com critérios objectivos e, citando o Prof. Antunes Varela, "a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).

11) E ponderando vários factores, tais como, o grau de incapacidade, a idade da vítima, o tempo provável da sua vida, a natureza do trabalho, a variação dos rendimentos, a possibilidade de progressão na carreira, a desvalorização da moeda em função da inflação, aliando-os a uma correcção de acordo com a equidade, temos que, salvo o devido respeito por diversa opinião, o montante indemnizatório arbitrado pelo douto acórdão aqui posto em crise mostra-se ainda exagerado face ao efectivo dano gerado na esfera jurídica do lesado, sendo mesmo susceptível de lhe gerar um efectivo rendimento que o mesmo jamais viria a obter caso não se tivesse dado o acidente.

12) Permitimo-nos ainda citar a observação contida no douto acórdão do Tribunal da Relação de …, de 03.11.2011, e que nos parece pertinente para o caso em apreço: "Perante os dados recentes que prevalecem na economia nacional, europeia e mundial, e que colocam o cálculo previsional em patamares de incerteza quase absoluta, todos os parâmetros que apontavam para o progresso da economia e para melhores níveis de progresso e bem-estar ficaram abalados, o que não pode deixar de se repercutir nos critérios indemnizatórios que até hoje têm prevalecido entre nós".

13) Não podemos olvidar que a indemnização pelo dano biológico, na vertente de perda aquisitiva de ganho, deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora o evento lesivo.

14) Volvendo ao caso sub judice, entendemos que andou mal o douto acórdão recorrido pois não podia desconsiderar, para o cálculo do quantum indemnizatur, a percentagem da incapacidade de que o lesado ficou afectado - tal como no mesmo se refere (vide pág 13) - e simplesmente acabar por multiplicar o valor da remuneração anual pelo número de anos restantes até à reforma.

15) É que tendo o Venerando Tribunal "a quo" corrigido a base de cálculo usada, desadequadamente, pela 1ª instância, passando a considerar, ao invés do rendimento mensal fixo e ajudas de custo, apenas o rendimento mensal fixo (situação com a qual desde já nos congratulamos por entendermos que é a que se mostra mais justa e idónea ao cabal ressarcimento do dano), verificamos que, pelo simples cálculo aritmético consistente em multiplicar o rendimento anual considerado (€ 12.325,32) pelo n.º de anos que restavam ainda para a idade da reforma (26 anos) e subtraindo o valor correspondente aos 53 pontos de défice funcional, chegamos ao valor de € 169.842,90).

16) Valor esse que, mesmo admitindo-se ser corrigido com recurso a critério equitativos (e sem se proceder a qualquer desconto devido pela manifesta vantagem do lesado o receber todo de uma só vez), jamais poderia sofrer um incremento superior a € 100,000,00, de modo a redundar na quantia de € 280.000,00 arbitrada pelo douto acórdão recorrido.

17) Salvo o devido respeito por diverso entendimento, temos que o Venerando Tribunal "a quo", no cálculo da parcela indemnizatória aqui em apreço foi apara além daquilo que era efectivamente previsível, causando um verdadeiro enriquecimento injustificado para o lesado.

18) Revertendo para o caso em apreço, temos que, apara além do vencimento fixo habitual do lesado (aproximadamente Euro 1.000,00), os factos tidos como relevantes para a determinação do quantum indemnizatório a título de dano biológico serão os seguintes:

Idade: 39 anos à data do evento danoso;

Actividade profissional a que se dedicava: electricista;

Natureza das lesões e sequelas sofridas em consequência do acidente - sequelas permanentes que lhe demandam um défice funcional de integridade físico-psíquica de 53 pontos, sendo tais sequelas impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo contudo compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional;

Idade da reforma: 65 anos;

19) Perante tal realidade fáctica e recorrendo aos critérios doutrinários e jurisprudenciais supra referidos, sem nunca esquecer o cálculo decorrente de utilização da fórmula matemática vertida no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de … de 04/04/1995 compatibilizada com a decorrente do Acórdão do STJ de 05/05/1994, e cotejada com um juízo equitativo, sem esquecer o necessário desconto a operar face à vantagem de receber todo este valor de uma só vez, e sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, afigura-se adequada a atribuição da indemnização a título de dano patrimonial futuro, na vertente de dano biológico, no valor nunca superior a €150.000,00, tal como aliás já se defendeu em sede de recurso de apelação.

20) Ao qual terá, necessariamente, de se descontar os valores que a Seguradora Apelada já liquidou ao lesado a este título e que se mostram elencados na decisão proferida na 1ª instância, ou seja, €25.531,02 e €88.000,00.

21) Ao consignar diverso entendimento a douta decisão proferida violou, entre o demais, o disposto no art. 562.º do CPC, pelo que deverá ser revogada.

Sem prescindir,

22) Ainda que assim não seja doutamente entendido - o que por mero dever de patrocínio se concebe - e considerando-se o valor do vencimento anual a que se atendeu no douto acórdão recorrido, e operando-se o simples cálculo aritmético consubstanciado na multiplicação do valor do vencimento anual (€ 12.325,32), pelo número de anos que restam até à idade considerada de 70 anos, como esperança de vida activa (31 anos), e aplicando-se a percentagem da desvalorização (53%), chegaríamos ao valor aproximado de €202.000,00.

A tal valor teria, novamente, de ser descontado o valor já recebido pelo lesado, de €25.531,02 e €88.000,00.

23) Operando-se o mesmo raciocínio expendido na douta decisão aqui impugnada, sem descontar qualquer valor ou percentagem por força da vantagem de receber uma só vez, uma vez mais chegamos à conclusão de que um empolamento desta quantia para €280.000,00 se mostra, uma vez mais, injustificado.

24) Desde já se reiterando que, quanto a nós, não se mostra minimamente adequado considerar-se o número de anos para além da idade da reforma (65 anos) porquanto não seria minimamente expectável que a actividade profissional do lesado se prolongasse para além dessa idade.

25) E tratando-se de uma indemnização tendente a ressarcir a perda da capacidade de ganho decorrente do défice funcional de que o lesado ficou afectado, (e não já o dano biológico sem esta vertente marcadamente patrimonial da perda de ganho) essa perda da capacidade de ganho cessa com a reforma.

26) Pelo que, prolongar-se a verificação deste dano futuro decorrente da perda da capacidade de ganho até ao fim da vida do lesado, equivale a atribuir-lhe uma vantagem que o mesmo certamente não teria em circunstâncias normais.

27) Findo este considerando, temos para nós que no que diz respeito à indemnização fixada a título de dano patrimonial futuro, temos que, reiterando o supra alegado, andou mal o douto acórdão recorrido, atendendo a critérios desadequados e a valores não conformes com a realidade, incorrendo em verdadeira violação do disposto nos art.º 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil.

28) Impõe-se, pois, a sua revogação nos termos supra expendidos.


     O A. Recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso da R.


3. Antes de mais, torna-se necessário considerar a questão da admissibilidade do recurso da R., tendo em conta o obstáculo da dupla conforme, tal como esta tem sido configurada na jurisprudência deste Supremo Tribunal. Nas palavras do acórdão de 10/05/2012 (proc. nº 645/08.0TBALB.C1.S1, in www.dgsi.pt), “Ocorrendo, num litígio caracterizado pela existência de um único objecto processual, uma relação de inclusão quantitativa entre o montante arbitrado na 2.ª instância e o que foi decretado na sentença proferida em 1.ª instância, de tal modo que o valor pecuniário arbitrado pela Relação já estava, de um ponto de vista de um incontornável critério de coerência lógico-jurídica, compreendido no que vem a ser decretado pelo acórdão de que se pretende obter revista, tem-se por verificado o requisito da dupla conformidade das decisões, no que respeita ao montante pecuniário arbitrado pela Relação, não sendo consequentemente admissível o acesso ao STJ no quadro de uma revista normal”.

No caso dos autos, tendo a sentença, após rectificação, fixado a indemnização global de € 575.910,36 (dos quais € 524.468,98 correspondem ao valor de € 550.000 por “dano patrimonial futuro por perda de capacidade de ganho”, deduzido da quantia já paga de € 25.000), valor aquele que, deduzido dos demais montantes liquidados de € 147.675,52, resultou na condenação da R. a pagar ao A. a quantia de € 428.234,84; e tendo o acórdão recorrido reduzido o “montante indemnizatório atinente ao dano patrimonial futuro, na vertente de perda de capacidade de ganho decorrente do défice funcional de integridade físico-psíquica de que o Recorrido ficou afectado” de € 550.000 para € 280.000, com a consequente diminuição na condenação global; considera-se que a dupla conformidade se encontra descaracterizada pela existência de fundamentação essencialmente diferente (art. 671º, nº 3, do CPC) a respeito dos critérios adoptados para fixar a indemnização por danos patrimoniais futuros (ou “dano biológico”).

Não se suscitando dúvidas acerca da verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso do A., conclui-se pela admissibilidade de ambos os recursos.


4. Vem provado o seguinte (mantém-se a redacção da 1ª instância):

1. No dia 18 de Julho de 2004, pelas 15.40, ao Km 9,5 do IC 10, Almeirim, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o motociclo com a matrícula ...-...-LM, marca Kawasaki, conduzido pelo seu proprietário, AA e o veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula RS-...-..., conduzido por DD. (A)

2. O veículo de matrícula RS-...-..., na data referida em (A), era propriedade de EE. (B)

3. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 90…4 e posteriormente n.º 90…06, o proprietário do veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula RS-...-..., marca Isuzu, havia transferido a responsabilidade civil decorrente de acidente de viação para a ré Companhia de Seguros BB, SA, tendo por limite de capital o montante de € 625.000 (C)

4. O autor encontrava-se parado na berma do IC 10, no local, hora e data referidos em A, quando foi embatido pelo veículo RS-...-..., que era proveniente do sentido de marcha Coruche-Santarém, tendo-se despistado, saiu da faixa de rodagem e veio a embater no autor e no motociclo por este conduzido, tendo-se imobilizado num baixo talude, fora da berma da via e a cerca de 100 metros do local do embate. (D)

5. Em consequência do embate, o autor e o seu motociclo foram projetados para o chão da berma da via referida em A (E)

6. No local do embate a faixa de rodagem tem 7,10 metros de largura, com 3,55 metros para cada semi-faixa, tendo a berma onde se encontrava o autor 2,40 metros de largura. (F)

7. O local do embate era uma reta e o tempo atmosférico estava bom. (G)

8. Do embate resultaram danos na pessoa do autor, sua roupa, equipamento e motociclo. (H)

9. Em consequência do embate o motociclo do autor, de marca Kawasaki, modelo Ninja ZX-9R (ZX 990 C) do ano de 1998 e em bom estado, ficou destruído. (I)

10. O autor foi operado em 31 de Julho de 2004 à bacia, no Hospital de …, e operado em 10 de Agosto de 2004 no Hospital de …, com osteossíntese de ceredelo interno do fémur com parafusos, osteossíntese dos pratos da tíbia e metáfise proximal com placa e-L e e-T, de que resultou infeção. (J)

11. O autor deixou de poder caminhar, levantar-se ou baixar-se normalmente, só o podendo fazer com canadianas. (L)

12. O autor nasceu em 20 de Novembro de 1964. (M)

13. À data referida em A, o autor era técnico-eletricista de profissão, com o posto de encarregado, trabalhando por conta e sob a direção de RaioCoop-Cooperativa de Estudo e Montagem de Electricidade, no estrangeiro, à época na República da Irlanda, encontrando-se na altura do sinistro de gozo de férias em Portugal. (N)

14. O autor é beneficiário da Segurança Social com o nº 09…1 e nunca recebeu ou recebe qualquer subsídio por doença ou de desemprego, por motivo do acidente referido em A. (O)

15. No ano de 2004 a remuneração habitual e mensal do autor era constituída por vencimento base no montante de €800,57 acrescido de €79,81 de diuturnidades e de uma remuneração variável designada por ajudas de custo, que abarcava as horas extraordinárias e o trabalho aos fins-de- semana e, que em média orçava os €1.500,00 mensais. (P)

16. O autor recebia subsídio de férias e subsídio de Natal no montante de €800,38 cada um. (Q)

17. A ré ressarciu o autor desde Agosto de 2004 até Dezembro de 2006, inclusive, com o pagamento de €880,38 mensais, relativos à remuneração base e diuturnidades, e pagou diversas despesas com operações, tratamentos, medicamentos e transportes do autor. (R)

18. A ré nunca remunerou o autor no montante de subsídio de férias e 13º mês que deixou de auferir devido ao acidente. (S)

19. FF nasceu a 25 de maio de 1988 e é filho do autor. (T)

20. GG nasceu a 13 de Setembro de 1997 e é filha do autor. (U)

21. O autor sofreu diástase da sínfise púbica, fratura exposta de grau III do ceredelo femoral, fratura exposta de grau III multiesquerolosa da tíbia, metáfise proximal da tíbia direita, fratura da cabeça do perónio direito, fratura do maléolo externo do perónio direito, lesão do nervo ciático poplíteo externo, feridas e escoriações várias.

22. O autor foi operado em 12 de Outubro de 2004 no Hospital de … à artrodose do joelho com fixador AO, tendo tido alta em 5 de Novembro de 2004.

23. O autor foi operado em Junho de 2006 no Hospital do … para excisão de fístula e de tecidos infetados.

24. O autor foi operado em 22 de Dezembro de 2006 no Hospital da … sito em Lisboa.

25. O autor tem artrodose do joelho e no nervo CPE com pé pendente e rigidez tibio-társica.

26. O autor realizou tratamentos no Centro Ortopédico …e, no Centro HH, Lda., sito no …, na Clínica II, Lda., sita na Praia …, e na Policlínica de …, sita no ….

27. O autor tem dificuldades em exercer tarefas quotidianas como deitar-se e levantar-se da cama, vestir-se, calçar-se, descalçar-se, lavar-se e enxugar-se, necessitando de ajuda de familiares.

28. O autor é portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 53% e as sequelas são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional.

29. Em consequência do embate o autor passou a sofrer de dores na bacia, perna e pé direitos.

30. O autor não assenta o pé direito no chão.

31. O autor deixou de poder conduzir.

32. No exercício da profissão referida na al. N dos factos assentes o autor era obrigado a subir e descer postes de alta, média e baixa tensão, a subir e descer escadas e a baixar-se e levantar-se.

33. O autor encontra-se desempregado, tendo a empresa referida na al. N dos factos assentes cessado o vínculo contratual com o autor.

34. No ano de 2007, e devido às lesões originadas pelo embate, o autor realizou as seguintes despesas: € 363,38 em meios de diagnóstico, análises e tratamentos, € 1.238 em medicamentos, € 840 em transportes de ambulância e € 7.787,50 em transportes de ambulância, ainda não pagos, e que são devidos à Associação de Bombeiros Voluntários de ….

35. Aquando do acidente o autor era uma pessoa robusta, com saúde e muito ativa, praticando desporto como footing e motociclismo.

36. O autor tem dois filhos, um na … e a filha estuda.

37. O autor sofreu dores físicas intensas, tendo-lhe sido atribuído um quantum doloris de grau 6, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

38. O autor sofreu mal-estar psicológico, tristeza e desgosto com todo o sucedido.

39. O autor ficou deficiente da perna e pé direitos, coxeando, e tem cicatrizes e deformidades bem visíveis na anca, perna e pé direitos, tendo-lhe sido atribuído, em face da claudicação da marcha, da utilização de ajudas técnicas (canadianas), daquelas cicatrizes, das cicatrizes abdominais e da amiotrofia deste membro inferior direito, um dano estético permanente de grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

40. A ré procedeu a vários pagamentos que até Fevereiro de 2007 lhe foram solicitados pelo autor relativamente a perdas salariais e despesas, no valor global de € 59.675,52.

41. À data do acidente o valor comercial do motociclo de matrícula ...-...-LM, marca Kawasaki, era de € 5.000.

42. Os salvados do motociclo tinham o valor de € 1.000.

43. A reparação do motociclo ascendia a € 7.683.

44. A ré deu a conhecer ao autor, por carta datada de 23 de Novembro de 2004, que considerava tratar-se de um caso de perda total.

45. O autor mantém na sua posse o referido motociclo.

46. Em 8 de Janeiro de 2016 o autor foi submetido a intervenção cirúrgica à perna e joelho direitos.

49. Por causa desta intervenção e do respetivo tratamento o autor tem suportado várias despesas de montante não concretamente apurado.

50. Após a entrada em Tribunal desta ação o autor realizou deslocações em ambulância para tratamento das lesões que sofreu e que ainda não pagou.

51. A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de … propôs contra o autor ação cível pedindo a sua condenação no pagamento daquelas deslocações, que corre termos pelo Tribunal Judicial do … com o n.º 425/14.4, ainda não tendo sido proferida decisão final.


5. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, o objecto dos recursos delimita-se pelas conclusões dos mesmos. Assim, nos presentes recursos, está em causa a seguinte questão:

- Montante indemnizatório pelo dano que as instâncias qualificaram como “dano patrimonial futuro por perda de capacidade de ganho”, pretendendo o A. que seja fixado em € 550.000, e pretendendo a R. que seja fixado em não mais do que € 150.000, ou, subsidiariamente, em não mais do que € 202.000 (consoante se adopte como idade de reforma do A., respectivamente, 65 anos ou 70 anos).


6. Importa, antes de mais, ter em conta que o A. invocou que as instâncias, em lugar de fixarem uma indemnização global pelo “dano patrimonial futuro por perda de capacidade de ganho”, deveriam ter antes distinguido entre uma parcela indemnizatória por danos patrimoniais por perda de capacidade de ganho até à sentença de 1ª instância e outra parcela pelo mesmo tipo de danos posteriores à sentença.

         Vejamos.

Ainda que esta distinção entre danos presentese danos futurosem função da data da sentença não se afigure a mais adequada à apreciação do caso dos autos, é certo que, compulsada a sentença, se constata não terem sido delimitados, de forma inteiramente rigorosa, os sucessivos períodos de incapacidade do A., assim como não ter sido autonomamente qualificada a natureza da sua incapacidade em cada um desses períodos (tendo em conta, designadamente, as conclusões do “Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível” de fls. 474).

         Contudo, tal questão não foi suscitada nem no recurso de apelação da R. seguradora nem em ampliação do objecto do recurso de apelação (pelo A.), não podendo agora ser equacionada pela primeira vez em sede de revista.

      Deste modo, a única questão objecto dos presentes recursos – fixação da indemnização pelo “dano patrimonial futuro por perda de capacidade de ganho” – será apreciada considerando, de forma unitária, a situação do A. a partir da data do sinistro.


7. Antes de prosseguir, convém recordar os seguintes critérios gerais a seguir (acompanhando-se, essencialmente, os termos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2016, proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt, relatado pela relatora do presente acórdão):

- “O princípio geral da obrigação de indemnizar consiste na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º, do Código Civil). A reconstituição natural é substituída pela indemnização em dinheiro quando se verificar alguma das situações do nº 1, do art. 566º, do CC: “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. A indemnização deve abranger os danos emergentes e os lucros cessantes (art. 564º, nº 1, do CC) e o seu cálculo deve ser feito segundo a fórmula da diferença, prevista no nº 2, do art. 566º, do CC (“a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”). Contudo, se o montante dos danos for indeterminado e, por isso mesmo, a fórmula da diferença não puder ser aplicada, “o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (nº 3, do art. 566º, do CC)”;

(…)

- “Como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos em www.dgsi.pt), «a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma ‘questão de direito’»; se é chamado a pronunciar-se sobre «o cálculo da indemnização» que «haja assentado decisivamente em juízos de equidade», não lhe «compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto ‘sub iudicio’»;

- “A sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. Nos termos do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1, www.dgsi.pt, «os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição». Exigência plasmada também no art. 8º, nº 3, do CC: “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.””;

- “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt)”.

Tendo presentes os critérios gerais que aqui sumariámos, passamos a aplicá-los ao caso dos autos.


8. Relevam os seguintes factos provados:


1. No dia 18 de Julho de 2004, pelas 15.40, ao Km 9,5 do IC 10, Almeirim, ocorreu um acidente de viação (…)

11. O autor deixou de poder caminhar, levantar-se ou baixar-se normalmente, só o podendo fazer com canadianas.

12. O autor nasceu em 20 de Novembro de 1964.

13. À data referida em A, o autor era … de profissão, com o posto de encarregado, trabalhando por conta e sob a direção de JJ, no estrangeiro, à época na República da …, encontrando-se na altura do sinistro de gozo de férias em Portugal.

25. O autor tem artrodose do joelho e no nervo CPE com pé pendente e rigidez tibio-társica.

27. O autor tem dificuldades em exercer tarefas quotidianas como deitar-se e levantar-se da cama, vestir-se, calçar-se, descalçar-se, lavar-se e enxugar-se, necessitando de ajuda de familiares.

28. O autor é portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 53% e as sequelas são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional.

29. Em consequência do embate o autor passou a sofrer de dores na bacia, perna e pé direitos.

30. O autor não assenta o pé direito no chão.

31. O autor deixou de poder conduzir.

32. No exercício da profissão referida na al. N [facto 13] dos factos assentes o autor era obrigado a subir e descer postes de alta, média e baixa tensão, a subir e descer escadas e a baixar-se e levantar-se.

33. O autor encontra-se desempregado, tendo a empresa referida na al. N [facto 13] dos factos assentes cessado o vínculo contratual com o autor.

35. Aquando do acidente o autor era uma pessoa robusta, com saúde e muito ativa (…).


Resulta dos factos provados que o A. ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 53%. O que se traduziu em incapacidade para o exercício habitual de electricista em postes de alta, média e baixa tensão (na Irlanda), ainda que com possibilidade de exercício de outras profissões compatíveis com a sua preparação técnico-profissional.

Vejamos os termos em que a sentença decidiu a questão:

“O primeiro dano a merecer a nossa atenção diz, respeito ao dano biológico na forma de incapacidade permanente parcial/défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 53%, apresentando-se as sequelas como impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional. Os princípios fundamentais adoptados pela generalidade da jurisprudência nesta sede são os seguintes cfr. Acs. do STJ de 5/7/2007, de 29/10/2008, de 14/9/2010 e de 4/6/2015 e Ac. da RP de 15/9/2014, in www.dgsl.pt):

- a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;

- no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável:

- as tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;

- os critérios seguidos pela Portaria nº 377/20(1)8, de 26/5, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25/6, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se lhe sobrepõem (no caso dos autos tais Portarias nem seriam aplicáveis uma vez que o acidente ocorreu antes do seu início de vigência]: 1.500 a título de remuneração variável x 11 meses de trabalho e € 2.401,14 a título de mês de férias, subsídio de férias e 13.º mês (€ 800,38 x 3).

Tendo por base o valor da remuneração média anual do autor, que se arredondada para € 28.500, a idade deste à data do acidente (39 anos), a percentagem da incapacidade (53% que o impede de exercer a profissão de electricista e a data provável da reforma aos 65 anos de idade (que o autor refere no art. 69.º da petição inicial), ao dano patrimonial, futuro derivado da perda da capacidade de ganho deve ser arbitrada a indemnização no valor de € 741.000 (€ 28.500 x 26 anos). Note-se que este valor já abrange o período compreendido entre a data do acidente e a propositura desta acção, que o autor havia autonomizado no pedido indemnizatório (cfr. arts. 53.º a 60.º da petição inicial). Procedendo-se a um desconto equivalente a 1/3 dado que o demandante irá receber todo o valor de uma só vez e considerando as necessidades básicas do lesado não cessam com a passagem à reforma, continuando pelo menos durante o período correspondente à esperança média de vida que nos homens é actualmente de 78 anos (informação recolhida em www.pordata.pt), fixa-se a indemnização em € 550.000. Estando provado que a ré ressarciu o autor desde Agosto de 2004 até Dezembro de 2006, inclusive, com o pagamento de € 880,38 mensais, relativos à remuneração base e diuturnidades, num total de € 25.531,02 (€ 880.38 x 29 meses, há que proceder ao respectivo desconto, passando o valor indemnizatório a € 524.468,98 (€ 550.000 - € 25.531,(2).”


      A R. apelou da decisão da 1ª instância nesta matéria, pedindo a redução da indemnização por danos patrimoniais futuros sofridos pelo A. para valor não superior a € 150.000, descontados os valores já liquidados; ou, assim não se entendendo, fixando-se em € 261.820, descontados os valores já pagos, sem prejuízo de se ter em conta o limite do capital seguro (€ 625.000,00).

         A Relação reapreciou a questão da seguinte forma:

“A Recorrente discorda do montante arbitrado pela 1.ª instância a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, na vertente de perda de capacidade de ganho decorrente do défice funcional de integridade físico-psíquica de que o mesmo ficou afetado por virtude das lesões e sequelas causadas no acidente versado nos autos.

Ora, a quantia fixada pela 1.ª instância ascende ao montante de €550.000, alicerçada no rendimento médio anual de €28.500 (corresponde a €2.375/mês) e nos 39 anos que contava o Recorrido à data do acidente. Considerou-se que a perda da capacidade de ganho correspondia a €741.000 (€28.500 x 26 anos), ao que se descontou 1/3 pela antecipação do capital, e considerou-se a esperança média de vida dos homens até aos 78 anos.

Efetivamente, tal como apontado pela Recorrente, é desde logo manifesto que não foi levado em conta o concreto défice funcional atribuído ao lesado, tendo-se computado o montante indemnizatório como se a incapacidade permanente fosse total, absoluta. E, de facto, não é, pois foi fixada em 53 pontos, sendo as sequelas verificadas compatíveis com outras profissões da área da preparação técnico-profissional do Recorrido.

Importa, pois, analisar o concreto quadro factual fixado em 1.ª instância, e que não foi colocado em causa, de modo a determinar o montante justo e adequado a indemnizar o Recorrido do dano aqui em discussão, a perda de capacidade de ganho decorrente do défice funcional de integridade físico-psíquica.

(…)

À luz de tais ensinamentos bem como dos parâmetros que vem sendo aplicados pelos tribunais superiores , importa levar em linha de conta a seguinte factualidade provada:

- o Recorrido contava, à data do acidente, 39 anos de idade;

- a esperança de vida ativa prolonga-se até aos 70 anos;

- o Recorrido ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 53 pontos;

- as sequelas que regista são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual mas compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional;

- no ano do acidente, a remuneração habitual mensal do Recorrido ascendia ao vencimento base no montante de €800,57 acrescido de €79,81 de diuturnidades e de uma remuneração variável designada por ajudas de custo, que abarcava as horas extraordinárias e o trabalho aos fins-de-semana e, que em média orçava os €1.500,00 mensais, sendo que recebia subsídio de férias e subsídio de Natal no montante de €800,38 cada um.

No que diz respeito ao rendimento salarial a considerar para efeitos do apuramento da indemnização, afigura-se adequado atentar no vencimento base e no valor das diuturnidades recebidas, e não já na remuneração variável, pois inexistem elementos que apontem que se tratasse de rendimento com caráter regular ou consistente no tempo. Assim, o valor mensal a considerar ascende à quantia de €1.027,11 (€880,38x14 = €12.325,32:12).

Considerando ainda que resulta da factualidade assente que o Recorrido em nada contribuiu para a eclosão do acidente, atentas as sequelas descritas nos factos provados de que ficou a padecer, afigura-se adequado fixar o montante indemnizatório na quantia de €280.000 (duzentos e oitenta mil euros).

Note-se que, por aplicação das regras decorrentes da Portaria n.º 377/2008 e respetivo anexo IV, na redação atualizada, a indemnização ascenderia ao montante de €214.775,58. Trata-se do montante apontado como critério orientador para efeitos de apresentação, pelas seguradoras aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, em caso de incapacidade permanente parcial – v. art. 1.º da referida portaria. Afigura-se, no entanto, que a utilização de tal tabela só pode servir para determinar o minus indemnizatório, o qual terá de ser corrigido com vários elementos que possam conduzir a uma indemnização justa, já que tais tabelas não contemplam, designadamente, os seguintes itens:

- o prolongamento da IPP para além da idade de reforma (entrando na base de cálculo a referência à idade de reforma aos 65 anos, não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter atividade depois dela);

- a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade e do próprio aumento de produtividade;

- o de não ter em consideração a tendência para o aumento da vida ativa para se atingir a reforma nem o aumento da própria longevidade;

- a inflação;

- as despesas que o próprio lesado terá de suportar por tarefas que, se não fosse o acidente, ele mesmo desempenharia;

- a progressão na carreira e, decorrentemente, a progressão salarial.

Por conseguinte, inexiste fundamento para colocar em crise o juízo que supra se deixou consignado.

Fixa-se, assim, em €280.000 (duzentos e oitenta mil euros) o montante indemnizatório atinente ao dano patrimonial futuro, na vertente de perda de capacidade de ganho decorrente do défice funcional de integridade físico-psíquica de que o Recorrido ficou afetado, valor que não é objeto de cálculo atualizado a esta data.  A tal montante hão de deduzir-se as quantias já recebidas pelo Recorrido neste âmbito, conforme determinado na 1.ª instância, o que não integra o objeto do presente recurso.

O que não contende com o limite do capital disponível a coberto da apólice em causa.”


Vejamos.

        Tanto a 1ª instância como a Relação utilizaram como critério-base para o cálculo do montante indemnizatório as tradicionais fórmulas financeiras criadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes da incapacidade (neste caso parcial) para o exercício da profissão habitual, adoptando uma taxa de incapacidade laboral parcial, com base na IGP (Incapacidade Geral Permanente) fixada em 53%.

        À semelhança da apreciação de um caso paralelo ao dos presentes autos, decidido pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 09/11/2017 (proc. nº 2035/11.9TJVNF.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt e relatado pela relatora do presente acórdão), cuja fundamentação aqui se acompanha de perto, considera-se que este procedimento não pode ser aceite.

Com efeito, os índices de Incapacidade Geral Permanente não se confundem com índices de Incapacidade Profissional Permanente, correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro. Nas palavras do preâmbulo deste diploma legal, na incapacidade geral avalia-se “a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia”, a qual poderá ter reflexos ao nível da incapacidade profissional, mas que com esta não se confunde (cfr. Maria da Graça Trigo, Adopção do conceito de dano biológico pelo direito português, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, I, págs. 148-149).

     No caso dos autos, recorde-se ter sido provado que o A. ficou incapaz para o exercício da profissão habitual de electricista em postes de alta, média e baixa tensão. Resta-lhe a possibilidade de exercer outras actividades profissionais, desde que compatíveis com as suas qualificações, experiência, e, naturalmente, com as graves limitações funcionais inerentes à incapacidade geral de que ficou a padecer em virtude do acidente.

       Estão em causa os danos patrimoniais resultantes do denominado “dano biológico”, que descrevemos supra como sendo “as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais”.

      A fixação da indemnização não pode aqui seguir – como se faz no acórdão recorrido – a teoria da diferença (prevista no art. 566º, nº 2, do Código Civil) como se tais danos patrimoniais fossem determináveis, quando aquilo que está em causa é a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais indetermináveis, a qual (segundo o nº 3, do mesmo art. 566º, do CC) deve ser fixada segundo juízos de equidade, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados.

      Em consequência, não importa assim resolver o diferendo entre as partes quanto à determinação da base salarial relevante para efeitos do cálculo da indemnização a fixar (concretamente, tomando posição sobre a inclusão ou não das diferentes parcelas da remuneração do A. no conceito de base salarial). Tal como a questão vem equacionada (cfr. supra o ponto 6 do acórdão), está em causa, nos presentes recursos, a fixação da indemnização pelo “dano patrimonial futuro por perda de capacidade de ganho”, a apreciar considerando de forma unitária a situação de incapacidade do A. desde a data do sinistro.

Não existindo, no caso sub judice, limites de danos que o tribunal tenha dado como provados, a equidade é o único critério legalmente previsto e não um plus que apenas viria temperar ou completar o resultado obtido com recurso a fórmulas financeiras criadas em função de taxas de incapacidade laboral permanente que aqui não têm aplicação.

No caso dos autos relevam a idade do lesado à data do sinistro (39 anos), a esperança média de vida (que, para os homens nascidos em 1964, se situará, no ano de 2004 – ano do acidente –, entre 64 e 75 anos), a percentagem de incapacidade geral permanente (53%), assim como a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com a formação/preparação técnico-profissional do A. lesado (neste sentido, ver os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/10/2011, proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1, de 10/10/2012, proc. nº 632/2001.G1.S1, de 07/05/2014, proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1, de 19/02/2015, proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1, de 04/06/2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 07/04/2016, proc. nº 237/13.2TCGMR.G1.S1, de 14/12/2016, proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1, e de 09/11/2017, proc. nº 2035/11.9TJVNF.G1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt).

Não procede o argumento da R. segundo o qual, em vez da esperança média de vida, seria de ter em conta a previsível idade da reforma do A. lesado. Com efeito, a perda de capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado. Quer porque, prejudicando a sua carreira contributiva, vem a reduzir, ou até a excluir, a pensão de reforma, quer porque sempre condicionará a possibilidade de obtenção de ganhos no exercício de actividades económicas alternativas (isto é, não estritamente profissionais) a realizar para além da idade da reforma.

Sabendo-se que a formação/preparação técnico-profissional do A. corresponde à de um electricista de redes de distribuição de electricidade e que as suas competências assentavam na destreza, mobilidade e força físicas, o facto de ter sido provado que O autor deixou de poder caminhar, levantar-se ou baixar-se normalmente, só o podendo fazer com canadianasterá consequências extremamente negativas na possibilidade efectiva de aquele vir a exercer actividade profissional alternativa, como se confirma por ter ficado provado que o A. se encontrava ainda desempregado à data da propositura da acção.

      Perante este quadro, entende-se ser de reconhecer que a situação do A. se aproximará praticamente de uma situação de incapacidade total permanente para o trabalho.

      Na fixação da indemnização por danos patrimoniais por perda de capacidade de ganho ou “dano biológico”, a comparação com outras decisões deste Supremo Tribunal revela-se particularmente difícil porque, diversamente do que por vezes as partes vêm invocar, tal comparação não assenta apenas na ponderação dos tradicionais factores de idade, esperança média de vida e índice de incapacidade geral permanente, antes tem de ter em conta o supra enunciado factor da conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com as qualificações e competências de cada lesado concreto.

      Tendo isto presente, refira-se a decisão do acórdão deste Supremo Tribunal de 25/05/2017 (proc. nº 2028/12.9TBVCT.G1.S1, in www.dgsi.pt) cujo sumário aqui se transcreve, na parte relevante:

“Resultando da factualidade provada que o autor: (i) tinha 41 anos à data do acidente; (ii) ficou a padecer de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico Psíquica fixado em 29 pontos; (iii) exercia profissão (trolha na construção civil) que exige elevados níveis de força e destreza físicas, tendo as lesões sofridas determinado que: “O Autor ficou ainda com dificuldade de marcha, não consegue “acelerar” o passo, correr, agachar-se ou mesmo colocar-se de joelhos.”; “Ficou com dor no joelho direito, tal como na região lombar, tipo “moedeira”, permanente, agudizada com esforços de carga e marcha, que o obrigam a tomar diariamente analgésicos; ficou com a sensação de “perna pesada”.”; “Em consequência do acidente de viação, das lesões e respectivas sequelas, o A. ficou a padecer ao nível do membro inferior direito de limitação da flexão do joelho a 110º.”; “Todas as sequelas que o A. sofreu com o relatado acidente não só o acompanham até à data da sua reforma laboral, como o acompanharão até ao termo da sua vida activa.”, afigura-se justo e adequado fixar, a partir da data da consolidação médico-legal das lesões, em € 170.000 a indemnização por perda geral de ganho/dano biológico.”

Existindo algum paralelismo com a situação dos autos – traduzido no facto de, em ambos os casos, a lesão ter ocorrido num dos membros inferiores, assim como no facto de a preparação profissional de ambos os lesados assentar na mobilidade, destreza e força físicas –, é manifesto, porém, que a gravidade das lesões do aqui A. e respectivas sequelas é muito superior. Naquele caso o lesado ficou com dificuldade em andar, enquanto no caso dos autos, o lesado ficou impossibilitado de andar (salvo com recurso a canadianas).

Ponderados todos os factores (sem esquecer o período de tempo anterior à consolidação médico-legal das lesões), e admitindo que, na prática, a situação do A. se aproximará de uma situação de incapacidade total permanente para o trabalho, afigura-se ser justa e adequada a fixação de uma indemnização por dano patrimonial futuro por perda da capacidade de ganho desde a data do sinistro no montante de € 400.000.


9. Pretende a R. que ao valor indemnizatório por dano patrimonial futuro “teria, novamente, de ser descontado o valor já recebido pelo lesado, de €25.531,02 e €88.000,00.”

       Compulsada a sentença e o despacho rectificativo, retoma-se o que, a este respeito, consta do relatório do presente acórdão:


A fls. 597 foi proferida sentença, fixando a indemnização de: € 550.000 pelo “dano patrimonial futuro pela perda de capacidade de ganho”, montante a que se devia deduzir a quantia já paga de € 25.000; € 363,38, € 1.238 e € 840 por despesas diversas; € 4.000 por perda total de veículo; € 45.000 por danos não patrimoniais), o que ascende ao valor global de € 575.910,36, aos quais deve ser deduzida a quantia também já liquidada de € 88.000.

A final decidiu-se o seguinte:

«- condeno a ré a pagar ao autor a quantia global de €428.234,84 (quatrocentos e vinte e oito mil duzentos e trinta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal;

- condeno a ré a pagar ao autor a quantia em que este seja condenado no âmbito da ação n.º 425/14.4tbabt, que corre termos pelo Tribunal Judicial do Entroncamento;

- condeno a ré a pagar ao autor as despesas inerentes à intervenção cirúrgica realizada no dia 8 de Janeiro de 2016, cuja liquidação se relega para execução de sentença.»

(…)

A fls. 676, e ao abrigo do art. 614º do Código de Processo Civil, foi proferido despacho rectificativo da sentença:

“Pelo exposto e de harmonia com tal dispositivo legal, corrijo a sentença de fls. 537 e ss., passando-se a ler o seguinte (fls. 546):

"Em suma, atribui-se ao autor uma indemnização global de €575.910,36, à qual será abatido o valor de €147.675,52 correspondente ao somatório das seguintes parcelas: a) valores já recebidos ao abrigo da transacção exarada nos autos de providência cautelar de arbitramento de reparação provisória (€800/mês desde Maio de 2007), que ascendem ao montante de €88.000 (€800 x 110 meses: Maio de 2007 a Junho do corrente ano); b) quantia de €59.675,52 (cfr. resposta dada ao art. 33.º da base instrutória). O valor indemnizatório final será assim de €428.234,84 (€524.468,98 + €363,38 + €1238 + €840 + €4.000 + €45.000 - €147.675,52).


*


Decisão.

Nestes termos e de harmonia com a fundamentação que antecede julgo esta acção parcialmente procedente e em consequência:

- condeno a ré a pagar ao autor a quantia global de €428.234,84 (quatrocentos e vinte e oito mil duzentos e trinta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal”


Esclareça-se que a quantia de € 524.468,98 (assinalada a negrito) corresponde ao valor indemnizatório de € 550.000 pelo “dano patrimonial futuro pela perda de capacidade de ganho”, deduzida da quantia já liquidada de € 25.531,02.


Temos, assim, que:

- O montante indemnizatório pelo dano patrimonial futuro por perda da capacidade de ganho, fixado em € 400.000, se destina a substituir o valor de € 550.000 fixado na sentença, que a Relação reduziu para € 280.000;

    - A tal montante (€ 400.000) há que deduzir a quantia de € 25.531,02 (a R. ressarciu o autor desde Agosto de 2004 até Dezembro de 2006, inclusive, com o pagamento de € 880,38 mensais, relativos à remuneração base e diuturnidades, num total de € 25.531,02 (€ 880.38 x 29 meses)), obtendo-se a quantia de € 374.468,98;

    - Esta quantia de € 374.468,98 substitui o valor de € 524.468,98 da sentença rectificada (aqui se reproduz: “O valor indemnizatório final será assim de €428.234,84 (€524.468,98 + €363,38 + €1238 + €840 + €4.000 + €45.000 - €147.675,52)”),  mantendo-se os demais valores que não foram impugnados.


10. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso da R. e em julgar parcialmente procedente o recurso do A., decidindo-se revogar o acórdão recorrido, condenando-se a R. a pagar ao A. como indemnização pelo “dano patrimonial futuro, na vertente de perda de capacidade de ganho decorrente do défice funcional de integridade físico-psíquica” a quantia de € 400.000 (quatrocentos mil euros), que se repercute no montante global indemnizatório nos termos definidos no ponto 9 do acórdão.


Na acção, custas na proporção do decaimento.

No recurso do A., custas na proporção do decaimento.

No recurso da R., custas pela Recorrente.


Lisboa, 1 de Março de 2018


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho