Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
882/14.9TJVNF-H.G1.A1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: CONFISSÃO
DOCUMENTO PARTICULAR
CONTRATO-PROMESSA
SINAL
FORÇA PROBATÓRIA
DECLARANTE
DECLARATÁRIO
TERCEIRO
CREDOR
MASSA INSOLVENTE
Data do Acordão: 02/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PROVA DOCUMENTAL / DOCUMENTOS PARTICULARES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, III, p. 437;
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, p. 524;
- Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição p. 127 e 128;
- Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, p. 55 e 56;
- Vaz Serra, RLJ, Ano 114, p. 178.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 374.º, N.º 2 E 376.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.º 5, 615.º, N.º 1, ALÍNEAS C) E D), 663.º, N.º 6, 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 16-04-2013, PROCESSO N.º 3410/L0.LT2SNT-E.L1.S1;
- DE 17-06-2014, PROCESSO N.º 3125/11.3TJCBR-B.C1.S1;
- DE 13-11-2014, PROCESSO N.º 1444/08.5TBAMT-A.P1.S1;
- DE 27-04-2017, PROCESSO N.º 44/14.5T8VIS-B.C1.S1;
- DE 18-09-2018, PROCESSO N.º 1210/11.0TYVNG-D.P1.S1;
- DE 19-12-2018, PROCESSO N.º 475/16.6T8VNG-D.P1.S2, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A declaração confessória só vale como tal no confronto da pessoa a quem a confissão é feita nos termos do negócio jurídico em que se insere, e já não relativamente a terceiros, como são os credores e a massa insolvente do confitente.

II - A força probatória plena emergente da confissão exarada em documento particular só existe no âmbito da relação entre o declarante e o declaratário, e não também no confronto de terceiros, como é o caso da massa falida e dos credores do insolvente. Quanto aos terceiros a declaração confessória não tem eficácia plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente.

III - Deste modo, a declaração vertida em documento particular (contrato-promessa e termo de entrega de imóvel ao promitente-comprador) pelo promitente-vendedor no sentido de que foi entregue certa quantia a título de sinal, não implica, no confronto da massa insolvente do promitente-vendedor e dos credores da massa, que ademais impugnaram o facto, a prova plena de que tal entrega ocorreu realmente.

Decisão Texto Integral:

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação de Guimarães

                                                           +

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA intentou, por apenso aos autos de insolvência de BB, Lda. (correntes pelo Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão), contra a Insolvente BB, Lda., Massa Insolvente da BB, Lda. e Credores da Insolvente ação de verificação ulterior de créditos, nos termos dos art.s 166.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 148.º do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), peticionando que:

- Se declarem resolvidos os contratos- promessa de compra e venda a que alude, celebrados a 10-8-2006, dos quais fazem parte os aditamentos de 2-3-2014;

- Seja reconhecido ao Autor o direito a receber a quantia de €232.475,21 a título de restituição em dobro do montante prestado como sinal, respetivos juros de mora vencidos e benfeitorias realizadas, acrescendo juros de mora vincendos, devendo tal crédito ser graduado no lugar privilegiado que lhe compete, nos termos dos artigos 755º e 759º do Código Civil;

- Se reconheça ao Autor o direito de retenção sobre as frações autónomas identificadas pelas letras “…” e “…”, situadas, respetivamente, nos blocos A e B, freguesia de ..., concelho de …, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, inscritas na respetiva matriz urbana sob os artigos 4846-“…” e “…”, para garantia do referido crédito de €232.475,21 e juros de mora vincendos;

- Seja o dito crédito admitido, verificado e graduado no lugar que lhe competir, atento o direito real de garantia existente.

Alegou para o efeito, em síntese, que, como comprador, contratou com a BB, Lda., entretanto declarada insolvente (sentença de 20 de janeiro de 2015), a promessa de venda das duas frações autónomas que indica (contratos celebrados a 10 de agosto de 2006).

Foi estipulado o pagamento dos sinais de €100.000,00 e de €25.000,00.

Os contratos prometidos seriam celebrados até ao dia 20 de janeiro de 2014, incumbindo à promitente vendedora diligenciar por essa celebração.

Em 2 de março de 2014 a promitente vendedora traditou para o Autor as frações, ficando este autorizado a fazer nelas acabamentos por conta do preço remanescente.

A promitente vendedora escusou-se ao cumprimento das promessas, dizendo que não podia cumprir, entrando assim em incumprimento contratual.

O Autor goza do direito a resolver os contratos e a receber o dobro do que prestou como sinal, sendo que perdeu o interesse na manutenção dos contratos.

O Autor fez acabamentos nas frações, gozando do pagamento do respetivo valor.

O crédito do Autor encontra-se garantido pelo direito de retenção sobre as frações, prevalecendo sobre os demais créditos.

                                                           +

Contestaram o Credor Banco CC, S.A., Sociedade Aberta e a Ré Massa Insolvente, concluindo pela improcedência da ação.

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Seguindo a ação seus termos, veio, a final, a ser proferida sentença que julgou improcedente o pedido, dele absolvendo os demandados.

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Inconformado com o assim decidido, apelou o Autor.

Fê-lo sem êxito, pois que a Relação de Guimarães confirmou a sentença.

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Mantendo-se inconformado, pede o Autor revista.

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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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Da admissibilidade da revista

Tal como desde logo anunciou o relator no seu exame preliminar, muito provavelmente a presente revista não será legalmente admissível.

É que, contrariamente ao que pretende o Autor, não se aplica ao caso o n.º 1 do art. 14.º do CIRE (esta norma é de aplicação restrita ao processo de insolvência em si mesmo e ao processo de embargos opostos à sentença declaratória da insolvência, e já não aos processos declarativos – como é o presente – que correm por apenso ao processo de insolvência[1]). Daqui que de nada serve ao Recorrente a invocação, com vista a abrir a admissibilidade da revista, de uma pretensa contradição entre o acórdão recorrido e os acórdãos da Relação de Guimarães de 4 de outubro de 2018, proferido no apenso G, e deste Supremo de 17 de junho de 2014.

Por outro lado, estando a admissibilidade da presente revista submetida às regras gerais do CPCivil, parece verificar-se uma dupla conformidade decisória das instâncias (e se acaso houver alguma desconformidade, esta não apresenta qualquer caráter essencial), impeditiva do recurso de revista ordinária (art. 671.º, n.º 3 do CPCivil).

Mas, enfim, dado que a sentença da 1ª instância não incidiu expressamente (ainda que, naturalmente, o tenha feito de modo implícito) sobre a questão da força probatória plena (n.º 2 do art. 376.º do CCivil) dos documentos particulares a que alude o Recorrente, poder-se-á porventura entender que a tal dupla conformidade não se formou.

Assim, na dúvida, opta-se por conhecer do recurso.

O que se passa a fazer.

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Da respetiva alegação extrai o Recorrente as seguintes conclusões (não se transcrevem as que têm a ver exclusivamente com a admissibilidade do recurso, assunto que acaba de ser ultrapassado):

IX- O acórdão proferido tem que ser fundamentado, permitindo da leitura a apreensão dos motivos que conduziram ao naufrágio da pretensão do recorrente.

X- Calcorreado o Douto Acórdão, resulta claro que falha de todo em todo o dever de fundamentação.

XI- O Douto Acórdão não rebate, em momento algum, a argumentação expendida pelo Recorrente, nem tão pouco explicita a razão pela qual aderiu a um ou a outro entendimento.

XII- O Acórdão do Tribunal da Relação é manifestamente arbitrário, obscuro e ambíguo, não permitindo e muito menos convencendo quem quer que seja da sua bondade.

XIII- Padece o Douto Acórdão de nulidade por falta de fundamentação.

XIV- Violados, pois, por erro de interpretação e aplicação os artigos 615º, nº 1, c) e d) e 674º, nº 1 al. c) do CPC.

XV- O Recorrente não se conforma com a violação interpretativa que é dada aos documentos juntos aos autos, investidos de força probatória plena.

XVI- O Tribunal da Relação valorou erradamente os elementos probatórios constantes dos autos.

XVII- O Recorrente juntou aos autos documento particular, com assinaturas reconhecidas presencialmente e em observância às leis notariais.

XVIII - As declarações insertas em tais documentos acham-se investidas de total idoneidade e veracidade, não tendo as assinaturas sido impugnadas.

XIX- Constando de tais documentos a menção a pagamentos e respectivas declarações de quitação, têm-se as mesmas por válidas e inquestionáveis.

XX- O tribunal da Relação aceitou como válido e verdadeiro todas as declarações constantes dos títulos escritos, com excepção do que tange a montantes pagos, quer a título de sinal quer a título de reforços.

XXI- Da fundamentação não se alcança do motivo pelo qual se optou pela dualidade de critério.

XXII- Não se vislumbra razão plausível para se admitir como válido que houve vontade de comprar, vontade de vender, que existia objecto, que existiam prazos contratuais, mas que não se aceite que foram pagos preços, quando a força probatória do documento é una.

XXIII- Se duvidas houvessem, o próprio legal representante da insolvente confessou o recebimento das quantias.

XXIV- Tal confissão corrobora o constante dos documentos particulares, com assinaturas reconhecidas presencialmente e que não foram objecto de impugnação.

XXV- A declaração de recebimento do preço de prometida compra e venda, constante de documento particular não arguido de falsidade e subscrito, com admissão, nos termos legais, da respectiva autoria, pelos respectivos sujeitos contratuais, consubstancia confissão extrajudicial que, por dirigida à parte contrária e não arguida de nulidade ou anulabilidade por falta ou vícios da vontade, é dotada de força probatória plena.

XXVI- Com tal declaração confessória, estava o Recorrente, como está, dispensado de provar a veracidade do conteúdo dos documentos, já de si investidos de força probatória plena.

XXVII- Inexiste nos autos qualquer elemento probatório que desvirtue a intenção das partes de celebrarem um contrato promessa de compra e venda, em que a intenção do Recorrente de comprar, correspondia a intenção da insolvente de vender.

XXVIII - Todo o preço pago tinha por base sinalizar e reforçar o preço a despender pela aquisição das frações.

XXIX- Consequentemente ao incumprimento definitivo do contrato, assistia ao Recorrente o direito a exigir o dobro do sinal, com direito de retenção das frações.

XXXI - Talqualmente sucedeu com o contrato promessa de compra e venda, também os aditamentos sofreram o mesmo itinerário procedimental.

XXXII - Os aditamentos foram objecto de reconhecimento presencial de assinaturas, na mesma esteira do que havia sucedido com os contratos promessa.

XXXIII - Impunha-se ao Tribunal que tivesse dado como assente que as assinaturas constantes dos aditamentos aos contratos promessa foram objecto de reconhecimento presencial,

XXXIV - e, consequentemente, deveria ter sido extraída de tal prova documental a devida interpretação, sempre compaginável com o principio da força plena probatória.

XXXV - Nos presentes autos resulta claro que o Recorrente prometeu adquirir duas fracções à insolvente.

XXXVI - Ficou demonstrado o pagamento dos sinais pelo recorrente e seu recebimento pela Insolvente.

XXXVII- Ficou provado que incorreu mora, seguida de incumprimento definitivo.

XXXVIII - Ficou provado que o recorrente beneficiou da tradição das frações objecto dos contratos promessa.

XXXIX - Aos presentes autos não é aplicável o regime do artigo 102 e seguintes do CIRE, porquanto resolução contratual operou-se em momento anterior à declaração de insolvência.

XL - Por conseguinte, não é aplicável o vertido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 4/2014.

XLI - É aplicável aos presentes autos o direito substantivo constante dos artigos 442º e 755º, nº 1, alínea f) do Código Civil, nomeadamente, no que concerne ao direito ao sinal em dobro e ao direito de retenção do recorrente.

XLII - O direito de retenção conferido ao Recorrente não sofre qualquer desvio por força da declaração de insolvência.

XLIII - O recorrente actuou enquanto pessoa singular e nunca no exercício de qualquer atividade empresarial ou profissional,

XLIV - O recorrente, enquanto pessoa jurídica, aparece nestes autos como um mero consumidor final.

XLV- Deveria ter sido reconhecido ao Recorrente ao sinal em dobro e o direito a reter os bens até pagamento do seu crédito pela venda dos mesmos, sendo esta a única solução plausível de direito.

XLVI- Violados, pois, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos art.s 342º, 344º, 347º, 374º a 376º, 352º, 358.º a 361.º, 405.º, 406º, 410.º, 441.º, 442.º, 444.º, 754.º a 756.º, todos do Código Civil, art. 97.º do CIRE, art. 38.º do DL nº 76º-A/2006, de 29 de Maio; art,º 607.º, 615.º, 662.º do CPC.

Termina dizendo que “deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por Douto Acórdão que julgue a acção procedente, com as demais consequências legais”.

                                                           +

Não se mostra oferecida qualquer contra-alegação.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou argumentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

São questões a conhecer:

- Nulidade do acórdão recorrido;

- Prova plena do recebimento dos sinais por parte da promitente-vendedora (a Insolvente).

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Estão provados os factos seguintes, como tal descritos no acórdão recorrido:

1- Por sentença de 20-1-2015 foi declarada a insolvência da sociedade BB, Lda.

2- A insolvente é dona de duas frações descritas na CRP de … sob o nº …, frações … e …, inscritas na matriz urbana sob os artigos … e ….

3- A 10-8-2006 foram celebrados dois contratos intitulados “contratos-promessa de compra e venda” entre a insolvente na qualidade de promitente vendedora e o A. como promitente-comprador no âmbito do qual aquela prometia vender e este comprar as frações supra identificadas.

4- O preço convencionado para a fração … era de € 100.000,00, que seria pago da seguinte forma: € 75.000,00 a título de sinal na data da outorga do contrato-promessa; e a parte restante na data da outorga da respetiva escritura pública.

5- O preço da venda da fração … era de € 97.265,00, pago nas seguintes condições: € 25.000,00 a título de sinal na data da outorga do contrato promessa; a parte restante na data da outorga da escritura pública.

6- As escrituras públicas de compra e venda seriam realizadas até ao dia 30-1-2014.

7- Incumbia à insolvente a marcação da escritura definitiva de compra e venda, devendo avisar o promitente-comprador da data, hora e local.

8- Ficou convencionado que os contratos promessa seriam submetidos ao regime da execução específica.

9- Os contratos promessa de compra e venda foram devidamente assinados e as assinaturas do A. e dos legais representantes da insolvente foram reconhecidas cerca de dois meses após a celebração dos contratos.

10- Perante as dificuldades da insolvente no cumprimento do contratualizado, no que concerne à data prevista para a realização da escritura pública, de compra e venda da fração …, o A. e aquela, a 2-3-2014, alteraram o referido contrato-promessa nos termos do qual convencionam a entrega efetiva do imóvel, alterando simultaneamente as condições do contrato-promessa: “(…) 2º- Considerando que se encontram por concluir integralmente os acabamentos da referida fracção; 3º- Considerando que está largamente ultrapassado o prazo de conclusão das obras nessa fracção pela primeira outorgante; 4º- Considerando que a título de sinal referente à supra indicada fracção a segunda outorgante já liquidou à primeira outorgante a quantia de € 75.000,00; 5º- Considerando que na presente data a primeira outorgante não tem disponibilidade financeira que lhe permita sequer a conclusão da obra, quer o resgate da hipoteca que sobre elas incide e indispensáveis à outorga da escritura; 6º- Considerando que o segundo outorgante mantém o interesse na aquisição da referida fracção; Acordam os outorgantes o seguinte: 1º- A primeira outorgante entrega, materialmente, nesta data a fracção identificada no considerando 1º deste contrato com todas as chaves do mesmo concedendo-lhes a posse única e exclusiva a partir da presente data, ficando o segundo outorgante expressamente autorizado a, querendo, proceder à substituição das respetivas fechaduras; 2º- O segundo outorgante, por conta do preço remanescente a liquidar a final, fica autorizado a concluir os acabamentos da referida fracção. §1º Os acabamentos respeitarão obrigatoriamente o caderno de encargos e qualidade de materiais previstos no projecto bem como o existente nas demais fracções do imóvel; 3º- O segundo outorgante fica autorizado a requisitar contador de água, luz e gás da indicada fracção bem como para ele requisitar serviços de comunicações nomeadamente de televisão por cabo. $ 1º- Até à instalação dos respetivos contadores o segundo outorgante fica expressamente autorizado pela primeira a utilizar a energia eléctrica e água das zonas comuns e, ou, de obra.(…)”.

11- Nas mesmas circunstâncias, e por iguais motivos, também alteraram o contrato-promessa de compra e venda da fração …, nos termos do qual convencionam a entrega efetiva do imóvel alterando simultaneamente as condições do contrato-promessa: “1º-Entre os aqui outorgantes foram celebrados em 10 de Agosto de 2006, um contrato promessa de compra e venda referente à fracção “…”, do imóvel sito no lugar da ..., freguesia de ..., concelho de ... cujo solo se encontrava então descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …-fracção “…”. 2º- Considerando que se encontram por concluir integralmente os acabamentos da referida fracção; 3º- Considerando que está largamente ultrapassado o prazo de conclusão das obras nessa fracção pela primeira outorgante; 4º- Considerando que a título de sinal referente à supra indicada fracção a segunda outorgante já liquidou à primeira outorgante a quantia de € 25.000,00; 5º- Considerando que na presente data a primeira outorgante não tem disponibilidade financeira que lhe permita sequer a conclusão da obra, quer o resgate da hipoteca que sobre elas incide e indispensáveis à outorga da escritura; 6º- Considerando que o segundo outorgante mantém o interesse na aquisição da referida fracção; Acordam os outorgantes o seguinte: 1º A primeira outorgante entrega, materialmente, nesta data a fracção identificada no considerando 1º deste contrato com todas as chaves do mesmo concedendo-lhes a posse única e exclusiva a partir da presente data, ficando o segundo outorgante expressamente autorizado a, querendo, proceder à substituição das respectivas fechaduras; 2º O segundo outorgante, por conta do preço remanescente a liquidar a final, fica autorizado a concluir os acabamentos da referida fracção. §1º Os acabamentos respeitarão obrigatoriamente o caderno de encargos e qualidade de materiais previstos no projecto bem como o existente nas demais fracções do imóvel.3º O segundo outorgante fica autorizado a requisitar contador de água, luz e gás da indicada fracção bem como para ele requisitar serviços de comunicações nomeadamente de televisão pro cabo. §1º Até à instalação dos respetivos contadores o segundo outorgante fica expressamente autorizado pela primeira a utilizar a energia eléctrica e água das zonas comuns e, ou, de obra.(…)”.

12- Nos termos convencionados nos contratos promessa, a escritura pública de compra e venda seria realizada, até ao dia 30 de janeiro de 2014, prazo limite e absoluto, incumbindo à promitente vendedora insolvente a marcação da escritura definitiva de compra e venda, devendo para tanto avisar o promitente-comprador, ora A., da data, hora e local.

13- Mais ficou convencionado, e foi cumprido, que na data de assinatura das alterações aos contratos promessa, a 2-3-2014, a insolvente entregava ao segundo outorgante aqui A. as respetivas chaves das frações prometidas vender.

14- Findo o mês de janeiro de 2014 a insolvente não diligenciou por qualquer forma pela celebração ou marcação da escritura pública de compra e venda, tal como lhe incumbia.

15- O A. interpelou a insolvente por escrito agendando a referida escritura pública para o Cartório Notarial do Dr. DD em ….

16- Apesar de devidamente interpelada para tal, a insolvente limitou-se a reiterar a sua impossibilidade de marcação e realização da venda prometida nos precisos termos acordados, faltando à outorga da referida escritura pública.

17- Chegados a março 2014 a insolvente protelava a realização da escritura pública de compra e venda por falta de condições económicas que lhe permitissem desonerar o imóvel da hipoteca constituída a favor da entidade bancária.

18- A escritura de compra e venda das frações em causa não foi realizada.

19- O A. procedeu ao registo dos respetivos contratos promessa e seus aditamentos, bem como pagou o imposto municipal sobre imóveis de 2014 referente às frações em causa.

20- O credor sociedade CC, S.A. financiou diretamente a construção do empreendimento imobiliário em que se integram as frações autónomas identificadas na petição inicial.

21- Na data de outorga dos contratos promessa o prédio descrito na CRP de ... sob o nº … da freguesia de ... ainda não se encontrava constituído em propriedade horizontal.

22- A constituição em propriedade horizontal só ocorreu a 5-3-2010.

23- O A. sabia que à data da celebração dos contratos promessa sobre o prédio descrito na CRP de ... sob o nº … da freguesia de ... encontrava-se registada a favor do Banco CC uma hipoteca que garantia uma responsabilidade superior a um milhão de euros.

24- O A. sabia da existência e subsistência dos ónus e encargos constituídos e registados a favor do Banco sobre as frações que prometeu comprar.

25- As frações encontravam-se penhoradas em execução hipotecária movida pelo Banco desde outubro de 2013.

26- Os contratos promessa foram registados a 8-8-2014.

Foram tidos como não provados os factos seguintes:

 

A- As assinaturas foram reconhecidas presencialmente.

B- O único intuito da insolvente e do autor da presente demanda é prejudicar diretamente os créditos e as garantias hipotecárias do Banco CC, S.A.

C- Em cumprimento do acordado o A. tomou posse dos imóveis e concluiu as obras dos mesmos, tendo a insolvente dado a necessária e respetiva quitação.

D- A insolvente aceitou os pagamentos por conta do preço acordado, integrando-os no seu património.

E- Só não tendo sido outorgada a escritura de compra e venda por a insolvente se ter recusado a tal.

F- Apesar das diversas interpelações quer pessoalmente quer por escrito para que marcasse a escritura pública de compra e venda.

G- Agendamento esse concedido sob a cominação de, não sendo respeitado, ter o aqui A. por definitivamente incumpridos o contrato-promessa celebrado, com base na perda de interesse da sua parte, com o consequente direito a exigir a resolução desses contratos promessa e a restituição em dobro do montante global prestado a título de sinal e de reforço de sinal.

H- A insolvente protelava a realização das escrituras com todas as mais variadas desculpas (falta de algum documento, falta de disponibilidade do representante legal).

I- A partir dessa data a insolvente passou a justificar a não realização da escritura pública com a existência de penhoras no âmbito dos processos de execução que sob os n.ºs 116 886/09.4UIPRT do 4º juízo cível do tribunal judicial de VNF e nº 2225/12.7TJVNF do 1º juízo cível do tribunal judicial de VNF corriam os seus termos.

J- Mantém-se na presente data o incumprimento contratual.

K- Tais declarações por parte da insolvente de que não cumpria ou não podia cumprir com aquilo a que estava obrigada, a venda dos prédios urbanos prometidos livre de ónus e encargos, mesmo após a interpelação, nos termos supra referidos, que lhe foi dirigida pelo A. levou à perda de interesse deste no cumprimento dos contratos promessa referidos.

L- O A. realizou as seguintes benfeitorias nas frações: pintura- € 2.000,00; carpintaria- € 7.000,00; pladur- € 1.750,00; eletricidade- € 3.000,00; recuperador- € 2.000,00; pavimentos- € 1.500,00; cilindro de água quente- € 80,00.

M- Desde data da entrega das chaves, a 18-11-2014, o A. vem ocupando, usando e fruindo a fração ….

N- Sendo que a fração … destinava-se à habitação do seu filho.

O- Ambos têm vindo a usufruir de todas as virtualidades das referidas frações, tratando-as como coisa sua.

P- Aí pernoitando, fazendo as suas refeições, entrando e saindo às horas que entendem, recebendo as visitas de amigos e familiares, tendo aí colocado todos os seus haveres.

Q- O A mobilou e equipou as frações.

R- Tanto ele como o filho guardavam as suas viaturas nos lugares de garagem de cada uma das frações.

S- Limpavam, arejavam e cuidavam das mesmas.

T- À vista de todos.

U- Sem oposição de quem quer que seja.

V- O A procedeu à realização de obras no interior das frações adaptando-as ao seu gosto, como a pintura geral das frações, a colocação de granito e soalhos nos pavimentos.

W- Que o A pagou inclusive os gastos inerentes às frações, nomeadamente água, luz e gás.

De direito

Quanto à matéria das conclusões IX, X, XI, XII, XIII e XIV:

Argui-se aqui a nulidade do acórdão recorrido, com reporte aos vícios identificados nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art. 615.º do CPCivil.

Mas a alegada nulidade não existe.

Percorrendo pp. 16 e 17 do corpo da alegação, vemos que a nulidade vem dirigida a uma suposta omissão de fundamentação e a uma suposta obscuridade e ambiguidade do acórdão recorrido em sede de conhecimento da impugnação da matéria de facto.

Recorde-se, a propósito, que o tribunal de 1ª instância havia decidido que não resultara provado que as assinaturas foram reconhecidas presencialmente, que o Autor entregou à Insolvente as alegadas quantias (a título de sinal) e que o Autor tomou posse das frações e concluiu as obras nas mesmas.

Contra tal julgamento de facto se insurgiu o Autor na apelação que interpôs, defendendo, sob invocação dos n.ºs 1 e 2 do art. 376.º do CCivil, que a prova desses factos derivava dos documentos que formalizaram as promessas e dos respetivos aditamentos, por isso que provavam plenamente os factos em questão. Mais convocou o depoimento de EE, gerente da promitente-vendedora (a Insolvente), que teria confessado os factos (ou, pelo menos, não tendo o depoimento sido reduzido a escrito, sempre tal depoimento podia ter sido apreciado livremente de forma a conduzir à prova dos factos) e as suas (do Autor) próprias declarações.

Ora, o acórdão recorrido pronunciou-se sobre a prova dos factos em causa, tendo considerado que os meios de prova invocados pelo Apelante não conduziam à prova dos factos, e daqui que julgou improcedente a impugnação da matéria de facto.

Logo, o acórdão não omitiu a devida pronúncia sobre a questão cujo conhecimento lhe era cometido, e daqui que não pode ter incorrido na nulidade a que alude a alínea d) (omissão de pronúncia) do n.º 1 do art. 615.º do CPCivil.

E essa pronúncia foi feita de modo expresso e com toda a clareza, e daqui que também não pode ter incorrido na nulidade a que alude a alínea c) (ambiguidade e obscuridade) do mesmo conjunto normativo.

E para vermos que assim foi, nada melhor do que transcrever aqui o pronunciamento que o acórdão recorrido desenvolveu a propósito da questão cujo conhecimento lhe foi cometido, e que é como segue:

“O recorrente começa por impugnar a matéria de facto, no sentido de que deve ter sido aditado, com base na prova documental carreada para os autos, o seguinte factualismo:

«O Autor,' relativamente à fracção … entregou a quantia de e 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) a título de sinal e princípio de pagamento e, relativamente à fracção …, pagou a quantia d € 25.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento».

Mais defende que, atenta a prova documental e testemunhal produzida em audiência de julgamento, os factos não provados nas alíneas A), C), D) e M) devem merecer resposta positiva.

É o seguinte o seu teor:

«A- Que as assinaturas foram reconhecidas presencialmente.

C- Em cumprimento do acordado, o A. tomou posse dos imóveis e concluiu as obras dos mesmos, tendo a insolvente dado a necessária e respetiva quitação.

D- A insolvente aceitou os pagamentos por conta do preço acordado, integrando-os no seu património.

M- Desde data da entrega das chaves, a 18-11-2014, o A. vem ocupando, usando e fruindo a fração ….».

Mais especifica que, no que concerne ao factualismo vertido nas ditas alíneas A), C), D) e M) supra, deveria a dar-se como provado que:

A - “ As assinaturas, quer dos contratos promessa de compra e venda quer dos respectivos aditamentos, foram reconhecidas presencialmente».

C) e M) - Em 02 de Março de 2014 o Autor tomou posse efectiva das fracções objecto dos contratos promessa.

O Autor, relativamente à fracção …, a título de sinal e princípio de pagamento, pagou à insolvente a quantia de € 75;000,00, que esta aceitou e integrou no seu património;

O Autor, relativamente à fracção …, a título de sinal e princípio de pagamento, pagou à insolvente a quantia de € 25,000,00, que esta aceitou e integrou no seu património».

Baseia-se para o efeito nos elementos de prova atinentes aos reconhecimentos das assinaturas dos contratos promessa e aditamentos dos promitentes comprador e vendedor e às declarações, ditas confessórias, do legal representante da insolvente (promitente vendedora) e do autor (promitente comprador).

Apreciando.

Em matéria de valoração das provas, nomeadamente dos depoimentos em questão, o tribunal a quo aprecia-os livremente, por força do disposto no artº 607º, nº 5, do CPC, salvo o estatuído na parte final do mesmo preceito.

E para que dúvidas não restem, ouvida e reexaminada a prova produzida (documentos, declarações das partes e testemunhas), conclui-se que o tribunal a quo decidiu bem, inexistindo erro de julgamento quanto à decisão de facto que tenha repercussão na decisão de direito e, enfim, no mérito da causa.

Com efeito, o impugnante escuda-se, por um lado, nos invocados reconhecimentos de assinaturas apostas nos contratos promessa de compra e venda e seus aditamentos (e, inclusive, nos termos de entrega de imóvel, com registo on line de certificação mais de 5 meses após a data aposta em tais escritos), certificados pelo Exmº advogado, que inclusive patrocinou a insolvente nos autos, e, por outro, nas declarações do promitente-comprador (autor) e do legal representante da promitente vendedora (insolvente), para comprovar a pretendida modificação da matéria de facto.

Porém, o que está aqui em causa não é propriamente a força probatória formal de tais contratos promessa, mas sim a sua força probatória material.

Ainda assim, quanto àquela preceitua o artº 374º, nº 2, do Código Civil (CC), que incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade acerca da letra e da assinatura, se a parte contrária o impugnar.

In casu, tal impugnação ocorreu, como se alcança da contestação do credor ‘CC’, nos artigos 1 a 7, 27 a 38.

Já quanto à força probatória material de tais documentos - independentemente da prova quanto às declarações atribuídas aos seus autores (promitentes vendedor e comprador) -  rege o disposto no artº 376º, nº 2, do CC, segundo o qual, “Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante ;(…)”.

Ora, o factualismo declarado por tais promitentes em tais contratos promessa de compra e venda, nomeadamente quanto ao pagamento e recebimento do sinal e do preço de compra e venda das ditas fracções, não é contrário aos interesses dos respectivos declarantes, mormente do promitente-comprador, o autor; bem pelo contrário.

Daí que tais documentos particulares não tenham a pretendida força probatória plena, como esgrime o recorrente.

Antes, incumbia-lhe fazer a prova, nomeadamente por via testemunhal, depoimento ou declarações de parte, da veracidade do conteúdo dessas declarações emitidas e constantes dos mencionados contratos promessa.

E neste contexto, sufraga-se a conclusão extraída pelo tribunal recorrido de que “Da análise da prova testemunhal e do seu cotejo com os documentos que foram juntos, bem como com os depoimentos de parte, verifica-se a pouca credibilidade que aqueles depoimentos merecem, já que não coincidem um com o outro. O A. declarou que tinha vendido dois veículos à insolvente e esta não tinha pago os mesmos e teria sido essa a razão de ter o seu valor sido descontado no preço quando o legal representante da insolvente apenas referiu os veículos como dação em pagamento de parte do preço das frações prometidas vender.

Por outro lado, é o próprio A. que admite que financiou a atividade da insolvente entregando-lhe dinheiro para esse fim. E o legal representante daquela confessou que o documento de fls 23 verso foi elaborado para “segurar” o dinheiro que o A tinha lá investido, mostrando grande ressentimento para com o R CC, SA que acusou de falta de flexibilidade para ajudar a insolvente a vender as frações e ganhar solvabilidade.

Também não existe coincidência na forma como os pagamentos teriam sido realizados, que quantias entregues e com que regularidade, e datas da sua entrega, ou comprovativos das mesmas, tudo se revelando nebuloso e pouco credível”.

A este título, estando em causa avultada quantia em dinheiro para pagamento do sinal, relativamente às duas fracções, atente-se na displicência das declarações do legal representante da insolvente, EE, promitente vendedor, quando inquirido como é que o promitente-comprador deu os 100.000,00€, se deu em notas, limitou-se a responder simplesmente ‘em dinheiro’, sem esclarecer em que contexto espácio-temporal tal ocorreu, o que fez a tal dinheiro (como o contabilizou ou afectou à sociedade insolvente), já que não apresentou qualquer comprovativo de transacção ou da sua afectação.

Mutatis mutandis, do lado do invocado pagador, o promitente-comprador. 

Do mesmo modo, no que concerne ao alegado reconhecimento presencial das assinaturas, entrega das chaves ou obras executadas pelo promitente-comprador, o depoimento do mesmo legal representante evidenciou-se claramente impreciso, titubeante e pouco credível.

Também o depoimento do promitente-comprador se manifestou pouco objectivo, inconsistente e pouco verosímil, nomeadamente no que tange à entrega das chaves dos imóveis e aos trabalhos e despesas por si realizadas em tais fracções.

Em suma, não se descortina qualquer desacerto na valoração da matéria de facto plasmada na sentença, mormente quanto ao pretendido aditamento acima assinalado, aos factos não provados nas alíneas A), C), D) e M), mantendo inalterada a decisão de facto – artº 663º, nº 6, do CPC.”

Como se constata deste excerto, o tribunal recorrido entendeu, isto no âmbito dos seus poderes de livre apreciação da prova, que os depoimentos do representante da promitente-vendedora e do Autor não mereciam credibilidade quanto aos factos em discussão. Se entendeu bem ou mal, isso é assunto que não cabe a este Supremo sindicar (v. a propósito os art.s 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2 do CPCivil). De resto, a má aferição das provas nada tem a ver com a temática das nulidades de decisão[2], e é unicamente das nulidades de decisão que, suscitadas pelo Recorrente, estamos aqui a tratar.

Note-se que nesta matéria não estamos perante prova vinculada (prova legalmente plena), tanto porque as declarações do representante da promitente-vendedora não valem no contexto da presente causa como confissão oponível à Massa Insolvente e aos Credores da Massa (a suposta confissão não é eficaz no confronto da Massa Insolvente e do coletivo dos Credores da massa, por isso que não os favorece, pelo contrário desfavorece-os) como porque não foram reduzidas a escrito.

E como também decorre do referido excerto, o tribunal recorrido entendeu que os documentos a que se apega o Autor – os contratos-promessa e os aditamentos de 2 de março de 2014 – estão carecidos de força probatória legal plena, não provando obrigatoriamente os factos em causa, a começar pela entrega pelo Autor de quaisquer quantias (sinais) à promitente-vendedora. Embora neste particular estejamos perante matéria de direito que este Supremo pode controlar, importa todavia observar de novo que o assunto nada tem a ver com a temática das nulidades de decisão, mas sim com a temática de um possível erro de decisão.

Do que fica dito resulta que o acórdão recorrido fundamentou devidamente o julgamento a procedeu acerca dos factos impugnados. E fundamentou esse julgamento de forma clara e apreensível a qualquer destinatário. Logo, não incorreu nas nulidades que o Autor lhe aponta.

A circunstância do Autor discordar do decidido e de se dizer não convencido pelo acórdão merece-nos sem dúvida o maior respeito, mas tudo isso não passa de um subjetivismo seu, não tendo naturalmente a virtualidade de transmudar em nulidade a válida atividade decisória do tribunal recorrido.

Improcedem pois as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões XV a XLV

Nestas conclusões o Autor insurge-se contra o acórdão recorrido por não ter atendido aos documentos particulares a que o Autor alude – os contratos-promessa e os aditamentos – e á confissão do representante da promitente-vendedora. Segundo o Autor, destes meios de prova decorreria legalmente a prova de que prestou os sinais em causa (no montante total de €100.000,00), e daqui que, tendo a promitente-vendedora incumprido a promessa, teria agora o Autor direito a um crédito em montante correspondente ao dobro do que prestou.

Mas é manifesta a sua falta de razão.

É verdade que a confissão repousa na regra da experiência segundo a qual ninguém afirma um facto contrário ao seu interesse se ele não for verdadeiro. Mas a força vinculativa da confissão só regula para as relações entre o confitente e a pessoa a quem é dirigida a confissão (a parte contrária de que fala o art. 352.º do CCivil), posto que esta última saia efetivamente favorecida. Em relação a terceiros não há, por definição, qualquer confissão que se lhes possa opor obrigatoriamente, pois que eles não são a parte contrária do confitente. Quanto aos terceiros apenas se concebe a confissão extrajudicial que lhes seja feita, mas neste caso é a confissão apreciada livremente pelo tribunal, como, de resto, é regra que se pode extrair do n.º 3 do art. 358.º do CCivil.

Ora, no que toca à alegada confissão do representante da promitente-vendedora, basta repetir o que acima se disse: que as suas declarações não valem, no contexto da presente causa, como confissão oponível (ou seja, eficaz) à Massa Insolvente e ao coletivo dos Credores da Massa, por isso que nem são a parte negocial contrária do confitente (rectius, da promitente-vendedora), nem a confissão os favorece, pelo contrário desfavorece-os. Acresce dizer que só a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente, e no caso vertente inexiste sequer qualquer confissão escrita. É o que resulta claramente dos art.s 352.º e do n.º 1 do art. 358.º do CCivil. Enfim, como já houve oportunidade de se deixar dito no sumário do acórdão deste Supremo de 19 de dezembro de 2018 (processo n.º 475/16.6T8VNG-D.P1.S2, não publicado), subscrito pelos mesmos juízes que subscrevem o presente acórdão, “A declaração confessória só vale como tal no confronto da pessoa a quem a confissão é feita, e já não relativamente a terceiros, como são os credores e a massa insolvente do confitente”.

No que se refere aos documentos particulares convocados pelo Autor, é de dizer que o disposto no n.º 2 do art. 376.º do CCivil estabelece o mesmo princípio que está na base do instituto da confissão (v. a propósito Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, III, p. 437; Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, pp. 55 e 56), de modo que a força probatória ali estabelecida só é observável nas relações entre declarante e declaratário, e não já no confronto de terceiros.

Estes (que são todos aqueles que não são partes, sucessores ou representantes das partes no negócio jurídico em que se inserem as declarações), não participaram no ato e por isso não podem ser prejudicados pelas estipulações e declarações de vontade ou de ciência (desfavoráveis ou não) feitas pelos outorgantes, o que aliás está em linha com o princípio da relatividade dos acordos negociais (v. art. 406.º, n.º 2 do CCivil). Na realidade, e como observa Antunes Varela et al. (Manual de Processo Civil, 2ª ed., p. 524, nota 1), há que distinguir entre a força probatória do documento e a eficácia do ato documentado, que nem sempre se estende a terceiros.

Concordantemente com tudo isto, no acórdão ainda deste Supremo de 18 de setembro de 2018 (processo n.º 1210/11.0TYVNG-D.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) houve também oportunidade de se expressar que “a força probatória plena (vinculativa) emergente da confissão exarada em documento particular só existe no âmbito da relação entre o declarante e o declaratário, e não também no confronto de terceiros (como, in casu, seria o caso da massa falida e dos credores). Quanto aos terceiros a declaração confessória não tem eficácia plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente (v., neste sentido, e para além de toda uma inabarcável jurisprudência, Vaz Serra, RLJ ano 114, p. 178)”.

Sendo assim, como efetivamente é, o que consta declarado pela promitente-vendedora nos contratos-promessa e nos aditamentos (termos de entrega de imóvel) em causa relativamente a um suposto recebimento dos sinais (no total de €100.000,00) não vale como facto plenamente provado no confronto dos ora Réus Massa Insolvente (que, pela pessoa do Administrador da Insolvência, representa os interesses patrimoniais do coletivo de credores) e Credores da insolvência. Estes não foram parte nesses negócios, que lhes são desfavoráveis (se o alegado crédito do Autor fosse considerado existente e garantido pelo direito de retenção os créditos dos demais credores ficariam em situação necessariamente menos favorável em termos de satisfação), e por isso não têm que ver ser-lhes imposto o facto em causa. Recorde-se, a propósito, que a Massa Insolvente e o Credor CC, S.A. contestaram a ação e impugnaram a existência do facto (entrega de sinal) em causa.

Os documentos em questão apenas poderiam valer no confronto dos Réus como meios de prova sujeitos ao regime de livre apreciação, a valorar no contexto da demais prova. Mas, quanto a isto, resulta do acórdão recorrido - que clara e expressamente indica que o tribunal procedeu ao reexame de toda a prova (documental, testemunhal e por declarações) - o não convencimento da realidade das alegadas entregas. Assunto que, repete-se, não pode este Supremo sindicar, por se inserir exclusivamente na competência decisória (julgamento da matéria de facto não submetida a prova tarifada) das instâncias.

O que vem de ser dito está em rigorosa sintonia com o acórdão deste Supremo de 17 de junho de 2014, que o Recorrente apresentou como estando em pretensa contradição com o acórdão ora recorrido. Tal suposta contradição inexiste por completo, na medida em que o que estava em causa nesse acórdão era uma declaração confessória de um dos outorgantes (feita através do respetivo representante, o gerente), de recebimento de certa quantia, assunto que envolvia unicamente os outorgantes do negócio, e não terceiros, e é precisamente de terceiros que estamos a tratar no caso vertente. Por isso se aduziu nesse acórdão, e bem, que a declaração de recebimento da dita quantia, que constituía um facto contrário aos interesses do declarante, implicava perante a contraparte (o declaratário) a prova plena desse facto, nos termos do n.º 2 do art. 376.º do CCivil.

De outro lado, a circunstância das assinaturas dos representantes da promitente-vendedora terem sido ou não reconhecidas presencialmente (assunto que não compete ser dilucidado aqui) não tem o menor rebate no que se discute. Pois que tal reconhecimento tem a ver unicamente com a força probatória formal dos documentos onde foram apostas, mas acontece que ninguém duvida (basta ler os pontos 3 a 13 dos factos provados) que as assinaturas pertencem àqueles que eram os gerentes da promitente-vendedora.

O que está em causa não é a força probatória formal dos documentos, que está efetivamente assegurada (v. n.º 1 do art. 376.º do CCivil), mas sim a sua força probatória material (n.º 2 do mesmo art. 376º). Donde, as observações do Recorrente em torno da temática do reconhecimento presencial das assinaturas carecem de qualquer relevância em ordem a inverter o sentido da decisão vertida no acórdão recorrido.

Pelo exposto, resulta que o acórdão recorrido não merece qualquer censura ao ter decidido que os documentos particulares em causa não implicavam, em prejuízo dos interesses da Massa Insolvente (que são os interesses dos Credores), a prova plena da entrega dos alegados sinais.

Improcedem assim as conclusões em destaque aí onde se sustenta o contrário do que fica dito.

Não se mostrando provado que o Autor tenha entregado efetivamente à promitente-vendedora (agora Insolvente) os sinais que alegou ter entregado, segue-se que não goza do direito de crédito a que alude na conclusão XLV (direito a receber o dobro do que prestou), tudo independentemente da promitente-vendedora ter incorrido em incumprimento contratual.

E não gozando o Autor comprovadamente de tal direito de crédito, não há que falar em qualquer direito de retenção, pois que este pressupõe necessariamente um crédito a garantir.

E desde que assim é, também o que o Recorrente refere nas conclusões XXXIX, XL, XLIII e XLIV acaba por ser desinteressante do ponto de vista decisório. Mesmo que o Recorrente pudesse ter razão no que ali diz, isso de nada lhe adianta, não é por aí que, improvada que está a existência de crédito sobre a massa insolvente, a ação poderá alguma vez proceder.

Improcede pois o presente recurso, não tendo o acórdão recorrido violado as disposições legais que o Recorrente cita na conclusão XLVI.

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista.

Regime de custas:

O Recorrente é condenado nas custas do presente recurso.

                                                           ++

Sumário:

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Lisboa, 12 de fevereiro de 2019

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Henrique Araújo

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[1] Isto resulta claro dos termos literais do n.º 1 desse art. 14.º, e do cotejo entre o n.º 1 e o n.º 2.
E é este o entendimento reiterado do Supremo Tribunal de Justiça, como se pode ver, a título de exemplo, dos acórdãos de 13.11.2014 (processo nº 1444/08.5TBAMT-A.P1.S1), de 27.4.2017 (processo n.º 44/14.5T8VIS-B.C1.S1), de 17.6.2014 (processo nº 3125/11.3TJCBR-B.C1.S1) e de 16.04.13 (processo n.º 3410/l0.lT2SNT-E.L1.S1), todos acessíveis em www.dgsi.pt. .
É este também o entendimento de Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª ed., pp. 127 e 128).
[2] Como tem sido reiteradamente afirmado na doutrina e na jurisprudência, não há que confundir entre nulidades de decisão e erros de julgamento (seja em matéria substantiva, seja em matéria processual). As primeiras (errores in procedendo) são vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, isto é, trata-se de vícios que afetam a regularidade do silogismo judiciário) da peça processual que é a decisão, nada tendo a ver com erros de julgamento (errores in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria de direito. As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por ser destituída de mérito jurídico.