Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
67/13.1TTBCL.P1.G1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Data do Acordão: 12/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO PROCESSUAL LABORAL - APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS NORMAS DO PROCESSO CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Maria do Rosário da Palma Ramalho, Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2009, pp. 44, 54, 56.
- Menezes Cordeiro, Manual do Direito do Trabalho, Almedina 1991, p. 535
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, 2009, Almedina, p. 149.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1, 1152.º, 1154.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT) /2009: - ARTIGOS 1.º, N.º 2, AL. B), 81,º, N.º 5, 87.º.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO, ANEXO AO DECRETO-LEI N.º 49.408 DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969 (LCT): - ARTIGO 1.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21-05-2003, PROCESSO N.º 881/02 DA 4.ª SECÇÃO, E DE 20-09-2006, PROCESSO N.º 694/06 DA 4.ª SECÇÃO.
-DE 2-05-2007, PROCESSO N.º 06S4368, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 9-02-2012, PROCESSO N.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 15-01-2014, PROC. 32/08.0TTCSC.S1; 22-09-2011, PROC. N.º 192/07.8TTLSB.L1.S1, E DE 14-04-2010, PROC. N.º 1348/05.3TTLSB.S1
-DE 15-04-2015, PROCESSO N.º 329/08.0TTCSC.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
Sumário :

1 − A atividade desenvolvida pelos professores de educação física (musculação e cardiofitness) é habitualmente prosseguida em instalações do destinatário da atividade prestada, com equipamento específico por este fornecido, não tendo esses elementos, bem como a existência de horário para ministrar as aulas, que é essencial para que a atividade prosseguida funcione com o mínimo de organização, dada a multiplicidade de professores e de alunos, particular relevo na caracterização do vínculo que ligue as partes envolvidas.

2 − A circunstância de o A. dever obediência ao regulamento interno da destinatária da atividade prosseguida e de essa atividade ser enquadrada por esta, não significa, só por si, que existe subordinação jurídica, pois na prestação de serviços quem contrata pode também organizar, vigiar e acompanhar a sua prestação com vista ao controlo do resultado, e o beneficiário da atividade não está inibido de dar orientações quanto ao resultado que pretende obter do prestador.

3 – Tendo-se provado que o Autor auferia uma remuneração variável e que era pago à hora, que a falta de comparência às aulas apenas poderia implicar perda da retribuição correspondente, não sofrendo outras consequências e tendo recebido, nos mais de dez anos em que colaborou com a R., uma retribuição paga apenas em onze meses, sem pagamento das férias, subsídio de férias e de subsídio de Natal e sem nunca ter havido descontos para contribuições para a Segurança Social, como trabalhador dependente, pois apresentava-se como titular de rendimentos de trabalho independente, sendo pago através de recibos verde que emitia, não se pode concluir, com segurança, pela existência dum contrato de trabalho.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I


1 - AA instaurou a presente ação declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra BB – …, EEM, pedindo que seja: a) Considerado que existia um contrato de trabalho entre as partes; b) Declarada a ilicitude do seu despedimento, com as legais consequências; c) A Ré condenada a efetuar os descontos para a Segurança Social à taxa legal desde 29/11/2001 até à data da sentença e, ainda, a pagar ao Autor:

a) - A quantia global de € 23.034,81, relativa a créditos laborais vencidos e não pagos;

b) - A quantia global de € 16.652,82, a título de indemnização por antiguidade e danos não patrimoniais;

c) - As retribuições vencidas desde os 30 dias que antecederam a propositura da presente ação até ao trânsito em julgado da sentença nela proferida, à razão de € 717,50 por mês;

d) - Os juros vencidos e vincendos à taxa legal em vigor, contados desde a data do despedimento e até integral pagamento.

Alegou, para o efeito e em síntese, que:

- Esteve ligado por contrato de trabalho à Ré, desde 29/11/2001 até 30/07/2012, data em que esta procedeu ao seu despedimento mediante comunicação verbal;

- Essa comunicação configurou um despedimento ilícito, por não ter sido precedida de procedimento disciplinar;

- A Ré nunca lhe pagou a remuneração correspondente a férias, bem como os subsídios de férias e de Natal;

- Por causa do comportamento descrito, sofreu danos de natureza não patrimonial, que pretende ver ressarcidos.

A ação prosseguiu os seus termos, vindo a ser proferida sentença de 3 de maio de 2014, com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julgo totalmente improcedente por não provada a presente ação e, consequentemente:

1.Absolvo a ré “BB – …, EEM” dos pedidos contra si formulados pelo autor AA.

2. Absolvo o autor do pedido de condenação por litigância de má-fé formulado pela ré.

Custas a cargo do autor e da ré, na proporção de 9/10 para o autor e 1/10 para a ré.»

2 - Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação, vindo o Tribunal da Relação de Guimarães a conhecer do recurso por acórdão datado de 14 de maio de 2015, nos seguintes termos:

«Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, e na revogação parcial da sentença, condena-se a Recrdª a:

a) A reconhecer que a relação laboral existente entre o Autor e a Ré configura um contrato de trabalho sem termo;

b) A pagar ao A. a quantia de vinte mil setecentos e setenta e três euros e trinta e seis cêntimos (20.773,36 €), acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde 31/07/2012 até integral pagamento.

Custas por ambas as partes na proporção de vencidas.»

3 - Insurgiu-se a Ré mediante o presente recurso de Revista, apresentando as respetivas alegações, no âmbito das quais formulou as conclusões seguintes:

«I - Na definição legal (artigo 1152º do Código Civil e artigo 10º da Lei do Contrato de Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49.048, de 24 de novembro de 1969, aplicável in casu, atenta a data de início de funções do Autor), "contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta".

II - Por sua vez, o "contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual com ou sem retribuição” (artigo 1154º do Código Civil).

III - Confrontadas as definições supra referidas, impõe-se a conclusão, doutrinal e jurisprudencialmente assente, de que são dois os elementos essencialmente constitutivos do contrato de trabalho: a subordinação económica, traduzida no facto de o trabalhador receber do dador do trabalho certa retribuição; a subordinação jurídica, traduzida no facto de o trabalhador desenvolver a sua atividade sob as ordens, direção e fiscalização da entidade patronal.

IV - Se a distinção entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço não é difícil na teoria, conforme reiteradamente salientado pela doutrina e pela jurisprudência, o mesmo não acontece na prática, devido às dificuldades de concretização da referida subordinação jurídica, que é o elemento que verdadeiramente distingue um contrato do outro.

V - Essencial é a análise de todo o circunstancialismo da celebração e execução do contrato, atentando na vontade revelada pelas partes e nas condições do exercício da atividade.

VI - Face à factualidade provada vinda de elencar, impor-se-á ter por demonstrado que o contrato firmado entre Autor e Ré foi, realmente, um contrato de prestação de serviço.

VII - Na realidade, conforme salientado em jurisprudência constante desse Colendo Tribunal (cfr., por todos, o douto Acórdão de 08/10/2014, proferido no Recurso n.º 168/10.8TIVNG.P3.S1), "tendo o contrato entre as partes sido reduzido a escrito, o “nomen iuris" que as partes lhe deram e o teor das cláusulas que nele foram inseridas não podem deixar de assumir relevância para ajuizar da vontade das partes no que diz respeito ao regime jurídico que livremente escolheram para regular a relação entre elas estabelecida”.

VIII - Por outro lado, tendo-se provado que o Autor exercia as suas tarefas com autonomia ao nível da execução, que recebia periodicamente honorários variáveis, em função das horas de serviço efetivamente prestadas, sempre dando quitação dos quantitativos recebidos através dos chamados "recibos verdes', que o Autor acumulava a prestação de serviços à Ré com outras atividades, das quais retirava proveitos económicos, que sobre as quantias pagas ao Autor nunca incidiram quaisquer descontos para a segurança social e a Ré não pagou quaisquer contribuições à segurança social relativas à atividade prestada pelo Autor, o que era do conhecimento do Autor e nenhuma oposição ou reação alguma vez suscitou, que durante todo o período em que prestou atividade para a Ré o Autor esteve coletado nas finanças como profissional liberal e inscrito na segurança social como trabalhador independente, que nunca beneficiou de férias pagas, nem recebeu quaisquer montantes a título de subsídio de férias e/ou de Natal, nunca de tal tendo reclamado, não pode qualificar-se esta relação como um contrato de trabalho.

IX - Verdadeiramente decisivo para a qualificação do contrato é, no caso, o facto de que, sempre que não podia comparecer a prestar as aulas, o Autor tinha que proceder à sua substituição por outro professor (cfr. facto n.º 28 do elenco da factualidade provada).

X - Tendo o Autor, conforme referido, a obrigação de se fazer substituir na execução da prestação, tal significa que as partes contrataram um determinado resultado - ministrar aulas de musculação e cardiofitness aos utentes da Ré -, sendo essa obrigação do Autor, conforme doutamente vertido no Acórdão desse Venerando Tribunal de 02/05/2007, "manifestamente incompatível com a existência e cumprimento de um contrato de trabalho, atento o caráter intuitu personae deste contrato e a natureza infungível da prestação laboral'.

XI - Decisivo é também o facto de se ter provado a ausência de consequências a nível disciplinar para as atuações do Autor - a consequência que advinha para o autor da não prestação de atividade nos dias/horas em que se tinha obrigado era a não retribuição das horas em causa.

XII - No caso, não assume relevo significativo o facto de o Autor exercer a sua atividade nas salas de aulas e nas instalações da Ré, com os equipamentos, meios físicos e técnicos por esta fornecidos, uma vez que "se era a ré quem detinha os ginásios e piscinas necessários à prática das diversas modalidades e eram os serviços da ré que os utentes procuravam para se inscreverem em ordem à sua frequência, outra coisa não poderia ser”.

XIII - Também não é determinante para a qualificação do contrato dos autos a existência de horário definido pela Ré para o Autor ministrar as aulas, uma vez que, num complexo desportivo, com diversas modalidades e níveis de aprendizagem, múltiplos professores e alunos, "é essencial a existência de horários para que as aulas funcionem com o mínimo de organização, independentemente da natureza do vínculo contratual dos professores e monitores que aí prestem serviço”.

XIV - Já quanto às orientações e instruções recebidas pelo Autor do Diretor Técnico, não pode, no caso, ser ignorada a especificidade da atividade da Ré, que obriga à existência desse Diretor Técnico, que, por imperativo legal, assume a direção e a responsabilidade pelas atividades desportivas que decorrem nas instalações desportivas - as instruções e diretivas recebidas pelo Autor refletem, pois, apenas, e no essencial, a necessidade de harmonização pedagógica e de assegurar um determinado nível de qualidade da prestação das atividades desportivas.

XV - Em suma, na apreciação global de todos os indícios, não pode inferir-se que a Ré exercesse efetivos poderes de direção e autoridade e, menos ainda, o poder disciplinar sobre o Autor, não estando, assim, demonstrados factos bastantes para caracterizar, com segurança, a subordinação jurídica e, pois, para conferir à relação contratual estabelecida entre Autor e Ré natureza laboral.

XVI - É, assim, de qualificar como de prestação de serviços o contrato celebrado entre o Autor e a Ré.

XVII - Ao assim não decidir, o Acórdão recorrido incorreu em violação do disposto nos artigos 1152º e 1154º do Código Civil e no artigo 10º da Lei do Contrato de Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969.»

           

4 - O Autor apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e defendendo a confirmação do julgado, integrando as conclusões seguintes:

«I - No que concerne ao acórdão propriamente dito, entende o Autor que outra não podia ser a decisão do Tribunal da Relação.

II - A fundamentação apresentada pelos Venerandos desembargadores para a sustentação do douto acórdão proferido são inteiramente secundadas pelo ora Autor.

III - Cabe ao trabalhador/Autor que invoca a existência de contrato de trabalho, como pressuposto dos pedidos que formula, o ónus de alegar e provar factos reveladores ou indicadores da existência de contrato de trabalho, por se tratar de factos constitutivos do direito acionado.

IV - Conforme resulta do Douto acórdão recorrido, o trabalhador/Autor logrou provar, como lhe competia a existência de contrato de trabalho.

V - O Autor fez, assim, prova da verificação da subordinação jurídica, na medida em que, da matéria de facto provada resultam factos consubstanciadores do exercício da atividade sujeita à autoridade, direção e fiscalização da Ré.

VI - O contrato de trabalho reconduz-se a três elementos essenciais: atividade (manual ou intelectual); retribuição, e subordinação Jurídica, assentando a distinção entre ele e outras figuras próximas, como o contrato de prestação de serviços, em dois elementos essenc1ais: no objeto do contrato (prestação de atividade remunerada, vs. obtenção de um resultado); e, determinantemente, no tipo de relacionamento entre as partes (subordinação jurídica vs. autonomia).

VII - Nos casos duvidosos, há que lançar mão de uma abordagem indiciária (de cariz tipológico e analógico), baseada em todos os elementos e circunstâncias do caso, tendo em vista: aferir do grau de aproximação do caso concreto do paradigma contratual; em função de critérios de razoabilidade e adequada exigência, determinar se a proximidade existente é suficiente para reconduzir a imagem global do caso concreto, em toda a sua complexidade, ao tipo normativo.

VIII - Os índices de qualificação mais significativos e utilizados são: Vontade real das partes quanto ao tipo contratual; objeto do contrato (prevalência da atividade ou do resultado; grau de [in]determinação da prestação; grau de disponibilidade do trabalhador e repartição do risco); momento organizatório da prestação (pessoalidade da prestação; exclusividade e grau de dependência económica; tipo de remuneração; local de trabalho e titularidade dos instrumentos de trabalho; tempo de trabalho e de férias; grau de inserção na estrutura organizativa da contraparte; indícios externos.

IX - A subordinação jurídica encontra a sua génese: na posição de desigualdade/dependência do trabalhador que é inerente à sua inserção numa estrutura organizacional alheia, dotada de regras de funcionamento próprias; na correspondente posição de domínio do empregador, traduzida na titularidade do poder de direção e do poder disciplinar.

X - Nem sempre estando presentes alguns dos seus traços tradicionais e mais característicos, a subordinação deve perspetivar-se enquanto conceito de "geometria variável", que comporta graus de intensidade diversos, em função, nomeadamente, da natureza da atividade e/ou da confiança que o empregador deposita no trabalhador, assumindo natureza jurídica e não técnica, no sentido em que é compatível com a autonomia técnica e deontológica e se articula com as aptidões profissionais específicas do próprio trabalhador e com a autonomia inerente à especificidade técnica da atividade, sendo, deste modo, consentânea com atividades profissionais altamente especializadas ou que tenham uma forte componente académica ou artística, tal como pode ser meramente potencial, bastando a possibilidade de exercício dos Inerentes poderes pelo empregador.

XI - É de qualificar como laboral o vinculo contratual que uniu o aqui Autor e Ré, estando demonstrado, nomeadamente, o seguinte: a inserção do autor na estrutura administrativa, organizativa e hierárquica da Ré; o Autor desempenhou sempre e em idênticas condições as suas funções na BB, de acordo com ordens e orientações do respetivo responsável do gabinete das atividades desportivas, bem como do Conselho de administração e respetivo presidente, essas ordens eram, por vezes, transmitidas através de despachos manuscritos em documentos de trabalho da ré, delas resultando que a Ré conformava o modo de execução da atividade do Autor (a Ré elaborava a ficha técnica para as salas de musculação, nomeadamente programas, níveis de treino, métodos de treino. O Autor recebia instruções e diretivas referentes a assuntos administrativos e organizativos da Ré e sobre o processo de gestão de atividades desportivas) dando indicações concretas sobre o conteúdo dos documentos a elaborar (O Autor estava obrigado a elaborar um relatório mensal com registo de frequência / assiduidade dos alunos); fornecimento pela ré do equipamento e restante material necessário para o desempenho da atividade do autor; o autor recebia uma contrapartida pecuniária certa (quantia de € 10,00 hora, nos anos de 2011 e 2012, e de €11,00 de março de 2007 a agosto de 2011 e €10,35, até fevereiro de 2007), paga mensalmente (ao dia 15) fixada em função do tempo despendido no trabalho; cumpria um horário de trabalho de segunda a sexta-feira, marcado pela Ré, estava sujeito à supervisão do seu trabalho, ao controlo de assiduidade e pontualidade, gozava anualmente férias (marcadas pela Ré), participava em reuniões cuja realização era determinada pela Ré; exerceu funções para a Ré continuada, permanentemente e duradouramente, durante cerca de 10 anos e 8 meses.

XII - Deste modo, o Douto Tribunal recorrido, em face da prova produzida, entendeu, e no nosso modesto entendimento, entendeu muito bem, que (passamos a transcrever) “Como pontos muito fortes no sentido da caracterização de uma situação de subordinação jurídica temos desde logo, a caracterização de uma relação hierarquizada porquanto o Autor dependia e respondia perante o responsável do gabinete das atividades desportivas, sendo o seu trabalho organizado pela Ré. Por outro lado, devia obediência ao regulamento interno, tendo-lhe sido atribuído um cartão de Identificação como funcionário daquela organização, não gozava de autonomia no agendamento, pois as horas das aulas sempre foram marcadas pela Ré, sendo o respetivo horário também por ela definido. Ou seja, a calendarização não estava na livre disponibilidade do trabalhador. Não menos importante é o facto de o autor receber instruções e diretivas referentes a assuntos administrativos e organizativos da ré e sobre o processo de gestão de atividades desportivas. Do mesmo modo, também era esta quem disponibilizava o espaço, equipamentos, meios físicos e técnicos necessários ao desempenho das suas funções, o que, no contexto da relação, não assume igual importância, visto não poder ser de outro modo.

Importante era também a circunstância de o autor estar obrigado a registar a hora de entrada e sarda das instalações da ré, através das picagens manuais, bem como a elaborar um relatório mensal com o registo de frequência/assiduidade dos alunos.

Por outro lado, ainda participava em reuniões cuja realização era determinada pela ré, sendo que estava obrigado a comunicar a sua ausência com antecedência e proceder à sua substituição por outro professor.

Também assume relevância a circunstância de o autor gozar férias anuais, embora nunca remuneradas.

Todos estes elementos estão presentes numa relação laboral típica, não estando minimamente caracterizada a autonomia própria do contrato de prestação de serviços.”

XIII - A Ré/Recorrente alega, para fundamentar que a relação laboral que se estabeleceu entre o Autor e a Ré, desde 29 de novembro de 2001 até 30 de julho de 2012, configura um contrato de prestação de serviço, os factos provados sob o n.ºs 2, 3, 44, 45, 47, 48,49,50,51,52 e 67,4,19, 20, 58, 61,62, 75, 63, 80, 53 e 76, 28, 56, 81.

XIV - Só que destes factos não resulta demonstrado que o contrato firmado entre Autor e Ré é um contrato de prestação de serviços, como muito bem se refere no douto acórdão recorrido: "Porém, há pontos negativos. Desde logo, o A. Recebia uma remuneração variável, em função do número de horas ministradas, emitindo recibos verdes, estava coletado como profissional liberal, assegurava o seu próprio seguro de acidentes de trabalho e as suas contribuições para a segurança social eram efetuadas como independente.

Porém, estes fatores, considerando a relação em causa, não podem sobrepor-se ao modo como se desenrolava a prestação no dia a dia, pois é a partir do modus operandi no seio da organização empresarial que se deve aferir, em primeira linha, o tipo de contrato em presença. Sendo que é exatamente para evitar as obrigações próprias do contrato de trabalho que os empregadores recorrem a este tipo de expedientes.

Por outro lado, o autor acumulava a prestação de serviços à ré com outras atividades, das quais retirava proveitos económicas, o que, de algum modo, afasta a dependência económica. Porém, não ao ponto de afastar a caracterização da relação como de emprego dada a vacuidade de tal factualidade, sendo que, não raro, os trabalhadores recorrem a outras formas de obtenção de proventos, não obstante manterem efetivos contratos de trabalho.

Como vimos acima, são vários e consistentes os elementos próprios da integração numa estrutura organizacional que conflituam com as características próprias da prestação de serviços propriamente dita - a sujeição a uma cadeia hierárquica, a conformação a ordens superiores."

XV - Até porque, para além destes factos dados como provados outros factos também foram dados como provados pelo Tribunal a quo e pelo Tribunal da Relação, que demonstram claramente uma realidade distinta daquela que a Ré quer transparecer. Como se refere no douto acórdão: "E, se em presença do decidido anteriormente já nos inclinávamos para ter como de trabalho a relação a que as partes se vincularam, as alterações agora introduzidas mais nos impõe essa conclusão."

XVI - A Ré esquece e nada refere quantos aos factos que foram dados como provados pelo Douto ac6rdão do Tribunal da Relação, em virtude da reapreciação da matéria de facto, e da maior relevância para a análise do contrato em questão.

XVII - Assim, por tudo quanto se expôs, entendemos que na apreciação global de todos os indícios, é de qualificar como de contrato de trabalho o contrato celebrado entre o Autor e a Ré, como muito bem decidiu o tribunal recorrido.»

5 - O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal formulou parecer sustentando a procedência da revista por, em síntese, considerar que não foram demonstrados factos bastantes para, em termos de razoabilidade, permitir qualificar a relação estabelecida entre as partes como sendo um contrato de trabalho.

 

O mencionado parecer, notificado às partes, não obteve qualquer resposta.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se a relação estabelecida entre as partes configura um vínculo laboral por tempo indeterminado.


II

As instâncias deram como provados os seguintes factos[1]:

1. A ré exerce, com intuito lucrativo a atividade de gestão dos equipamentos desportivos municipais e correspondentes infraestruturas, bem como da sua utilização, e ainda a promoção e organização de eventos desportivos ou recreativos.

2. O autor foi admitido, por contrato escrito, ao serviço da ré, em 29 de novembro de 2001.

3. O referido contrato foi apelidado de “contrato de prestação de serviços”.

4. Pelo exercício da atividade de professor de musculação, o autor recebia um montante mensal variável em função do número de horas de aulas ministradas.

5. Para formalização do pagamento do que a ré lhe pagou, o autor emitiu recibos verdes, após a contabilização informática feita pela ré, relativamente às aulas ministradas pelo autor.

6. Em janeiro de 2012, a ré pagou ao autor a quantia de € 700,00.

7. Durante o mês de fevereiro e março de 2012, a ré pagou ao autor a quantia de € 740,00 mensais.

8. Já em abril de 2012, pagou a quantia de € 700,00.

9. No mês de maio de 2012, pagou a quantia de € 630,00.

10. No mês de junho de 2012, pagou a quantia de € 770,00.

11. Em julho de 2012, pagou a quantia de € 690,00.

12. Em agosto de 2012, pagou a quantia de € 770,00.

13. De janeiro a dezembro de 2011, a ré pagou ao autor o valor global de € 9.504,00, respeitante aos seguintes recibos:

-Recibo n.º 0…., de 15/01/2011, no valor de € 869,00.

-Recibo n.º 0.…, de 15/02/2011, no valor de € 924,00.

-Recibo n.º 0…., de 17/03/2011, no valor de € 968,00.

-Recibo n.º 0…., de 15/04/2011, no valor de € 990,00.

-Recibo n.º 0…., de 16/05/2011, no valor de € 770,00.

-Recibo n.º 0…, de 15/06/2011, no valor de € 836,00.

-Recibo n.º 0…, de 15/07/2011, no valor de € 770,00.

-Recibo n.º 0…, de 16/08/2011, no valor de € 814,00.

-Recibo n.º 1, de 16/09/2011, no valor de € 473,00.

-Recibo n.º 2, de 16/10/2011, no valor de € 710,00.

-Recibo n." 3, de 15/11/2011, no valor de € 640,00.

-Recibo n.º 4, de 15/12/2011, no valor de € 740,00.

14. De janeiro a dezembro de 2010 a ré pagou ao autor o valor global de € 9.911,00.

15. De janeiro a dezembro de 2005 a ré pagou ao autor o valor global de € 6.484,30.

16. De janeiro a dezembro de 2004 a ré pagou ao autor o valor global de € 6.186,16.

17. De janeiro a dezembro de 2003 a ré pagou ao autor o valor global de € 7.505,98.

18. De janeiro a dezembro de 2002 a ré pagou ao autor o valor global de € 6.325,85.

19. A ré pagava ao autor a sua prestação como professor de musculação e cardiofitness, consoante o número de aulas ministradas pelo mesmo no mês anterior, sendo que às aulas era atribuído o valor de € 10,00 hora, nos anos de 2011 e 2012, e de €10,35 e €11,00 nos anos anteriores.

20. O valor auferido pelo autor pela prestação das aulas era pago mensalmente, a meio do mês, habitualmente ao dia 15, porque, dependendo do número de aulas realizadas no mês anterior, só a meio do mês a ré finalizava a contabilização das mesmas e procedia ao seu pagamento.

21. O autor exercia a sua atividade nas salas de aulas e nas instalações da ré.

22. A ré sempre disponibilizou ao autor o espaço, equipamentos, meios físicos e técnicos necessários ao desempenho das suas funções.

23. A ré atribuiu um cartão de identificação de funcionário ao autor.

24. As horas das aulas sempre foram marcadas pela ré.

25. O autor estava obrigado a registar a hora de entrada e saída das instalações da ré, através das picagens manuais.

26. Bem como a elaborar um relatório mensal com o registo de frequência/assiduidade dos alunos.

27. O autor participava em reuniões cuja realização era determinada pela ré.

28. Sempre que não podia comparecer a prestar as aulas o autor tinha que comunicar tal facto com antecedência e proceder à sua substituição por outro professor.

29. O lugar e material de trabalho eram fornecidos pela ré.

30. O horário das aulas era definido pela ré.

31. A ré nunca pagou ao autor a remuneração correspondente a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.

32. O autor solicitou à ré, por email de 16 de agosto de 2012, a comunicação do seu despedimento por escrito.

33. A ré nunca respondeu ao solicitado.

34. A ré não promoveu os termos do despedimento com justa causa.

35. Nem o fez preceder de processo disciplinar.

36. No ano de 2012, o autor recebeu a quantia de € 5.740,00, o que corresponde a uma média mensal de € 717,50.

37. No ano de 2011, recebeu a quantia de € 9.504,00, o que corresponde a uma média mensal de € 792,00.

38. No ano de 2010, recebeu a quantia de € 9.911,00, o que corresponde a uma média mensal de € 825,92.

39. Nos anos de 2009,2008,2007 e 2006, o autor recebeu as quantias de € 9.097,00, € 7.326,00, € 6.506,35 e € 7.696,12, respetivamente, o que corresponde a uma média mensal de € 758,03, € 610,50, € 542,20 e € 641,34, respetivamente.

40. No ano de 2005, recebeu a quantia de € 6.484,30, o que corresponde a uma média mensal de € 540,36.

41. No ano de 2004, recebeu a quantia de € 6.186,16, o que corresponde a uma média mensal de € 515,51.

42. No ano de 2003, recebeu a quantia de € 7.505,98, o que corresponde a uma média mensal de € 625,50.

43. No ano de 2002, o autor recebeu a quantia de € 6.325,85, o que corresponde a uma média mensal de € 527,15.

44. Por contrato escrito datado de 29/11/2001, designado de “contrato de prestação de serviços", o autor comprometeu-se a prestar serviços para a ré, no Pavilhão Municipal da ..., serviços esses consubstanciados no exercício de "funções de Professor das atividades a promover na sala de musculação".

45. Conforme previsto no n.º 4 da cláusula terceira do mencionado contrato de prestação de serviços, o mesmo podia "ser feito cessar a todo o tempo, por qualquer das partes, com aviso prévio de trinta dias e sem obrigação de indemnizar".

46. Em 15/07/2011, por carta registada com aviso de receção, a ré comunicou ao autor a cessação do referido “contrato de prestação de serviços”, com efeitos reportados a 15/08/2011.

47. Em setembro de 2011, a ré procedeu à abertura de procedimento de ajuste direto para celebração de "Contrato de Prestação de Serviços de Monitorização e Orientação da Prática de Musculação e Cardiofitness", tendo convidado o autor a apresentar proposta.

48. O autor apresentou proposta no âmbito do referido procedimento de ajuste direto, declarando expressamente que ''tendo tomado inteiro e perfeito conhecimento do caderno de encargos relativo à execução do contrato a celebrar na sequência do ajuste direto", se obrigava "a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas" .

49. No âmbito do mencionado procedimento de ajuste direto, e conforme lhe incumbia, o autor comprovou perante a ré a titularidade do seguro de acidentes de trabalho, obrigatório para os prestadores de serviços, cujo prémio foi pago pelo autor (Facto com a redação atribuída pelo Tribunal da Relação).

50. A prestação de atividade pelo autor à ré foi sempre efetuada ao abrigo de denominados contratos de prestação de serviços, relativamente aos quais o autor nunca invocou falta ou qualquer vício de vontade.

51. Pelo menos relativamente ao contrato de prestação de serviços objeto do ajuste direto, o autor participou ativamente no procedimento de formação do contrato.

52. O autor esteve coletado nas finanças como profissional liberal, até 02/08/2012.

53. Era o autor quem planeava, programava, prescrevia e monitorizava os planos de treino dos utentes, fazendo-o do modo que entendia correto e adequado.

54. Os documentos constantes de fls. 110 a 133, tratam-se de documentos de índole técnica, elaborados pelo Diretor Técnico das instalações desportivas da ré, no exercício das funções, obrigatórias, que lhe estão legalmente cometidas.

55. O registo das horas de serviço prestadas pelo autor - inicialmente feito através do cartão (mencionado em 23) e que foi entregue ao autor única e exclusivamente para esse fim, e posteriormente de modo manual - era feito para controlo/contabilização da respetiva retribuição.

56. A consequência que advinha para o autor da não prestação de atividade nos dias/horas em que se tinha obrigado era a não retribuição das horas em causa.

57. O autor recebia periodicamente honorários variáveis.

58. Os honorários variavam em função das horas de serviço efetivamente prestadas, nada recebendo o autor se, em dia e hora em que estava obrigado a prestar os serviços contratados com a ré, os não prestasse.

59. No que respeita aos honorários pagos pela ré ao autor:

- no ano 2010, a ré pagou ao autor um valor global de honorários de 9.911,00 €;

- no ano 2009, a ré pagou ao autor um valor global de honorários de 9.097,00 €;

- no ano 2008, a ré pagou ao autor um valor global de honorários de 7.326,00 €;

- no ano 2007, a ré pagou ao autor um valor global de honorários de 6.506,35 €;

- no ano 2006, a ré pagou ao autor um valor global de honorários de 7.696,12 €;

- no ano 2005, a ré pagou ao autor um valor global de honorários de 6.484,30 €;

- no ano 2002, a ré pagou ao autor um valor global de honorários de 6.325,85 €.

60. A ré pagava ao autor, por cada hora efetivamente prestada: - 10,35 €, até fevereiro de 2007;

- 11,00 €, de março de 2007 a agosto de 2011;

- 10,00 €, a partir de setembro de 2011.

61. O autor sempre deu quitação dos honorários recebidos da ré através dos chamados "recibos verdes".

62. Sobre as quantias pagas ao autor nunca incidiram quaisquer descontos para a segurança social e a ré não pagou quaisquer contribuições à segurança social relativas à atividade prestada pelo autor, factos que eram do conhecimento do autor, e em relação aos quais nunca se opôs sem solicitou à ré que efetuasse esses descontos ou pagasse essas contribuições.

63. O autor nunca beneficiou de férias pagas, nem recebeu quaisquer montantes a título de subsídio de férias e/ou de Natal.

64. Sem que tivesse transmitido ou solicitado à Administração da ré o que quer que fosse, o autor remeteu ao Professor CC, funcionário da ré, o email aludido no facto 32), com o teor constante do documento de fls. 138.

65. O autor não mais se apresentou nas instalações da ré para prestar os serviços.

66. Por correio eletrónico de 16/08/2012, foram comunicados ao autor - como aos demais professores - os horários que lhe estavam atribuídos para a época desportiva a iniciar a 1 de setembro.

67. O autor cessou a sua atividade nas finanças em 02/08/2012.

68. O autor, no ano de 2012, exerceu funções entre segunda e sexta-feira, das 17H30 às 21H00.

69. O autor, no ano de 2011, exerceu funções entre segunda e sexta-feira, das 17H00 às 21H00.

70. Nos anos anteriores a 2011, trabalhou sempre, pelo menos, 4 a 6 horas diárias.

71. O autor recebia instruções e diretivas referentes a assuntos administrativos e organizativos da ré e sobre o processo de gestão de atividades desportivas.

72. O autor gozava férias anuais.

73. A ré tinha trabalhadores a desempenhar funções idênticas às do autor.

74. O autor é pessoa com frequência académica.

75. O autor esteve inscrito na Segurança Social como trabalhador independente até, pelo menos, 31.07.2012.

76. Era o autor quem planeava, programava, prescrevia e monitorizava os planos de treino dos utentes, fazendo-o do modo que entendia por correto e adequado.

77. O autor, na estrutura organizativa da ré, desempenhava as funções referidas em 4).

78. O autor não participava em todas as reuniões organizadas pelo Diretor Técnico e eventos organizados pela ré.

79. O registo mensal da frequência/assiduidade dos alunos, destinava-se, pelo menos, ao controlo da ré do número/frequência de utilizadores.

80. Até 23.01.2013, o autor nunca reclamou junto da ré férias remuneradas ou o pagamento de subsídio de férias e de Natal.

81. O autor acumulava a prestação de serviços à ré com outras atividades, das quais retirava proveitos económicos.

82.Era a ré que elaborava a ficha técnica para as salas de musculação, nomeadamente programas, níveis de treino, métodos de treino.

83. Nos meses de agosto e setembro de 2011, o autor exerceu as suas funções para a ré, pelo menos, nos dias 11.08.2011, 12.08.2011, 17.08.2011, 18.08.2011, 19.08.2011, 05.09.2011, 06.09.2011, 07.09.2011, 08.09.2011, 09.09.2011, 12.09.2011,03.09.2011, 14.09.2011, 15.09.2011, 16.09.2011 e 19.09.2011.

84. Sempre o autor exerceu as suas funções de modo assíduo, ininterrupto e com elevado nível de profissionalismo.

85. O Autor devia obediência ao regulamento interno.

86. O Autor dependia e respondia perante o responsável do gabinete das atividades desportivas.

87. O trabalho do autor era organizado pela ré.

88. O autor trabalhou ininterruptamente para a ré desde a data da sua admissão, 29 de novembro de 2001 até 30 de julho de 2012.

89. O registo das horas de serviço prestadas pelo autor, era feito para controlo dos horários de entrada e saída, o autor não podia chegar atrasado à aula, nem sair mais cedo da mesma.


III

1 - Atendendo a que a presente ação se iniciou em 22 de janeiro de 2013, a lei adjetiva laboral a considerar é a decorrente do Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, aplicável, de acordo com as normas ínsitas nos arts. 6.º e 9º do mesmo diploma, às ações iniciadas após a sua entrada em vigor, em 01/01/2010.

Em termos de aplicação supletiva do regime adjetivo civil [arts. 1º n.º 2 al. b), 81º n.º 5 e 87º do CPT/99] ao presente recurso de revista é aplicável o Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, atendendo à data da prolação da decisão recorrida (14.05.2014).

Em sede de direito substantivo, importa ter presente que está em causa nestes autos a qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes entre 29/11/2001 e 30/07/2012, constituída, portanto, antes da entrada em vigor do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto de 2003, e cessada depois da entrada em vigor do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (17 de fevereiro de 2009).

Segundo o entendimento jurisprudencial reiteradamente expresso por este Supremo Tribunal[2], estando em causa uma relação jurídica cuja execução perdura ininterruptamente durante certo período, aplica-se a lei laboral vigente à data do seu início.

Assim, não se extraindo da matéria de facto provada no caso em apreço que as partes tivessem alterado, a partir de 1 de dezembro de 2003, os termos essenciais da relação jurídica entre eles estabelecida, à qualificação dessa relação aplica-se o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969, adiante designado por LCT.

2 - Está em causa nesta revista saber se a atividade de professor de educação física (musculação e cardiofitness) que o A. prestava à R. deve ser qualificada como contrato de trabalho, conforme decidiu a Relação, ou como contrato de prestação de serviço, conforme pugna a recorrente.

O contrato de trabalho é definido no artigo 1152.º do Código Civil como «aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob autoridade e direção desta».

Por sua vez, o contrato de prestação de serviço, de acordo com o disposto no artigo 1154.º do mesmo código, é aquele em que uma pessoa «se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».

A noção de contrato de trabalho consagrada naquele artigo foi retomada no artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, mantendo-se nos seus aspetos essenciais no artigo 10.º do Código de Trabalho de 2003, ou no artigo 11.º do Código do Trabalho de 2009.

Existe uma evidente proximidade entre estes contratos encontrando-se na existência da subordinação jurídica o elemento estruturante na delimitação entre os dois.

O contrato de trabalho caracteriza-se, fundamentalmente, pela dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face ao outro contraente, a entidade empregadora, em face da qual o trabalhador fica sujeito às ordens daquela, relativamente aos termos da prestação do seu trabalho e ao respetivo poder disciplinar.

A conformação dos termos da prestação de trabalho tem um dos vetores no poder de direção da entidade empregadora e outro no dever de obediência à disciplina que enquadra essa prestação, decorrente do exercício daquele poder e a que o trabalhador se encontra sujeito.

Na definição de Menezes Cordeiro[3], a subordinação jurídica consiste numa situação de sujeição, em que se encontra o trabalhador, de ver concretizado, por simples vontade do empregador, o dever de prestar em que está incurso. Mesmo naquelas situações em que o trabalhador goza de grande independência técnica, o que corresponde, em regra, a um elevado grau de qualificação, determinando que o núcleo da própria atividade escape à esfera das instruções do empregador, não goza de autonomia na programação e na organização da atividade: o tempo, o local e os meios de realização da prestação são definidos por este último, havendo, pois, subordinação.

Ou seja, no contrato de trabalho, a entidade patronal tem o poder de orientar, através de ordens, diretivas e instruções (poder de direção) a prestação a que o trabalhador se obrigou, fiscalizando a sua atuação. No contrato de trabalho é a entidade patronal que programa, organiza e dirige a atividade do trabalhador, definindo onde, como e quando este deve executar a sua obrigação.

A subordinação jurídica existirá, pois, sempre que ocorra a mera possibilidade de ordens e direção, bem como quando a entidade patronal possa, de algum modo, orientar a atividade laboral em si mesma.

Importa, no entanto, ter presente, como refere Maria do Rosário da Palma Ramalho, que «o reconhecimento tradicional do poder diretivo como critério qualificativo por excelência do contrato de trabalho, enquanto reverso da subordinação do trabalhador, merece ser reponderado, porque corresponde a uma visão excessivamente estreita da própria subordinação e porque o poder de direção é pouco saliente como marca distintiva do contrato de trabalho»[4]  e conclui aquela autora pronunciando-se «pela inaptidão do poder de direção para, por si só, poder operar a qualificação do contrato de trabalho», referindo que «sem negar a importância deste poder no contrato, forçoso é reconhecer que tal importância decorre não tanto de uma diferença qualitativa como de uma diferença de intensidade, em razão da maior indeterminação da prestação laboral (…) e do caráter continuado do vínculo»[5] .

Por outro lado, na prestação de serviço não existe esta subordinação, tendo o trabalhador autonomia relativamente aos termos da execução do trabalho, ficando, contudo, vinculado ao resultado da atividade prosseguida.

Apesar da linearidade do apontado critério de distinção entre estes dois contratos, a questão da qualificação contratual assume, em certas situações da vida real, uma grande complexidade, dado que as formas de subordinação jurídica são cada vez mais diversificadas e nem sempre aparecem de forma evidente. E, por outro lado, existem diferentes graus de subordinação, pois há formas de trabalho subordinado em que a atividade é prestada com grande autonomia, não existindo ordens concretas e específicas, mas um mero quadro potencial da sua existência.

Com efeito, sendo a subordinação jurídica do trabalhador ao beneficiário da respetiva atividade o aspeto verdadeiramente diferenciador do contrato de trabalho, ao ponto de existir necessariamente naquele, não raro se verificam situações em que se torna difícil a determinação da verificação dessa subordinação do prestador da atividade à pessoa que dela beneficia.

É que a subordinação jurídica pode não transparecer em cada momento da prática de certas relações de trabalho e ao lado dos casos em que, diariamente, a entidade patronal manifesta a sua posição de supremacia, programando, dirigindo, controlando e fiscalizando a atividade do trabalhador, existem outros em que devido às condições de realização da prestação, o trabalhador goza de uma certa autonomia na execução da sua atividade laborativa, sem que deixe de ocorrer a subordinação jurídica.

Daí que, sempre que não se consiga obter uma conclusão decisiva pela análise e interpretação da vontade das partes, deverá, conforme vem referido no acórdão desta secção, de 15 de abril de 2015, proferido na revista n.º 329/08.0TTCSC.L1.S1[6]: « … aferir-se a caracterização do contrato pela interpretação dos elementos disponíveis resultantes do modo como as partes se relacionavam no desenvolvimento e na execução do contrato, com recurso ao chamado método indiciário ou de aproximação tipológica.

No elenco dos indícios de subordinação, é geralmente conferido ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa – tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem.

Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, ou fixa), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação.

São ainda referidos indícios de caráter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por contra de outrem».

No mesmo sentido, se referiu no acórdão desta secção, de 9 de fevereiro de 2012, proferido na revista n.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1[7], «nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a atividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da atividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da atividade, existência de controlo externo do modo de prestação da atividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a atividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da atividade, a inscrição do prestador da atividade na Segurança Social e a sua sindicalização)».

Importa igualmente ter presente que, conforme refere Monteiro Fernandes, «cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade», pelo que «o juízo a fazer (…) é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta», não existindo «nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso» [8].

Torna-se, pois, necessária uma ponderação global dos elementos indiciários constatados, tentando encontrar o sentido dominante dos mesmos, procurando encontrar uma maior ou menor correspondência dessa dimensão global com o conceito-tipo de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviço.

Por outro lado, «a conclusão no sentido da existência de subordinação jurídica, a partir dos indícios de subordinação indicados, e a consequente qualificação laboral do contrato deve (…) ser rodeada das cautelas normalmente exigidas pela aplicação de um método indiciário à qualificação de um negócio jurídico, deve ainda ter especial atenção à evolução moderna do contrato de trabalho enquanto tipo negocial e, por fim, não deve conduzir a um resultado qualificativo contrário à vontade real das partes na conclusão do negócio»[9] .

Tradicionalmente, nos termos do regime geral da distribuição do ónus da prova, à luz do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho.

É nesse cenário que se insere o recurso aos indícios acima referidos, como forma de demonstração da existência de uma relação de trabalho subordinado.

Feitas estas considerações genéricas, passemos agora à análise do caso concreto.

3 - Atento o quadro factual traçado em juízo, constatamos se provaram factos que, vistos autonomamente, podem indiciar a existência de um contrato de trabalho.

Destacam-se os seguintes:

- o trabalho prestado nas instalações da beneficiária da atividade do A. e com os equipamentos desta;

- a existência de horário definido pela R.;

- a necessidade do A. registar a hora de entrada e saída das instalações da ré;

- a obediência devida pelo A. ao regulamento interno da R.;

- a circunstância de o A. depender e responder perante o responsável do gabinete das atividades desportivas;

- a circunstância de o A. receber instruções e diretivas referentes a assuntos administrativos e organizativos da R. e sobre o processo de gestão de atividades desportivas.

Tais factos, contudo, quando analisados numa perspetiva global e dentro do contexto e condições específicas da relação jurídica estabelecida entre as partes, não são significativos em termos indiciários.

Senão vejamos:

A atividade desenvolvida pelos professores de educação física é suscetível de ser levada a cabo, indistintamente, num quadro de subordinação ou em termos autónomos, pelo que nenhuma inferência de relevo é possível retirar em função deste elemento.

Do mesmo modo, é irrelevante que o A. prestasse a sua atividade nas instalações da R., bem como que usasse nas suas aulas material fornecido pela R. (factos n.ºs 21, 22, 29).

Com efeito, tratando-se de instalações da R., é natural que fosse esta a fornecer os equipamentos e materiais de apoio técnico necessários e adequados às atividades físicas ali desenvolvidas pelos utentes da R., mais concretamente nas aulas ministradas pelo A. e demais professores.

Ademais, a atividade de um professor de musculação e cardiofitness deve ser exercida, em regra, num ginásio apetrechado de equipamento específico que não é normal pertencer ao prestador de serviços e onde este possa cumprir a prestação debitória.

Também a existência de horário fixado pela R. para ministrar as aulas (facto n.º 24) não é determinante para a qualificação do contrato, uma vez que num complexo desportivo destinado, para além do mais, ao exercício de musculação e cardiofitness com vários professores e múltiplos alunos, é essencial a existência de horários para que as aulas funcionem com o mínimo de organização, independentemente da natureza do vínculo contratual dos professores e monitores que aí prestem serviço, como se argumenta, em situação similar, no acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de maio de 2007, processo n.º 06S4368 [10].

Por outro lado, também o facto de ao A. ter sido atribuído um cartão de funcionário e de ele ter de registar a hora de entrada e saída das instalações da R. (factos n.ºs 23 e 25) poderia apontar para a existência dum contrato de trabalho.

No entanto, apurou-se que o referido cartão só foi entregue ao A. para efeitos do registo das horas de serviço prestadas e esse registo destinava-se apenas ao controlo e fiscalização da retribuição das horas por ele prestadas (facto n.º 55).

Também a questão da comunicação das faltas poderia indiciar para a existência dum vínculo de natureza laboral.

No entanto, não só não se apurou que destas faltas resultasse a possibilidade de a R. agir disciplinarmente contra o A., como ficou expressamente demonstrado que a consequência que advinha para o A. da não prestação de atividade nos dias/horas a que se tinha obrigado era a não retribuição das horas em causa (facto provado n.º 56), o que não é, de todo, típico do contrato de trabalho, conforme resulta do rigoroso regime das faltas, previsto na legislação laboral (mais concretamente nos arts. 248º e seguintes, especialmente no art.º 253º, do Código do Trabalho de 2009).

Outrossim, ficou provado que a necessidade da comunicação da falta se destinava apenas a permitir que este pudesse proceder à sua substituição (facto n.º 28), o que se compreende por uma questão de qualidade e boa imagem dos serviços prestados pela R. aos seus clientes, assim se evitando que estes ficassem sem aula.

Ora, conforme tem sido o entendimento seguido por este Supremo Tribunal[11], esta possibilidade do A. se fazer substituir, nos termos amplos em que o podia fazer, evidencia que o mesmo não se integrava na estrutura organizativa da ré. Com efeito, a possibilidade de o trabalhador se fazer substituir revela inequivocamente que o que interessava à R. não era a atividade do trabalhador em si mesma, como é próprio do contrato de trabalho (art.º 1152.º do Código Civil), que é celebrado intuitu personae, mas antes o resultado da atividade, característica do contrato de prestação de serviços (art.º 1154.º do Código Civil).

Por outro lado, também a circunstância de o A. dever obediência ao regulamento interno, de depender e responder perante o responsável do gabinete das atividades desportivas e, ainda, de ter o seu trabalho organizado pela ré (factos n.ºs 85, 86, 87), por si só não significa que existe subordinação jurídica, entendida no sentido de o trabalhador estar sujeito a ordens, pois na prestação de serviços quem contrata pode organizar, vigiar e acompanhar a sua prestação com vista ao controlo do resultado. Além disso, também o beneficiário da atividade não está inibido de dar orientações quanto ao resultado que pretende obter do prestador.

Ademais, as instruções e diretivas recebidas pelo A. no decurso da sua atividade referentes a assuntos administrativos e organizativos da ré e sobre o processo de gestão de atividades desportivas (facto n.º 71), assim como o cumprimento das orientações constantes no regulamento interno da Ré (facto n.º 85), faz todo o sentido num contexto em que, havendo vários professores (facto n.º 73), a harmonização pedagógica e a uniformização dos procedimentos é fundamental para salvaguardar a imagem de qualidade e a política comercial do ginásio/instalações desportivas, não se podendo, nessa medida, configurar as mesmas como ordens emanadas da R. e nem a verificação do seu cumprimento corresponde por isso a um controlo por superior hierárquico do desempenho da função do A.

Trata-se, pois, de respeitar normas próprias da profissão, qualquer que seja a modalidade do seu exercício e de respeitar o resultado definido pelo beneficiário da atividade, como é legítimo na generalidade das relações jurídicas afins, designadamente de prestação de serviço.

Aliás, a existência de reuniões e orientações ou instruções a seguir não é incompatível com o contrato de prestação de serviço pois o credor sempre tem uma palavra a dizer no modo como o serviço contratado deve ser executado e pode exercer alguma fiscalização sobre o desempenho do devedor, o que na situação dos autos é até compreensível por se estar perante a atividade desenvolvida num ginásio/instalações desportivas, envolvendo, nessa medida, uma área técnica e até pedagógica.

Doutro modo, se é certo que era a R. que elaborava a ficha técnica para as salas de musculação, nomeadamente programas, níveis de treino, métodos de treino (facto n.º 82), certo é também que era o A. quem planeava, programava, prescrevia e monitorizava os planos de treino dos utentes, fazendo-o do modo que entendia correto e adequado (facto n.º 76).

Ou seja, enquanto instrutor de musculação e de cardiofitness, o A. ministrava os exercícios sem qualquer interferência por parte da R., não lhe sendo determinado concretamente o que tinha que fazer no desempenho das suas funções, bem como a forma como tinha que desempenhá-las, não recebendo ordens ou determinações da R. ou dos seus representantes, não estando sujeito a fiscalização ou à aplicação de alguma sanção.

Em suma, a intervenção da R. limitava-se ao momento pré-organizativo da atividade, mas com relação a todo o processo ulterior, não se apurou que a R. exercesse, direta ou indiretamente, um poder conformativo sobre o A., qual seja o poder de direção ou disciplinar.

Efetivamente e conforme se argumenta no supra mencionado acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de maio de 2007, proferido no processo n.º 06S4368: «O facto de o coordenador técnico do R. supervisionar as aulas de natação lecionadas pelo A. e dar indicações e instruções a este sobre como eram dadas as aulas não reflete por si, uma manifestação dos poderes de direção e autoridade característicos do contrato de trabalho, tendo a ver com o direito de R. de exigir uma certa conformação ou qualidade no resultado (aulas) que constituía o objeto do contrato».

Daqui se extrai que o A., no âmbito da atividade profissional desenvolvida em favor da R., possuía um considerável grau de autonomia, o que só pode significar que não estava sujeito ao controlo e fiscalização da R., interessando a esta apenas a produção de um determinado resultado e não a atividade do A.

Por outro lado, verifica-se que o A. era retribuído em função das horas de trabalho por si cumpridas como professor de musculação e cardiofitness - pelo que nada recebia se não fosse trabalhar - e não em função de uma qualquer unidade temporal (factos n.ºs 4, 19, 20, 56), o que, em princípio, é mais característico da prestação de serviços, em que se retribui o resultado da atividade, do que do contrato de trabalho em que normalmente se paga a disponibilidade do trabalhador.

Importa também atentar que o A. conferia à R quitação das quantias mensais que esta lhe entregava através dos vulgarmente denominados “recibo verdes”, emitido em seu nome, estando por isso necessariamente coletado nas Finanças como trabalhador independente (factos n.ºs 5, 52 e 61).

Acresce que nos mais de dez anos em que as partes permaneceram contratualmente vinculadas, a R. jamais pagou ao A. férias, subsídios de férias e de Natal, ou efetuou descontos para a Segurança Social, tudo sem que o A. tivesse contestado tal situação ou exigido à R. que a regularizasse, apenas se insurgindo após cessação da relação entendeu reivindicar (factos n.ºs 31, 62, 63 e 80).

Também ficou demonstrado que o A., no ano de 2011, exerceu funções entre segunda e sexta-feira, das 17h00 às 21h00 e que nos anos anteriores a 2011, trabalhou sempre, pelo menos, 4 a 6 horas diárias (factos n.ºs 68 e 69).

Ora, o apontado número de horas que o A. lecionava nas instalações da R. aliado ao facto de o A. acumular a prestação de serviço à R. com outras atividades, das quais retirava proveitos económicos (facto n.º 81), evidenciam, por um lado, que o A. não trabalhava exclusivamente para a R. e, por outro, que não estava na dependência económica desta, o que também contrasta com aquilo que é a regra quando nos encontramos no âmbito de um contrato de trabalho.

Refira-se, por fim, que nada nos autos indica que as partes tenham pretendido celebrar um contrato de trabalho, antes se indiciando o contrário.

Na verdade, a prestação de atividade pelo A. à R. foi sempre efetuada ao abrigo de denominados contratos de prestação de serviço, relativamente aos quais o A. nunca invocou falta ou qualquer vício de vontade (facto n.º 50).

Assim, A. e R. vincularam-se através de contrato escrito de “Contrato de Prestação de Serviços", dispondo o número 4 da respetiva cláusula terceira, que o mesmo podia "ser feito cessar a todo o tempo, por qualquer das partes, com aviso prévio de trinta dias e sem obrigação de indemnizar" (factos n.ºs 3 e 45).

Outrossim, apurou-se que em setembro de 2011 a R. procedeu à abertura de procedimento de ajuste direto para celebração de "Contrato de Prestação de Serviços de Monitorização e Orientação da Prática de Musculação e Cardiofitness", tendo convidado o A. a apresentar proposta, o que ele fez, declarando expressamente que ''tendo tomado inteiro e perfeito conhecimento do caderno de encargos relativo à execução do contrato a celebrar na sequência do ajuste direto", se obrigava "a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas" (factos n.ºs 47 e 48).

Acresce que no âmbito do mencionado procedimento de ajuste direto, o autor comprovou perante a ré a titularidade do seguro de acidentes de trabalho, obrigatório para os prestadores de serviços, cujo prémio foi pago pelo autor, tendo o A. participado ativamente no procedimento de formação do contrato (facto n.º 49).

É certo que o nomen juris utilizado pelas partes na titulação formal dada ao contrato não é decisivo quanto à sua qualificação (e muito menos, naturalmente, no tocante à determinação da correspondente disciplina jurídica), embora seja um dos elementos auxiliares a ter em consideração no esforço interpretativo para alcançar o real sentido das declarações de vontade, sobretudo quando os contraentes são pessoas esclarecidas e no contrato figuram cláusulas características do correspondente tipo negocial.  

No entanto, o A. é pessoa de com frequência académica (facto n.º 74), logo à partida dotado de padrões culturais diferenciados, tinha consciência do significado/alcance dos documentos que assinou e que conhecia a diferença existente entre os contratos de trabalho e de prestação de serviço, bem como as implicações jurídicas e práticas inerentes à seleção de uma ou outra destas categorias.

Deste modo, também neste âmbito, nada indica que as partes tenham pretendido celebrar um contrato de trabalho, antes se indiciando o contrário.

Ponderando globalmente os elementos decorrentes da matéria de facto relevantes para a caracterização do vínculo que ligou o Autor à Ré, podemos concluir que esses elementos não permitem dar como provada a existência entre ambos de uma relação de trabalho subordinado.

De facto, os elementos apurados não revelam a existência de qualquer autoridade da R. sobre o A. na execução do seu serviço e não são suficientes para podermos concluir pela existência de subordinação jurídica na forma como a atividade era desenvolvida.

Incumbia ao Autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, fazer prova dos factos que integrassem a subordinação jurídica que é elemento integrante do contrato de trabalho, o que não fez.


IV

Termos em que se acorda em conceder a revista e, revogando o acórdão recorrido, repristina-se a decisão proferida na 1ª instância.

As custas da revista e da apelação ficam a cargo da Ré - art.º 527, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Anexa-se sumário do Acórdão.

Lisboa, 10 de dezembro de 2015

António Leones Dantas (Relator)

Melo Lima

Mário Belo Morgado

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[1] Os factos descritos nos pontos n.ºs 84 a 89 foram aditados pelo Tribunal da Relação na decisão recorrida.
[2] Acs. de 15-01-2014, Proc. 32/08.0TTCSC.S1; 22-09-2011, Proc. n.º 192/07.8TTLSB.L1.S1, e de 14-04-2010, Proc. n.º 1348/05.3TTLSB.S1
[3] Manual do Direito do Trabalho, Almedina 1991, p. 535
[4] Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2009, p. 54
[5] Obra citada, p. 56
[6] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[7] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[8] Direito do Trabalho, 14.ª Edição, 2009, Almedina, p. 149
[9] Maria do Rosário da Palma Ramalho, Obra citada, p. 44
[10] Disponível nas Bases de Dados  Jurídicas da DGSI.
[11] Acs. de 21-05-2003, processo n.º 881/02 da 4.ª Secção, e de 20-09-2006, Processo n.º 694/06 da 4.ª secção