Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
028247
Nº Convencional: JSTJ00004333
Relator: PIEDADE REBELO
Descritores: HOMICIDIO VOLUNTARIO
HOMICIDIO QUALIFICADO
AGRAVANTES
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195401120282473
Data do Acordão: 01/12/1954
Votação: MAIORIA COM 6 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS DE 27-01-1954 ; BMJ 41, 109
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 1/1954
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 34 N34 ARTIGO 87 ARTIGO 102 ARTIGO 104 N1 ARTIGO 351 N1 N2 N3 N4.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC28174 DE 1952/04/23.
ASSENTO STJ DE 1945/02/06.
ACÓRDÃO STJ PROC28247 DE 1952/06/25.
Sumário :
Concorrendo no crime de homicidio voluntario duas ou mais circunstancias mencionadas nos ns. 1 a 4 do artigo 351 do Codigo Penal, so uma delas, e indiferentemente qualquer delas, devera ser considerada qualificativa, funcionando as restantes como agravantes de caracter geral.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferencia, no Supremo Tribunal de Justiça, em sessão plena:

Na comarca de Alcaçer do Sal, o reu A, tendo formado o designio de matar a sua amante B, que o abandonara, e adquirido para esse efeito uma espingarda, dirigiu-se tres dias depois ao local em que a mesma se encontrava e disparou contra ela um tiro, fazendo-a prostar. Como uma irmã desta pretendesse avisar a familia, o reu desfechou contra ela tambem com intenção de matar, outro tiro, causando-lhe instantaneamente a morte. Em seguida disparou mais dois tiros contra a B, que veio a falecer pouco depois em consequencia dos tiros recebidos.
Estes factos foram classificados pelo acordão de folhas 197 como crime de homicidio qualificado, previsto e punido no artigo 351, ns. 1 e 4, do Codigo Penal, tendo o reu sido condenado na pena de 10 anos de prisão maior celular seguida de degredo por 20 anos ou, em alternativa, na de 31 anos de degredo em possessão de 1 classe com prisão no lugar por 8 anos.
Na comarca de Baião, o reu C, que formara o designio de matar a sua mulher, de quem estava separado, dirigiu-se dias depois a sua residencia e disparou a queima-roupa, com intenção de matar, um tiro de pistola contra um seu filho menor e em seguida vibrou duas facadas na mulher, não se tendo seguido a morte de nenhum dos ofendidos por circunstancias independentes da vontade do mesmo reu.
Esta conduta foi classificada pelo acordão de 23 de Abril de 1952 como integrando o crime de homicidio qualificado frustrado, previsto e punido no artigo 351, n. 4, com referencia ao artigo 104, n. 1, ambos do citado Codigo, com o concurso da agravante da premeditação.
Assim enquanto neste acordão das duas circunstancias qualificativas so a do n. 4 foi considerada elemento integrante, funcionando a do n. 1 como agravante de caracter geral, naquele foram ambas consideradas elementos integrantes.
Em vista dessa divergencia recorre para o Tribunal Pleno o digno agente do Ministerio Publico junto da Secção Criminal, sustentando doutamente que no concurso das referidas circunstancias so a do n. 4 deve qualificar o homicidio, constituindo a do n. 1 agravante de caracter geral.
Como existe oposição entre os dois acordãos e ambos foram proferidos no dominio da mesma legislação e em processos diferentes, sendo de presumir o transito do oposto, o recurso e de conhecer.
E conhecendo:
Concorrendo qualquer das circunstancias mencionadas nos ns. 1 a 4 do artigo 351 do Codigo Penal, verifica-se a figura juridica do crime de homicidio voluntario qualificado.
Mas concorrendo mais de uma dessas circunstancias, deverão todas ser consideradas qualificativas como se julgou no acordão recorrido, ou somente uma delas, como se decidiu no acordão oposto? E, neste ultimo caso, qual das circunstancias em concurso deve ser considerada elemento constitutivo do crime qualificado e qual os quais devem ser consideradas agravantes de caracter geral?
Eis o problema a resolver.
Como se decidiu no assento de 6 de Fevereiro de 1945, no concurso de circunstancias qualificativas, quer relativas ao facto, quer relativas ao agente, so se considera qualificativa a mais grave, funcionando as restantes como agravantes de caracter geral.
Ficou, assim, estabelecida a doutrina de que nem todas as circunstancias qualificativas em concurso funcionam como tais, mas somente uma ou, quando mais de uma seja indispensavel para a qualificação, as que se tornem necessarias para esse efeito, constituindo as restantes agravantes de caracter geral.
Ha, por isso, que reconhecer que tem razão o magistrado recorrente quando sustenta que no caso vertente so uma das circunstancias qualificativas deve ser considerada integradora do crime qualificado, funcionando a outra como agravante de caracter geral, embora os seus efeitos praticos sejam nulos, em virtude de, mesmo consideradas ambas as circunstancias integradoras, como fez o acordão recorrido, poder a pena ser agravada em consequencia da maior gravidade assim resultante do crime, nos termos do artigo 87 do citado Codigo.
Mas não se lha pode dar quando sustenta que forçoso e dar preferencia como integradora a acumulação de crimes.
Esta acumulação, diz o mesmo magistrado, não e, em rigor, uma circunstancia. O artigo 351, n. 4, não degrada o crime acumulado a simples circunstancia de outro. Toma ambos como factos penais autonomos constitutivos. A pena que comina representa o cumulo especial das penas correspondentes ao homicidio simples e ao crime com ele acumulado. Alem disso, e como consequencia, enquanto os factos qualificados nos ns. 1, 2 e 3 tem mero valor sintomatico, reflectindo apenas a maior gravidade do homicidio, o n. 4 exige ou pressupõe a pratica de outro crime, isto e, de um facto com valor causal quanto a pena.
Seria, portanto, absurdo fazer prevalecer sobre ele aquelas outras circunstancias ou reduzi-lo na sua substancia a agravante simples.
Embora tecnicamente a acumulação de crimes não constitua circunstancia agravante, porque um dos crimes se não transforma em elemento acidental do outro, certo e que o nosso Codigo Penal como tal o considera no artigo 34, n. 34, e lhe atribui apenas, como mostra o artigo 102, o efeito de agravar a pena mais grave.
Ora, uma vez que no nosso sistema penal a acumulação de crimes constitui circunstancia agravante e o artigo 351 atribui igual valor a todas as circunstancias nele mencionadas, nenhuma razão existe para, concorrendo mais de uma, se dar preferencia como elemento integrador a qualquer delas, mesmo que seja a do n. 4.
Pelo exposto, dando provimento ao recurso em parte, estabelecem o seguinte assento:
Concorrendo no crime de homicidio voluntario duas ou mais circunstancias mencionadas nos ns. 1 a 4 do artigo 351 do Codigo Penal so uma delas, e indeferentemente qualquer delas, devera ser considerada qualificativa, funcionando as restantes como agravantes de caracter geral.
E determinam que os autos sejam remetidos a Secção Criminal para novo julgamento.
Sem imposto de justiça.


Lisboa, 12 de Janeiro 1954

Piedade Rebelo (Relator) (Vencido quanto a remessa do processo a Secção Criminal. Dos preceitos que regulam o recurso para o Tribunal Pleno não resulta que a sua competencia seja restrita a resolução do conflito de jurisprudencia, cumprindo-lhe, por isso, não so definir o direito, mas tambem aplica-lo). - Julio M. de Lemos (Vencido somente quanto a remessa do processo a Secção Criminal. - Lencastre da Veiga (Vencido quanto a remessa do processo a Secção Criminal). - Beça de Aragão (Vencido quanto a baixa). - Jaime Tome (Vencido quanto a baixa).
- Rocha Ferreira - Roberto Martins - Filipe Sequeira (Vencido quanto a remessa do processo a Secção Criminal).
- Baltasar Pereira - A. Cruz Alvura (Votei que a circunstancia 4 deve prevalecer sobre as restantes do artigo 351 do Codigo Penal, pois que não pode equiparar-se o concurso prevenido naquela circunstancia com qualquer acumulação). - Campelo de Andrade (Votei no mesmo sentido que o excelentissimo Conselheiro Cruz Alvura). - A.
Bartolo (Votei tambem no mesmo do excelentissimo Conselheiro Alvura). - Jaime de Almeida Ribeiro (Votei igualmente no mesmo sentido do voto do excelentissimo Conselheiro Cruz Alvura). - Jose de Abreu Coutinho (Votei tambem que deve prevalecer como qualificativa a circunstancia do n. 4, pois ela constitui não propriamente uma agravante mas o cometimento de um outro crime, e por isso nessa parte fiquei vencido).